Após longas batalhas entre a Administração Pública e a Justiça do Trabalho, no dia 24 de novembro de 2010 (publicado no DJE e DOU de 03/12/2010) parecia que Supremo Tribunal Federal tinha colocado um ponto final na briga: foi declarada a constitucionalidade do Art. 71, §1º. da Lei nº 8.666/93, mais conhecida como Lei de Licitações, por meio da Ação Direta de Constitucionalidade nº. 16.
O Judiciário trabalhista ficou sem rumo no período pós-decisão do STF, não sabendo de que modo julgar as causas que envolviam a responsabilidade subsidiária do ente público, que não são poucas.
Juízes viviam em conflito consigo: julgar nos termos da decisão do STF ou nos termos da Súmula 331 do TST, onde seria feita a "justiça social", com a presença dos entes públicos "seguradores universais"?
Como felicidade de ente público dura pouco, exatos seis meses após a decisão do STF, reuniu-se o pleno do TST no dia 24 de maio de 2011 para definir uma nova redação para a Súmula 331 do TST.
Em notícia veiculada no site do Tribunal Superior do Trabalho, abrindo brecha para outras interpretações, foi divulgado pelos Ministros que o comentário do Ministro Peluso no julgamento da ADC 16, foi utilizado para embasar a novel redação:
"Na ocasião, o presidente do Supremo, ministro Cezar Peluso, ressaltou que o resultado do julgamento ‘não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade com base nos fatos de cada causa’. Houve consenso entre os ministros no sentido de que o TST não poderá generalizar os casos e terá que investigar com mais rigor se a inadimplência tem como causa principal a falha ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante." [01]
Com base neste entendimento, o pleno do TST modificou o inciso IV e acrescentou outros dois incisos, ficando da seguinte maneira:
"IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V- Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral."
Entendemos que o pleno do TST equivocou-se.
A decisão é composta de três elementos, quais sejam: relatório, fundamentação e dispositivo.
O relatório é o histórico dos mais relevantes fatos que aconteceram na causa.
Já na fundamentação, "o magistrado resolve as questões incidentais, assim entendidas aquelas que devem ser solucionadas para que a questão principal (o objeto litigioso do processo) possa ser decidida" [02].
O dispositivo "é a parte da decisão em que o órgão jurisdicional estabelece um preceito, uma afirmação imperativa, concluindo a análise acerca de um (ou mais de um) pedido que lhe foi dirigido" [03].
Infelizmente, pelo momento que estamos passando, há conceitos que não se aplicam ao caso concreto.
O comentário no Ministro Peluso, que foi registrado através de notas taquigráficas, não tem força executória, diferentemente do dispositivo da decisão da ADC 16, que foi colocado da seguinte maneira:
"O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Cezar Peluso (Presidente), julgou procedente a ação, contra o voto do Senhor Ministro Ayres Britto. Impedido o Senhor Ministro Dias Toffoli. Plenário, 24.11.2010" (grifo nosso)
Desta feita, qual era o objeto da ADC 16? A declaração da constitucionalidade do Art. 71, §1º. da Lei no. 8.666/93!
Assim, o mencionado artigo assim dispõe:
"§ 1ºA inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis." (grifo nosso)
A inserção de novas condicionantes para responsabilizar a Administração Pública acaba de criar uma nova briga com o Judiciário Trabalhista, prejudicando o trabalhador, visto que é comum tais demandas serem levadas até as instâncias extraordinárias, para um pronunciamento final do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto.
Necessita o Judiciário laboral ser mais imparcial, atuando com justiça para ambos os lados, e vendo os dois lados da relação processual.
O que vemos, na prática, é o magistrado do trabalho atuando em prol do trabalhador, como verdadeiro advogado, deixando de lado todos os princípios processuais, entre eles, a isonomia processual e da imparcialidade.
É que a magistratura trabalhista enxergue que o Poder Judiciário não é um programa social governamental de distribuição de renda, onde o Poder Público acaba sendo lesado por causa da visão jurisdicional de que os entes públicos devem ser os seguradores universais dos trabalhadores.
Diante do exposto, podemos chegar às seguintes conclusões:
1.O Art. 70, §1º. Da Lei 8.666/93 é constitucional;
2.Como decorrência da constitucionalidade do Art. 70, §1º. Da Lei 8.666/93, os entes públicos não podem ser responsabilizados, em hipótese alguma, pelas verbas trabalhistas decorrentes da terceirização.
3.A Súmula 331, V, está contrariando a decisão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADC 16.
Notas
- TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Terceirização na administração pública: presidente do TST esclarece mudanças. Disponível em: http://ext02.tst.gov.br/pls/no01/NO_NOTICIASNOVO.Exibe_Noticia_Raiz?p_cod_area_noticia=ASCS&p_cod_noticia=12334. Acesso em 24 de maio de 2011.
- DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial e Antecipação da Tutela. V2. 6 ed. 2011. p. 292-293
- DIDIER JR, Fredie. BRAGA, Paula Sarno. OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil: Teoria da Prova, Direito Probatório, Teoria do Precedente, Decisão Judicial e Antecipação da Tutela. V2. 6 ed. 2011. p. 304.