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Conhecimento e capacitação: necessidades ético-judiciais prementes do Direito de Família

12/06/2011 às 12:59
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"É, portanto, necessário que consideremos tudo o que se refere às ações para aprender a realizá-las porque elas são as que decidem soberanamente sobre o nosso caráter, e delas depende a aquisição de nossas qualidades..."

ARISTÓTELES

A Comissão Ibero-Americana de Ética Judicial, reunida na Cidade do México durante sua sessão ordinária do dia 3 de Dezembro de 2010, decidiu e divulgou a convocatória para a quinta edição/2011 do Concurso Internacional de Trabalhos Monográficos acerca do Código Ibero-Americano de Ética Judicial. Tema do concurso Conhecimento e Capacitação ("Conocimiento y Capacitación"), vinculados, conforme o texto da Convocatória, "com los principios dispuestos por los artículos del capítulo IV del Código...". E de acordo com o secretário-executivo da Comissão de Ética, Mariano Azuela Güitrón, informa-nos o site de nosso Superior Tribunal de Justiça – STJ –, o concurso tem a função de dar continuidade ao "trabalho de promoção da ética judicial como uma ferramenta indispensável na administração da Justiça". Oxalá!

1. A proposta da Cúpula Ibero-Americana é extremamente pertinente, e creio que seja para: (1) fomentar as investigações críticas sobre os dilemas éticos e administrativos da justiça, buscando analisar os padrões de respostas vigentes na comunidade Ibero-Americana, e, simultaneamente, (2) refletir as questões de princípios contidos no Código Íbero-Americano de Ética Judicial, e verificar seu "perfil epistemológico" (BACHELARD, 1984, p.39-48) na práxis principiológica do Direito, e (3) sua adequação como paradigma de conhecimento e capacitação na atuação ético-judicial necessária e imprescindível nas urgências de nosso tempo, fundadas nos interesses dos países membros pela Ética, pela Justiça e pela Paz. E, sem dúvida, a iniciativa é louvável! Mesmo porque, concordo com Cornelius Castoriadis: "(...), é importante restabelecer um mínimo de probidade nas discussões intelectuais" (CASTORIADIS, 1987, p.29). Mas, uma dúvida! Após as edições anteriores verificou-se o acréscimo de qualidade ética nas sentenças (CPC, Art 458, II) proferidas, por exemplo, em nome do Direito de Família? A pergunta se justifica porque, inegavelmente necessitamos, urgentemente, tanto quanto estabelecer a reflexão ético-judicial, implementar ações analíticas que verifique seus efeitos práticos sobre o verdadeiro teor ético das demandas jurídicas, da administração da justiça e das respectivas decisões em todas as instâncias judiciais. E se for o caso, reformulá-las com humildade e honestidade. E em primeiro lugar, as que começam na Vara de Família, Infância e Juventude...

2. A família, "base da sociedade" (CF. Art. 226, caput), como defendê-la do subjetivismo extremo e louco da época moderna que a corrói e ameaça? Pensei em participar do Concurso, mas desisti. Não tenho espírito competitivo, e sou preguiçoso. É o que dizem! O fato é que até então nunca foi como agora é preciso, exigir que a formação e o desenvolvimento intelectual dos juízes tenham uma consistente base de conhecimento e efetiva capacitação ético-judicial, que os habilitem a defender-se de certas imposturas intelectuais que hoje bebe na lógica do vivido e na dinâmica orgânica de um querer viver irreprimível que se manifesta de forma movediça, plural, polifônica, erótica etc., ou seja, impregnado de processos emocionais e afetivos esquizofrênicos veiculados pelos mass mídia de alcance mundial. Tudo se torna cultura! E a permissividade e a promiscuidade se alastram como mosquitos da dengue após as chuvas. E o "sujeito de direitos" que emerge do pensamento jurídico pós-moderno, "é desprovido de um centro, hedonista, auto-inventado, incessantemente maleável, volúvel, difuso", espinhoso... Movimenta-se extraordinariamente bem no nicho da racionalidade ultraliberal de baixa intensidade e alto impacto afetivo que impulsiona agora o mercado da publicidade e do espetáculo e suas ofertas generosas. É também sujeito de desejos que se sai esplendidamente bem na discoteca, no shopping, nas boates, ou no supermercado, embora nem tanto na escola, no tribunal, na igreja, ou num debate (Cf. EAGLETON, 2005, p.256), e mergulha na anarquia do consumo e do Direito de consumidor; "eu paguei... eu tenho direito" e tornam-se pessoas grazinas. Como conseqüência, as demandas jurídicas nômades e bárbaras ameaçam ultrapassar o perigoso limiar da fronteira do imaginário social que separa o justo do injusto, o moral do imoral, o real do irreal... O mundo do i-mundo que os culturistas adoram.

3. E neste momento considera-se, não sem razão e ironia, por exemplo, Giles Deleuze, que: "É a jurisprudência que é verdadeiramente criadora de direito: ela não deveria ser confiada aos juízes. Não é o Código Civil que os escritores deveriam ler, mas antes as coletâneas de jurisprudência" (DELEUZE, 1992, p.209). Em outras palavras, diante de uma má intenção ou uma má vontade que guie a interpretação da Lei fundada em princípios, tudo se pode esperar; inclusive o inesperado. O que pode estimular tanto a imaginação transgressora ou criminosa quanto na literatura a invenção de personagens perversos e estimulantes. Assim, animada com as vitórias do Direito das Famílias, a desembargadora Maria Berenice Dias emplaca: "Como a lei não acompanhou as mudanças por que passou a família, acabou nas mãos da doutrina e da jurisprudência a responsabilidade de construir uma nova doutrina que atendesse aos reclamos de uma sociedade sempre em ebulição" (DIAS, 2006, p.8). O que pode ser feito, por exemplo, com o princípio da Justiça? Não interessa? Não importa? Na observação de Jacques Derrida: "Abandonada a si mesma, a idéia incalculável e doadora da justiça está sempre mais perto do mal, ou do pior, pois ela pode sempre ser reapropriada pelos mais perversos dos cálculos" (DERRIDA, 2007, p.55). O mesmo pode ser dito a respeito do princípio da Dignidade, da Igualdade, do Amor etc. Existe lacuna em uma lei? Qual a interpretação que pode alterá-la?... Trabalho da hermenêutica. Trabalho de exegese. Trabalho de Polícia. Trabalho de Orfeu. Tudo se torna premeditado. E potencialmente perigoso. Sem dúvida! Responde Albert Camus: "Há crimes de paixão e crimes de lógica. O Código Penal distingue um do outro, bastante comodamente, pela premeditação. Estamos na época da premeditação e do crime perfeito. Nossos criminosos não são mais aquelas crianças desarmadas que invocaram a desculpa do amor. São, ao contrário, adultos, e seu álibi é irrefutável: a filosofia (ou melhor, no caso do Brasil, a "cultura", pois não sofremos ainda a impregnação do pensamento filosófico) pode servir para tudo, até mesmo para transformar assassinos em juízes" (CAMUS, 2003, p. 13). O que daí pode advir, quem sabe? Mas o exemplo de Orfeu serve de lição. Nas palavras de Jean-François Mattei: "Perséfone, com sua sabedoria de deusa, aconselhou Orfeu a que não se virasse para Eurídice antes de ter subido ao mundo dos vivos. Orfeu não pode resistir à força do desejo e precipitou Eurídice no Tártaro antes de ser dilacerado pelas Mênades. A lição é clara: a razão tem apenas um meio para não se precipitar em seus próprios abismos – não se virar para os infernos de onde provém o olhar para o céu" (MATTEI, 2002, p.60). É de se lastimar não ser cego. O espetáculo é um horror! E um sentimento de solidão nos acompanha implacavelmente como um taxímetro. Má companhia, sem dúvida! Estranho isso! As pessoas dizem que amam, e, no entanto... No entanto o que? No entanto, ainda não! Os tribunais dizem que fazem a Justiça, e, no entanto. No entanto o que? No entanto, ainda não! Era o que pensava a cada passo dado na Avenida Beira Rio de minha querida cidade Cachoeiro de Itapemirim; "Tantas coisas!", pausava perplexo. Lembranças tristes, de um casamento terminado e saudades, involuntariamente dramatizavam minhas reflexões: "O que é o amor? Uma forma predileta de fazer mal a alguém em especial, fazer alguém assim eleito, fazer alguém assim o mais próximo, o mais querido, o mais desejado, o mais íntimo, o mais amado, sofrer?" É preciso antes então poder dizer: "Eu te amo!" Que paradoxo! Apenas porque quando advier à separação é preciso depois poder dizer: "Eu te amava!"? Que escárnio! Seria o amor apenas uma justificação pra todas as humilhações entre o começo, a escolha, e o fim, a rejeição de um ser humano? Que horror! Como diria James Joyce, "tenho medo dessas grandes palavras que nos fazem sofrer". "Eu também", concluo, preso a uma reflexão sobre o seguinte diálogo da personagem do filme que leva seu nome, "Precious", com a Assistente Social, a Sra. Rain:

- Estou cansada Sra. Rain.

- Se não for por você, então para as pessoas que a amam...

- Ninguém me ama.

- As pessoas te amam, Precious.

- Por favor, não minta para mim Sra. Rain! O amor não fez nada para mim. O amor me bate, estupra, me chama de animal, me faz sentir inútil, me deixa doente...

(Do filme "Preciosa")

4. E não por acaso foi diagnosticado que no Direito de Família é que se sentem mais facilmente as "mudanças sociais" (virtuais, e não reais, e o problemático é que o virtual não se opõe ao real, mas ao falso, e aí está solta a aporia) e a dificuldade do ordenamento em acompanhá-las, integrando-se e adaptando-se à "realidade social" (imaginária, e não concreta, e o problemático é sempre a invenção de uma nova interpretação ou de um novo conceito). (Cf. OLIVEIRA, 2002, p.77). Que amor à Justiça clama o Direito das Famílias nas Súmulas de jurisprudência? Os fatos não negam, não mentem: as uniões "legais" diminuem; a idade dos nubentes sobe; o número de filhos decresce; as roturas do vínculo matrimonial elevam-se; a violência doméstica intensifica-se, os incestos pipocam com a pedofilia etc., os filhos indesejados multiplicam-se, as perversões emergem com virulência, os anormais renascem e a família se dilui e se torna o problema, e aparece, assim, no centro da questão social dos séculos XX e XXI: uma instituição sitiada. Tem resistido, mas perde cada vez mais e mais os privilégios e mais e mais o fôlego! E assim, no dia 5 de maio de 2011, o STF reconheceu a existência de União Estável entre casais homossexuais, concedendo-lhes os mesmo direitos dos casais heterossexuais, (pelo "casamento" ou por "união estável’) facultando-lhes, inclusive, o direito a adoção de filhos, assim, sem mais nem menos, sem nenhuma reflexão. Direito absolutamente desnecessário: o número de crianças que estão em acolhimento institucional em espera de adoção, é, em muito, inferior ao número de famílias que estão habilitadas para adotar... Não posso, aqui, aprofundar esse ponto. Mas a lógica é perversa! O fato é que um grande vazio moral e ético existente e abissal nos foi dado e deixado a viver, digamos, depois de Auschiwtz. Como conseqüência... A triste verdade é que uma massa crescente de crianças indesejadas, encaradas como verdadeiros "refugos humanos" e "estorvo político" crescem a cada dia, porque é óbvio, nas palavras de Helmut Schelsky, que "a voluptuosidade constitui um objetivo em si do comportamento sexual" (SCHELSKY, 1968, p.6). Que fazer para contornar o problema?


NOTA 1

Por volta de 1936, Lacan desenvolveu a Teoria do Palco Espelho. "O Palco Espelho tem a ver com o surgimento entre as idades de seis a dezoito meses, da capacidade da criança ou infante (enfans = sem fala), antes de ser capaz de falar, e de ter controle das habilidades motoras, de reconhecer sua própria imagem no espelho. Este ato de reconhecimento não é auto-evidente, pois a criança precisa ver a imagem como sendo ao mesmo tempo ela própria (de seu próprio reflexo) e não ela própria (apenas uma imagem refletida). A imagem não é idêntica ao indivíduo-criança, e tornar-se um indivíduo humano (ou seja, um ser social) significa aprender a lidar com isso". (LECHTE, 2002, p.84). Momento importante, crucial, genético, de formação de ficções e fantasias sobre si mesmo, e, principalmente, de formação de sua onipotência corporal narcisista na semelhança de todos consigo própria. Trabalho de imaginação! Imaginemos agora essa criança adotada por pais homossexuais masculinos (ou femininos, a situação psicoplástica e psicogenética seria essencialmente a mesma, com significativas diferenças na superfície), o pai, gay (bisexual), e a mãe, um travesti. Uma piada (que seria cômica se não fosse trágica) ilustra uma cena significativa. Diz que um pai toma banho com o filho. O filho olha paro o pênis do pai e diz ad-mirado: "Pai! Que piu-piu grande você tem". O pai com um sorriso no rosto responde naturalmente: "Grande nada, filho! Você não viu ainda o da sua mãe!". O menino, evidentemente, ficará aturdido. O que poderia passará em sua cabeça? Mas, diria Paul Valery: "o mais profundo é a pele". E o menino fica seduzido pela imagem. Um dia, ao ver a mãe nua fica perplexo, mas inconscientemente, seduzido: "Eu, meu pai, minha mãe... temos piu-piu", poderia pensar olhando pra sua virilha, "e o da mamãe é o maior". Eis plenamente justificado (e pronta para futuros desenvolvimentos e implicações), a sua crença infantil na sua onipotência corporal: a de que não haveria diferença anatômica entre os órgãos sexuais masculinos e femininos. Tudo isso se passa inconscientemente, e a nível fundamentalmente simbólico e não-real, mas constituir-se-á a base dialética da subjetividade humana: ao mesmo tempo, limite e superação, existência e finalidade, necessidade e valor. Ao contrario da realidade psíquica de um lar heterossexual, não há (pelo menos ainda não!), e não se desenvolve no menino a "realidade", o "simbolismo" ou a "imaginação" da falta do pênis. Que isso pode significar? O que está por vir? Imagine ainda a onipotência da ambigüidade psicogênica genérica que adquire, e que Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, dizem "estabelecer comunhão de afetos". Numa "comunhão de afetos" (entre a criança adotada e os pais homossexuais adotantes), que auto-referência a criança pode assumir? Não ficará presa definitivamente a uma ambigüidade desesperada e violenta? A questão ainda pode ser mais desagradável, se considerarmos a descoberta do "Complexo de Édipo". Um processo dialético psicogenético e psicossocial extremamente complexo com incontáveis variáveis diferenciais, absolutamente diferentes da que poderia existir na família heterossexual. Como o garoto vai viver o complexo de Édipo? Explico-me! Foi por ocasião de seu trabalho com um menino de cinco anos, o "pequeno Hans", que Freud descobriu aquilo a que chamaria "Complexo de Castração". Descrito pela primeira vez em 1908 ("Sobre as Teorias Sexuais Infantis"). E em 1949, em "Um Esboço de Psicanálise", Freud Escreveu: "Um belo dia, dá-se que o menino, orgulhoso de sua posse de um pênis, tem diante de seus olhos a região genital de uma menina e é forçado a se convencer da falta do pênis num ser tão parecido com ele. A partir desse fato, a perda de seu próprio pênis torna-se também uma coisa possível de ser representada e a ameaça da castração consegue fazer efeito só depois". Por que só depois? No caso de nosso garoto, em especial, dado ao apego afetivo narcísico que ele tem pelo pênis (diante do Palco Espelho e depois diante da nudez de seus pais havia representado para si, a experiência psíquica da onipotência, na crença infantil de que não haveria diferença anatômica entre os órgãos sexuais masculinos e femininos, e, agora, esse diferencial observado na menina, e, mesmo assim o menino não pode admitir que existam seres à sua semelhança que dele sejam desprovidos. Prefere defender a ficção que forjou para si mesmo, em detrimento da realidade percebida da falta. E preserva a crença que as mulheres mais velhas e respeitáveis, como sua "mãe", são dotadas de pênis. E o que acontecerá com suas reações inconscientes quando descobrir que sua mãe, sim, tem pênis, mas que todas as outras mães, não, são mulheres são desprovidas do pênis e que, mais ainda, sua mãe não é mulher, é homem? É neste momento, em crianças de lares heterossexuais, que surge a Angústia de Castração? Como será a experiência simbólica da castração criada e vivida em um lar homossexual? A homoafetividade pode substituir a heteroafetividade? Que pode acontecer com essa ruptura, esse anátema, na experiência do Complexo de Édipo? Não o levaria ao deboche das normas em qualquer terreno, e a um comportamento fora-da-lei? Mas, não importa! O problema que o STF ignorou com a decisão, me parece ser o seguinte como diz Helmut Schelsky: "não há dúvida de que a tendência do comportamento homossexual, entre as pessoas que só podem ter relações sexuais desse gênero, se efetua no decorrer da infância" (SCHELSKY, 1968, p.87). E com Bueger-Prinz indagamos: "A destruição do conjunto dos laços sociais implica, portanto, também na destruição de todas as formas rituais do comportamento sexual?" (Cf. SCHELSKY, 1968, p.93). E o mais importante laço social de uma sociedade, é a família. Onde iremos parar? Qual o destino do Homem?

5. Ora, tudo cai no processo de banalização da mídia. Tudo tem que se apresentar banal. Tudo se banaliza. Então? A resposta e cruel! É preciso tomar medidas, digamos, psicológicas, sócio-afetiva, sei lá, que garantam a permanência da exclusão através de sua inclusão em outra exclusão. É paradoxal. É tautológico. E entre outras coisas, é preciso anular as dimensões intelectuais e afetivas da moral e da ética. Então, tudo ganha o carimbo da indistinção e da indiferença valorativas. Mesmo porque, capto de Zygmunt Baumann: "O ato de destinar ao lixo põe fim a diferenças, individualidades, idiossincrasias. O refugo não precisa de distinções requintadas e matizes sutis, a menos que seja marcado para a reciclagem" (BAUMANN, 2005, p.98). Mas nem sempre a reciclagem é possível, e quando é como é no caso da recente decisão do STF, a "família homoafetiva" se constitui apenas como uma variante um pouco perversa do processo dialético de exclusão (com direito a comunhão parcial de bens, pensão alimentícia, pensões do INSS, planos de saúde, importo de renda, Herança etc.), é agora o é também como "máquina desejante" e usina de reciclagem do "refugo familiar" – as crianças sem eira nem beira, marginalidades, filhas do sexo pelo sexo. Não posso, aqui, aprofundar esse ponto. Mas, inequivocamente a família é o exemplo mais claro de fracasso da "especial proteção do Estado", especial porque proteção que desprotege, e, assim, o exemplo mais particular de premeditação cultural pode ser observada no que coloca em devir o Direito de Família desejando transformá-lo em Direito das Famílias. É impressionante! Aflitivo. "Pois, como mostrou Freud, as melhores intenções se esfarelam diante da mais banal dor de dente" (COSTA, 2004, p.20).

6. Neste sentido, tenho observado que os defensores de um Direito das Famílias ostentam a mesma presunção e a mesma ignorância. Assombrosa, a primeira, consternadora, a segunda. Penso em Castoriadis: defendem apenas pseudoverdades administradas pelo "Estado", pelo "clero" (monoteísta ou não, leigo ou religioso), pela "mídia" ou pelos "filósofos do desejo"... Desaprenderam a ler, a pensar, a querer, a criticar. Como podem julgar? É preciso lembrar, diz-nos Castoriadis: "Na "República das Letras" há – ou havia, antes da ascensão dos impostores – costumes, regras, padrões. Se alguém não os respeita, cabe-nos aos outros chamá-lo à ordem e pôr o público de sobreaviso. Se isso não é feito, a demagogia incontrolada, como se sabe de longa data, conduz a tirania. Ela engendra a destruição – que progride ante nossos olhos – de normas e comportamentos eletivos, públicos, sociais, que estão pressupostos na busca em comum da verdade", que nos orienta na construção de uma nova estação da vida (CASTORIADIS, 1987, p.31). Não creio que seja diferente na "República das Leis". Temos que evitar, portanto, que a destruição se consuma. É a imposição moral de nosso tempo! Então, impõe-se de imediato fazer saber que, como com muita sabedoria disse Terry Eagleton: "Toda forma de vida que desabroche terá obrigações e proibições. O único problema é que, então, você pode vir a identificar moralidade com as obrigações e proibições, em vez com o desabrochar" (EAGLETON, 2005, p. 199). E a função dos princípios (mesmo quando inflexíveis) é resguardar a norma jurídica e através dela fomentar uma abundância de vida tendo em perspectiva, nos casos de Direito de Família, a metáfora da eternidade que ouvimos em todas as juras de amor: "Prometo amá-la (ou amá-lo) por toda vida". "E não se pode fazer isso a menos que se tenha, por exemplo, uma lei proibindo matar injustamente" (EAGLETON, 2005, p. 199). Outra a infidelidade e assim sucessivamente. Caso contrário... Então, mesmo relutante – não gosto de enredar-me em polêmicas – não me resta outra opção senão combater as imposturas intelectuais do "Direito das Famílias". Ai de mim! Que dizer?

7. Arrogantemente Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (entre outras centenas de intenções estranhas ao Direito), ao longo de um festival de besteira de 945 páginas que se denomina "Direito das Famílias" (que muitas sentenças "validam"), elaboram, na página 113 e seguintes, (subtítulo "2.2. Finalidades do casamento"), a seguinte "crítica" a renomada jurista Maria Helena Diniz: "Ainda hoje, alguns autores, como MARIA HELENA DINIZ", [em seu Curso de Direito Civil Brasileiro (17ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2002, 5ª Volume)], "enxergam dentre as finalidades do casamento" – enumeremos o que dizem: – (1) "a procriação dos filhos (que, segundo a professora paulista, "e uma conseqüência lógico-natural e não essencial" do casamento)", (2) "a legalização das relações sexuais ("pois dentro da satisfação do desejo sexual, que é normal e inerente à natureza humana, apazigua a concupiscência")", (3) "a educação da prole ("pois no matrimônio não existe apenas o dever de gerar filhos, mas também de criá-los e educá-los") e" (4) "a atribuição do nome ao cônjuge e a reparação de erros do passado". E assim começa o festival: "Venia máxima concessa, nada mais equivocado" (Cf. FARIAS e ROSENVALD, 2010, p. 113/114/115). E continuam, numa vacuidade constrangedora: "Com efeito, a finalidade precípua do casamento é o estabelecimento de uma comunhão de vida, não se prestando a fins específicos que podem, ou não estar presentes nas mais diferentes relações de casamento. Note-se que a procriação não pode ser finalidade do casamento porque a própria Carta Magna (CF, Art. 226, §7º) reconhece o direito ao planejamento familiar, que é de livre decisão do casal. Assim é absolutamente possível às pessoas casadas decidirem não ter filhos – e nem por isso haverá frustração dos objetivos matrimoniais. Por outro lado, aceitando a idéia de que a procriação é uma finalidade do matrimônio, terão que ser anuladas todas as núpcias das quais não decorrerem filhos..." (FARIAS e ROSENVALD, 2010, pp. 113/114). Quanta bobagem! Que dizer?

8. Sejamos complacentes! De fato e de direito, ter filhos é uma das finalidades (de propriedade facultativa) e é uma "conseqüência lógico-natural e não essencial" do casamento. Alguma dúvida? Creio que não! O que não significa (Maria Helena Diniz não é desinformada!) que para ter filhos seja preciso casar; a simples proliferação de mães solteiras, inclusive adolescentes impede-nos de pensar assim. Lamentavelmente! Mas, de qualquer forma, é preciso que a mulher queira filhos não importa se solteira ou casada (o que nem sempre se verifica; os desvarios dos afetos sexuais não são sensatos e o querer ou não se anulam). Mas é o querer ter filhos o que lhe garante direitos subjetivos, por exemplo, a exceção do direito ao aborto em caso de gravidez por estupro. Mas, e daí? O problema é que somente a mulher tem o poder de fecundação. Poder imperdoável, diz Baudrillard, ironicamente, então, "(...): "era preciso inventar a qualquer preço uma ordem diferente, social, política e econômica masculina, onde esse privilégio natural pudesse se diminuído" (BAUDRILLARD, 1991, p. 22). Na base de tal privilégio, que igualdade de direito poderia existir? De um lado, a mulher por poder gerar filhos, ser a titular exclusiva de Direito. De outro lado, o homem, por não poder gerar filhos em seu ventre, ser o excluído de Direito. Como resolver o impasse com a invalidade do estupro e as inconveniências da promiscuidade? Erigiram, então, a instituição histórica do casamento, – cheia de estratégias de relacionamentos interpessoais repetidas (que se constituirão em charme, estilo ou técnicas de sedução e conquista etc.), – e que se define, justamente, como uma unidade de fins específicos (estabelecidos em direitos e deveres morais, simultaneamente de produção e de reprodução da existência), apresentados supra, em sinopse, pela professora Maria Helena Diniz.

9. E, no entanto, nada contraditório, faculta-se constitucionalmente aos nubentes, portanto, o direito ao planejamento familiar, que significa e envolve muitas, diferentes e diversas coisas, inclusive controle político da natalidade (que atende, não raras vezes, interesses estranhos e intenções inconfessáveis), e, muitas vezes, exigências egoístas dos nubentes que implicam em frustrações das expectativas de vida conjugal, e a consagração de um individualismo hiperbólico e sem fronteiras, condenado a autofagia. E principalmente, ter ou não ter filhos. Na verdade, talvez, não creio que seja próprio ou muito próprio falar de "comunhão" em relações laicas (trata-se de um negócio jurídico, não?) numa "sociedade de indivíduos", diria Norbert Elias. Mesmo porque, escreve Alan Finkielkraut; "O indivíduo já não é nada senão uma sucessão de prazeres sem passado nem futuro, sua vida já não é a vida de alguém, biografia, mas eterno retorno biológico de necessidades e de satisfações" (FINKIELKRAUT, 1987, p. 146, Apud, RENAUT, 1998, p. 55). Comunhão, em que base? Em outras palavras, "planejamento familiar" sim (CF, Art. 226 §7º), mas não porque a procriação seja ou não seja uma das finalidades do casamento, mas por que o é, como enfatizou com propriedade Maria Helena Diniz (na medida de ser uma "conseqüência lógico-natural e não essencial"), exige que se considerem como dever moral alguns cuidados, no sentido que Todorov empresta ao termo como virtude cotidiana (TODOROV, 1995, p.83 a 103). Ter filhos, portanto, é uma das finalidades do casamento, mas não obrigatoriamente, nem necessariamente, e não o é ainda mais agora dado a superfluidade alcançada pelo ser humano no decorrer do século XX. O jogo é implacável!

10. Agora, se os senhores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, como advogados, decidirem anular todas as núpcias das quais decorrerem filhos, por descumprimento a não-obrigatoriedade de ter filhos, estejam a vontade. E como diria a minha filha com uma bela gargalhada: "Seria irado!" Na verdade não sabem o que falam, apenas arrogantemente tagarelam. Por exemplo, depois de terem iniciado suas "reflexões" sobre "2.2. Finalidades do casamento", p. 113, com a afirmativa pretensiosamente crítica a professora Maria Helena Diniz, (Venia máxima concessa...), ou seja: "Com efeito, a finalidade precípua do casamento é o estabelecimento de uma comunhão de vida, não se prestando a fins específicos"... Reconhecem, per faz et nefas,: pelo justo e pelo injusto..., a seguir, na página 116, sob o título "2.3. A natureza jurídica do casamento" que, através da "invulgar percepção" de Paulo Nader que "à liberdade conferida aos nubentes, inclusiva no que concerne à sua dissolução pela separação e divórcio, possui hoje características que o aproximam mais de negócio jurídico, do que de instituição" (NADER, 2006, p.63, Apud FARIAS E ROSENVALD, 2010, p. 116). Que contradição insólita! "Comunhão", em uma página, e, "negócio jurídico", em outra. E daí? Ubi veritas?: onde está a verdade? E como se não bastasse, mais um lapso: não é o próprio negócio jurídico uma instituição de direito para fins específicos que regulam relações sociais? Ai!Ai! Surtaram! Como canta Roberto Carlos; "Tudo em volta está deserto, tudo certo/Tudo certo como dois e dois são cinco".

11. Mas é compreensível a desorientação dos autores de "Direito das Famílias", como a de um cego no meio de um tiroteio. O que nos permite concordar com Jurandir Freire Costa: "A isonomia de todos facilitou as tomadas de decisões. Postergou sine die a indecisão em matéria de escolhas morais. Se todos são iguais perante o gosto, a preferência, a inclinação, o desejo ou o capricho, quem ou o quê decide qual a verdadeira Vontade Geral ou qual o legítimo Consenso Moral? Sem o Transcendente, sem o Heterônomo, quem ou o quê poderá dizer "isso está certo" porque "assim foi dito e estava escrito"? Enfim, se cada um pode se outorgar a mestria de impor o que bem entende aos outros, onde começa a violência e termina a persuasão?" (COSTA, 2004, p. 14). É compreensível que os autores de "Direito das famílias" tenham surtado. Como explicar a seguinte declaração, que deram a respeito da finalidade do casamento na visão da Professora Maria Helena Diniz: "Superada, portanto, essa concepção retrógrada e dissonante do espírito constitucional, é preciso estabelecer a finalidade do casamento em expressão genérica, mas eficiente e clara: a finalidade do casamento é estabelecer comunhão de afetos" (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p.114). Sem dúvida, surtaram! Agem como o cego na guerra, que dá tiros para todos os lados até a munição acabar e, de repente, grita radiante: "Acertei!". Então alguém pergunta: "Acertou o quê?" E a resposta surpreende: "Não sei, não vi!". Descobre-se que o atirador era cego, e ele mesmo um perigo, até para os aliados.

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12. O que disse mesmo a professora Maria Helena Diniz? Simplesmente, em resumo, que é finalidade do casamento: (1) a procriação dos filhos que "e uma conseqüência lógico-natural e não essencial" do casamento; (2) a legalização das relações sexuais; (3) a educação da prole; e, (4) e a atribuição do nome ao conjugue e a reparação de erros do passado... Realizar isso tudo moralmente, com Amor, com Honra, com Fidelidade, com Dignidade, com Cuidado etc. é psicologicamente indispensável ao equilíbrio afetivo da família e a realização pessoal. Então, em primeiro lugar, em que o que disse a professora Maria Helena Diniz sobre a instituição do casamento pode ser "dissonante do espírito constitucional"? Afinal, de que espírito constitucional se trata? O espírito de porco do Congresso Nacional? Tenho duas certezas absolutas: primeira, não é dissonante do espírito que se expressa moralmente no Direito Civil como Direito de Família; segunda, não é dissonante do espírito que se expressa eticamente na Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988. Então que dissonância se trata? Mesmo porque, o que Maria Helena Diniz disse são strito senso, expressões materiais autênticas do casamento que constituem, efetivamente, em sua realização, os valores morais e éticos, respectivamente, civis e constitucionais que realizam a finalidade do casamento como expressa no Direito de Família e na Constituição Federal. No mais, em nome de que Princípio? De que filosofia? De que moral? De que Direito? É possível dizer que "é preciso estabelecer a finalidade do casamento em expressão genérica, mas eficiente e clara: a finalidade do casamento é estabelecer comunhão de afetos". Que é isso? Como? Juristas não são tolos! Ora, afeto sem expressão material (a mulher amada, filhos, um lar, princípios morais etc., que constituem o corpo de um casal), sustenta Jurandir Freire Costa, "é uma ficção idealista desprovida de sentido" para a sociedade. E seria, aí sim, eficiente e clara forma abastardada de realização afetiva genérica porque vazia e apenas satisfação alucinatória do amor, do medo, da tristeza ou da alegria (os quatro afetos segundo São Bernardo); seria agir como o avestruz que, perseguido pelo caçador corre, movido pelo medo, e se cansa e, por fim, enfia a cabeça no buraco, como se não vendo o perigo talvez ele não existisse, talvez ficasse livre dele. Bom! Isso jamais aconteceu: o caçador caçou! O avestruz, inexoravelmente, foi morto.

13. Mesmo porque, as experiências emocionais autênticas (quando frustradas) "ou se exteriorizam em coisas e eventos extracorporais ou desembocam no beco sem saída da psicopatologia. Emoções são feitas de imagens e narrativas de caráter mental, fabulosas e simbólicas, mas também das propriedades que lhes são emprestadas por objetos e situações materiais: peso, cor, sabor, cheiro, som, brilho, textura, largura e profundidade" (COSTA, 2004, p. 18). E é assim, com efeito, que milhares de mercadorias recebem seu fetiche... Eventos extracorporais, por quê? Por que, diria Ernest Bloch: "Ao olhar uma pedra colorida, germina muito do que ele desejará para si mesmo" (BLOCH, 2005 p.30). Eventos extra-corporais, por quê? Por que são estratégias de fugir, minimizar ou dar vazão as neuroses, (alguma até desejáveis), e que podem aparecer em uma pessoa que busca enfrentar a angústia da vida-a-dois através de vários atos de ajustamentos que são, em grande parte, irracionais (e por isso excessivos, insaciáveis e não realistas), que a psicanalista Karen Horney, que enumera como "necessidades neuróticas": 1) de afeição e aprovação; 2) de uma pessoa de que se dependa; 3) de restringir a própria vida a estreitos limites; 4) de poder; 5) de explorar outras pessoas; 6) prestígio; 7) admiração pessoal; 8) realização pessoal; 9) auto-suficiência e independência; 10) perfeição e intocabilidade (Cf. KRECH e CRUTCHFIELD, 1971, p. 309). Como conseqüência, na morada dos ideais de afeto, "se acotovelam, lado a lado, vingança, rancor, inveja, pusilanimidade, mesquinhez e compassividade, solidariedade, coragem, desprendimento, magnanimidade, generosidade" (Cf. COSTA, 2004, p. 20). Mas, acredito, se entendermos que em questões de Direito de Família seja preciso apenas honestidade intelectual, probidade nos argumentos e nas discussões, ética nas decisões judiciais, adesão inflexível aos princípios morais tanto quanto inflexíveis são os próprios princípios, pois como observa Eagleton, não é "sua inflexibilidade que os distingue de nossa vida, mas a natureza vital do que eles resguardam ou promovem – vital do ponto de vista de fomentar uma abundância de Vida" (EAGLETON, 2005, p, 198/199), e, assim, talvez, parafraseando Jurandir Freire Costa, recuperemos no casamento, e na realização de suas finalidades, o tônus da vontade de querer, de sentir, de pensar, de julgar, de agir com liberdade e maioridade (Cf. COSTA, 2004, p. 21). Apesar de existirem os que clamam por seu fracasso.

15. "Ao ser pego com a boca na botija, o ladrão grita "pega ladrão!"(CASTORIADIS, 1987, p. 31). Permitam-me parafraseá-lo. Como entende perfeitamente a Comissão Ibero-Americana de Ética-judicial, há ou deveria haver mais pudor na "República das Leis". Sem pudor não há o que querer, o que pensar, o que julgar... Sem pudor não há democracia. Corrompendo a interpretação constitucional, os autores de "Direito das Famílias", acusam a professora Maria Helena Diniz, de falsificação da Lex Magna. Insensatez! Deveriam ter escolhido alguém mais vulnerável, menos coerente com a ética-judicial. Não há como acusá-la de "equivocada".Venia máxima concessa, os senhores Farias e Rosenvald, deliram. O que nos leva a indagar: sob que condições sociológica e antropológica (agora parafraseio Castoriadis) na "República das Leis", de elevada cultura jurídica, é possível a um "autor" ou "autores" permitir-se escrever não importa o que, e a recepção crítica elevá-lo ou elevá-los às nuvens, e aos estudantes de Direito segui-lo ou segui-los "docilmente, sem que aqueles que desmascaram as imposturas encontrem qualquer eco efetivo, embora não estejam (não mais) de modo algum reduzidos ao silêncio ou aprisionados?"Eu diria, simplesmente, sob a condição de que as Faculdades de Direito sejam "apenas toleradas, como os bordéis", como disse alguém. Pois bem! Se são apenas toleradas, o festival de besteira continua sine die. Ouçam o que dizem em sua crítica-crítica: "Outrossim, não há que se falar em relações sexuais ilegais fora do casamento! É o ápice do preconceito e da visão patriarcal e casamentária do Código Civil de 1916, superada de há muito pelo constituinte, pretender enxergar no casamento uma forma de legalização de relações sexuais, (que, de um modo ou outro, não deixam de ser relações afetivas), como se os relacionamentos sexuais entre pessoas não casadas fossem ilícitos. Aliás, basta lembrar que a Constituição proíbe discriminação entre filhos, em relação à sua origem (CF, Art. 277, § 6º) para afastar essa visão míope da relação matrimonial." (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p.114). Que absurdo! O que preocupa é que esses senhores são Promotores de Justiça!

16. Que dizem? Resumindo: (1) que "não há que se falar em relações sexuais ilegais fora do casamento..." Tudo bem! Dentro há? O adultério, por exemplo, ou o incesto etc. Concordo, há! Fora não? Fora não "há que se falar em relações sexuais ilegais"? Tudo bem, se preso por estupro, por exemplo, o Art. 5º, LXIII, lhe faculta o direito de permanecer calado! Depois dessa exceção, não há mais que se falar? E a prostituição, a pedofilia, o estupro etc. não são ilegais? Então, há exceções e há que se falar em relações sexuais ilegais fora do casamento. Sem dúvida! – Na verdade ocorrem dentro ou/e fora, são fenômenos anárquicos e indiferentes e randômicos... Não "há que se falar de relações sexuais ilegais fora do casamento?" Não? Tudo bem! Sejamos complacentes! Acredito que Farias e Rosenvald queriam, na verdade, dizer: (1) não há como fornecer uma explicação definitiva da origem do comportamento anormal; (2) o comportamento anormal só se torna perceptível na medida em que interessa à coletividade. Não é o que acontece com o Direito das famílias? Então, como conseqüência estamos diante do princípio psicológico segundo o qual "só há perversão, no estrito sentido da palavra, quando um determinado sistema de comportamento se torna exclusivo, continuando essencial" (SCHELSKY, 1968, P.74). Neste sentido, podemos dizer que o homossexualismo é uma perversão. Assim, portanto, temos de reconhecer que os anormais (título de um curso de Foucault no ano 1974-1975 no Collège de France, que pretendo tratar em outra oportunidade) não foram postos à margem da sociedade em virtude de uma regra social arbitrária; o que não quer dizer que seja sempre justa. E quem ousaria chamar-me de preconceituoso? Temos que admitir que existam relações sexuais ilegais fora do casamento, caso contrário cairíamos na desgraça, na vergonha, no crime, e a lei deveria ignorar tudo isso! Caso contrário, cairíamos numa verdadeira e irrefreável perversão moral e ética inimaginável. Dizer que "não há que se falar de relações sexuais ilegais fora do casamento" (além de se advogar a ignorância, a omissão, a covardia e a falta de decoro) é uma estupidez sem tamanho. Seria preciso discordar com fundamentos (o que não seria fácil, e exercício de reflexão inútil), da seguinte observação de Karl Marx, que apresento infra com destaque:

"Na relação com a mulher, como presa e serva da luxúria comunal, manifesta-se a infinita degradação em que o homem existe por si mesmo; pois o segredo dessa relação encontra sua expressão inequívoca, inconteste, franca e patente na relação do homem com a mulher e na maneira pela qual se concebe a relação direta e natural da espécie. A relação imediata, natural e necessária de ser humano a ser humano é também a relação do homem com a mulher. Nessa relação natural da espécie, a relação do homem com a natureza é diretamente sua relação com o homem, e sua relação com o homem é diretamente sua relação com a natureza, com sua própria função natural. Portanto, nessa relação se revela sensorialmente, reduzida a um fato observável, até que ponto a natureza humana se tornou natureza para o homem e a natureza se tornou natureza humana para ele. Dessa relação, pode-se estimar todo o nível de desenvolvimento do homem. Conclui-se, do caráter dessa relação, até que ponto o homem se tornou, e se entende assim, um ser-espécie, um ser humano. A relação do homem com a mulher é a mais natural de ser humano a ser humano. Ela indica, por conseguinte, até que ponto o comportamento natural do homem se tornou humano, e até que ponto sua essência humana se tornou uma essência natural para ele, até que ponto sua natureza humana se tornou natureza para ele. Também mostra até que ponto as necessidades do homem se tornaram necessidades humana e, conseqüentemente, até que ponto a outra pessoa, como pessoa, se tornou uma de suas necessidades, e até que ponto ele é, em sua existência individual, ao mesmo tempo um ser social" (MARX, 1844, p.115-116).

17. Que conclusões tirar? (1) Que o "instinto sexual" não é suficiente para assegurar algo além de uma união passageira entre dois seres humanos e o casamento (heterossexual, por ser a "relação mais direta e natural da espécie"), é a instituição mais essencial que se encarrega de regulamentar a sexualidade; é a função que lhe cabe em primeiro lugar,o que concorda com as observações da professora Maria Helena Diniz. Isso porque, como Bronislaw Malinowski, Margaret Mead, Ruth Benedict, Clyde Kluckhohn e Arnald Gehlen etc. vêem, na sexualidade, assim como em alguns outros impulsos biológicos do homem, necessidades primárias não definidas exigem – em virtude mesmo de sua imprecisão biológica e sua plasticidade que permite uma formação e uma direção de âmbito social, graças a uma estabilização de acordo com certos interesses concretos, integrados numa superestrutura cultural – instituição de normas sociais, ainda que seja apenas para garantir seu objetivo biológico, ou seja, no caso da sexualidade a propagação da espécie. Na Alemanha a antropologia filosófica moderna, de Max Scheler, Hellmuth Plessner, Arnol Gehlen etc., chegaram à conclusão de que a vida sexual do homem é caudatária de uma orientação e de uma regulamentação cultural. Essa opinião foi adotada pela biologia contemporânea de Adolf Portmann, Otto Storch etc. E também os especialistas da psicologia da alma e da psicologia social, por exemplo, Erich Fromm, Franz Alexander, e J. C. Flugel tentaram demonstrar de acordo com as tensões entre a diversidade dos impulsos de origem biológica e suas formações sociais mais ou menos bem sucedidas aos acontecimentos políticos da própria sociedade... A grande descoberta nos veio de Sigmund Freud, ou seja, que as características de um instinto é as de ter uma origem, um objetivo e um objeto, e que essa capacidade de trocar o seu objetivo sexual inicial por outro, que não mais é sexual, mas relacionado psiquicamente com o primeiro objetivo, chama-se capacidade de sublimação. Observa com agudeza Schelsky: "A sexualidade humana, como todas as grandes paixões, tende incessantemente a tornar-se exclusivista: ela tem apetites totalitários, apodera-se de elementos que, de direito, não lhe pertencem" (SCHELSKY, 1968, p.73), e, conclui: "A sublimação que mais do que uma metamorfose, é uma restituição do equilíbrio"... (2) Que o simples "instinto sexual" não explica o vínculo social mais primitivo e molecular, ou seja, "as relações específicas de proteção que existem no ser humano, entre a mãe e o filho (sem que muitas vezes haja reciprocidade), em outras palavras, o instinto maternal (que as "feministas" abominam), e que é mais determinante que o impulso sexual" (Cf. SCHELSKY, 1968, p.25-26). E não há como negar ainda que "o fato de que no homem, em comparação com os animais, o período mais extenso na infância e de dependência do filho, que requer vários anos de cuidado, pressupõe uma relação durável entre a mãe e sua descendência e, por motivos de segurança e subsistência, laços entre a criança e seu pai" (SCHELSKY, 1968, p.26). (3) Que a "relação imediata, natural e necessária de ser humano a ser humano é também a relação do homem com a mulher", e é nessa relação que o homem se torna e se "entende um ser-espécie, um ser humano", quer dizer, em imagens mitológicas, que fortalecem a representação, se Deus, no Paraíso, não tivesse criado Adão, um Homem, e depois Eva, uma mulher, mas dois homens, Adão e outro, com certeza a Terra estaria hoje sem a presença humana. Concluindo, com a instituição do casamento, a relação natural do homem com a mulher "tendeu a tornar-se mais objetiva, materialista, e acabou por transformar essa exclusividade generalizando-a, exatamente quando esses dois seres decidiram não se tornarem estranhos um ao outro e permanecer juntos" (Cf. SCHELSKY, 1968, p. 70). Por esta razão, autores como Hofstaetter, Kardiner, Bueger-Prinz, entre outros, já disseram e repetiram várias vezes que o comportamento sexual normal é a busca de uma satisfação orgânica e também social, e que o impulso deve satisfazer tanto as necessidades orgânicas quanto as exigências sociais"(SCHELSKY, 1968, p. 81). E assim, quando os autores de "Direito as Famílias", pretende, com falso conhecimento, que falar em relações ilegais fora do casamento, "e o ápice do preconceito e da visão patriarcal e casamentária do Código Civil de 1916", na verdade, o que ensejam é vestir a sociedade atual com roupas inadequadas, ora muito pequenas, ora muito grandes para sua personalidade. Incapazes e compreender "quando os homens se despojam de suas tradições, quando não estão mais em condições de preservar as instituições, extingue-se também a ordem de impulsos que deram origem àquelas instituições" (SCHELSKY, 1968, p.73). E concluindo, diz Arnold Gehlem: "A partir do momento em que os homens não sofram mais por causa das injustiças da civilização, as neuroses se acentuam e eles passam a sofrer por si próprios".

NOTA 2

Informa-nos Richard Leakey do trabalho dos primatologistas Dorothy Chene e Robert Seyfarth, da Universidade da Pensilvânia, que devotaram anos de observação e registro da vida de vários grupos de macacos vervet (tipo de macaco africano identificado por uma mancha de cor ferruginosa na base da cauda) no Parque Nacional Amboseli, no Quênia. E nos narra, comparativamente, o exemplo de manifestação primitiva do "instinto maternal": "A mais pungente das experiências vicárias na sociedade humana é o medo da morte, ou simplesmente a percepção da morte, que tem desempenhado um papel muito importante na construção de mitologias e religiões. A despeito de sua autopercepção, os chimpanzés no máximo parecem intrigados com a morte. Há muitos relatos anedóticos de indivíduos, ou mesmo famílias de chimpanzés, aflitas ou desorientadas quando um parente morre. Por exemplo, quando um bebê morre, sua mãe algumas vezes carrega o diminuto corpo morto a esmo durante alguns dias antes de descartar-se dele. Preocupada. Aflita. Desorientada. A mãe parece estar experimentando uma sensação de aturdimento e não o que chamamos pesar. Mas, como sabê-lo? Mais significativo, talvez seja a falta do que reconheceríamos como simpatia pela mãe despojada por parte dos outros indivíduos. O que quer que a mãe esteja sofrendo, ela sofre sozinha. A limitação dos chimpanzés em ter empatia com os outros estende-se a si próprios como indivíduos: ninguém viu vínculos de que os chimpanzés estão cientes de sua própria mortalidade, de uma morte iminente" (LEAKEY, 1995, p.146)

18. Em outras palavras e, em resumo, no homem, em que todos os padrões instintivos básicos (fome, sede, sexo etc.) foram sobreposto por uma complexa estrutura de conhecimentos e interesses que geram desejos, crenças, fantasias, medos aprendidos e outros produtos da cerebração crítica que produzem as vicissitudes instintivas, ou seja, fazem com que os instintos sejam desviados de seus objetivos, inibidos em seus anseios, deslocados de seu objeto original, justamente porque, a realidade que dá forma aos instintos como às suas necessidades e satisfação é um mundo biológico, cultural e sócio-histórico. Neste sentido, convém lembrar que, como escreveu Herbert Marcuse: "o homem animal converte-se em ser humano somente através de uma transformação fundamental de sua natureza, afetando não só os anseios instintivos, mas também os "valores" instintivos -–isto é, os princípios que governam a consecução dos anseios" (MARCUSE, 1981, p.33-34). E assim, observa: "A transformação no sistema dominante de valores pode ser assim definida, de modo probatório:

De

Para

                                                                   satisfação imediata                          satisfação adiada

prazer                                             restrição do prazer

júbilo ( atividade lúdica)                   esforço ( trabalho)

receptividade                                    produtividade

ausência de repressão                        segurança

E conclui Marcuse: "Freud descreveu essa mudança como a transformação do princípio do prazer em princípio da realidade" (MARCUSE, 1981, p.34). Por esta razão podemos dizer que a sexualidade, (em última instância regida sob o signo do princípio do prazer) é lugar primitivo de origem de todo Direito. Mesmo porque, como disse Roger Dadoun: "A sexualidade, determinismo biológico, é submetida a uma grande quantidade de regras, obrigações e proibições; a sociedade impõe ou reprime as escolhas, os objetivos, os comportamentos, os modos de relação, e inclusive os sentimentos e emoções profundos" (DADOUN, 1998, p. 60).

19. É lamentável! Os autores de "Direito das Famílias" não dizem coisa com coisa, nem uma linha sequer condizente com a verdade do Direito Civil e da Constituição Federal. O livro "Direito das Famílias" é um texto longo, esquizofrênico, ultraliberal e delirante. Disse a professora Maria Helena Diniz ser finalidade do casamento: "(1) a procriação dos filhos que "e uma conseqüência lógico-natural e não essencial" do casamento; (2) a legalização das relações sexuais; (3) a educação da prole; e, (4) e a atribuição do nome ao conjugue e (5) a reparação de erros do passado". E os senhores Farias e Rosenvald em sua crítica, lembram que "a Constituição proíbe a discriminação entre filhos, em relação à sua origem" (CF. Art. 277§6º). Não é bem assim! O próprio texto do Art. 277§6º discrimina: (1) filhos havidos da relação do casamento; (2) filhos havidos não da relação do casamento; e (3) filhos por adoção. O que, segundo o texto constitucional é defeso, é a discriminação humilhante, segregadora e excludente para fins de Direito etc. Não a discriminação por origem. Mesmo por que é dado aos filhos adotivos, ao completarem maioridade, o direito de conhecerem seus pais biológicos (Cf. Art. 27, ECA, e Art. 1606, CC). Há diferença de interpretação é sutil, mas grande. Mas o mais alarmante vem a seguir: "Também não parece fim do casamento a educação da prole, uma vez que essa circunstância decorre da paternidade e da maternidade, não precisando ser casado para ter de educar e manter os filhos" (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p.114). Que coisa! Quando leio o que dizem esses senhores fico perplexo, e quase lamento que não exista um "Guia Para Perplexos"; é difícil orientar-se criticamente diante de tanta bobagem. Ora, não é preciso muito para demonstrar que a argumentação dos Promotores de Justiça não se sustenta, de tão frágil e inconsistente. Basta indagar: É proibido ter filhos no casamento? Ser mãe e ser pai casados? Não! Claro que não! É uma das finalidades do casamento. E retiram-se para o repertório das bobagens as objeções dos Promotores de "Direito das Famílias". Não é preciso casar para ter filhos, basta ser pai e/ou ser mãe. Que descoberta! Não é preciso casar para educar uma prole, essa circunstância vem da maternidade e da paternidade. Que novidade! Na verdade pode advir nem da maternidade, nem da paternidade, mas da adoção. E por que não dizer logo: não é preciso casar, nem ser pai, nem ser mãe para educar uma prole, basta ser professor. E daí? Como tais construções lingüísticas falaciosas, demagógicas e sofistica podem elidir que uma das finalidades do casamento é a educação da prole? Na verdade, apenas confirmam que a exigência de educação da prole é um dever (dos pais) e um direito (dos filhos) cujo paradigma é o estabelecido pela instituição do casamento. Mas, é lógico, todo filho tem um pai e uma mãe; mas nem todo pai, ou toda mãe, é um pai, ou uma mãe. Mesmo por que, como diz o título do livro de Georges Snyders, "Não é Fácil Amar Nossos Filhos". "Snyders reconhecia que nos temos ocupado muito pouco dos nossos filhos". E sem dúvida Moacir Gadotti tem razão: "a oposição pai e filho, criança adulto, família-sociedade, amor pelo meu filho e amor pelos outros" (GADOTTI, 1985, p.22), precisa ser superada. Evidentemente! Mas não da forma que intentam os autores de "Direito das Famílias", ou seja, veleitária. Argumentam querendo vencer o desafio da reconstrução da família, ou seja, o desafio de enfrentar os fundamentos causais das expectativas familiares frustradas, sistematicamente evitando-as, mas, simultaneamente, essa própria evasiva passa a ser convenientemente "justificada" ou "racionalizada" lançando a solução na direção oposta, quer dizer, consolidando as dicotomias, e, no caso a dicotomia vazia pais casados versus pais solteiros, o que é apenas e simplesmente fugir dos fundamentos causais que provocam tanta dor entre aqueles que se amam ou deveriam amar-se. É apavorante como prosseguem, imperturbáveis, nem mesmo pela possibilidade de uma dúvida ocasional, em sua cega rota de colisão com a exposição da professora Maria Helena Diniz. Por que tanto ressentimento?

20. E por fim, "in fine, não se pode tratar o casamento como forma de reparar erros de cada parte. O casamento, por certo, há de ser mais do que isso" (FARIAS e ROSENVALD, 2010, p. 114). Burrice! Se pode e se deve. Neste sentido, algumas premissas devem ser observadas. Primeira premissa, diz Eric Fromm: "A maioria das pessoas vê o problema do amor, antes de tudo, como o de ser amado, em lugar do de amar, da capacidade de alguém para amar" (FROMM, 1985, p. 19). E continua: a "segunda premissa

por trás desta atitude de que nada há a aprender a respeito do amor, é a idéia de que o problema do amor é o problema de um objeto e não o de uma faculdade" (FROMM, 1985, p.20). E, finalmente, terceira premissa: raramente as pessoas tentam aprender alguma coisa a respeito da arte de amar, "a despeito de seus evidentes fracassos; apesar da profundamente enraizada avidez pelo amor, quase tudo o mais é considerado mais importante do que o amor: o sucesso, o prestígio, o dinheiro, o poder. Quase toda a nossa energia é utilizada em aprender como alcançar esses alvos e quase nenhuma é dedicada a aprender a arte de amar" (FROMM, 1985, p. 24/25). Mas, como disse Feuerbach, "o homem sem dor, sem sofrimento, é um ser sem essência, sem verdade, sem fundamento", então, inegavelmente, é o casamento, realmente, pode ser e é "a reparação de erros do passado". Como observa o psicanalista Igor Caruso: "Uma das mais dolorosas experiências na vida humana – e talvez a mais dolorosa – é a separação definitiva daqueles a quem se ama" (CARUZO, 1984, p. 11). E segundo Caruso, "a dor produzida pela separação é, em última analise, uma dor narcisista" (CARUZO, 1984, p. 15), e que "estudar a separação amorosa significa estudar a presença da morte em nossa vida" (CARUZO, 1984, p. 12). Com efeito, o que o Código Civil quis estabelecer, e que a professora Maria Helena Diniz expressou com precisão dogmática, é que o casamento é uma oportunidade para aqueles que anteriormente viveram o drama da separação dos amantes, e a partir de sua experiência de fracasso, tendo vivido a dor, a saudade, a solidão, a angústia e a tristeza de não ter um amor, não ter onde ir, deseja agora mais decidido do que nunca, mais maduro, mais domesticado, reconstruir a vida como vida compartilhada, com amor, cuidado, afeição, ternura, carinho, responsabilidade, fidelidade, confiança etc., e enxerga no casamento claramente (pela consciência de seus erros, e sabedor do que ele pode ser), a verdadeira chance do recomeço da vida. Além disso, existe uma infinidade de situações fáticas que o casamento e a mudança de sobrenome pode acarretar um aumento inestimável de auto-estima e conforto psicológico. Por exemplo, uma ex-prostituta que tendo se casado, recebe o nome do marido. Essa mudança simples, sutil, frágil faz toda diferença, é o diferencial fundamental e um novo começo: Agora sou uma mulher de família". Um ex-presidiário, condenado por roubo, que cumpriu sua pena, tem a sorte de encontra o seu amor, se casa e acolhe em seu nome o sobrenome da esposa, e, assim, não tem mais o nome do criminoso que foi, e isso, simbolicamente, faz toda diferença, para o recomeço de sua vida. Muitos buscam e merecem uma oportunidade de mudança, e, muitas vezes, algo considerado com tanto descaso pelos senhores Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald (o casamento e a adoção do nome do parceiro), pode ser a reparação necessária e suficiente, e fazer toda a diferença. Deveriam, portanto, aprender a ler. "Ler é entender textos", disse o educador Lauro de Oliveira Lima.

21. O que verificamos no livro "Direito das Famílias" é uma absoluta falta de pudor de que só são capazes aqueles que mergulham no exibicionismo próprio da orgia. Castoriades tem razão: "a democracia só é possível onde há ethos democrático: responsabilidade, pudor, franqueza (parrhèsia), controle recíproco e consciência aguda de que as vantagens públicas são também vantagens pessoais de cada um de nós" (CASTORIADIS, 1987, p. 31). Numa "República das Letras", e, principalmente, numa "Republica das Leis", "a ausência de pudor constitui ipso facto um desprezo ao outro e pelo público" (CASTORIADIS, 1987, p.32). É preciso, de fato, "um fantástico desprezo pelo seu próprio ofício, e também pela verdade, é claro, mas, sobretudo pelos leitores, para que se chegue a inventar fatos e citações" (CASTORIADIS, 1987, p. 32), ou falsificar com silogismos e interpretação tendenciosa, com a intenção evidente de buscar um lugar ao sol as custas de subir nas costas de Outro, no caso, da professora Maria Helena Diniz. Numa "República das Leis", isso é inadmissível. Por esta razão, a iniciativa da Cúpula Ibero-Americana de Ética Judicial, é bem vinda. Precisamos refletir, seriamente, a questão da ausência de pudor nos Fóruns. "Nas Leis, observa Castoriadis, Platão notava muito justamente que a democracia ateniense fizera maravilhas enquanto o pudor, aidós, nela reinava" (CASTORIADIS, 1987, p. 32). Desde o início do governo Lula, no Brasil, a falta de pudor tornou-se descarada, atingindo o limite do paradoxismo quando o MEC produz um kit anti-homofobia. Com livros escolares com fotos de beijo gay, e vídeos com cenas de travestis, bissexuais e gays etc., para distribuição na rede pública de ensino. Uma coisa inexplicável! Evidentemente, o preconceito as lésbicas, aos travestis, aos bissexuais, aos gays etc. com a prática de ofensas, humilhações, agressões etc, é extremamente condenável e deve ser punido exemplarmente. Mas é também falta de pudor tanto quanto a falta de pudor que os lançaram as relações marginais e violentas os transformando em anormais. "A verdade pode ser triste", observou Cioran. E é preciso coragem para dizê-las. No Brasil, tanta falta de pudor significa a ascensão da impostura contra a história da sociedade. Um concurso internacional de monografia sobre ética-judicial é um primeiro passo. O tema: Conhecimento e Capacitação, muito conveniente. Mesmo porque, as conseqüências de tamanha falta de pudor são evidentes e violentas. Jean Baudrilard acerta em cheio ao diagnosticar: "Um mundo em que a energia da cena pública, a energia do social como mito e como ilusão (cuja intensidade é máxima nas utopias), está em vias de extinção, o social se torna monstruoso e obeso, ele se dilata na dimensão de um nicho, de um corpo mamário, celular, glandular, que outrora era ilustrado por seus heróis e hoje indexam sobre seus deficientes, seus tarados, seus degenerados, seus débeis mentais, seus anti-sociais, num gigantesco empreendimento de maternidade terapêutica" (BAUDRILARD, 1996, p.50). Touche!

23. Neste sentido, gostaria de chamar atenção para o fato de que nossa experiência decaiu de valor, diagnosticava Walter Benjamin com precisão em 1933, e significava, também, que nossa experiência de valor decaiu. Quem ouviu? E nada foi feito! Aí veio Hitler, o III Reich, o SS, Auschwitz etc. Foi Um horror! O diagnóstico estava correto. Absolutamente correto. E ainda está! O quadro apenas se agravou! É o que nos revela com exatidão o novo diagnóstico de Hannah Arendt. Quem ouve? Difícil saber! Razão pela qual se buscamos refletir sobre ética judicial, é imprescindível considerar seriamente ("para além do bem ou do mal"), como propõe a Comissão de Ibero-Americana de Ética-Judicial, o CONHECIMENTO e a CAPACITAÇÃO dos operadores do direito, e, principalmente, responsabilidade intelectual e moral dos educadores, que investem sua carreira na produção de livros de orientação jurídica, pois como vimos no caso do "Direito das Famílias", o desvirtuamento da verdade pode deformar a visão de mundo (Weltanschauung) de um futuro advogado, juiz ou promotor etc., de conseqüências imprevisíveis. Como observou Hannah Arendet: "Se tudo é permitido, tudo é possível". O que não nos é mais permitido é desconhecer que: (1) a fé nos poderes da razão e das capacidades humanas esta deslocada, desde Auschwitz; (2) o judaísmo-cristão e o que chamamos de humanismo, são responsáveis pela arrogância humana, e, conseqüentemente, (3) não havia em 1933, e não há ainda em 2011 como por fim a este terrível fluxo de destruição e caos humanístico, sem recusar a injustiça e a impunidade, e adotar a inflexibilidade dos princípios morais como guias para pensar, querer e julgar. Impõe-se, portanto, a necessidade de Conhecimento e de Capacitação ético-judicial. Neste sentido, como o sociólogo Gabriel Cohn, professor da USP, observou com muita pertinência para o que propôs a Comissão Ibero-Americana de Ética Judicial, existe no pensamento de Florestan Fernandes, "o sociólogo brasileiro por excelência", um sentido geral que pode ser captado em duas palavras: padrões e dilemas. "Em boa medida é em torno desses dois grandes temas que guia a reflexão de Florestan Fernandes nas diversas obras que ele produziu ao longo de sua vida" (COHN, 1986, p.124). A primeira, padrões, continua Cohn, "diriam respeito à sempre continuada busca de caracterização de formas de organização, e de regularidades dinâmicas que tenham a ver com o desenvolvimento dessas formas de organização suscetíveis de serem reconstruídas, discernidas, identificadas com clareza e apanhadas no seu modo próprio de articulação" (COHN, 1986, p.141). Os dilemas "teriam a ver com as condições geradas pelas próprias condições dinâmicas desses modos de organização da sociedade, que introduzem no seu interior obstáculos à realização daquilo que seja próprio a essa forma de organização" (COHN, 1986, p. 141). Em resumo, diz-nos Cohn: "O padrão, então, define uma maneira de organizar a sociedade, os mecanismos pelos quais se atualiza a sociedade no momento. Os dilemas têm a ver com as condições geradas pela dinâmica interna dessa forma de organização e que conduzem a obstáculos ou então, levando ao pé da letra o termo dilema, a opções" (COHN, 1986, p. 141-142). Com efeito, para Cohn, o elemento dinâmico, que na obra de Florestan Fernandes, se introduz "entre os padrões definidores de condições, e os dilemas, definidores de dificuldades para a efetivação daquilo que pode ser o resultado dessas condições, diz respeito, então, a determinados agentes sociais que sejam capazes não apenas de conviver com os dilemas, mas também de dar conta deles e dos padrões correspondentes de organização da sociedade" (COHN, 1986, p.142). O problema proposto pela Comissão Ibero-Americana de Ética Judicial, me parece, à luz das observações de Gabriel Cohn, justamente este, sob os signos da exigência de Conhecimento de Capacitação judicial: "possuem os nossos juízes "boa vontade" (Kant) para serem competentes na atuação ético-judicial? Seriam nossos juízes, na expressão de Sloterdijk, bons "atletas do poder-ordenar"? O fato é que, tanto os políticos quanto os nossos juízes em exercício raramente estão preparados para os desafios da nova situação, observa Sloterdijk, "intelectualmente quase nunca, moralmente às vezes, pragmaticamente, menos que mais – constitui uma parte do mal estar maciço cada vez mais agudo em relação" tanto à classe política quanto à classe jurídica (SLOTERDIJK, 1999, p. 63). Urge, portanto, pensar: como é possível vir a lume uma produção teórica tão ruim como a que se denomina Direito das Famílias?


REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Walter Aguiar Valadão

Professor universitário. Bacharel em História (UFES). Pós-Graduado "lato sensu" em Direito Público (UFES). Mestre em Direito Internacional pela UDE (Montevidéu, Uruguai). Editor dos Cadernos de Direito Processual do PPGD/UFES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALADÃO, Walter Aguiar. Conhecimento e capacitação: necessidades ético-judiciais prementes do Direito de Família. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2902, 12 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19336. Acesso em: 24 abr. 2024.

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