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Cláusulas contratuais gerais: limitação e exclusão da responsabilidade em Portugal

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29/08/2011 às 17:01
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O aparecimento das cláusulas contratuais gerais está conectado ao surgimento do contrato de adesão e às contratações em massa, como mitigação do princípio da liberdade contratual.

Sumário: Introdução: o surgimento das cláusulas contratuais gerais - massificação das relações contratuais. 1. Das cláusulas contratuais gerais; 1.1 Conceito; 1.2 Características. 2. Princípio da liberdade contratual; 2.1 Os três aspectos da liberdade contratual; 2.1.1 Liberdade de contratar; 2.1.2 Liberdade de conformar o conteúdo do contrato. 3. Regime em Portugal. 4. Limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas; 4.1 Alínea a) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.2 Alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.3 Alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.4 Alínea d) do art. 18º do DL n. 446/85. 5. Considerações finais. Referências.


Introdução: o surgimento das cláusulas contratuais gerais - massificação das relações contratuais

No presente paper serão feitas brevíssimas considerações sobre o surgimento – no aspecto histórico – das cláusulas contratuais gerais. A posteriori cumpre se fazer uma análise do seu surgimento como mitigação do princípio da liberdade contratual. Também serão examinadas algumas questões gerais, como o conceito das CCG e as suas características para, finalmente, analisar-se o conteúdo das alíneas a), b), c) e d) do art. 18º do DL n. 446/85, que trata da limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas. Este é o propósito deste estudo.

O aparecimento das cláusulas contratuais gerais está conectado ao surgimento do contrato de adesão e às contratações em massa, [01] que possuem como causa as transformações políticas, sociais e econômicas ocorridas no princípio e em meados do século 19. Nessa época, a evolução da tecnologia e dos meios de produção sucedidas na Europa, com a denominada Revolução Industrial, incidiram diretamente na modificação das formas clássicas de contratação, que passaram por uma adaptação às recentes condições do mercado capitalista. [02]

O crescimento da produção industrial ocasionou a uma maior circulação de mercadorias, intensificando o consumo e a necessidade de meios financeiros para sustentá-la. Tais modificações atingiram o contrato na sua substância, levando com que deixasse de constituir um acordo de vontades baseado em discussão precedente. [03]

Entretanto, antes de explicar-se todo esse processo, cumpre se dar um passo atrás na História. Da concepção de liberdade e igualdade podem-se retirar duas das bases fundamentais do processo da Revolução Francesa e, do seu fruto necessário, o Código Napoleônico. Em tal época, o estudo dos contratos era dominado pela percepção do liberalismo puro, trazidas pelos ideais da Revolução de 1789, que, em resumo, tinham como sustentáculo o juízo de que todos os contraentes eram iguais. O contrato era tido como instrumento de circulação de bens e mercadorias, traduzindo-se em um legítimo e adequado mecanismo para que a burguesia, em ascenso, possuísse à sua disposição um meio legítimo para conseguir da aristocracia, em declínio, a tradição do bem jurídico de maior importância para aquele sistema, que era o real imobiliário. [04]

Sob influência dos ideais liberais, entre os séculos XVIII e XIX, foram construídos os princípios da liberdade contratual, da força obrigatória dos contratos e do seu efeito relativo, oriundos do contexto político-filosófico existente na altura, que consagrava a autonomia da vontade. [05] Com a massificação dos contratos, pelo menos um destes três princípios – ou às vezes todos – estavam ausentes, configurando a celebração de um contrato firmado sem liberdade contratual (material), em que pese a possibilidade de se aderir, de modo incondicional, à proposta alheia. [06]

A Revolução Industrial, o investimento em eficazes técnicas publicitárias de vendas, a fabricação em série e o consumo em massa são fatores que tornaram inviável a formação dos contratos paritários. [07]/ [08] A realidade social da época passou a reivindicar um novo paradigma contratual. Já não se observavam, frequentemente, partes firmando contratos gré à gré. Cada vez mais as empresas passaram a estabelecer condições a serem utilizadas numa quantidade indeterminada de operações de venda de bens e produtos e, a posteriori, de prestação de serviços. [09]

Tal fenômeno não passou despercebido pela ciência jurídica. Logo no início do século passado, Saleilles, em seu clássico De la déclaration de volonté [10] ofertou o batismo doutrinário, sob a denominação de contratos de adesão. Em relação à mesma situação, outros autores preferiram ressaltar, ao invés dos limites de negociação a que um dos contratantes está sujeito, o conteúdo repetitório dos contratos, utilizando designações como "contratos-tipo" [11], "contratos pré-redigidos", "contratos padronizados" e "contratos standard". A incidência da mesma ideia sobre um alvo diverso – em vez do resultado alcançado, as cláusulas a partir das quais os contratos são formados – concebeu a expressão, de origem alemã, "cláusulas contratuais gerais" (allgemeine Geschäftsbedingungen - AGB) [12], introduzida por Ludwig Raiser em 1935, e, posteriormente aplicada na designação da lei germânica (AGB-Gesetz, de 1976). [13]

Como Calvão da Silva [14] afirma, a repetição em massa de certas operações [15] justifica a prática da normalização e formalização, ou padronização dos contratos. Quando determinadas operações, efetuadas continuamente por número indeterminado de pessoas jurídicas e humanas, necessidades de celeridade e segurança na contratação, simplificação e racionalização dos custos levaram os proponentes [16] a elaborarem impressos ou formulários com um conjunto de cláusulas que a outra parte terá possibilidade de discutir, tendo em vista o desequilíbrio das forças e a falta de igualdade em conhecimentos, formação e informação entre as partes. [17] Dito de outra maneira é um contrato do tipo "pegar ou largar". [18] Finalizar ou não o contrato é a "liberdade" que sobra ao aderente. [19] Trata-se de uma verdadeira mitigação do princípio da autonomia privada ou da autonomia da vondade. [20]


1. Das cláusulas contratuais gerais

1.1 Conceito

De acordo com o art. 1º, n.1 do Decreto-Lei n. 446 de 1985, as cláusulas contratuais gerais são aquelas "elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar". O n. 2 do mesmo dispositivo estabelece que o diploma aplicar-se-á também "às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar". [21]

Ferreira de Almeida conceitua as CCG como "proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou". [22]

1.2 Características

Almeida Costa e Menezes Cordeiro apontam como características das cláusulas contratuais gerais a pré-elaboração, a indeterminação e a rigidez. [23] Ferreira de Almeida, entretanto, afirma ser mais preciso atribuir-lhes tão-somente as características da generalidade e da predisposição unilateral. [24]

Afirma o autor que a predisposição unilateral envolve a ideia de pré-elaboração, mas remata-se com outras duas ideias: a iniciativa da elaboração ou da adoção das cláusulas elaboradas por terceiros é unilateral, porque é prerrogativa de apenas uma das partes, sem negociação prévia com a outra, e é programada relativamente à intenção de inserir essas cláusulas em futuros contratos. A generalidade, em sua opinião, é justificável como forma de apartar a ideia de que o instituto requer indeterminação do número e da identidade dos possíveis contraentes. [25]

Menezes Leitão considera como características da CCG a pré-elaboração, a generalidade e a rigidez. Afirma o jurista que deparar-se-á com uma situação destas quando uma das partes contraentes elabora a sua declaração negocial anteriormente ao início das negociações (pré-elaboração), que é aplicável genericamente a todos os seus contraentes (generalidade), sem conceder aos mesmos uma possibilidade alternativa que não seja a rejeição ou aceitação, sendo-lhes, portanto, obstada a possibilidade de debater ou questionar o conteúdo do contrato (rigidez). [26]


2. Princípio da liberdade contratual

Como Almeida Costa refere, o direito dos contratos possui quatro grandes princípios: o do consensualismo, o da boa-fé, do da força vinculativa e, finalmente, o da liberdade contratual. [27]

2.1 Os três aspectos da liberdade contratual

Ainda de acordo com Almeida Costa, o princípio da liberdade contratual comporta analiticamente três aspectos: liberdade de celebração; liberdade de escolha do tipo contratual; e a liberdade de estipulação. Esses dois últimos vetores da liberdade de contratar interpenetram-se e fundem-se na denominada liberdade de fixação do conteúdo, "com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam". [28]/ [29]

2.1.1 Liberdade de contratar

De acordo este sentido do princípio da liberdade contratual, as pessoas são, via de regra, inteiramente livres para contratar ou não contratar (liberdade de celebração). Nas palavras de Menezes Leitão as partes são "livres de celebrar ou não o contrato, podendo recusar arbitrariamente qualquer proposta contratual, por muito vantajosa que ela seja, ou por muita necessidade que a outra parte tenha em relação à celebração do negócio". [30]

2.1.2 Liberdade de conformar o conteúdo do contrato

Também existe, via de regra, liberdade de modelação do conteúdo contratual. Este outro vetor do princípio da liberdade de contratar denota que pertence aos contraentes, não apenas a escolha do tipo do negócio mais adequado à satisfação dos seus interesses, mas ainda completá-lo com o conteúdo concreto que achem por bem. Assim, é possível que escolham um contrato típico ou nominado, atípico ou inominado ou ainda misto (quando sejam reunidas em um único contrato as características de dois ou mais contratos típicos). [31] Portanto, pode-se dizer que as cláusulas contratuais gerais surgem como uma forma de limitação dessa liberdade de conformar o conteúdo do contrato.


3. Regime em Portugal

Em Portugal, o Decreto-Lei n. 446 de 1985 foi editado para regular as cláusulas contratuais gerais. Tal diploma definiu o princípio da boa-fé [32] como critério basilar ou princípio geral de controle, para a validade ou não das cláusulas contratuais gerais, no art. 15º da LCCG. É esta máxima que norteia a análise das cláusulas, para determinar se são abusivas ou válidas. Foram definidas duas listas com cláusulas abusivas, uma para relações entre empresários e entidades equiparadas e outra para relações com consumidores. Em cada uma delas existem cláusulas absolutas e relativamente proibidas. [33] Em 31 de Agosto de 1995 foi publicado o Decreto-Lei n. 220, que alterou o Decreto para integrar a Diretiva n. 13/93/CEE em Portugal, atinente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. [34] Em 1999, a lei portuguesa foi alvo de novas modificações. [35]

De acordo com António Pinto Monteiro, o Decreto-Lei n. 249/99, que alterou o Decreto 446/95, visou sanar "um diferendo com a Comissão Européia", já que no entendimento desta, o legislador português não teria transposto devidamente a diretiva n. 13/93, [36] que intenta abarcar todos os contratos de adesão (entre profissionais e consumidores), à medida que a legislação portuguesa, dispondo sobre as cláusulas contratuais gerais, só seria aplicável, aparentemente, aos contratos de adesão que tivessem por base cláusulas contratuais gerais. [37]/ [38]

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4. Limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas.

Como já mencionado na introdução, o presente escrito limitar-se-á a analisar especificamente as alíneas a), b), c) e d) do art. 18º da LCCG. No que concerne às relações entre empresários ou entidades equiparadas, estabelecem-se, a título exemplificativo, determinadas proibições que se dividem em cláusulas absolutamente proibidas (art. 18º), [39] que não podem incluir-se, a nenhum pretexto, nos contratos celebrados por adesão; e cláusulas relativamente proibidas (art. 19º), como já foi mencionado anteriormente. [40] O legislador adotou o modelo germânico, enumerando uma série de cláusulas proibidas em termos absolutos e outro rol cuja proibição é relativa, "completando o sistema com a consagração de uma cláusula geral, assente na boa-fé". [41]

No primeiro tipo, as cláusulas são iníquas e consideradas nulas pela legislação, independentemente do quadro contratual em questão. [42] Na segunda hipótese, o juízo de censura decorrerá de valoração a ser efetuada pelo aplicador da lei, levando-se em consideração o conjunto de circunstâncias que usualmente envolvem o tipo de contrato em que a cláusula foi inserida. [43] Assim, as cláusulas absolutamente proibidas constituem uma lista negra e as relativamente proibidas, uma lista cinzenta.

Desta forma, apesar da epígrafe que as precede [44], as duas listas têm um âmbito de aplicação geral, de forma que se pode questionar se não seria melhor falar em cláusulas absolutamente e relativamente proibidas de caráter geral ou de aplicação geral (apesar de a terminologia parecer um pouco reduntante), para depois dar-se a tutela especial e mais elevada ao consumidor. Tal ideia não parece desarrazoada, já que relativamente aos consumidores, aplicam-se estas regras, mais as constantes do art. 21º e 22º do mesmo Diploma, uma vez que os consumidores são considerados partes ainda mais débeis. [45]

Cumpre agora analisar cada uma das possibilidades de limitação e exclusão da responsabilidade no âmbito do DL 246/85 em relação aos empresários e entidades equiparadas, relembrando que essas proibições também são aplicáveis aos consumidores acumulando-se com as situações previstas nos arts. 21º e 22º da LCCG. Relembra Menezes Leitão que a inserção de empresários e entidades equiparadas no âmbito de proteção [46] da LCCG se justifica na medida em que é bastante usual entre empresários e equiparados a utilização das CCG, sendo comum existir uma parte mais fraca.

Nas alíneas a), b), c) e d) do art. 18º são vedadas determinadas cláusulas de exclusão ou de limitação de responsabilidade. A alínea b) diz respeito à responsabilidade civil extracontratual. A alínea c) reporta-se à responsabilidade contratual. As alíneas c) e d) somente englobam previstas cláusulas de exclusão, na ocorrência de culpa grave ou dolo. [47]/ [48]

4.1Alínea a) do art. 18º do DL n. 446/85

O disposto na alínea a) do mencionado art. 18º da LCCG estabele que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas". [49]/ [50] É de se lembrar, mais uma vez que tanto as cláusulas que sejam apanhadas por essa alínea, como pela alínea b) deste diploma são terminantemente vedadas, "qualquer que seja o título de chamamento e o critério de imputação – subjectivo ou objectivo – da responsabilidade, e qualquer que seja, na primeira hipótese, o grau de culpa do lesante". [51] É imperioso ressaltar que tais direitos de personalidade são irrenunciáveis, pelo que a abdicação apriorística de possíveis danos que violem esses atributos inatos ao ser humano, será nula. [52]/ [53]

A Constituição da República Portuguesa nos n.os 1 dos arts. 24º e 25º consagra a inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física dos indivíduos. A priori, a supracitada alínea a) da LCCG não engloba todos os direitos de personalidade, mas nomeadamente o direito à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas. [54]/ [55]Afirma-se que esta tutela intensificada limita-se ao núcleo mais essencial do âmbito pessoal, restando apartados outros aspectos da personalidade, como os previstos nos art. 70º e ss. do CC. [56]

Afinando por esse diapasão, afirma Ana Prata [57] que a limitação ou exclusão convencional de responsabilidade por violação dos demais direitos de personalidade, designadamente os constantes nos artigos 70º a 80º do Código Civil só poderão ser abarcadas nesta proibição na medida em que a sua afetação configure uma afronta à integridade moral, o que, aliás, numa leitura de acordo com a ratio da norma, poderá muitas vezes ocorrer. O mesmo se aplica a outras lesões pessoais, mesmo quando não diretamente ocasionadas pela violação de direitos da personalidade. [58]

A proibição consagrada pode dizer respeito a danos patrimoniais ou não patrimoniais. Esta alínea trata de responsabilidade objetiva, apartando-se a perquirição da culpa. Quanto à extensão dos danos englobados na norma, especificamente o denominado "dano biológico", Calvão da Silva se pronuncia contra a tendência de certa corrente da doutrina e da jurisprudência italiana, no sentido de dilatação do conceito de dano patrimonial, conferindo "um "preço" a cada lesão da integridade humana". [59]

A doutrina também entende que essas cláusulas serão proibidas mesmo que tenham sido resultado de negociação entre as partes. Neste sentido se manifesta, Ana Prata, demonstrando que as cláusulas contratuais gerais surgem como uma limitação na liberdade de conformar o conteúdo do contrato. [60]

4.2Alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85 determina que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros". De pronto, pode-se dizer que tais disposições estão sujeitas ao mesmo regime de inderrogabilidade total que recai sobre a alínea anterior. Como alerta Sousa Ribeiro, ficam apartadas "do âmbito de previsão as situações de responsabilidade contratual (contempladas nas alíneas seguintes) e ainda, dentro da responsabilidade extracontual, os danos não patrimoniais". [61]

Uma ressalva deve ser feita em relação aos contratos negociados. Como alerta Pinto Monteiro, tal proibição radical, no caso de contratos discutidos, desde que não esteja em causa ofensa à ordem pública, dolo ou culpa grave, não deverá persistir. [62]

Entretanto, no caso dos contratos de adesão existe um défice da autonomia, onde se encontra a justificação para a referida proibição. Entendeu-se que sendo a limitação ou a exclusão dos danos patrimoniais extracontratuais da responsabilidade da iniciativa de terceiro, que não o provável lesado, tendo sido a vontade negocial deste puramente induzida, já não seria plausível a abertura. Como ressalta a doutrina, uma renúncia apriorística do direito ao ressarcimento de danos ocasionados por conduta delituosa só poderá existir através de uma manifestação de vontade inequívoca e esclarecida, o que a mera adesão a uma proposta contratual não assegura. [63]/ [64]

4.3Alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85 determina que são absolutamente proibidas ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto [65], a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave". Como já mencionado, as alíneas c) e d) do art. 18º limitam o alcance da proibição de causas de exclusão ou limitação de responsabilidade aos casos de culpa grave ou dolo.

Note-se que, segundo Pinto Monteiro afirma, a priori, a cláusula exoneratória ou limitativa de responsabilidade por culpa leve não é proibida nos termos do art. 18º, mas pode vir a sê-lo, se atentar-se para as circunstâncias concretas, por aplicação do princípio geral da boa-fé, nos moldes do art. 15º e 16º da LCCG. [66]

A referida alínea corresponde ao art. 809º do CC português. [67] Entretanto, o art. 809º não estabelece explicitamente nenhuma restrição, pelo que pareceria aplicar-se também àqueles casos em que tenha apenas ocorrido culpa leve. No entendimento de Pinto Monteiro, há de se interpretar restritivamente a norma, a fim de se ter em conta a mens legislatoris. [68] É dizer que a cláusula de exclusão por culpa leve deve considerar-se fora do alcance da proibição encontrada neste artigo do CC. [69]/ [70]

Em sentido contrário se manifestam Pires de Lima e Antunes Varela, para quem incluir a irresponsabilidade por culpa leve contraria o texto expresso da lei (resultante da 2ª revisão ministerial). Assim, sustentam que a norma do CC proíbe a exclusão ou limitação convencional da responsabilidade, qualquer que seja o grau de culpa do devedor. [71]

Menezes Leitão considera válidas as cláusulas contratuais gerais que limitem a responsabilidade por culpa leve, todavia já vislumbra certos obstáculos às causas de exclusão de responsabilidade. Considera o autor que serão admissíveis relativamente à responsabilidade por atos dos auxiliares e representantes, levando-se em consideração o disposto no art. 800º, n. 2 do CC. Todavia, opina que existem impedimentos à sua aplicação à responsabilidade pessoal do devedor, tendo em vista que o art. 809º veda qualquer cláusula de exclusão direta da responsabilidade obrigacional nos contratos singulares. [72]

Ana Prata [73], aderindo à posição de Calvão da Silva [74], considera que são em absoluto proibidas as cláusulas que se refiram ao incumprimento em caso de culpa leve ou mera culpa, em virtude do disposto no art. 809º do CC, por entender que este proíbe todas as cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade, dada a ressalva das disposições legais que, em concreto, se mostrem mais convenientes ao aderente (art. 37º do DL 446/85 e art. 8º da Directiva 93/13/CEE).

Faz-se um alerta na doutrina que, muitas vezes, podemos nos deparar com cláusulas que, fixando um valor indenizatório ínfimo, pretendem modificar os termos da responsabilidade, sendo denominadas de "cláusulas de limitação de responsabilidade encapotadas sob a aparência de cláusulas penais". [75] Tal claúsula será nula, [76] se for manifestamente desproporcionada ao montante dos danos a ressarcir. [77]

Almeida Costa e Menezes Cordeiro alertam que o teor da alínea c), [78] não proíbe a estipulação de cláusulas penais, entretanto, ressaltam que as cláusulas penais devem "ser concebidas em termos de não excluírem a responsabilidade, nem tão-pouco a limitarem". [79]/ [80] Aliás, tal ideia se depreende do próprio art. 19º, alínea c) da LCCG. [81] É de se dizer que "não constitui cláusula penal a disposição contratual geral que fixa um quantum indenizatório simbólico ou quase simbólico, que constitua um modo, contrário aos fins da cláusula penal, de limitar de facto a responsabilidade do devedor". [82]

Não obstante não faça parte do foco do presente estudo, é importante tecer algumas considerações sobre a função da cláusula penal. Essa função, é dúplice: por um lado possui feição ressarcitória, uma vez que a pena convencional é previamente determinada pelas partes e, em caso de inadimplemento, o credor ficará dispensado de produzir provas em processo de liquidação, quanto aos eventuais prejuízos sofridos. Há uma pré-avaliação dos danos pela inexecução culposa; a outro giro, a cláusula penal possui, acidentalmente, caráter coercitivo, tendo em vista que a imposição de uma sanção de natureza punitiva constrangerá o devedor a adimplir o contrato, mitigando os riscos de incumprimento. [83]

Regressando às cláusulas penais irrisórias, Almeno de Sá também se reporta a caso similar, também do STJ de 02 de Julho de 1991, que trata sobre uma questão de transporte, afirmando que em virtude da insignificância da indenização, "está aqui em causa uma típica cláusula de limitação de responsabilidade". [84] Um outro exemplo de aplicação destá alínea é o célebre caso da designada "claúsula Kodak", onde a companhia de revelação de fotografias limitava a sua responsabilidade pela perda dos negativos à entrega de filmes virgens. [85]

Na doutrina brasileira, encontra-se o exemplo da incorporação imobiliária, cujo contrato é celebrado, via de regra, na modalidade de adesão, onde o incorporador, ao elaborar o contrato, determina cláusula penal no valor máximo, para o caso de incumprimento do comprador, e cláusula penal irrisória para o caso de entrega da obra. Tal situação faz com que a cláusula penal não consiga alcançar um dos seus objetivos, que é o de ressarcir as perdas e danos. [86]

4.4Alínea d) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea d) do art. 18º da LCCG estabele que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave".

Almeida Costa e Menezes Cordeiro afirmam que esta alínea introduziu uma exceção aos arts. 800º, n. 2 [87] e 809º [88] do Código Civil. Tal exceção, na ideia dos autores se justifica na medida em que a exclusão ou limitação de responsabilidade por atos de representantes legais ou auxiliares, de modo expresso autorizadas por estas disposições, configuraria um mecanismo de, na prática, contornar a vedação a cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade dos que deles se aproveitem. Ressaltam ainda que, atualmente, as entidades que se socorrem das cláusulas contratuais gerais são, via de regra, pessoas coletivas que atuam por meio de representantes e auxiliares, "cuja responsabilização exclusiva esvaziaria, não raro, de conteúdo efetivo o ressarcimento dos danos". [89]

Afirma-se ainda na doutrina que na ocorrência de dolo ou culpa grave, não serão admitidas cláusulas que eliminem ou limitem da responsabilidade por atos de auxiliares ou representantes, mesmos que estes atuem com autonomia relativamente ao devedor e independentemente de configurarem ou não afronta a deveres impostos por normas de ordem pública. [90]

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. Cláusulas contratuais gerais: limitação e exclusão da responsabilidade em Portugal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2980, 29 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19872. Acesso em: 18 abr. 2024.

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