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Processo, celeridade e composição de conflitos.

Da importância da competência negocial para a paz social

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02/10/2011 às 13:07
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É o grau de satisfação/pacificação social que pode ser atingido pelos meios alternativos de composição de conflitos que deve servir como principal argumento para a sua inclusão na pauta de assuntos importantes do mundo jurídico.

1. INTRODUÇÃO

Um dos principais temas debatidos no meio jurídico, hoje, é o acesso à justiça. Percebe-se ser crescente a preocupação com a insuficiência do Poder Judiciário ante o contingente de demandas propostas e insolvidas. Pesquisa conduzida pelo Conselho Nacional de Justiça, ao analisar a situação do Judiciário brasileiro no ano de 2008, constatou a existência de altas taxas de congestionamento. Para se ter uma ideia da dimensão do problema, na primeira instância, os percentuais gravitam entre, aproximadamente, 50% (cinquenta por cento) e 80% (oitenta por cento) dos processos, a depender da esfera competente para apreciar a causa [01]. O déficit é tão grande que até o olhar descompromissado daqueles que se envolvem casuística ou episodicamente com a prática forense é capaz de não apenas identificá-lo, mas também – o que é sensivelmente pior – de se sentir por ele incomodado.

Como uma espécie de resposta, para tentar contornar a situação, percebe-se um nítido movimento, em grande parte derivado de movimento dos próprios órgãos institucionais, em dois flancos de atuação.

De um lado, aventam-se modificações na legislação processual, direcionadas, sobretudo, à simplificação dos ritos, mediante a concentração de atos e aumento da margem de discricionariedade do magistrado, e à supressão de possibilidades recursais.

Polêmico, já que intimamente ligado a aspectos principiológicos fundamentais do Direito Processual, o tema faz revolver, a seu derredor, vasta e complexa série de discussões, as quais, todavia, não compõem o objeto de estudo do presente trabalho.

Ao lado disto, se faz cada vez mais comum e intenso o discurso em prol das formas alternativas de solução de conflitos, como a conciliação, a mediação e a arbitragem, não raro anunciadas como soluções quase miraculosas para as dificuldades com que se embatem os tribunais pátrios.

O próprio Poder Judiciário parece ter se convencido da alta valia de tais ferramentas, na medida em que vem se responsabilizando por, corriqueiramente, encetar e organizar campanhas institucionais de conciliação. Os resultados, quando positivos, são alardeados como verdadeiras conquistas, como se constata, por exemplo, de recente notícia divulgada no sítio virtual do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em que, mais do que anunciar uma semana específica para a tentativa de acordos judiciais, divulga-se o fato de o Estado ter alcançado, no evento anterior, ocorrido no mês de setembro de 2009, o primeiro lugar em número de audiências (11,2 mil) e de acordos celebrados (5,6 mil) em todo o país. [02]

Na ampla maioria das vezes, este discurso vem fundamentado em aspectos pragmáticos, como a necessidade de alto investimento em pessoal capacitado e infraestrutura [03], bem como o tempo de atuação dos tribunais. Ou seja, gravita em torno da não apenas evidente, mas, sobretudo, crônica deficiência dos órgãos julgadores em atender à demanda deles exigida.

Em que pese não se possa desprezar a validade de tal argumento, uma vez que representativo de uma realidade concreta, haja vista os contundentes números ostentados pelos tribunais pátrios, acredita-se que há de se aprofundar um tanto mais a análise do problema, trazendo à baila outros aspectos, também fundamentais, que comumente passam despercebidos. Este, precisamente, é o mote do presente artigo.

Almeja-se fugir à simples enunciação das dificuldades pragmáticas geralmente invocadas para sustentar o estímulo a ferramentas como a conciliação, a mediação e a arbitragem, e enfrentar questões sociais estruturantes, a exemplo da respectiva aptidão, eficiência e efetividade para resolver os conflitos.


2 CIDADANIA, JURISDIÇÃO E ESTADOS MODERNOS: SUBORDINAÇÃO E DEPENDÊNCIA

Antes de qualquer outra consideração, revela-se essencial compreender as causas decisivas para a conformação do momento atual do Poder Judiciário. Para tanto, há de se realizar breve digressão histórica, tendo por foco a estruturação dos Estados Nacionais, na medida em que foi o surgimento destes que possibilitou superar a fragmentação política predominante durante significativo período da Idade Média e erigir estrutura organizada para execução do poder político jamais experimentada na história.

Embora não se possa negar a prévia existência de civilizações com arcabouço político-jurídico relativamente desenvolvido, a verdade é que nenhum período anterior à modernidade conseguiu engendrar modelo com estrutura minimamente aproximada à dos Estados Nacionais, nela vigentes.

Na Antiguidade, permaneceram vastas lacunas naquilo que se refere à regulamentação da vida social. Nem mesmo Roma conseguiu fugir a esta regra. Embora responsável pela criação de vasto império, em que se chegou a instaurar uma república, a estrutura judiciária então vigente tinha seu funcionamento mais comprometido com os interesses particulares do que com uma esfera pública ocupada da defesa e garantia de aplicação do ordenamento. [04]

Na Idade Média, a situação foi ainda mais caricaturada, porquanto após o ocaso do Império Romano nenhuma autoridade política tenha conseguido afirmar sua hegemonia, dando margem a um modelo de sociedade em que a fragmentação política era a tônica. A capacidade de definir as diretrizes sociais básicas se fez restrita e local, válida em pequenos e delimitados conglomerados, e, ainda assim, fluída, dependente da episódica coordenação de forças políticas: suseranos e vassalos disputavam o poder não apenas internamente, entre eles mesmos, mas também com a Igreja. [05] Não havia estrutura política ou jurídica definida, a organização social ficava a cargo de agrupamentos intermediários entre a coletividade e o indivíduo, dos quais as guildas ou corporações são significativos exemplos.

Até então, a resolução dos entraves surgidos no âmbito social era delegada, aleatoriamente, a diversas e distintas instâncias de autoridade, as quais viam na moral, na práxis, na religião e na metafísica dimensões normativas de suma importância.

O Estado Moderno, enquanto formato político delineado para gerir as nações, é que foi responsável por modificar este estado de coisas. Assumindo uma complexa estrutura, este ente fictício conseguiu arregimentar ao seu derredor as funções e atividades fundamentais ao convívio social, de modo a afirmar-se como instância política primordial [06] e, com isto, modificar substancialmente a forma de diálogo social. A interação comunitária teve a sua feição revista ante a estrutura estatal e o cidadão, isoladamente considerado, assumiu o papel de principal ator político. [07]

Um engenhoso sistema para coordenar o exercício do poder político foi estruturada, no fito de permitir que ente público cumprisse com suas responsabilidades básicas, dentre as quais a de não apenas definir padrões de comportamento esperados dos indivíduos, mas também assegurar, diante de eventual desrespeito, a possibilidade de fazer incidir coercitivamente as normas por si delimitadas. Seguindo a tradição de pensamento político de Montesquieu, estas atribuições, inerentes ao exercício da soberania, foram repartidas entre esferas do ente público que devem atuar de forma independente, mas harmônica, dando corpo aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Ao Poder Judiciário atribuiu-se a primazia na tarefa de dizer o direito no caso concreto, para, a partir disto, dirimir os conflitos e garantir a paz social. Para tanto, o Estado se coloca ante as partes conflitantes como terceiro imparcial, substituindo-lhes as vontades e impondo uma solução. É, precisamente, a esta prerrogativa estatal de dar a última palavra nas contendas sociais concretas que se chama Jurisdição [08]. O conceito é complexo e a sua plena apreensão dependeria de incursões mais percucientes, as quais, todavia, fogem aos fins propostos no presente trabalho.

Por ora, significativo é atentar ao mais evidente desdobramento que a jurisdição estatal provocou no plano sociológico, qual seja o rebaixamento de instâncias que sempre tiveram papel destaque na composição dos interesses interparticulares. Corporações, estamentos sociais, comunidades religiosas, dentre tantos agrupamentos comunitários, perderam sua influência, na medida em que o cidadão, principal ato político da modernidade, se fez também sujeito de direito, indivíduo apto a, independentemente de organismos intermediários, titularizar direitos e obrigações.

Rebaixam-se, de igual forma, dimensões normativas como a religião e a moral, de modo a alçar o Estado à condição de autoridade política praticamente exclusiva. A autotutela, a possibilidade de efetivar a justiça por meios privados, passa a ser encarada como medida excepcional, aceita apenas em casos específicos e autorizados pelo ordenamento estatal [09].

O ente público, porém, não conseguiu dar conta de todas as expectativas e encargos a si entregues. Transformações históricas foram responsáveis pelo significativo incremento das demandas jurisdicionais. O crescimento populacional, a urbanização, o advento de novas tecnologias, a internacionalização das relações e a conformação de novos direitos, dentre tantos outros aspectos, contribuíram para intensificar não apenas o convívio social, mas também o potencial de beligerância.

A estrutura funcional do Estado, todavia, manteve-se inerte, despreocupada da necessidade de empreender melhorias tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. O resultado disto não poderia ser outro senão a análise deficitária de milhões de causas em trâmite, bem expressa nos números já mencionados anteriormente.

Não bastasse isto, a mística de neutralidade que revolvia o Estado quando de sua estruturação primeira, a informar que os interesses por si defendidos passariam, necessariamente, pela satisfação dos anseios da comunidade, foi, paulatinamente, ruindo. A prática se encarregou de demonstrar, com fartos exemplos, que, infelizmente, grande parte dos debates políticos tem mais a ver com conveniências pessoais e partidárias do que com o bem estar geral.

É precisamente neste contexto que se coloca a reflexão acerca dos instrumentos destinados à composição dos conflitos sociais, de modo a fugir do modelo clássico, em que a prestação jurisdicional, emanada coercitivamente pelo Estado enquanto terceiro imparcial, aparecia como via única. [10]


3 A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS EM UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA

A delimitação de um modelo contemporâneo de resolução de contendas sociais passa por um necessário despertar em relação à complexidade – comumente despercebida – de alguns pontos e conceitos básicos da respectiva teoria geral.

Sem isto, não se conseguirá ultrapassar a análise pragmática dos problemas jurisdicionais, incorrendo na indevida simplificação do tema. É o que ocorre, por exemplo, quando se cede à tentação – bastante sedutora, diga-se – de identificar a morosidade dos tribunais pátrios com a disparidade entre a quantidade de demandas e o aparelhamento estatal para lidar com elas. Embora este argumento não possa ser de todo desprezado, porquanto um maior investimento na estrutura jurisdicional possa, de fato, atenuar significativamente muitas das mazelas, ele está longe de ser suficiente para, por si só, conduzir à definitiva superação dos problemas.

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A plena compreensão das atuais necessidades que circundam o tema só é possível quando se atenta para aspectos que, desde os primeiros idos da teorização do Direito Processual, são enxergados de forma restrita, a compreender apenas parcela de sua integral compleição. É exatamente o que ocorre com a noção de conflito, que, enquanto substrato da lide judicial, é comumente compreendido como contraposição ou choque de interesses sociais derivada da violação ou desrespeito da esfera jurídica de alguém. Visualizado deste ângulo, o conflito é encarado como um mal social, assente na infração ao ordenamento jurídico, que deve ser superado o quanto antes e a qualquer custo.

Há, porém, inconvenientes nesta percepção jurídico-processual estrita.

Em primeiro lugar, é essencial atentar para o fato de o conflito se constituir em fenômeno bem mais complexo que isto, a envolver "aspectos não apenas jurídicos, mas também sociológicos, psicológicos e filosóficos" [11].

Como aduzem Lizana Leal Lima e Viviane Teixeira Dotto:

O conflito, sempre fez parte da sociedade desde as épocas mais primitivas até os tempos atuais. Todos os seres humanos são diferentes, é intrínseco aos indivíduos divergirem entre si. O conflito, visto como um evento sociológico, tem sido objeto de estudos nas Ciências Sociais Aplicadas, em especial no Direito. Estes estudos visam demonstrar que o conflito não é necessariamente um mal a ser curado, que deve ser encarado muitas vezes como um fenômeno sociológico positivo, como forma de evolução social. [12]

A partir da análise interdisciplinar do conceito, percebe-se que com o conflito não se relacionam apenas aspectos negativos, sobretudo porque, embora traumático, o momento de crise que representa é também uma possibilidade de progresso e evolução, na medida em que estes não devem ser aferidos com base na quantidade de demandas judiciais ou de direitos juridicamente consagrados, mas, antes, em atenção à capacidade de seus indivíduos resolverem as contendas internas de forma saudável.

Em segundo lugar, é de se destacar a impossibilidade do Estado disciplinar todas as esferas e atos da vida. Sequer é desejável que toda e qualquer conduta venha a se tornar juridicamente exigível. Isto significa que sempre existirão áreas ao derredor das quais os conflitos, embora possam se desenvolver, não ostentarão significado jurídico, tornando ineficaz, no sentido de dirimir a contenda, o método jurisdicional de resolução.

Em suma, com estas breves observações, quer-se chamar atenção para o fato de que a adoção e estímulo a práticas como a negociação, a mediação e a arbitragem, não pode ser encarada apenas como uma necessidade imposta por aspectos econômicos. Até porque, fosse este o caso, os meios alternativos de resolução de conflitos não deveriam ser apresentados como soluções, porquanto também eles dependam do investimento em especialização e recursos materiais em grau bastante semelhante àquele demandado para a intervenção estatal. No que diz respeito à arbitragem, a pessoa do árbitro há de ser sujeito tecnicamente qualificado e preparado, no medida em que, de modo bem semelhante ao que ocorre no judiciário, se revestirá de autoridade suficiente para impor às partes a decisão que entender coerente. Mesmo na mediação, em que a solução do conflito deriva de acerto das próprias partes, a figura do mediador, imbuída de facilitar o diálogo entre os envolvidos, demanda alta competência técnica [13]. Tanto em um quanto em outro caso, os custos para operacionalizar a composição da controvérsia terminarão sendo elevados, bastante próximos daqueles típicos da estrutura judiciária.

Antes e sobretudo, a estruturação de um sistema de pacificação social que trabalhe com múltiplas instâncias é exigência da época contemporânea. "A presente sociedade, tão hiperdinâmica, requer, imperiosamente, a existência de um sistema jurídico e de métodos de resolver controvérsias que sejam igualmente ágeis, atualizados e idôneos para pacificar uma sociedade convulsionada." [14]

Nestes precisos termos é que se põe a advertência de Mauro Capelleti e Bryant Garth:

Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais (9); que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada (10) e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem um efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que freqüência ela é executada, em benefício de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. [15]

A instauração de um sistema de composição de conflitos multiportas pode trazer vantagens significativas para a pacificação social, porque apto a permitir que a cada conflito seja enfrentado de acordo com suas peculiaridades, a partir do método mais adequado para a sua resolução. Seguindo a linha de pensamento de William Ury, Jeanne Brett e Stephen Goldberg, seis pautas básicas podem servir de referência para a estruturação de tal modelo, quais sejam: 1) manter o foco nos interesses dos envolvidos, servindo-se de negociações que permitam a sua obtenção na maior proporção possível; 2) utilizar de mecanismos que mantenham as partes envolvidas na negociação; 3) criar ferramentas de baixo custo para serem utilizadas quando frustradas as demais tentativas; 4) pensar preventivamente, de modo a evitar que a mesma disputa se reitere no futuro; 5) garantir baixos custos ao longo de todo o processo; 6) garantir que haja motivação e recursos para o funcionamento de toda esta estrutura. [16] Com isto, seguramente se há de ganhar em celeridade, em qualidade e, por via transversa, também em economia no que diz respeito à pacificação social.


4 RESOLUÇÃO DE CONFLITOS A PARTIR DE MÚLTIPLAS INSTÂNCIAS: FORMA, EFICÁCIA E EFICIÊNCIA

Justificada serventia e o valor de um sistema de pacificação social multiportas, há de se avançar no tema. É necessário destacar os seus possíveis contornos básicos, bem como as medidas essenciais para permitir a sua estruturação.

A primeira ressalva a ser feita remete à consideração, um tanto óbvia, de que a criação de métodos alternativos de composição de conflitos não implica no abandono da forma jurisdicional. Pelo contrário, significa a valorização desta esfera, cujo efetivo uso deve ficar reservado às hipóteses concretas em que ela se fizer efetivamente necessária, ou seja, quando não for possível depurar o conflito a partir de nenhuma outra instância. Em síntese, é possível falar em um esquema de alternativas para a pacificação social em que o recurso à jurisdição estatal aparece como última alternativa.

Para compreender este sistema, deve-se, inicialmente, pensar em duas modalidades básicas para a pacificação social, quais sejam as contenciosas e as não-contenciosas. Nestas, inserem-se a conciliação e a mediação, nas quais se apresenta uma perspectiva de diálogo e cooperação entre os envolvidos, enquanto naqueles identificam-se o processo judicial e a arbitragem, em que, ante o enfrentamento das partes, faz-se essencial a figura de um terceiro para decidir a contenda.

As soluções encontradas no grupo das modalidades não-contenciosas ostenta, via de regra, maior qualidade e eficácia no que diz respeito à pacificação social, já que, por meio delas, a composição é encetada direta e substancialmente pelos interessados, atentando ao momento e aos anseios atuais de cada um. Tende-se à plena satisfação de todos os polos envolvidos, o que permite trabalhar com a perspectiva de se obter um resultado final em que todos se enxerguem como ganhadores. Isto é suficiente para garantir maior legitimidade à decisão e, por conseguinte, extirpar a celeuma de forma mais completa. Justamente por isto é que se há de dar prioridade a estas hipóteses.

Embora a conciliação e a mediação figurem como institutos aptos a devolver aos interessados a responsabilidade pela resolução dos próprios problemas, inserindo-se naquilo que se chama de autocomposição, diferem entre si, sobretudo pela existência da figura do mediador, terceiro "neutro e imparcial, [que] auxilia as partes a entenderem seus reais conflitos, buscarem seus verdadeiros interesses, por intermédio de uma negociação cooperativa na procura de melhores e mais criativas soluções" [17], de modo a garantir maior profundidade na análise da contenda.

De forma ainda mais percuciente, José Luis Bolzan de Morais e Fabiana Marion Spengler definem o mediador nos seguintes termos:

O mediador é o terceiro que intermedeia as relações entre as partes envolvidas. A forma como age frequentemente é elemento determinante do êxito ou não do processo. [...] utilizando-se da autoridade a ele conferida pelas partes, deve restabelecer a comunicação entre estas. Sua função primordial é a de um facilitador, eis que deve proporcionar às partes as condições necessárias para que alcancem a melhor solução para seu conflito. É função também do mediador conduzir as negociações, seu papel é o de um "facilitador, educador e comunicador". Trata-se de um interventor com autoridade que não faz uso dessa autoridade para impor resultados. [18]

Já na conciliação, a ausência de um terceiro tecnicamente qualificado para facilitar a cooperação faz com que a análise da contenda tenda a ser mais superficial e a depender de uma maior predisposição das partes à solução consensual.

Para as situações em que não é possível contar com a cooperação das partes para solucionar o problema estabelecido entre elas, restam as formas de composição contenciosa. Em regra, o resultado final será menos satisfatório no que diz respeito à pacificação social, já que, ante o enfrentamento e impossibilidade de consenso dos envolvidos, haver-se-á de contar com um terceiro – o juiz ou o árbitro – para decidir. Esta decisão, por seu turno, será construída com base na apuração de fatos pretéritos, a qual, além de nem sempre ser fidedigna, desconsiderará as atuais necessidades e interesses, e trabalhará com uma lógica binária, segundo a qual uma das partes haverá de sair vencedora e a outra perdedora.

Em relação à via da jurisdição estatal, a arbitragem se apresenta como solução mais eficaz e útil para as contendas que envolvam direitos disponíveis (patrimoniais), e, por isso, possam ser subtraídas da apreciação estatal, e, ainda, demandem sigilo ou conhecimento técnico específico. Como destaca Paula Costa e Silva, o campo de aplicação da arbitragem é o dos conflitos que naturalmente tenderiam a ser subtraídos da formal apreciação do Poder Judiciário, quais sejam: os com baixa repercussão econômica, os altamente especializados ou os que dependem de sigilo.

Cada um destes dos paradigmas de conflitos determina uma configuração diversa do procedimento e das estruturas arbitrais. A conflitualidade de baixo impacto económico, regra geral, não chegaria ao sistema judicial: a arbitragem assegurada por Centros tendencialmente subsidiados por ordens profissionais permite garantir a vigência efectiva do direito de acesso à justiça. No pólo oposto, a conflitualidade altamente especializada ou que deve ser mantida sob sigilo tende igualmente a ser subtraída ao sistema formal de justiça. Neste caso, a arbitragem, com as suas vantagens (confidencialidade, possibilidade de escolha do decisor, possibilidade de postergação de regras substanciais de direito estrito) é o meio escolhido. [19]

Perceba-se, mais uma vez, que, ao defender um sistema de composição de conflitos que trabalhe com todas estas instâncias não se está advogando a extinção, nem, tampouco, a desvalorização dos tribunais e magistrados. O papel institucional do Poder Judiciário, enquanto guardião do ordenamento objetivo, é de significativa importância e não deve – e nem pode – ser desprezado. Porém, se o que se busca, em ultima ratio, é a pacificação social, os meios alternativos de composição merecem, sim, um olhar mais atento. Acredita-se ser possível a estruturação de um sistema em que, sem afrontar a garantia da inafastabilidade do Poder Judiciário, haja o encaminhamento dos conflitos a instâncias em que eles possam ser resolvidos com maior grau de satisfação e qualidade.

As formas para viabilizar isto são inúmeras e foge ao escopo da presente análise aprofundar no tema. É de se salientar, porém, que etapa necessária passa pela preparação dos profissionais forenses para elas. A formação acadêmica do operador do direito tem de ser revista, pois, em seu modelo atual, não apenas peca por deixar de aprofundar temas como a mediação e a arbitragem, como também por incutir a lógica jurídica clássica nos alunos, em que há, sempre, um ganhador e um perdedor, um indivíduo que teve sua esfera jurídica violada e um outro que a violou. São estes os precisos termos da reflexão de Kazuo Watanabe, ao afirmar que, na formação do jurista,

toda ênfase é dada à solução contenciosa e adjudicada dos conflitos de interesses Ou seja, toda ênfase é dada à solução de conflitos por meio de processo judicial, em que é proferida uma sentença, que constitui a solução imperativa dada pelo representante do Estado. O que se privilegia é a solução pelo critério do "certo ou errado", do "preto ou branco", sem qualquer espaço para a adequação da solução, pelo concurso da vontade das partes, à especificidade do caso concreto. [20]

Seguramente, a reformulação das grades curriculares dos cursos jurídicos com vistas a conferir uma formação mais ampla e aberta aos meios extrajudiciais de composição de conflitos representa decisivo passo para que se consiga estruturar um sistema com maior potencial para atingir o escopo precípuo da Jurisdição: a paz social.

Por óbivio, para que este escopo possa ser alcançado, não bastam mudanças formais, como a simples inclusão de uma ou duas disciplinas que expliquem o que é e como se opera formalmente a conciliação, a mediação e a arbitragem. É obrigatório que se mergulhe nos temas, para se lhes compreender os verdadeiros motes e princípios, para formar juristas que, ao se deparar com um conflito concreto, consigam fugir à tentação da resposta peremptória do certo ou errado absoluto e se permitam tergiversar sobre possibilidades outras de solução, em que, talvez, todos se vejam ganhadores.

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Sobre o autor
Gustavo Cunha Prazeres

Advogado do escritório Ribeiro Lima & Prazeres Advogados Associados. Mestre em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Professor de Direito Civil do Curso de Graduação em Direito da Universidade Baiana de Direito. Professor do Curso de Pós-Graduação da Universidade Salvador (Unifacs). Endereço eletrônico: [email protected].

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRAZERES, Gustavo Cunha. Processo, celeridade e composição de conflitos.: Da importância da competência negocial para a paz social. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 3014, 2 out. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/20125. Acesso em: 18 abr. 2024.

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