O Brasil é um país construído em cima de algumas verdades, mas, sobretudo, de muitas mentiras. O mito da cordialidade do brasileiro é uma delas. Pode não ser uma mentira total, mas tampouco essa cordialidade é uma verdade integral. Seria ela então uma meia-verdade? Talvez.
Como expressão da nossa identidade nacional costumamos dizer: "Nós, brasileiros, somos o povo da alegria, do calor humano, da hospitalidade e do sexo; tudo bem, temos lá nossas mazelas, nossos problemas, mas nenhum povo é mais caloroso, simpático e sensual neste planeta; nos identificamos pela nossa cordialidade, simpatia e calor humano" (Jessé Souza, 2011:29-39)
A cordialidade do brasileiro é um fenômeno existente, parcialmente, entre as camadas dos favorecidos culturais e socioeconômicos (camada de cima). Entre as pessoas da mesma hierarquia social realmente existe certa cordialidade. Frente aos discriminados (mulher, criança, idoso, negros, pobres, índios etc.), no entando, a realidade é bem distinta, visto que eles são torturáveis, prisionáveis e mortáveis (extermináveis).
De 1980 a 2000 cerca de 2 milhões de pessoas foram mortas no Brasil em razão de causas externas (acidentes, suicídio e homicídio) (dados do IBGE). O Brasil é palco de cerca de 10% de todas as mortes dolosas do planeta (quase 50 mil por ano). Dez mulheres são assassinadas diariamente no nosso país, sendo 7 por pessoas do seu relacionamento (marido ou ex-marido, namorado ou ex-namorado e noivo ou ex-noivo). Com esses números, não dá para dizer que todos somos cordiais, hospitaleiros, simpáticos, cheios de calor humano etc. Pelo menos não é essa, com certeza, a visão dos discriminados (que são torturáveis, prisionáveis e extermináveis).
Estudo divulgado pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em 06.10.11, mostra que no ano de 2009 foram cometidos 43.909 homicídios no Brasil, o que representa uma taxa de 22,7 mortes por 100.000 habitantes. A taxa média global é de 6,9 mortes por grupo de 100.000 habitantes.
O Brasil é o responsável por quase um terço do total de homicídios nas Américas (cerca de 140 mil) e por quase 10% de todas as mortes do planeta (cerca de 468 mil). Estamos falando de um país extremamente violento (e muito pouco cordial, pelo menos com os discriminados, que são torturáveis, prisionáveis e extermináveis).