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Considerações a respeito da alienação fiduciária frente à hipoteca

27/06/2011 às 10:43
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1.Introdução

O direito real de garantia, segundo Orlando Gomes (1999, p. 343), é aquele que confere ao titular o poder de obter o pagamento de uma dívida com o valor ou a renda de um bem aplicado exclusivamente à sua satisfação.

O Código Civil de 2002 elenca quatro direitos reais de garantia, quais sejam: penhor, anticrese, hipoteca e propriedade fiduciária.

No presente trabalho, analisar-se-ão as vantagens e desvantagens da alienação fiduciária em comparação com a hipoteca.


1.A alienação fiduciária

A alienação fiduciária não é um direito real de garantia tão antigo como os demais, mas atualmente tem sido mais utilizado pelo mercado na atualidade, sendo aplicado principalmente em aquisições de automóveis e máquinas.

A preferência por tal instituto se dá por ser mais favorável ao credor, através de contratos de adesão, como se demonstrará, a seguir.

A propriedade fiduciária sobre bens imóveis, fungíveis e demais espécies de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respecitivas leis especiais, somente se aplicando o Código Civil naquilo que não for incompatível com a legislação especial (FARIAS; ROSENVALD, 2008, p. 362).

Nos termos do art. 1.361 do Código Civil, considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

Não obstante, o art. 22 da Lei 9.514 conceitua alienação fiduciária como o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Ensinam Farias e Rosenvald (2008, p. 358) que ocorre a alienação fiduciária quando o credor fiduciário adquire a propriedade resolúvel e a posse indireta de bem móvel, em garantia de financiamento efetuado pelo devedor alienante, resolvendo-se o direito do credor fiduciário com o posterior adimplemento da dívida garantida.


2.Argumentos favoráveis à alineção fiduciária

Uma das vantagens da alienação fiduciária é que o credor fiduciário converte-se automaticamente em proprietário do bem, tendo no valor do bem dado em garantia o eventual numerário para satisfazer-se no caso de inadimplemento da obrigação pelo devedor fiduciante.

No entanto, mesmo voltando a propriedade plena para o credor fiduciário, este é obrigado a levar o imóvel para leilão público, no prazo de trinta dias após a consolidação do da propriedade em seu nome, como disposto no art. 27, caput, da Lei 9.514, in fine:

Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.

No primeiro leilão, o menor lance deverá corresponder, no mínimo, ao valor de avaliação do imóvel. Caso seja inferior, deverá ser realizado um segundo leilão, quando poderá ser aceito o maior lance, desde que igual ou superior ao valor da dívida e mais as despesas com a realização do leilão, prêmios de seguros, encargos legais e contribuições condominiais (art. 27, 2º). Se o valor apurado no leilão for superior a divida e despesas, o saldo positivo será restituído ao devedor (Art. 27, 4º).

Após análise de todo teor do art. 27, verifica-se que se no primeiro leilão não se atingir o valor pretendido para a satisfação do crédito devido, a obrigação extinguirá através da consolidação do bem na pessoa do credor, como forma de pagamento.

Ainda, o bem alienado fica protegido da ação de outros credores do fiduciante. Assim, embora havendo credores do devedor fiduciante munidos de privilégios legais, o bem dado e propriedade fiduciário não fará parte dos ativos do devedor, não integrando o acervo concursal.

Tal é o que dispõe o §3º do art. 49 da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(...)

§3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Não obstante, a massa falida tem a faculdade de manter o contrato, emendando a mora, com fulcro no art. 118 da lei 11.101/05:

Art. 118. O administrador judicial, mediante autorização do Comitê, poderá dar cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, realizando o pagamento da prestação pela qual está obrigada.

Deste modo, segundo a previsão da Lei de Falências e Recuperação judicial de empresas, os bens de propriedade fiduciária não se submetem aos efeitos da recuperação judicial do fiduciante e nem integrará a massa em caso de falência.


3.Argumentos desfavoráveis à alienação fiduciária

Muito embora a alienação fiduciária seja a mais utilizada por ser uma garantia mais vantajosa, há nela alguns aspectos negativos:

O bem fiduciário é resolúvel, porquanto que sua constituição tem o escopo único de garantia pelo tempo em que durar a obrigação principal. Assim, a propriedade do credor já nasce com a previsão genética de sua destruição, como aduzem Farias e Rosenvald (2008, p. 365).

Os supracitados autores lecionam que pelo fato de o direito eventual já integrar seu patrimônio, o fiduciante pode manejar ações possessórias para tutelar a sua posse direta perante terceiros, inclusive contra o próprio fiduciário. Ainda, poderá promover ações reais contra quem viole o direito de propriedade, pois mesmo antes da reversão da propriedade para a sua titularidade, o seu direito eventual já possui natureza real.

Após a quitação integral da dívida, o devedor fiduciante poderá resgatar a propriedade, com a averbação do cancelamento do título em cartório, conforme art. 25, §2º da Lei 9.514, verbis:

Art. 25. Com o pagamento da dívida e seus encargos, resolve-se, nos termos deste artigo, a propriedade fiduciária do imóvel.

§ 2º À vista do termo de quitação de que trata o parágrafo anterior, o oficial do competente Registro de Imóveis efetuará o      cancelamento do registro da propriedade fiduciária.

Outro ponto negativo ocorre quando, se no primeiro leilão não conseguir arrecadar o valor pretendido para satisfazer o crédito, a obrigação se extinguirá através da consolidação da propriedade na pessoa do credor, que deixará de receber a dívida em sua integralidade, senão vejamos:

Art. 27,  § 5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.

Por fim, há de se considerar que na propriedade fiduciária, faculta-se ao devedor gozar do bem enquanto remanescer o débito, mantendo os poderes dominiais de uso e fruição da coisa.


4.A hipoteca

A hipoteca é o direito real que o devedor confere ao credor, sobre um bem imóvel de sua propriedade ou de outrem, para que o mesmo responda pelo resgate da dívida.

Trata-se de um contrato acessório, pressupondo a existência de um contrato ou uma obrigação principal por ele garantido.

Ensina Silvio Rodrigues que a hipoteca é o direito real recainte sobre um imóvel, um navio ou um avião, que, embora não entregues ao credor, o asseguram, preferentemente, do cumprimento da obrigação.

Já Orlando Gomes (1999, p. 375), a define como "o direito real de garantia em virtude do qual um bem imóvel, que continua em poder do devedor, assegura ao credor, precipuamente, o pagamento de uma dívida".


5.Argumentos favoráveis à hipoteca

Mesmo não sendo a garantia mais vantajosa, a hipoteca possui alguns argumentos positivos:

Caso o valor arrecadado com a venda do imóvel não seja suficiente para quitar a dívida, o credor hipotecário pode prosseguir com a execução até que o crédito seja integralmente quitado, diferentemente da alienação fiduciária, como anteriormente exposto.

O direito de garantia da hipodeca produz efeitos erga omnes, ou seja, o credor tem o direito de perseguir o imóvel nas mãos de quem o possui.

A hipoteca convencional tem duração máxima de 30 anos, mediante abervação requerida por ambas as partes, conforme art. 1.485 do Código Civil.

Art. 1.485. Mediante simples averbação, requerida por ambas as partes, poderá prorrogar-se a hipoteca, até 30 (trinta) anos da data do contrato. Desde que perfaça esse prazo, só poderá subsistir o contrato de hipoteca reconstituindo-se por novo título e novo registro; e, nesse caso, lhe será mantida a precedência, que então lhe competir.

Orlando Gomes explica que "a cláusula relativa ao prazo fica ao arbítrio das partes, mas a lei intervém ao estabelecer que o contrato não pode subsistir além de 30 anos. Decorrido esse prazo, perime".

Tal prazo refere-se apenas às hipotecas convencionais. No que tange às hipotecas legais, estas perduram indefinidamente.

Ainda, a hipoteca pode propiciar a venda judicial da coisa garantida, a fim de que o credor receba a quantia que lhe é devida, preferencialemente aos demais credores do devedor, salvo em relação às custas judiciais, tributos e obrigações trabalhistas. A respeito, vale mencionar o julgado abaixo:

O credor hipotecário tem preferência para receber seu crédito no processo de execução em primeiro lugar e sem concorrência de terceiros, independentemente de ter promovido a execução de seu crédito e efetivado a penhora – RT 651/154.

O art. 1.476 aduz que o dono do imóvel hipotecado poderá, mediante novo título, constituir mais hipotecas, em favor do mesmo credor, ou até mesmo de outros credores. GERVÁSIO (2010) entende ser isso positivo, "na medida em que um bem de alto valor poderia servir para cobrir mais de um débito, possibilitando-se a satisfação de dívidas de múltiplos credores, o que não é possível na alienação fiduciária".

Outro argumento é que na hipoteca o ônus poderá ser dividido na hipótese do imóvel ser loteado ou houver a constituição de um condomínio edilício, gravando-se cada unidade proporcionalmente ao seu valor, o que facilitará a venda na hipótese de inadimplemento da obrigação (Gervásio, 2010).

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Por fim, necessário expor que a hipoteca extingue-se pela arrematação ou adjudicação do bem hipotecado. Assim, caso o bem hipotecada sofra penhora, em virtude de processo de execução ajuizado por outro credor, o titular do direito real não será prejudicado, pois a penhora não importa na extinção da hipoteca.


6. Argumentos contrários à hipoteca

Assim como a alienação fiduciária,a hipoteca também tem o objetivo de fomentar a economia, porém está cada vez mais em desuso, uma vez que seu campo de incidência é restrito, pois é limitado a bens imóveis.

Sendo uma restrição sobre o valor da coisa onerada, o direito do credor hipotecário mantém-se suspenso até o prazo prefixado para o adimplemento da obrigação principal. Enquanto isso, o devedor permanece com todos os atributos dominiais, podendo usar, gozar e dispor da coisa hipotecada, sendo-lhe vedado apenas praticar atos que degadem a garantia. Só após a arrematação do bem é que o devedor perderá a posse, e consequentemente, o direito de perceber os frutos.

Caso a coisa venha a perder valor diante da negligência do devedor em sua conservação, dar-se-á o vencimento antecipado da dívida se, depois de intimado, o devedor não substituir ou reparar a coisa hipotecada, conforme art. 1.425,I do Código Civil.

Enquanto não quitada a dívida, o devedor pode promover a exploração econômica do imóvel, podendo até mesmo oferecê-lo a terceiros, para que esses possam usufruir do bem.

Ao contrário da alienação judiciária, em que o leilão extrajudicial é uma via célere, em se tratando de hipoteca, no caso de inadimplemência é necessário o ingresso de execução judicial, com a posterior penhora do bem, para depois levantá-lo em hasta pública, o que leva um longo tempo para recuperação do crédito.

Ainda, em caso de falência, o bem hipotecado poderá integrar a massa falida, podendo frustar o recebimento do crédito do credor hipotecário, havendo concurso com outros credores com direito de preferência:

Art. 1.483, Código Civil: No caso de falência, ou insolvência, do devedor hipotecário, o direito de remição defere-se à massa, ou aos credores em concurso, não podendo o credor recusar o preço da avaliação do imóvel.

Parágrafo único. Pode o credor hipotecário, para pagamento de seu crédito, requerer a adjudicação do imóvel avaliado em quantia inferior àquele, desde que dê quitação pela sua totalidade.

Nos termos do art. 1.475 do Código Civil,é nula a cláusula contratual que estipule a inalienabilidade do imóve na pendência do pagamento, objetivando preservar o direito subjetivo de propriedade do devedor.

Por fim, não há possibilidade de hipoteca sobre bens de família voluntário instituído pela entidade familiar, uma vez que o direito à moradia é direito fundamental previsto na Constituição Federal de 1988.


8. Conclusão

À guisa de conclusão, embora a hipoteca possua grandes argumentos favoráveis, esta vem sendo cada vez mais enfraquecida, porquanto que traz mais prejuízos aos credores que a alienação fiduciária.

Assim, a alienação fiduciária é mais favorável ao credor, principalmente por ser o titular do bem imóvel e este não fazer parte da massa falida, o que facilita os negócios imobiliários e confere-lhe segurança jurídica.


9. Referencias Bibliográficas

BRASIL. Lei 9.514, de 20 de novembro de 1997. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9514.htm>. Acesso em out.2010.

BRASIL. Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em out.2010.

BRASIL. Lei 11.101, de 09 de fevereiro de 2005. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2005/lei/L11101.htm>. Acesso em out.2010.

GERVÁSIO, Aurea. A segurança da alienação fiduciária como garantia hipotecária. 24 de agosto de 2010. Disponível em: <http://aureagervasioadvocacia.blogspot.com/2010/08/seguranca-da-alienacao-fiduciaria-como.html> Acesso em out/2010.

GOMES, Orlando; THEODORO JUNIOR, Humberto. Direitos reais. 14. ed. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999.

MENEZES, Rafael. Reais na coisa alheia. Disponível em: <http://www.rafaeldemenezes.adv.br/reaiscoisa/aula17.htm> Acesso em: out/2010

SILVIO RODRIGUES, Direito das Coisas, vol. 5, Saraiva, 1980, pg. 369.

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Sobre a autora
Giselle Leite Franklin

Advogada em Vitória (ES). Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho - Universidade Anhanguera - Uniderp. Mestranda em Direito Privado - PUC/MG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANKLIN, Giselle Leite. Considerações a respeito da alienação fiduciária frente à hipoteca. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2917, 27 jun. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19415. Acesso em: 19 mar. 2024.

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