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O enigma do direito

01/05/2000 às 00:00
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O que é Direito ? A bem definir o que seja Direito, nada mais simples e profundo do que a frase de SANTI ROMANO: "realização de convivência ordenada". Segundo HANS KELSEN "o direito é uma ordem da conduta humana. Uma "ordem" é um sistema de regras. O Direito não é, como às vezes se diz, uma regra. É um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema. É impossível conhecermos a natureza do Direito se restringirmos nossa atenção a uma regra isolada. As relações que concatenam as regras específicas de uma ordem jurídica também são essenciais à natureza do Direito. Apenas com base numa compreensão clara das relações que constituem a ordem jurídica é que a natureza do Direito pode ser plenamente entendida".


Não se pode perder a perspectiva de que o Direito é um sistema de referência cruzada em relação à realidade social que o legitima. As diversas leituras e releituras de um comando normativo tornam-se parte da rotina do exegeta jurídico, pois a "desatualidade" do texto é patente, no momento em que é escrito. Essa noção de "re-construção" da norma jurídica, talvez auxilie a compreensão dessa ciência do "dever ser", no verdadeiro sentido do Direito que, por vezes, pode se contrapor ao texto escrito. SÓFOCLES, há mais de vinte séculos, exprimia, pela boca de Antígona, o paradoxo do Direito ao opor-se à lei de Creonte que a proibia de enterrar o irmão, a seu ver, um traidor // Creonte: Desafias tão flagrantemente a minha lei ? // Antígona: Naturalmente! Pois que não foi Zeus quem a promulgou, nem encontrarás tal lei imposta pela Justiça aos homens. Nunca acreditei que os teus éditos tivessem força tal que pudesse anular as leis do céu, as quais, não escritas nem proclamadas, têm duração eterna e uma origem para além do nascimento do homem.

Em direito não se pode falar em certo ou errado, mas tão somente em valores que predominam. Imaginemos que numa viagem de avião, resolvemos parar em uma praia de uma ilha distante, lá observamos vários homens sacrificando a vida de um outro. Dentro do nosso sistema de valores, diríamos que é um homicídio, porém para aqueles homens, este ato é parte de uma cerimônia religiosa. Cada sociedade elege seu sistema de valores, seu particular modo de vida. Precisa pois a afirmação do Mestre HERMANO MACHADO: "Não é possível demonstrar uma hierarquia de valores". Lida o Direito com convenções, procurando revelar o socialmente aceitável. O trato de convenções não é privilégio das ciências sociais, afinal dois mais dois é definido como quatro porque ninguém disse que seria cinco, antes. Símbolos, convenções.

Para NEWTON a menor distância entre dois pontos é uma reta, para EINSTEIN, é uma curva. A seu modo, ambos estão certos, mesmo em se tratando de ciências naturais, materialmente demonstráveis. Vale refletir com JEAN CARBONNIER que "o direito é demasiadamente humano para pretender ao absoluto da linha reta. Sinuoso, caprichoso, incerto, cambiante mas ao acaso, e inúmeras vezes recusando a mudança esperada, imprevisível, tanto para o bom senso quanto pelo absurdo. Flexível direito! É necessário, para bem amá-lo, começar a despi-lo. Seu rigor, tem-no apenas por afetação ou impostura". Poeticamente, o Prof. ALMEIDA DINIZ vê o direito como magia. A poesia bem serve para exprimir o que não comporta definição. O homem justifica, institui e aplica o Direito - Ubi homo, ibi ius. Portanto nenhum homem poderá analisar o fenômeno jurídico com a necessária isenção, pois dele não poderá se afastar. Sábio SANTI ROMANO...

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Sobre o autor
José Barroso Filho

magistrado da Justiça Militar da União, professor universitário, doutorando em Administração Pública pela Universidad Complutense de Madrid (Espanha), mestre em Direito pela UFBA, especialista em Direito Público pela UNIFACS, pós-graduado pela Escola Judicial Edésio Fernandes/MG e pela Escola de Formação de Magistrados/BA, conferencista da Escola de Administração do Exército (ESAEX), diretor científico do Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB), membro do Núcleo de Ação Social (CORDIS), ex-juiz de Direito em Minas Gerais e Pernambuco, ex-promotor de Justiça na Bahia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARROSO FILHO, José. O enigma do direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1898. Acesso em: 23 abr. 2024.

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