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Algumas considerações acerca da participação das Forças Armadas em operações, no cumprimento da lei e da ordem, notadamente em comunidades cariocas

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01/08/2011 às 10:15
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Introdução.

Históricos recentes de participações das Forças Armadas no cumprimento da Lei e Ordem.

Teoria das janelas quebradas versus favelas localizadas no Rio de Janeiro.

É legal a utilização e permanência das Força Armadas em morros cariocas?

Tipos de ilícitos mais frequentes praticados por civis contra a Força de Pacificação no Complexo da Penha e do Alemão.

Possível dilema na determinação da competência da Justiça Militar para julgar crimes ocorridos em operações envolvendo as Forças Armadas no cumprimento da Lei e da Ordem.

Considerações finais.


1- Introdução

Houve um tempo em que as Forças Armadas destinavam-se, com exclusividade, à defesa da Pátria, implementando treinamentos militares específicos, voltados para o combate de guerra. De fato, com o passar dos tempos e devido as consequentes mudanças sociais, a expressão: ¨ Forças Armadas atuando na defesa da Lei e da Ordem¨, descrita no artigo 142 da Constituição Federal, outrora apenas uma norma figurativa no mundo jurídico, passou a fazer parte efetiva do cenário brasileiro atual e, até mesmo, internacional.

Vale enfatizar que a aludida locução (lei e ordem), também registrada nas cartas magnas anteriores, vale dizer, 1891,1934,1946,1967 e 1969, exceto à de 1937, apresenta, segundo a doutrina, imprecisa e ampla conotação semântica, havendo, contudo, consenso que abarca contextos concernentes às condições mínimas para segurança pública,salubridade e tranquilidade pública.

Nesse sentido, vem descrita tanto no capítulo referente às Forças Armadas (art. 142 da CRFB) como no relativo à Segurança Pública (art. 144 CRFB).

Dúvidas não há, portanto, que as diversas modalidades de polícias elencadas no art. 144 da CRFB, bem como as Forças Armadas, têm a missão constitucional de velar pela segurança pública. De observar-se, entretanto, que esta última deve atuar apenas, de forma supletiva, conclusão que se chega, de plano, cotejando-se os sobreditos artigos, ou seja, a segurança pública dever ser exercida, primordialmente, por órgãos policiais e, na deficiência destes, subsidiariamente, pelas Forças Armadas.


2- Históricos recentes de participações das Forças Armadas, no cumprimento da Lei e Ordem

Históricos recentes de Operações das Forças Armadas.

OPERAÇÃO

MISSÃO

Operação Limite de Estados da Federação.

(1985 a 1998)

Permitir a demarcação de áreas, pelo IBGE, entre os Estados do Acre e de Rondônia, diante da iminência de enfrentamento entre a polícia dos dois Estados.

Operação Companhia Siderúrgica Nacional.

(7 de novembro de 1988)

Mediante ordem judicial, retirar grevistas do interior da Siderúrgica e garantir os bens da Companhia.

Operação Eleições/1989.

(setembro e novembro de 1989)

Por requisição do TSE, garantir a normalidade do pleito eleitoral.

Operação Eldorado.

(1996 A 1997)

Em apoio ao Governo do Pará, pacificar a área após o incidente de Eldorado dos Carajás.

Operação Relâmpago VI.

(2002)

Desocupar a Fazenda Córrego da Ponte de propriedade do Sr. Presidente da República, ocupada por elementos do MST, diante da indiferença da Polícia Militar de Minas Gerais.

Operação Guanabara.

(2003)

Garantir a segurança no Rio de Janeiro durante o feriado de carnaval

Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti.

(início: 2004)

Estabilizar o país; pacificar e desarmar grupos guerrilheiros e rebeldes; promover eleições livres e informadas; formar o desenvolvimento institucional e econômico do Haiti.

Operação Cimento Social.

(2008)

Garantir a segurança do projeto cimento social para a reforma de casas no morro da Providência.

Operação de pacificação do Complexo do Alemão e da Penha.

(início: 2010 e término previsto para setembro de 2011)

Pacificação das comunidades do Complexo do Alemão e da Penha.

Operação permanente nas fronteiras do Brasil.

Patrulhar as fronteiras, proceder revistas e prender em flagrante.


3- Teoria das janelas quebradas versus favelas localizadas no Rio de Janeiro

A teoria das janelas quebradas preconiza que o abandono de um local leva ao cometimento de pequenos delitos e a indiferença em relação a esses pequenos delitos pode levar à tolerância a crimes mais graves. Os autores da citada teoria registram a seguinte passagem:

"Imagine um prédio com algumas janelas quebradas. Se elas não forem consertadas, a tendência é que vândalos quebrem outras. Eventualmente, eles podem também invadir o imóvel e, se estiver desocupado, transformá-lo em abrigo ou incendiá-lo. Considere, ainda, uma calçada. Algum lixo se acumula nela. Logo, mais lixo virá. Aos poucos, as pessoas começarão a descarregar todo o seu lixo nessa calçada".

Assim sendo, a teoria em comento sintetiza o seguinte :

¨O criminoso, longe de ser alguém que age por suas próprias razões, é alguém altamente sensível ao seu ambiente e influenciado pela sua realidade. Se ele vive num ambiente onde o crime é punido, independente da sua magnitude, então passa a considerar outras alternativas. Todavia, se o seu contexto sugere que não haverá obstáculo ou castigo por quebrar uma janela, bater uma carteira, roubar um banco, sequestrar ou exigir propina para assinar um contrato público, então a ocasião haverá de formar o ladrão¨.

A teoria das janelas quebradas guarda uma relação estreita e direta com as favelas localizadas na cidade carioca, uma vez que estas,a lém de terem sofrido um vertiginoso crescimento populacional, decorrente da ausência de uma política habitacional estatal, padeceram pelo abandono do poder público, por quase um século. Desse modo, até o ano de 2006, segundo Carlos Alberto de Aguiar, o Rio de Janeiro somou 1311 favelas, estando 971 situadas em região metropolitana.

O fato é que, com a ocupação desordenada das favelas, somada a indiferença do Estado, a criminalidade, diga-se o tráfico, apoderou-se daqueles territórios habitados, em sua maioria, por uma população menos favorecida. Destarte, ante a ausência do Estado, os traficantes implantaram, naquelas regiões, um poder paralelo, onde a cúpula do banditismo, a seu modo e, valendo-se de¨ leis¨ próprias (as quais são temidas e respeitadas sem contestações pelos moradores), investigam, julgam e executam aqueles que desobedecem, violam os preceitos por eles impostos ou se atrevem em imiscuir-se nos negócios escusos e rentáveis que ali se desenvolvem (relembre-se o caso rumoroso que envolveu a execução do jornalista Tim Lopes).

Por vezes, quando importunados pela ação pontual da polícia ou por facção inimiga, a atuação do tráfico ultrapassa os limites circunscritos aos morros cariocas. Assim sendo, aterrorizam a população, promovendo arrastões e incendiando carros e ônibus nas principais vias da cidade. O ápice do terror, orquestrado pelos traficantes, ocorreu no final do ano de 2010, oportunidade em que, de forma emergencial, foi desencadeada uma operação conjunta, envolvendo os órgãos de segurança pública e as Forças Armadas, a qual culminou com a invasão e tomada do Complexo do Alemão e da Penha.


4- É legal a utilização e permanência das Forças Armadas em morros cariocas?

Em razão do acontecimento acima citado e atendendo exposição de motivos interministerial nº 00460/MD/GSI, de 02.12.2010, decorrente da solicitação do governador do estado, foi autorizado pelo governo federal o prosseguimento do emprego temporário de militares das Forças Armadas, na preservação da ordem pública, nas comunidades do Complexo da Penha e do Alemão, nos termos da LC 97/2009 e o Decreto 3897/2001. Assim, por meio da Diretriz Ministerial, n 15, de 04 dez 2010, coube ao Exército Brasileiro a espinhosa missão de organizar uma Força Pacificadora nas referidas comunidades, oferecendo recursos operacionais militares necessários (pessoal e material), com funções de patrulhamento, revista e prisão em flagrante.

Respeitando entendimentos diversos e sem a pretensão de esgotar o assunto, filio-me à corrente doutrinária que sustenta não ser necessário um decreto de intervenção do governo federal para que as Forças Armadas atuem, de forma episódica, e, no menor tempo possível, na segurança pública local.

Com efeito, além de a intervenção federal denotar um caráter eminentemente punitivo de um ente federativo autônomo em outro, temos que uma interpretação sistemática da Constituição da República permite a cooperação, de um modo geral, entre União, Estados, Distrito Federal e Município, inclusive, no campo da segurança pública. Vejamos, a respeito, os seguintes dispositivos constitucionais:

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

IV – não-intervenção; (grifei)

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. (grifei)

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência... (grifei).

Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos. (grifei)

Os mencionados artigos são autoexplicativos no que se refere à autonomia e possibilidade de cooperação entre os entes da federação, valendo destacar que o princípio constitucional reinante, na espécie, é o da não intervenção.

O princípio da eficiência, segundo Modesto, dirigi-se para razão e fim maior do Estado, a gestão dos serviços sociais essenciais à população, visando à adoção de todos os meios legais e morais possíveis para a satisfação do bem comum.

Para Modesto, o princípio da eficiência, traduzido pelo binômio economicidade e eficácia, compõe-se das seguintes características básicas: direcionamento da atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum, participação dos serviços públicos da população e bem de qualidade.

Destarte, em nome do princípio da eficiência as Forças Armadas podem e devem atuar, pontualmente, em auxílio à segurança pública.

Conforme já aventado, o art. 142 da CRFB e seu parágrafo legitima a participação das Forças Armadas na garantia da Lei e da Ordem. Trata-se de dispositivo constitucional de eficácia contida ou restringível, posto que, em regra, depende da intervenção do legislador ordinário para dar eficácia e aplicabilidade a norma.

De fato, em razão da mencionada lei constitucional, veio à lume,onze anos depois, a supracitada Lei Complementar 97/1999,dispondo sobre as regras gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.

É interessante destacar a redação do art. 15, § 2 da referida lei, in verbis:

"A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal".(grifei)

A questão é tão complexa que a Lei Complementar 97/1999, após ter suas diretrizes fixadas pelo Decreto nº 3897/2001, foi alterada, por duas vezes, respectivamente, pelas Leis Complementares nr117/2004 e 136/2010.

De fato, havia inquietantes lacunas na LC em comento a serem preenchidas,valendo destacar as seguintes:

1- Em que áreas e por quanto tempo deverão atuar as Força Armadas na garantia da Lei e da Ordem?

2- Quando são considerados esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública relacionados no art. 144 da CRFB?

3- A atuação dos militares das Forças Armadas, no cumprimento da Lei e da Ordem, é considerada atividade militar, para fins de aplicação da legislação penal e processual militar?

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4- A quem cabe o controle operacional da missão?

As respostas as indagações supra vieram, a meu ver, ainda de forma insatisfatória, por intermédio de alterações constantes nas LC 117/2004 e LC 136/2010, verbis:

"Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional" (Art. 15, § 3º da LC nº 117/2004)

"Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem". (Art. 15, § 4º da LC nº 117/2004)

"Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins." (Art. 15, § 5º da LC nº 117/2004)

"Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais". (Art. 15, § 6º da LC nº 117/2004)

"A atuação do militar nos casos previstos nos arts. 13, 14, 15, 16-A, nos incisos IV e V do art. 17, no inciso III do art. 17-A, nos incisos VI e VII do art. 18, nas atividades de defesa civil a que se refere o art. 16 desta Lei Complementar e no inciso XIV do art. 23 da Lei no 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral), é considerada atividade militar para os fins do art. 124 da Constituição Federal". (Art. 15 §7º, LC nº 136/2010).

O ponto crucial da questão, a meu sentir, não se restringe apenas às hipóteses acima, consiste também em responder as seguintes perguntas: as Forças Armadas estão preparadas para, de forma contínua e por considerável tempo, desenvolver atividade, eminentemente, policial no Complexo do Alemão e da Penha ou em outras comunidades, tendo em vista que lhes foram atribuídas o controle operacional da missão? As abordagens aos transeuntes estão acontecendo de forma técnica? As revistas pessoais ocorrem dentro dos critérios estabelecidos na legislação processual penal militar (diante da suspeita de instrumento ou produto de crime e elementos de prova – art. 181 do CPPM.)?

Preliminarmente, insta pontuar que, pelas características do mencionado local, o êxito da operação no Alemão e na Penha só foi possível com a imprescindível ajuda das Forças Armadas. Com efeito, não fossem os tanques poderosos da Marinha e o treinamento de guerra dos militares, os obstáculos naturais do lugar e os plantados pelo tráfico, dificilmente seriam rompidos.

Todavia, em minha concepção, a referida operação em conjunto, envolvendo as Forças Armadas, Polícia Militar e Civil, demanda uma análise que deve ser feita sob dois prismas. A primeira refere-se à incursão no mencionado Complexo, na qual houve necessário apoio logístico e operacional dos militares federais; a segunda consiste na permanência das Forças Armadas no local, no qual Exército, embora atuando em parceria com outras polícias, assumiu a iniciativa e o total controle de ações tipicamente policiais (abordagens e revistas pessoais em transeuntes). Enfatize-se que tais procedimentos têm gerado insatisfações por parte dos moradores e frequentadores do Complexo, os quais não reconhecem a legitimidade de militares federais para tal mister (principalmente quando realizadas por jovens e inexperientes soldados).

Assim sendo, os procedimentos policiais em comento vêm suscitando desfechos não desejáveis, resultando em prisões em flagrante de civis por crime militar (desacato). Nesse sentido, alguns cidadãos que circulam pelo Complexo, insatisfeitos com a abordagem, nem sempre necessárias, de militares federais, ofendem verbalmente integrantes de patrulhas do Exército, oportunidade em que são presos em flagrante por desacato.

Alguns exemplos de prisões em flagrante, abaixo listados no item 5, propiciarão uma visão geral dos acontecimentos.


5a - Tipos de ilícitos mais frequentes praticados por civis contra Força de Pacificação no Complexo da Penha e do Alemão.

Amostragem de delitos praticados por civis contra Forças de Pacificação.

FATO GERADOR

AÇÃO DO EXÉRCITO

REAÇÃO DO CIVIL

RESULTADO

Som alto no carro de civil

Abordagem e Revista pessoal

Xingamentos e ofensas

Civil denunciado por desacato

Briga entre marido e mulher

Abordagem e Revista pessoal

Xingamentos e ofensas

Civil denunciado por desacato

Colisão entre veículos civis

Abordagem e Revista pessoal

Xingamentos e ofensas

Civil denunciado por desacato

Civil, com uma garrafa de cerveja, ameaça arremessá-la contra militares

Abordagem e prisão em flagrante por desacato

Xingamentos e ofensas

Prisão flagrante por denunciado

Civis, no interior de veículo, próximo a um bar, onde realizava-se um baile funk

Abordagem e revista pessoal

Populares que saíam do baile funk hostilizam a tropa e quando contidos, um dos civis deu uma cabeçada no militar

Prisão por desacato e resistência

Veículo conduzido por civil em alta velocidade

Alertado pela patrulha do Exército para reduzir a marcha do veículo.

Acelerou veículo, pondo-se em fuga

Denunciado por desobediência

Equipe do Exército, em posto estático, é provocada por civis

Abordagem e revista pessoal

Xingamentos

Prisão por desacato

Abordagem pessoal

Revista pessoal

Luta corporal

Denunciado por lesão corporal e resistência

Briga entre civis em campo de futebol

Abordagem para separação dos contendores

Xingamentos e tentativa de agressão contra militar

Prisão por desacato

Militar verifica banheiro utilizado por civil, encontrando papelote de cocaína vazio

Abordagem e revista pessoal

Xingamentos

Prisão por desacato

Capitão do Exército vistoria com Agencia Nacional do Petróleo estabelecimento comercial e encontra máquina de caça-níquel

Ordem de prisão ao civil, dono do estabelecimento

Xingamentos e tentativa de agressão contra o militar

Prisão por desacato

Verifica-se que o fato gerador de alguns flagrantes acima citados foram desencadeados por questões que, originariamente, não demandariam intervenções por militares federais, mas sim pelas polícias civil e militar do Estado, até porque estas instituições integram a Força de Pacificação.

Situação diversa acontece em relação aos militares das Forças Armadas que atuam nas fronteiras do Brasil. Nesses casos, fazendo às vezes da Policia Federal, o Exército, muitas das vezes sem parcerias, assume o papel de patrulhamento, revistas pessoais e prisões em flagrante em delitos de quaisquer naturezas (comuns ou militares).

5b - Possível dilema na determinação da competência da Justiça Militar para julgar crimes ocorridos em operações envolvendo as Forças Armadas no cumprimento da Lei e da Ordem.

Quando se trata de estabelecer a competência da Justiça Militar da União, quer no plano legislativo, quer no jurisprudencial, ocorrem verdadeiras "colchas de retalhos jurídicos", notadamente quando civis estão envolvidos no polo passivo ou ativo do delito.

Vale, nesse sentido, trazer à colação a Lei nº. 9.299/96, a qual retirou a competência da Justiça Militar para julgar crimes dolosos contra a vida quando a vítima for civil.

Art. 9º, parágrafo único: "Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum."

Pois bem, recentemente, foi aprovado pelo Congresso Nacional, o PL 6615/09, o qual restabeleceu a competência da Justiça Militar para julgamento de crimes dolosos contra a vida cometidos no contexto de abate de aeronaves civis, na hipótese do art. 303 do Código Brasileiro de Aeronáutica.

Temos, assim, dois pesos e duas medidas, posto que militares das Forças Armadas terrestres e marítimas, porventura, num confronto inevitável, seja em uma comunidade ou fronteira do Brasil, venham a atingir mortalmente um civil (por hipótese, um traficante), responderão pelo crime perante o Tribunal do Júri.

Em outra esteira, oficiais da Força Aérea Brasileira, no mesmo cumprimento da Lei e da Ordem, ao dispararem contra uma aeronave hostil, pilotada, por exemplo, por traficante, serão processados e julgados pela Justiça Militar.

Relativamente ao civil no polo ativo do crime, embora o inciso III, alínea "d", do artigo 9º do Código Penal Militar considere crime militar aquele praticado por civil contra militar em função de natureza militar, na garantia e preservação da ordem pública, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior, as jurisprudências dos tribunais superiores vêm entendendo que a Justiça Militar da União não é competente para julgar tais crimes. Vejamos alguns julgados:

""Habeas Corpus". Competência. Civis denunciados por crimes de resistência e desacato. Código Penal Militar, arts. 177 e 299. A policia naval e atividade que pode ser desempenhada, igualmente, por servidores civis ou militares do Ministério da Marinha, de acordo com o paragrafo único do art. 269 do Regulamento para o Trafego Marítimo (Decreto n. 87.648, de 24/9/1982). Crime militar e competência da Justiça Militar, "ut" art. 124, da Constituição de 1988. Relevante, na espécie, e o objeto do crime e não mais a qualidade do sujeito ativo. Compreensão do art. 142, da Constituição de 1988. Sendo o policiamento naval atribuição, não obstante privativa da Marinha de Guerra, de caráter subsidiário, por força de lei, não é possível, por sua índole, caracterizar essa atividade como função de natureza militar, podendo seu exercício ser cometido, também, a servidores não militares da Marinha de Guerra. A atividade de policiamento, em princípio, se enquadra no âmbito da segurança pública. Esta, de acordo com o art. 144, da Constituição de 1988, e exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por intermedio dos órgãos policiais federais e estaduais, estes últimos, civis ou militares. Não se compreende, por igual, o policiamento naval na ultima parte da letra "d", do inciso III, do art. 9., do Código Penal Militar, pois o serviço de vigilancia, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, ai previsto, de caráter nitidamente policial, pressupoe desempenho especifico, legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior. "Habeas Corpus" deferido, para anular o processo a que respondem os pacientes, desde a denuncia inclusive, por incompetencia da Justiça Militar, devendo os autos ser remetidos a Justiça Federal de Primeira Instância, no Para, competente, "ut" art. 109, IV, da Constituição, por se tratar de infrações em detrimento de serviço da União, estendendo-se a decisão ao denunciado não impetrante.

(HC 68928, Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/11/1991, DJ 19-12-1991 PP-18710 EMENTA VOL-01647-01 PP-00055 RTJ VOL-00138-02 PP-00569)"

"EMENTA: HABEAS CORPUS. PACIENTE ACUSADO DE DESACATO E DESOBEDIÊNCIA PRATICADOS CONTRA SOLDADO DO EXÉRCITO EM SERVIÇO EXTERNO DE

POLICIAMENTO DE TRÂNSITO, NAS PROXIMIDADES DO PALÁCIO DUQUE DE CAXIAS, NO RIO DE JANEIRO. Atividade que não pode ser considerada função de natureza militar, para efeito de caracterização de crime militar, como previsto no art. 9º, III, d, do Código Penal Militar. Competência da Justiça Comum, para onde deverá ser encaminhado o processo criminal. Habeas corpus deferido.

(HC 75154, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/05/1997, DJ 05-09-1997 PP-41872 EMENT VOL-01881-02 PP-00203)"

"CRIMINAL. DESACATO E RESISTENCIA PRATICADO POR CIVIL CONTRA SOLDADO DO EXERCITO EM OPERAÇÃO DO POLICIAMENTO CIVIL.

- COMPETENCIA. NÃO SE CARACTERIZA COMO MILITAR O POLICIAMENTO CIVIL, AINDA QUE EXERCIDO PELO EXÉRCITO EM CONJUNTA COLABORAÇÃO COM A POLICIA CIVIL.

(CC 16.228/RJ, Rel. Ministro JOSÉ DANTAS, TERCEIRA SECAO, julgado em 28/05/1997, DJ 23/06/1997 p. 29043)"

"PROCESSUAL PENAL. PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. DESACATO PRATICADO POR CIVIL CONTRA SOLDADO DO EXÉRCITO EM ATIVIDADE DE POLICIAMENTO EXTERNO DE TRÂNSITO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM.

- Não sendo o desacato praticado contra soldado em exercício de função propriamente militar, não se trata de crime da competência da Justiça Militar. Conflito conhecido, declarando-se competente o Juízo suscitado.

(CC 26.106/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 14/06/2000, DJ 14/08/2000 p. 135)"

De consequente, mesmo diante da redação do art. 15 § 7º da LC nº 136/2010 (que considerou atividade militar, para fins de julgamento pela Justiça Militar, a atuação da Forças Armadas no cumprimento da Lei e da Ordem), é factível que interpretações, no mesmo sentido dos julgados explicitados supra, sejam adotadas em relação aos crimes perpetrados por civis no Complexo do Alemão, em outras comunidades ou nas fronteiras do Brasil, contra militares das Forças Armadas, no cumprimento da Lei e da Ordem.

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Sobre o autor
Luciano Moreira Gorrilhas

Procurador de Justiça Militar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GORRILHAS, Luciano Moreira. Algumas considerações acerca da participação das Forças Armadas em operações, no cumprimento da lei e da ordem, notadamente em comunidades cariocas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2952, 1 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19665. Acesso em: 19 abr. 2024.

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