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A morosidade no Judiciário em confronto com a função social do processo.

O clamor público pela efetividade da tutela jurisdicional

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06/09/2011 às 16:16
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Aborda-se a morosidade processual e a atrofia no Judiciário brasileiro, delineando causas e soluções, e indicando o papel do processo eletrônico e do projeto do novo Código de Processo Civil na busca pela razoável duração do processo.

Resumo: Este artigo objetiva realizar uma abordagem pontual ao tema da morosidade processual e da atrofia no Judiciário brasileiro, delineando suas principais causas e apontando algumas possíveis soluções, indicando, ainda, o papel do processo eletrônico e do projeto do Novo Código de Processo Civil na busca pela razoável duração do processo. Ademais, realizará o devido contraponto com a temática da função social do processo, com o fito de se averiguar como e porque o combate à morosidade processual está tão intimamente ligado a este assunto, demonstrando a importância crucial de propiciar a tutela dos direitos subjetivos e sociais dos cidadãos mediante uma prestação jurisdicional célere, efetiva e adequada, visando democratizar o Poder Judiciário, que até então se evidencia como o reduto dos mais abastados.

Palavras-chave: Morosidade judicial. Função social do processo. Duração razoável do processo. Processo eletrônico. Projeto do Novo Código de Processo Civil.


INTRODUÇÃO

Cresce atualmente um intenso movimento a favor da "constitucionalização" de todos os segmentos do Direito, estando entre eles, o Direito Processual. Nesta acepção, o processo não é concebido tão somente como mero procedimento formal, mas sim como instrumento teleológico a favor do reconhecimento e da realização concreta dos direitos subjetivos dos cidadãos, porquanto a Constituição delegou ao Estado, em sua função jurisdicional, conhecer e solucionar qualquer lesão ou ameaça a direito (art. 5°, XXXV).

Entretanto, o Estado brasileiro, ao delegar para si tamanho desiderato, desconsiderou sua própria estrutura, de tal modo que, por prever a possibilidade de uma tutela jurisdicional a toda e qualquer lesão ou ameaça a direito, abriu as portas do Judiciário para todas as mazelas da sociedade, sobretudo pelo fato de que a própria República Federativa não possui a capacidade de proporcionar ao cidadão todos os direitos consagrados no bojo constitucional.

Diante dessas consequências, o processo judicial acabou por ser arrematado pelo problema da morosidade, advindo, dentre outros problemas, do alto volume de ações e recursos desencadeados por uma litigiosidade exacerbada, do excesso de formalismos processuais e a consequente complexidade dos procedimentos, e, especialmente, pela negligência do próprio Estado que, além de não proporcionar o devido investimento em infraestrutura, figura como o maior litigante em processos judiciais. E como não poderia deixar de ser, a morosidade da prestação jurisdicional acabou por causar uma profunda chaga na sociedade que, de um modo geral, perdeu a crença no Poder Judiciário.

Deste modo, o escopo deste artigo reside em uma abordagem ao tema da morosidade enfrentada pelo processo judicial, delineando seus aspectos, apresentando suas principais causas e, se possível, indicando possíveis soluções, realizando, ainda, o devido contraponto com a chamada função social do processo.

Também será demonstrada a influência do processo eletrônico e do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil no que se refere ao combate à morosidade e garantia da função social do processo, pontuando suas principais contribuições em relação ao tema.


1. MOROSIDADE NO PODER JUDICIÁRIO

Há muito se fala da problemática da morosidade no âmbito do Poder Judiciário. Já no ano de 1974, conforme informa Janaina Coelho de Lara (2007, p. 1), Nicolò Trocker defendia a idéia de que os efeitos nefastos da demora na entrega da prestação jurisdicional apenas beneficiavam a especulação e a insolvência, lucrando apenas os que resistem à solução célere do processo.

A sociedade, como um todo, reclama celeridade e efetividade na entrega da prestação jurisdicional, vez que a atividade jurisdicional figura como a principal forma de concretizar os direitos subjetivos individuais e coletivos consagrados nos textos normativos, mormente por ter o Estado assumido, historicamente, o monopólio de dizer o direito através da jurisdição (MARINONI; ARENHART, 2008, p. 33).

Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) demonstrou o estado em que se encontrava a morosidade dos tribunais de primeira instância brasileiros no ano de 2008, relatando que quase 800 mil ações ficaram totalmente paralisadas em varas judiciais por mais de 100 dias, isso sem levar em consideração os recursos judiciais. Ao final, constatou-se um total de 783 mil feitos paralisados naquele período, situação que revela o nível catastrófico em que se encontrava o Judiciário brasileiro já naquele ano.

Um processo moroso é um processo injusto, nocivo à população, porque torna ineficaz o Direito e restringe o acesso à justiça, sobretudo em um país subdesenvolvido onde há flagrantes desníveis socioeconômicos. Comunga deste posicionamento o Doutor Samuel Miranda Arruda (2006, p. 90), para o qual:

Processo justo e processo moroso são noções incompatíveis e inconciliáveis. O processo devido – constitucionalmente exigido – não pode deixar de transcorrer em prazo razoável. A tramitação em tempo excessivo dificulta a defesa e a produção probatória, causando prejuízo à parte. Para além disso, a morosidade dilata o período de incerteza que a pendência de uma ação judicial provoca. Esta indefinição, em alguns casos, tem reflexos nas esferas patrimonial e psicológica do jurisdicionado, não sendo desprezíveis os efeitos negativos advindos em decorrência. (ARRUDA, 2006, p. 90).

Destarte, intimamente ligado ao conceito de morosidade está o de direito à razoável duração do processo, erigido expressamente à categoria de direito fundamental pela Emenda Constitucional n° 45/2004, alcunhada por alguns de "Reforma do Judiciário", razão pela qual, pertinente se faz entrar em uma incursão mais aprofundada sobre o assunto.

1.1 DA DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO: O PRINCÍPIO DA CELERIDADE PROCESSUAL

O princípio da celeridade processual, decorrente do chamado direito fundamental à razoável duração do processo, encontra-se expressamente previsto no artigo 5°, inciso LXXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, preconizando que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação" (BRASIL, 1988).

Inicialmente incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com a recepção do Pacto de São José da Costa Rica e levantado à categoria de direito fundamental, como já afirmado, pela Emenda Constitucional 45/2004, o conteúdo deste princípio delimita que o processo deve ser concluído dentro de um prazo razoável, suficiente para garantir o fim pretendido e rápido o bastante para se tornar eficaz (CLEMENTINO, 2008, p. 154).

Na posição explanada por Samuel Miranda Arruda (2006, p. 207), o direito fundamental à razoável duração do processo possui caráter bidimensional, não significando apenas aceleração processual ou dilação de prazos, mas o inverso, consistente em "um tempo de tramitação otimizado, em compasso com o tempo da justiça".

Para o citado autor, referido princípio exige, de um lado, que o processo se desenvolva de maneira célere e, de outro, que haja tempo suficiente para que as partes exercitem seu direito de defesa, e que haja, ainda, um tempo para maturação da decisão judicial. Assim, haveria violação ao direito fundamental tanto com o transcurso moroso de um feito quanto pelo transcurso apressado do procedimento, negando às partes exercitar suas prerrogativas de defesa, a completa produção probatória ou mesmo o período de reflexão inerente à tarefa de julgar (ARRUDA, 2006, p. 207).

No que se refere ao assunto, Edilberto Barbosa Clementino (2008, p. 158) explicita que as relações sociais hodiernas não mais toleram dilações desnecessárias na prestação jurisdicional, tornando a duração razoável do processo uma exigência incisivamente imposta contemporaneamente.

Um ponto interessante sobre o direito fundamental à razoável duração do processo está na tese de doutorado de Sérgio Massaru Takoi (2007, p. 66), segundo o qual:

A constitucionalização do princípio da duração razoável do processo como direito fundamental do cidadão e de forma explícita, possibilita ao jurisdicionado a utilização do mandado de segurança para sua proteção, especialmente quando o juiz se omite por tempo irrazoável em decidir um pedido urgente para se evitar a ocorrência de dano irreparável ou perecimento de direitos, podendo o Tribunal que teria a competência originária para conhecer do writ desde logo conceder a segurança com a concessão do direito pretendido desde que seja líquido e certo, até porque há também violação ao inciso XXXV do artigo 5° da CF/88 face a omissão inconstitucional da autoridade coatora em não prestar a jurisdição inadiável e obrigatória para se evitar lesões irreparáveis ao impetrante.

No entanto, o aludido autor alerta que tal remédio constitucional não deve ser usado indiscriminadamente, em todo e qualquer circunstância, com o fito de se alcançar um julgamento célere, pois uma ferramenta desta magnitude apenas poderá ser invocada quando houver atraso injustificado e decorrido prazo irrazoável, haja vista que a violação, por si só, de prazos prescritos no Código de Processo Civil não viola o princípio da duração razoável do processo, necessitando ultrapassar justamente o limite de "duração razoável" (TAKOI, 2007, p. 66-67).

Nesse sentido, consoante explica Takoi (2007, p. 65), comprovando-se a violação à duração razoável do processo "a doutrina tem entendido ser cabível o pedido de indenização por danos morais em face do Estado pelo dano causado pela ineficiência da prestação de serviço público monopolizado, com fundamento no artigo 37, § 6° da CF/88", desde que não se verifique que o atraso ocorreu em razão de atos ou omissões dos litigantes.

O direito à tutela jurisdicional em tempo razoável possui forte ligação com a efetividade do processo, de tal sorte que a morosidade processual é uma das principais causas da descrença no Poder Judiciário. Tanto é verdade, que a perda da confiança e respeitabilidade nos órgãos jurisdicionais configura verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, assevera Humberto Theodoro Junior, um dos integrantes da comissão de juristas encarregado de elaborar o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, para o qual: "A primeira grande conquista do Estado Democrático é justamente a de oferecer a todos uma justiça confiável, independente, imparcial e dotada de meios que a faça respeitada e acatada pela sociedade" (THEODORO JUNIOR, 2005, p. 20).

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A morosidade somente é benéfica para quem lucra com a demora do processo judicial, para a sociedade em si é demasiadamente prejudicial, pois além de violar o princípio da celeridade, restringe o acesso à justiça, tornando o processo judicial excessivamente caro e inviável aos economicamente fracos.

Sob este prisma, pontuais são as palavras de Samuel Miranda Arruda, segundo o qual:

[...] a demora na prestação jurisdicional eleva de forma significativa o custo do processo, o que privilegia as partes mais favorecidas e os litigantes habituais, os quais por vezes a utilizam como estratégia processual e se beneficiam dos ganhos de escala associados à freqüente presença em juízo. Para Chase, o ritmo lento do processo implica um acréscimo de custos, além de exacerbar as diferenças de poder econômico existentes entre as partes litigantes (ARRUDA, 2006, p. 71).

Logo, denota-se que a efetiva aplicação do princípio constitucional da duração razoável do processo é de salutar importância para o combate da morosidade no Judiciário brasileiro. Entretanto, é interessante salientar que o tempo do processo não é culpa exclusiva dos órgãos jurisdicionais, existindo várias causas que ensejam a demora do Estado-juiz no oferecimento da tutela jurisdicional.

1.2 POSSÍVEIS CAUSAS DA MOROSIDADE NO PODER JUDICIÁRIO

A morosidade no Judiciário é um problema social decorrente de inúmeras causas, das quais se apontará as principais. A ampliação do acesso à justiça e o aumento populacional, aliado ao fato de que o Estado brasileiro não consegue suprir as carências sociais e efetivar todos os direitos consagrados na Constituição, desencadeia uma explosão de litigiosidade, a qual o Poder Judiciário efetivamente não estava e nem está preparado para enfrentar (PONCIANO, 2007, p. 02-03).

Em realidade, observa-se que a estrutura judicial brasileira é demasiada precária, especialmente no que concerne à Justiça Estadual. Ocorre que o Poder Judiciário conta com um baixo investimento em infraestrutura, situação que reflete diretamente na qualidade dos serviços jurisdicionais prestados, pois para atender sua função pacificadora, necessita-se de "pessoal adequadamente treinado e em número suficiente para imprimir a esperada celeridade do procedimento judicial" (LIMA, 2006, p. 03).

Para se ter uma idéia, em breve consulta ao sítio do Conselho Nacional de Justiça, mais especificamente em seu relatório denominado "Justiça em Números 2009", constatou-se que a despesa anual de toda a Justiça Estadual brasileira atingiu a marca irrisória de 0,67% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional referente ao ano de 2009. O mesmo relatório apontou que em todo o território nacional, existem apenas 14.886 cargos de magistrados na Justiça Estadual, incluindo tanto os de primeiro quanto os de segundo grau, para atender uma população de aproximadamente 190.755.799 de habitantes.

Infere-se, pois, que a estrutura do Judiciário não coaduna com os novos anseios sociais, porquanto não tenha se qualificado do ponto de vista material e humano para enfrentar a demanda crescente de litígios. A quantidade de juízes, funcionários e auxiliares da justiça não é proporcional ao fluxo de processos, e isto ocorre, sobretudo pelo baixo repasse de verba ao Judiciário que não consegue ampliar seus quadros e, por conseguinte, suprir suas necessidades (FEITOSA, 2007, p. 33).

É de pública sabença que o Judiciário não vem obtendo êxito em oferecer uma pronta resposta à população que bate às suas portas em busca da solução para seus problemas jurídicos. Contudo, nem todas as mazelas da Justiça se devem creditar ao Judiciário no tocante à sua morosidade na solução das causas que lhe são submetidas. Em uma estrutura de Estado na qual o Judiciário não vem atendendo às necessidades da população, resta evidente que não é somente este que sofre de problemas. Um Legislativo e um Executivo deficientes são elementos que agravam sobremodo as dificuldades na distribuição da Justiça. Na verdade o Poder Judiciário que deveria ser o último bastião, a última esperança do cidadão, acaba se tornando o destinatário da primeira manifestação de busca de Direito pelo cidadão, muitas vezes contra o próprio Estado (CLEMENTINO, 2008, p. 158-159).

A evolução da sociedade e o crescimento demográfico desenfreado, somado ao fato de que os indivíduos passaram a ter mais consciência de seus direitos e, via de consequência, reclamar-lhes concretude, são circunstâncias que tendem a aumentar o volume de ações, abarrotando os serviços dos órgãos jurisdicionais, que não se encontram preparados do ponto de vista estrutural para superar esta demanda (LIMA, 2006, p. 02).

Aliado a esse aspecto, igualmente atrapalha o modelo processual vigente, totalmente obsoleto, traduzido em "um sistema arcaico, excessivamente burocrático e arraigado em premissas e formalismos incompossíveis com o hodierno ideal de justiça" (LIMA, 2006, p. 02).

O Direito Processual brasileiro foi profundamente inspirado na burocracia portuguesa, oriunda das Ordenações Reais, circunstância que muito bem explica este apego exagerado ao formalismo e na larga utilização de documentos, guias, carimbos, autenticações, chancelas e protocolos (FEITOSA, 2007, p. 37). O apego à forma dificulta em muito a prestação jurisdicional em tempo hábil, além disso, não coaduna com a postura atual de absoluta instrumentalidade do processo, atenta às inovações, sobretudo diante do desenfreado progresso tecnológico.

Com efeito, ainda há a questão do excessivo número de recursos previstos na lei processual, que não raras vezes se configuram como mero artifício protelatório ou de estratégia processual. A previsão de duplo grau de jurisdição é necessária, porque nenhum magistrado está imune a falhas, em razão de sua condição humana. Todavia, o sistema recursal brasileiro ao invés de proporcionar segurança jurídica ao cidadão, relega a efetiva tutela de seus direitos, fazendo com que uma lide atravesse mais de cinco instâncias até seu final julgamento (FEITOSA, 2007, p. 37).

O regime processual também sofre com uma avalanche de leis processuais ineficientes, que na maioria das vezes são discordes e geram um descompasso generalizado. Contudo, vale salientar que nos últimos anos o Poder Legislativo tem editado leis especialmente focadas no combate à morosidade judicial, como foi o caso da Emenda Constitucional 45/2004, e posteriormente da Lei 11.419/2006 que instituiu o processo eletrônico, podendo citar também as Leis 11.418/06, 11.382/06, 11.280/06, 11.277/06 e 11.276/06, que alteraram o Código de Processo Civil.

Outrossim, merece festejo a aprovação do anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, cujo escopo principal é justamente conter a morosidade dos processos judiciais e evitar ao máximo a judicialização dos conflitos. Destarte, a despeito do Poder Legislativo estar cumprindo em certo ponto seu papel, ainda resta regulamentar, e com urgência, a questão atinente aos processos de execuções fiscais e dos precatórios requisitórios não pagos (TAKOI, 2007, p. 40).

E é nesta questão, coincidentemente, que figura um dos maiores vilões da morosidade processual: o Poder Executivo. Não é surpresa que boa parte das críticas relacionadas à demora no andamento dos processos judiciais recai quase exclusivamente sobre o Poder Judiciário, quando na verdade a culpa, na maioria das vezes, é do Poder Executivo que não propicia a devida modernização da máquina judiciária mediante o repasse de maiores quantidades de recursos financeiros.

Nesse sentido, preleciona Arruda Alvim citado por Sérgio Massaru Takoi:

a agilidade do nosso Poder Judiciário, com vistas a adequar-se a uma economia mais moderna e com o fito de atender às necessidades desta e às expectativas sociais que existem, depende, principalmente, de mais verbas e de uma reestruturação funcional, especialmente à luz de organização racional do trabalho (ALVIM apud TAKOI. 2007, p. 42).

Ademais, como afirmado anteriormente, trata-se o Executivo do maior cliente do Poder Judiciário, não sendo surpresa o fato de a União ter encabeçado a lista dos "20 mais processados pelo STJ", e respondendo a aproximadamente 80% das ações judiciais em trâmite em referido tribunal, tanto como autor quanto como réu. Desta forma, utilizando-se do pretexto esdrúxulo e retórico de que o interesse público prevalece sobre o particular, o Executivo, em manifesta vantagem sobre qualquer outro litigante, movimenta a máquina judiciária de maneira contumaz, recorrendo de toda e qualquer decisão apenas para protelar as decisões contra si (LIMA, 2006, p. 05).

Consequentemente, o Estado que deveria ser a primeira força a tornar possível a efetivação do direito fundamental à razoável duração do processo, evidencia-se, paradoxalmente, como o principal culpado pela morosidade no Poder Judiciário, movimentando excessivamente a atuação jurisdicional, além de tolher uma gama infindável de direitos subjetivos pelo simples fato de não conseguir suprir todas as necessidades dos cidadãos.

A própria deficiência do Estado em suprir as necessidades do cidadão faz com que ele tenha que recorrer ao Judiciário para fazer valer o seu direito, o que inevitavelmente acarreta a multiplicação de demandas e considerando a quantidade reduzida de juízes, podem nem sempre ter solução em prazo razoável. (TAKOI, 2007, p. 42)

Bem assim, vale ainda apontar o despreparo de muitos profissionais do direito como outro fator a beneficiar a morosidade da prestação jurisdicional. Na última década, abriram-se inúmeras faculdades de direito, lançando uma vasta gama de bacharéis no mercado de trabalho. No entanto, são poucas instituições que se dedicam seriamente a buscar o preparo adequado destes profissionais, o que resulta em inexperientes operadores do direito, de baixa qualidade e totalmente incapazes de contribuir para o momento de transição que vive o Direito Processual (OLIVEIRA, 2001, p. 150).

Esses são os principais fatores que contribuem para a morosidade do processo judicial, o que não exclui, sem dúvida alguma, a existência de tantos outros que possam ser identificados, posto que a demora da prestação jurisdicional é um problema bastante complexo e deveras antigo, mas que apenas nos últimos anos é que vem protagonizando os debates jurídicos.

1.3 POSSÍVEIS SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA DA MOROSIDADE

Apontar soluções para a problemática da morosidade processual não é tarefa das mais fáceis, por conta dos inúmeros fatores que lhe dão causa. Vários juristas se propuseram a buscar a resposta desta incógnita jurídica, contudo, a atrofia do Judiciário e a morosidade do processo são questões impossíveis de ser resolvidas com meras especulações e reflexões.

A complexidade do tema é tamanha e sua solução não é imediata, devendo ser executada paulatinamente e em atuação conjunta da sociedade com o Poder Público, através não apenas de uma reforma no Judiciário, mas de várias, com o fito de se alcançar uma prestação jurisdicional célere e condizente com as necessidades e anseios sociais (OLIVEIRA, 2003, p. 01).

Uma das principais metas para alcançar um Judiciário condigno com a realidade social são os investimentos em recursos humanos, tecnológicos e materiais. Para que o cidadão desfrute da efetiva tutela de seus direitos, através de uma prestação jurisdicional célere, adequada e de qualidade, deve existir número de juízes e servidores suficientes para dar conta da demanda processual, além disso, há a necessidade de investimentos pesados em recursos tecnológicos e materiais (PONCIANO, 2007, p. 07).

Quanto à reduzida quantidade de juízes, o ex-ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira alertou que em 2001 existia a quantia de um juiz para cada 25 a 29 mil habitantes, litteris:

Dessa moldura se conclui, sem maiores esforços, que há uma nítida distinção entre o Judiciário que a sociedade reclama, e todos desejamos, e o Judiciário que aí está posto, que a todos descontenta, inclusive, e, sobretudo, aos juízes, em quem acabam por recair as críticas generalizadas, desconhecendo os jurisdicionados a real dimensão da problemática, quando temos 1(um) juiz para cada 25 a 29 mil habitantes(a média, na Europa, é de 1 para 7.000 a 10.000), quando o Supremo Tribunal Federal julga mais de 100.000(cem mil) processos por ano(enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos julga menos de 100(cem) causas em igual período) e o Superior Tribunal de Justiça mais de 200.000(duzentos mil), com um aumento anual de aproximadamente 20%, números de longe sem similar no plano internacional, sendo de acrescentar que igualmente supercongestionadas estão às instâncias ordinárias. (TEIXEIRA apud PONCIANO, 2007, p. 07-08)

No entanto, mais do que aumentar a quantidade de juízes, deve-se aprimorar o processo de formação e aperfeiçoamento dos magistrados, através da Escola Nacional da Magistratura e da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – ENFAM, para que os magistrados estejam cada vez mais preparados para a difícil tarefa de julgar (PONCIANO, 2007, p. 08).

Ademais, é salutar que Judiciário invista na modernização de sua gestão trazendo a tecnologia disponível atualmente aos seus serviços, com a devida qualificação dos recursos humanos, o que, aliado às reformas processuais que deverão ser introduzidas pela lei, consistirá em um grande passo a favor da celeridade e eficiência da prestação jurisdicional (PONCIANO, 2007, p. 10).

É inegável, bem assim, que o exagerado apego ao formalismo previsto na lei processual, derivado, entre outros fatores, da herança ibérica na cultura brasileira, seja abandonado. Por outro lado, há fortes influências doutrinárias tendentes a valorizar a instrumentalidade do processo e a economia processual, cultivando o desapego ao formalismo exacerbado. Sendo assim, o Poder Legislativo deve primar pela edição de normas modernizadas e condizentes com a realidade social e tecnológica, simplificando os procedimentos e reformulando o sistema recursal, de modo a enxugar a legislação processual (OLIVEIRA, 2003, p. 05).

Outra solução que deve ser buscada para aprimorar o sistema processual vigente é a restrição à via extraordinária e ao acesso ao duplo grau de jurisdição. A necessidade de revisão das decisões é cabível por razões óbvias, mas o que deve ser coibido é o "turismo" de processos por várias instâncias com o único fim de protelar a sucumbência. Não é falacioso asseverar que a via recursal é utilizada quase que exclusivamente pelos abastados financeiramente e pelo Poder Público, o acesso às instâncias superiores deve ser restringido visando propiciar a democratização do Poder Judiciário (MANZI, 2004, p. 03-04).

Aliás, o processo judicial não deve mais ser concebido como um mecanismo destinado a burlar o cumprimento de obrigações e sim como instrumento destinado à efetivação dos direitos previstos no ordenamento. A morosidade processual é constantemente utilizada para postergar o cumprimento espontâneo das obrigações, diante da ampla proteção dada ao réu para resistir à sua pretensão.

Para se quebrar esse círculo é preciso não só facilitar o acesso à Justiça, mas também o atingimento do término. Hoje o acesso é relativamente fácil; o difícil é a saída, o desfecho. É preciso tornar vantajoso tanto o cumprimento imediato das obrigações quanto a solução rápida dos litígios, ampliando-se a oneração decorrente da demora causada pelo réu ou o abuso do direito de petição pelo autor. O resistir à pretensão deve se tornar desvantajoso e, para isso, o caminho mais curto é a outorga de uma interpretação menos conservadora aos dispositivos legais que tratam da litigância de má-fé. Em termos de política jurídica, o ideal seria o acréscimo de um plus, dependendo da fase processual, como uma reprimenda ao réu e uma compensação ao autor pela resistência à pretensão. Por exemplo: o condenado em primeiro grau pagaria 20% a mais; se confirmada a decisão em sede recursal, 50% a mais; se acessada sem sucesso a via extraordinária, 100% a mais. Poderia haver um decréscimo na condenação se o autor insistisse sem razão nos pedidos rejeitados e assim por diante. (MANZI, 2004, p. 02 – grifo no original)

Por isso, devem ser aplaudidas a conciliação, a mediação e a arbitragem, com vistas a diminuir consideravelmente a judicialização dos conflitos. Do mesmo modo, deve ser coibida a litigância de má-fé e a lide temerária, primando pela boa-fé processual nas relações entre autor e réu, para não acabar transformando o processo em um "jogo de astúcias" (MANZI, 2004, p. 01).

Com efeito, para se alcançar a democratização do Judiciário e extirpar a morosidade do processo judicial mister se faz a instituição de um planejamento estratégico em nível nacional, com a realização de estudos técnicos e estatísticas profissionais, ante a diversidade dos tribunais e regiões do país, atribuição delegada ao Conselho Nacional de Justiça, que deverá conscientizar o poder público sobre a real situação enfrentada pelo Poder Judiciário em todo o território brasileiro (PONCIANO, 2007, p. 11-13).

Assim, através de esforços conjuntos da sociedade com a franca participação do poder público, poder-se-á modernizar e humanizar os órgãos jurisdicionais, de modo a propiciar a tutela dos direitos individuais e coletivos por meio da prestação jurisdicional célere e eficiente.

1.4 O PAPEL DO PROCESSO ELETRÔNICO NO COMBATE À MOROSIDADE JUDICIAL

Bem assim, é interessante enfatizar a importância do processo eletrônico – incorporado ao ordenamento jurídico pela Lei 11.419/06 – na busca pela celeridade e efetividade da prestação jurisdicional. Com todo o aparato tecnológico presente na atualidade, torna-se inconcebível que ainda sejam utilizados os arcaicos papelórios dos autos, havendo a necessidade, cada vez mais intensa, de convergir os serviços forenses com a informática, as telecomunicações e os meios de comunicação em massa disponíveis no mercado.

Com muita propriedade adveio a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006, cujo principal foco é disciplinar o processo eletrônico, minando as resistências, reduzindo os custos, acarretando celeridade e economia processuais, na medida em que o papel deixa de existir e o armazenamento de toda informação – do início até o final do procedimento – acontece pela via eletrônica. [...] Merece encômios a Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2009, criando uma nova mentalidade no processo e desafiando todos os operadores do direito à modernidade – daí por que é construtivo o modelo e, mais do que isso, indissociável da tecnologia divisada na realidade. (ABRÃO, 2009, p. 16-17)

A utilização do processamento eletrônico das ações judiciais propicia a extinção do "tempo morto" do processo (àquele tempo em que os autos ficam paralisados nas serventias forenses sem a prática de qualquer ato), na medida em que os atos processuais são praticados e transmitidos por meio eletrônico, com ampla participação das partes, prescindindo-se da participação do serventuário, salvo hipóteses excepcionais em que esta intervenção seja realmente necessária.

Deste modo, além do armazenamento dos autos em formato digital, os tribunais podem comunicar-se entre si sem a necessidade de utilização do correio, e os atos processuais como intimação e citação poderão ser realizados por meio eletrônico, assim, os limites territoriais não serão mais barreiras à prestação jurisdicional, já que a comunicação se dará de forma virtual pela rede mundial de computadores (ALVIM; CABRAL JUNIOR, 2008, p. 37).

Logo, é inegável que o advento do processo eletrônico na sistemática processual evidencia-se como poderosa arma destinada ao combate da morosidade processual e da efetividade da tutela jurisdicional, sendo impossível falar da temática sem tocar no assunto da informatização do processo judicial e da utilização dos meios eletrônicos na prática forense. No entanto, deve-se ter plena consciência de que esta ferramenta somente será bem sucedida se aplicada e aprimorada gradualmente, com todo o cuidado necessário a se preservar a segurança jurídica das relações, mormente em tempos de constantes ataques crackers a sítios governamentais.

1.5 INOVAÇÕES DO PROJETO DE LEI DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO COMBATE À MOROSIDADE

Igualmente impossível atualmente, é tocar no assunto da morosidade no Judiciário sem ao menos mencionar o Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil (Projeto n. 8046/2010), que se encontra em trâmite na Câmara dos Deputados.

Uma comissão de renomados processualistas, presidida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal – Luiz Fux – foi instituída pelo Ato nº 379/2009, do Presidente do Senado Federal, com o fito de elaborar o anteprojeto do novo Código de Processo Civil, cuja principal promessa é justamente o combate a morosidade, através da simplificação da linguagem e da ação processual, objetivando, sobretudo, a efetividade do resultado da ação (BRASIL, 2010, p. 07-09).

Dentre as principais inovações, estão: i) a diminuição do número de recursos e a limitação ao duplo grau de jurisdição; ii) a simplificação dos procedimentos, como a criação de um procedimento comum, sem subdivisão em ordinário e sumário; iii) a uniformização dos prazos para recorrer (15 dias, à exceção dos embargos de declaração que continuarão a ter o prazo de 5 dias); iv) a extinção de algumas das modalidades de intervenção de terceiros; v) o incidente de resolução de demandas repetitivas (incidente de coletivização); vi) as regras que induzem à uniformidade e estabilidade da jurisprudência; vii) o maior incentivo à conciliação e à mediação; viii) a presença do amicus curiae; ix) o privilégio ao conteúdo em detrimento da forma, como a apreciação do mérito de alguns recursos que veiculem questões relevantes, ainda que não estejam preenchidos requisitos de admissibilidade de menor importância; x) a extinção de vários incidentes, transformando-os em preliminares de contestação; xi) a extinção do instituto da reconvenção, tendo as ações natureza dúplice como regra; xii) a supressão das cautelares nominadas; xiii) a possibilidade de concessão de tutela de urgência e de tutela à evidência; xiv) a possibilidade do advogado promover, pelo correio, a intimação do advogado da outra parte, bem como, a fixação como regra do comparecimento espontâneo das testemunhas; xv) a criação do procedimento edital; xvi) a extinção da distinção entre praça e leilão, designando-se apenas hasta pública, a qual será realizada apenas uma vez, podendo o bem ser alienado por valor inferior ao da avaliação, desde que não se trate de preço vil; e, xvii) o poder do juiz de adaptar o procedimento às peculiaridades da causa, entre outras novidades (BRASIL, 2010, p. 11-34).

A inserção das alterações mencionadas evidencia a preocupação da comissão de juristas que elaborou o projeto com o desapego às formalidades e com a simplificação do procedimento, bem como, com a coesão e organicidade do sistema, o que propicia ao juiz atentar-se precisamente ao mérito da causa, deixando-se de se preocupar com questões irrelevantes.

Da mesma forma, vislumbra-se a preocupação em estabelecer verdadeira concomitância do novo código com a Constituição, respeitando todas as garantias processuais consagradas na Carta Magna, circunstância que acaba por amenizar a questão da morosidade e imprimir maior efetividade às decisões judiciais, que é o maior reclamo da sociedade hodierna.

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Sobre o autor
Johannes Fermino

bacharel em Direito, pela Faculdade Campo Real - Guarapuava/ PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERMINO, Johannes. A morosidade no Judiciário em confronto com a função social do processo.: O clamor público pela efetividade da tutela jurisdicional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2988, 6 set. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19936. Acesso em: 25 abr. 2024.

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