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Processo judicial de reparação de dano em acidente de trabalho (indenizatória acidentária)

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20/03/2012 às 15:48
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Analisa-se o processamento judicial de ação de reparação de dano movida pelo empregado contra o empregador para a percepção de uma indenização por danos morais e materiais em virtude de um acidente de trabalho.

Índice: Resumo. Introdução. 1. Competência. 2. Composição do pólo ativo e passivo. 3. Causa de pedir e pedido. 4. Preliminar de coisa julgada. 5.  Teses a respeito da prescrição e do seu reconhecimento ex officio. 6. Audiência inicial e limites de eventual acordo entabulado. 7. A instrução na demanda indenizatória acidentária. 8. Os contornos da condenação em sentença. 9. Requisito básico para indenização: a configuração do nexo causal, a teoria das concausalidades e a repercussão na fixação do quantum devido. 10. Requisitos complementares para indenização: incapacidade laboral e culpa do empregador. Conclusão. Referências doutrinárias.

Resumo

No presente ensaio buscar-se-á destacar os principais aspectos que circunscrevem o processamento judicial de uma demanda de reparação de dano movida pelo empregado contra o empregador para a percepção de uma indenização por danos morais e materiais em virtude de um acidente de trabalho. Para tanto, serão almagamados conhecimentos técnicos de diferentes áreas do Direito (constitucional, civil, previdenciário, trabalhista e processual), sendo externados especialmente os entendimentos jurisprudenciais do TST e TRT4ª Região. Desenvolver-se-á a (relativamente) novel competência da Justiça Laboral para a hipótese, o procedimento tendente a concessão do pleito indenizatório, como também outros relevantes temas afins, a merecer imediata citação: os usuais meios de defesa preliminar (coisa julgada e prescrição), a importância da audiência inicial (fins conciliatórios), a produção de provas (instrução), e os contornos da condenação em sentença (especial realce para as teorias envolvendo a necessidade do elemento culpa da empresa no evento infortunístico, e a aplicação da teoria das concausalidades na fixação do montante devido a título de indenização).


Introdução

O processo judicial acidentário de reparação de danos possui um conjunto de características muito próprias, sendo o objetivo da presente passagem a exposição pormenorizada das grandes questões que são debatidas ao longo do iter e, por fim, sedimentadas na decisão final de mérito.

Por certo, a pretensão de indenização por acidente de trabalho, proposta pelo empregado em desfavor do seu empregador, não pode ser confundida com àquela demanda acidentária do mesmo empregado contra o órgão previdenciário, para fins de percepção de um benefício por incapacidade – conforme escorreita exegese do art. 7°, XXVIII da CF/88. Daí a necessidade de começarmos o ensaio tratando da competência, para depois examinarmos alguns fenômenos importantes presentes respectivamente na petição inicial e peça contestacional, seguindo depois para a investigação da audiência inaugural, da instrução propriamente dita e dos contornos da condenação em sentença – momento em que se buscará detalhar os grandes pontos objeto de manifestação do Estado-juiz (tanto principais: v.g., indicação da teoria da culpa da empresa e fixação dos danos materiais/morais; como acessórios: v.g., constituição de monte capital e condenação em honorários sucumbenciais).

Buscar-se-á, enfim, nessa oportunidade, discorrer a respeito dos principais detalhes que circundam esse requerimento de provimento jurisdicional em matéria acidentária proposto perante a Justiça do Trabalho[1] - sendo apontados diversos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, ainda que contraditórios/colidentes, a fim de enriquecer o debate e apontar, com maior segurança, a solução que, no nosso entendimento, deva vingar em cada um dos pontos controvertidos.


1. Competência

Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional n 45, de 2004, tanto a demanda acidentária do segurado contra o INSS como a demanda de reparação de danos do empregado contra o empregador era proposta na Justiça Estadual – sendo que em comarcas onde se fazia presente vara especializada (como Porto Alegre, que ainda hoje possui, no Foro Central, a Vara de Acidente de Trabalho – VAT), ambas as demandas eram julgadas pelo mesmo magistrado. Residuais ações do mesmo segurado contra seguradora privada, diante de apólice que contemple invalidez parcial ou total decorrente de acidente de trabalho, era e continua sendo processada na Justiça Estadual, mas em varas cíveis comuns (rectius: varas cíveis não especializadas).

Após a entrada em vigor dessa grande Emenda 45, responsável por modificação substancial na competência trabalhista[2], restou à Justiça Estadual o processamento da demanda contra o INSS[3]; e eventualmente a propositura de demandas securitárias do empregado em desfavor de seguradora privada[4].

Fenômeno interessante se sucedeu então na Justiça Laboral com relação ao processamento dessas demandas indenizatórias. Em algumas regiões, à luz do que se tinha na Justiça Estadual, foram criadas varas trabalhistas especializadas para o julgamento dessas lides, as quais, em tese, apresentam-se com corpo deveras diverso das lides envolvendo matérias trabalhistas comuns, como discussões a respeito de horas extras, equiparação salarial, justa causa, dentre outros temas próprios a integrar uma reclamatória trabalhista típica.

Assim, em Porto Alegre, v.g., que até a entrada em vigor da anunciada Emenda, possuía 29 varas trabalhistas, restou constituída a 30ª Vara do Trabalho – especializada em demandas de reparação de dano em virtude de acidente de trabalho. Em caso de ser proposta ação trabalhista com pedido de indenização cumulada com outras parcelas típicas trabalhistas, o magistrado da vara especializada é forçado a desmembrar a causa, dando prosseguimento ao feito que corre perante a 30ª Vara tão somente com relação aos pedidos acidentários.

O fundamento lógico para tal separação passa pela natureza da matéria, a exigir conhecimentos mais específicos do magistrado, e principalmente, no nosso entendimento, pela peculiar instrução do feito – a exigir prova pericial e prova oral muito diversas daquelas exigidas para as matérias trabalhistas típicas. A propósito, externam Antônio Lopes Monteiro e Roberto Fleury de Souza Bertagni que, principalmente no início da mudança de competência, muitas dificuldades foram verificadas nas ações propostas perante as varas dessa justiça especializada: “os juízes trabalhistas não estavam preparados para analisar questões ligadas, por exemplo, a doenças ocupacionais (profissionais ou do trabalho); o contato com elas estava quase restrito aos adicionais de insalubridade e periculosidade; agora terão de decidir controvérsias mais complexas, como as relacionadas às LER/DORT, à PAIR, para citar apenas as mais comuns; há necessidade de peritos especializados e não mais os de sempre, médico do Trabalho e engenheiro de segurança do Trabalho” [5].

E a experiência forense realmente nos revela que as varas especializadas estão mais próximas da realidade discutida nos autos, tendo melhores condições de resolver o litígio e criar paradigmas a guiar julgamentos futuros (efeito prospectivo interessante), mesmo porque, não raro, sucedem-se os acidentes e as empresas a constar no pólo passivo dessas demandas.


2. Composição do pólo ativo e passivo

Complementando o ponto inicial, relevante estabelecermos quem pode ser autor e quem pode ser réu de uma demanda indenizatória acidentária.

Se antes estabelecemos diferenças entre essa demanda indenizatória em desfavor do empregador, para a demanda acidentária contra o INSS e mesmo para a demanda securitária contra a seguradora privada, por certo entendemos que descabe a participação do INSS e da seguradora privada como réus (litisconsortes) nessa demanda específica que corre perante a Justiça do Trabalho.

De fato, entendemos que a natureza das obrigações são suficientemente diversas, não havendo espaço para confusão das esferas e eventual compensação de verbas[6]. O empregado que sofreu um acidente de trabalho, só fará jus a beneficio da Previdência Social e mesmo a cifra indenizatória perante uma seguradora privada, se estiver religiosamente contribuindo para essas entidades – tendo descontos mensais em contra cheque para cada uma delas, o que se tem, respectivamente, como contribuição previdenciária e prêmio de seguro de acidentes pessoais.

Por isso, o trabalhador acidentado, a constar no pólo ativo trabalhista, deve deduzir a sua pretensão exclusivamente contra o empregador[7], devendo ser repelida denunciação à lide seja do INSS seja da seguradora privada[8]. Tanto a assertiva é verdadeira, que nessa demanda indenizatória o autor é denominado de “empregado”, ou mesmo “reclamante”; e nas demandas cíveis contra o INSS, e mesmo contra a seguradora privada, deve ele ser intitulado de “segurado”.

Atualmente, é menos comum a denunciação do órgão previdenciário, mas como em muitas ocasiões a seguradora privada é um segmento da própria empresa (tendo, em alguns casos, a empresa até participação acionária majoritária nos quadros da seguradora privada), é mais comum ser suscitada essa discussão em relação ao pólo passivo[9]. Reforçamos, de qualquer forma, a independência das esferas, sendo possível que concomitantemente o empregado discuta uma indenização contra a empresa e contra a segurada da empresa em demandas diversas – a primeira, repite-se, correndo na Justiça Laboral; a última, na Justiça Estadual.

Outra questão relevante a ser tratada quando discutimos a composição dos pólos de uma demanda de indenização por acidente de trabalho gira em torno do falecimento do obreiro. Nesse caso, a sucessão possui legitimidade ativa para a propositura da demanda; sendo comum haver identidade entre o sucessor que ingressa com a demanda trabalhista e aquele que irá requerer o benefício pensão por morte junto ao órgão previdenciário.

No que toca ao pólo passivo, podemos finalmente falar na possibilidade de litisconsórcio em ao menos duas importantes ocasiões. A primeira delas envolve atividade terceirizada, em que o trabalhador acidentado pode acionar a prestadora de serviços e mesmo a tomadora, especialmente em razão dos riscos hodiernamente presenciáveis de problemas de satisfação do crédito, na execução, quando tão só a prestadora do serviço terceirizado consta no pólo passivo.

Outra ocasião em que deve constar no pólo passivo mais de uma empresa refere-se à circunstância de o obreiro, ao longo de sua vida, ter adquirido determinada doença ocupacional em razão de atividade de risco exercida em várias empresas de um mesmo ramo profissional; ocasião que dificulta o estabelecimento do nexo causal preponderante com apenas uma das empresas. Por exemplo, se um bancário sofre de LER/DORT em razão de atividades de caixa executivo, sendo que laborou nessa função em vários bancos privados, é de bom alvitre que conste no pólo passivo todos os bancos privados, cabendo a individualização de eventual obrigação à instrução do processo[10].


3. Causa de pedir e pedido

A petição inicial de um processo indenizatório acidentário precisa delimitar, com suficiente exatidão, qual é o problema de saúde ocupacional que afeta o trabalhador autor (causa de pedir) e quais são efetivamente os pedidos dirigidos em desfavor do empregador réu.

Tal assertiva revela-se necessária porque não sendo contemplada determinada causa de pedir importante ou não tendo sido vinculado determinado pedido à peça portal, é possível, em tese, que o segurado tenha a oportunidade de em diverso processo trazer à baila tais questões.

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Isto porque no sistema pátrio, conforme art. 474 do CPC, se a causa de pedir e/ou o pedido for diverso, diversa também é a lide, não havendo coisa julgada em relação ao processado no feito originário[11].

A devida exegese do mencionado dispositivo infraconstitucional, aplicável também aos feitos trabalhistas, dispõe que transitada em julgado a sentença de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido, ressalvada a hipótese de ação fundada em causa de pedir ou pedido diverso.

Tratemos primeiramente de um exemplo envolvendo a causa de pedir: em uma demanda indenizatória foi requerida determinada cifra (pedido) em desfavor do empregador em razão de problemas ortopédicos do empregado lesionado (Lesões por Esforços Repetitivos, LER – fato essencial). Caso seja julgada improcedente a pretensão levada ao órgão jurisdicional, sob o fundamento de não caracterização do alegado problema ortopédico, em tese, e em aplicação escorreita do art. 474 do CPC, é viável a apresentação de novel processo indenizatório a fim de que a reparação de dano seja concedida em razão de outro problema incapacitante – v.g., déficit auditivo (Perda Auditiva Induzida por Ruído, PAIR).

Essa segunda demanda possui relativa/suficiente autonomia, com relação à primeira, à medida que não obstante seja constatada identidade de pedido entre as lides, há distinção entre elas no que tange à causa de pedir, ou seja, os fatos jurídicos apresentados são absolutamente diversos (LER versus PAIR). Portanto, na hipótese ventilada, caso reste devidamente confirmada a incapacidade laborativa em decorrência agora de problemas auditivos (e não de problemas ortopédicos), a indenização há de ser concedida ao empregado lesionado.

Com relação à diversidade de pedidos o fenômeno é semelhante, já que se os pedidos forem absolutamente diversos, há possibilidade de propositura de novel demanda. Primeiramente registremos quais são os dois grandes (e diversos) pedidos comuns em lides indenizatórias por acidente de trabalho: a) danos morais: valor a ser examinado pelo magistrado diante das peculiaridades do caso concreto, sendo a partir daí fixada cifra compatível com o sofrimento/angústia do obreiro em decorrência do evento infortunístico – podendo ser fixada in re ipsa conforme tese consagrada no TST, ou seja, sem demonstração cabal do sofrimento/angústia, já que o abalo restaria presumido pela própria extensão do problema de saúde ocupacional[12]; b) danos materiais: gastos com medicamentos e tratamento médico/cirúrgico (dano emergente), além da sequela/perda de capacidade laboral em consequencia do evento infortunístico (lucro cessante)[13] – sendo mais regular o último pedido, já que o primeiro depende de demonstração cabal dos gastos pelo trabalhador, prova documental essa que é sempre mais difícil de ser obtida.

Só para não passar in albis, forçoso o registro de que pode ainda ser requerida judicialmente a manutenção ou restabelecimento do plano de saúde, indevidamente suspenso unilateralmente pelo empregador; bem como pode ser exigida a condenação do empregador à reparação de danos estéticos, quando a lesão causar abalos de tal ordem.

Pois bem, com relação então à diversidade de pedidos a autorizar o processamento de ulterior lide (distinta), sempre à luz do art. 474 do CPC, entendemos que se na demanda originária foi requerida tão somente indenização por danos morais, é possível que seja proposta ulterior demanda com pedido exclusivo de indenização por danos materiais, mantida a identidade de causa de pedir. A lide, de fato, é diversa, já que mesmo possuindo a mesma causa de pedir (v.g. quadro depressivo associado a assédio moral corriqueiro de superior hierárquico na empresa), o pedido da segunda demanda (dano material) é absolutamente diverso do pedido da primeira (dano moral).


4. Preliminar de coisa julgada

Tendo já sido feita análise de importantes aspectos envolvendo a técnica de apresentação da causa de pedir e pedido na petição inicial, passemos a desenvolver algumas linhas a respeito da técnica defensiva contestacional.

É usual que o empregador réu, nessa primeira peça apresentada ao Poder Judiciário (geralmente na audiência inicial, após restar inexitosa a primeira tentativa de conciliação), procure desestabilizar a pretensão do obreiro autor alegando matérias preliminares/prejudiciais ao exame do mérito. E dentre essas matérias, são freqüentes na lide forense a coisa julgada e a prescrição.

Com relação à preliminar de coisa julgada, o seu reconhecimento determina a extinção do processo sem julgamento de mérito, forte no art. 267,V do CPC, mas impede o autor de propor nova demanda, conforme registra o art. 268 do mesmo diploma legal – daí a sua extrema importância no contexto das defesas expostas pela empresa.

Geralmente a tese do empregador, ao alegar coisa julgada, aponta no sentido de que o trabalhador já deu quitação do contrato de trabalho em anterior momento, razão pela qual não pode ulteriormente discutir qualquer outra questão trabalhista em juízo, mesmo indenização por acidente de trabalho, a qual é matéria trabalhista a partir da Emenda 45[14].

No entanto, a tese a favor do trabalhador, com a qual compactuamos, vai no sentido de que a quitação do contrato de trabalho impõe impossibilidade de o obreiro discutir em juízo matérias trabalhistas típicas, mas não acidente de trabalho, independentemente da mudança de competência determinada pela Emenda 45 – já que tal matéria específica possui natureza eminentemente civilista, e mesmo porque ao tempo da quitação, não raro, não tem o acidentado preciso conhecimento a respeito da extensão do seu quadro infortunístico (mormente na hipótese de doença ocupacional), sendo mais oportuno e mesmo lógico a propositura da demanda indenizatória em momento posterior quando efetivamente possuir ciência inequívoca do dano[15].

 Também a preliminar de coisa julgada pode ser invocada com relação à interpretação do art. 474 do CPC e a delimitação da causa de pedir e pedido[16]. Reafirmamos o nosso entendimento com relação à aplicação restritiva do mencionado dispositivo, autorizando que, sendo absolutamente diversa a causa de pedir e/ou o pedido, seja possível a propositura de nova demanda. Tal situação mais usualmente se dá quando o trabalhador procura a assistência de um segundo causídico, o qual o alerta de que na primeira demanda não fora tratado de determinado importante problema de saúde ou não foi requerido expressamente determinado pedido, razão pela qual poderia ser proposta nova demanda. Em sendo proposta essa segunda demanda, o réu provavelmente alegará coisa julgada em relação à primeira contenda, ficando o magistrado na obrigação de se pronunciar a respeito dessa preliminar antes da instrução ou, como ocorre em maior medida, quando da prolação de sentença, antes de ingressar no mérito propriamente dito.

Agora, por certo nessa hipótese de propositura de uma nova demanda, em razão de causa de pedir ou pedido diverso, haverá um determinado lapso de tempo para ser tomada a medida, sob pena de incidência da prescrição.


5. Teses a respeito da prescrição e do seu reconhecimento ex officio

A prescrição, aliás, figura-se como a grande (e mais polêmica) matéria prejudicial de mérito em lides acidentárias, razão pela qual merece tratamento atento – o que se passa a fazer a partir de agora.

Diversamente da preliminar de coisa julgada, o reconhecimento da prescrição determina incontinenti a extinção do processo com julgamento de mérito, forte no art. 269, IV do CPC – eis o motivo pelo qual tecnicamente evitamos a tratar como mais uma matéria preliminar.

Seu escopo é impedir o exame meritório, caso tenha a parte autora retardado em demasia o tempo para ingresso com demanda judicial. Não impede propriamente o ajuizamento da demanda, mas sim impede a pretensão a um juízo de mérito, em razão do reconhecimento de uma prejudicial, a qual determina a extinção do feito como se o mérito houvesse sido enfrentado.

Com relação às teses prescricionais em matéria de indenização acidentária, realmente temos aqui terreno melindroso e ainda em aberto – tendo já sido propostas inúmeras alternativas pelo Judiciário[17], sendo que trataremos nas linhas abaixo a respeito das duas principais posições (de acordo com as situações fáticas mais em voga na prática do foro).

De fato, não há convicção, nem na doutrina e muito menos na jurisprudência, a respeito da tese a ser aplicada, se é a civilista ou a trabalhista. Há os que defendem que a natureza da matéria é trabalhista, já que assim sugere a Emenda 45 e também porque o próprio acidente, quando efetivamente indenizável, decorre de culpa do empregador, situação que está inserida no seu descumprimento de obrigação contratual, embora secundária. Para essa corrente, para os acidentes de trabalho ocorridos após a promulgação da Emenda 45[18] aplicar-se-ia, à hipótese, a regra prescricional típica trabalhista, prevista no art. 7º, XXIX da CF/88, a prever prazo máximo de dois anos da extinção do contrato de trabalho para a propositura da demanda[19].

Por outro lado, a tese civilista, calcadas na regras de reparação de dano (art. 186, 187 e 927, todos do Código Civil), prevê prazo máximo de três anos da data da lesão para o ajuizamento da demanda, conforme disposição expressa do art. 206 do Código Civil (§ 3º, V). Pensamos que se trata de tese mais apropriada à lide acidentária, porque a natureza do feito é eminentemente civil, cabendo especial destaque ao teor do art. 932, III do Código Civil, ao dispor que são também responsáveis pela reparação civil o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele.

Com relação à adequada interpretação ao contexto em que inserida a Emenda 45, parece-nos que se trata tão somente de regra processual a determinar o julgamento da demanda indenizatória acidentária pela Justiça Laboral – não decorrendo a pretensão indenizatória, na verdade, do descumprimento de cláusulas contratuais típicas[20].

A propósito, não parece sequer razoável posicionamento de parte do TST que modifica o prazo prescricional simplesmente em face de o acidente de trabalho ter ocorrido antes ou depois da Emenda 45: se antes, aplica a tese civilista, se depois a trabalhista. Tendo a regra contida na Emenda 45 natureza eminentemente processual, repise-se, entendemos que independentemente do acidente ocorrer antes ou depois da entrada em vigor da anunciada Emenda, deva ser aplicada a tese civilista.

Portanto, nas ações de reparação de dano há de ser aplicada a regra de prescrição civilista e não a trabalhista – sendo, pois, preciso o registro jurisprudencial indicando que “embora o fato decorra da relação de emprego, trata-se de reparação de dano por ato ilícito, de responsabilidade do empregador”[21].

A tese civilista comporta ainda condição mais maleável para definição do marco inicial prescricional, sendo que esse marco é definido pelas próprias regras de direito civil, a saber: art. 189 do Código Civil articulado com a Súmula 278 do STJ – a determinar que o termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral.

E há efetivo motivo para nos preocuparmos com o marco inicial prescricional. Ocorre que quando falamos em doenças ocupacionais, ou seja, lesões que se desenvolvem ao longo do tempo, em virtude de exposição repetitiva do obreiro a determinado agente lesionante (como nas hipóteses de LER/DORT, PAIR, quadros de depressão associado ao trabalho), presenciamos situações em que o contrato de trabalho já se encontra extinto e mesmo sendo superado o tradicional prazo (trabalhista) de dois anos ainda não há definição exata quanto a um marco definitivo de invalidez do obreiro – a ponto de compeli-lo a ingressar em juízo requerendo especialmente uma pensão mensal de caráter vitalício, proporcional ao seu grau de invalidez decorrente da lesão laboral. Para esses casos, o prazo prescricional trabalhista forçaria o trabalhador a ingressar em juízo sem ter a convicção do grau de sua lesão, o que pode interferir negativamente no processamento da demanda e no resultado final em cognição exauriente.

Em alhures oportunidades, nesses casos de doenças ocupacionais, o marco prescricional é obtido através do reconhecimento por parte do INSS, judicial ou administrativamente, da incapacidade laboral, a partir da concessão de um benefício definitivo ao trabalhador, qual seja, a aposentadoria por invalidez (em caso de invalidez total) ou auxílio-acidente (em caso de invalidez parcial). E esse reconhecimento pode se dar justamente muitos anos após a extinção do contrato de trabalho, já que o trabalhador pode estar em benefício provisório (auxílio-doença, com seu contrato de trabalho então suspenso), fazendo tratamento e aguardando uma posição médica a respeito da extensão da sua lesão, conservando expectativas (em maior ou menor grau) de recuperação integral de sua saúde e de sua capacidade laborativa.

Nessas ocasiões, freqüentes na lide forense, confirma-se a imensa dificuldade de se utilizar a tese trabalhista, que se comporta adequada para questões trabalhistas típicas, mas não para lesões acidentárias que nem sempre estão devidamente consolidadas/estabilizadas ao longo do contrato de trabalho e/ou no período breve de dois anos de sua extinção[22].

 Por outro lado, se estamos diante de acidente típico (v.g. perda de segmentos do corpo) ou mesmo de acidente de trajeto (v.g. acidente de carro no deslocamento domicílio-ambiente de trabalho) há maior convicção de que o marco prescricional possa ser o do próprio evento, cabendo ser decretada a prescrição em dois anos ou três anos a partir dali, dependendo se utilizarmos a tese, respectivamente, trabalhista ou civilista.

Por fim, ainda a respeito da prescrição nas lides indenizatórias acidentárias, importante desenvolvermos algumas linhas a respeito da possibilidade de ser decretada de ofício pelo magistrado, mesmo que o empregador réu não tenha se manifestado a respeito na peça contestacional[23].

A prescrição é instituto de direito material, mas que progressivamente vem ganhando espaço no cenário processual, especialmente após a publicação da Lei n° 11.280/2006 – que tornou possível a decretação de ofício do instituto, equiparando-o a decadência, ao menos no campo cível, como vem decidindo a Justiça Estadual. De fato, com a chegada da Lei n° 11.280, alterando o § 5° do art. 219 CPC, o juiz pode reconhecer a prescrição, mesmo sem provocação da parte interessada, em qualquer grau de jurisdição – e para que não pairem dúvidas e eventuais conflitos aparentes entre as normas do Código Civil e do Código de Processo Civil, a anunciada Lei revogou expressamente o art. 194 do código civilista, que tratava diretamente da matéria sobre prescrição[24].

Pelo entendimento consagrado especialmente no campo trabalhista em relação ao tema prescricional, todavia, tem-se que seria matéria propriamente de defesa, a constar expressamente na peça contestacional, daí exigindo-se o seu enfrentamento pelo magistrado, decorrendo a preclusão da matéria quando não ventilada pelo réu. Nesse sentido, a clássica e precisa lição de Sérgio Pinto Martins, ao dispor que prescrição é matéria de defesa, na qual o réu deve alegar todos os motivos de fato e de direito com que impugna a pretensão do autor (art. 300 do CPC), o que incluiria a prescrição: “logo, a prescrição não pode ser alegada após ser oferecida a defesa, pois viola o contraditório e suprime instância”[25].

Esse entendimento tradicional dos limites no reconhecimento da prescrição (a exigir prévia e expressa manifestação do réu no interesse do seu reconhecimento) teve grande ápice justamente no campo do direito do trabalho, já que a prescrição (sempre) é reconhecida em desfavor da parte hipossuficiente (empregado). Falando em tradição histórica da prescrição no nosso ordenamento, registrava o magistrado trabalhista Cláudio de Menezes, no início da década de 90, que a prescrição sempre foi enfrentada como matéria de defesa e elencada como questão de mérito, devendo ser invocada pelo réu com a contestação, sob pena de se tornar preclusa a arguição[26].

A partir da alteração da temática prescricional pelo art. 219, § 5° do CPC, conforme defende Victor Hugo Nazário Stuchi, não haveria maiores dúvidas de que a regra da declaração de ofício da prescrição é plenamente aplicável ao processo do trabalho, uma vez que o diploma trabalhista consolidado é omisso e não há qualquer incompatibilidade entre este diploma e o Código de Processo Civil[27].

Em semelhante direção, Gustavo Filipe Barbosa Garcia também destaca que é “inevitável” a aplicação do art. 219, § 5° do CPC no processo trabalhista, sendo que “as argumentações em sentido contrário, na verdade, estão a discordar do próprio Direito objetivo ora em vigor, situando-se assim, com a devida vênia, no plano da crítica ao Direito legislado”[28].

No entanto, é de se registrar que o tema prescricional, nos estritos limites da esfera laboral, não parece ser tão simples. Ocorre que sob diversa perspectiva, Manoel Carlos Toledo Filho observa que no âmbito do processo laboral, a decretação da prescrição virá sempre em prol do empregador; será uma vantagem diretamente vinculada à parte mais forte do conflito de interesses submetido à apreciação do órgão jurisdicional – logo, parece claro que seu reconhecimento de ofício pelo magistrado irá colidir, de forma impostergável, com o princípio de proteção[29].

Justamente ao encontro desse último entendimento, vem defendendo mais recentemente o TST que não se mostra compatível com o processo do trabalho a nova regra processual inserida no art. 219, § 5º, do CPC, que determina a aplicação da prescrição, de ofício, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas: “Há argumentos contrários à compatibilidade do novo dispositivo com a ordem justrabalhista (arts. 8º. e 769 da CLT). É que, ao determinar a atuação judicial em franco desfavor dos direitos sociais laborativos, a novel regra civilista entraria em choque com vários princípios constitucionais, como da valorização do trabalho e do emprego, da norma mais favorável e da submissão da propriedade à sua função socioambiental, além do próprio princípio da proteção”[30].

Portanto, embora ainda a questão não esteja devidamente cristalizada na justiça do trabalho, há evidente tendência atual de desconsideração, nesse especializado procedimento, da inovação legal inserida no art. 219, § 5º, do CPC – sendo sedimentado pelo TST que a prescrição continua sendo matéria de defesa do réu, sujeita ao regime preclusivo, não podendo as Superiores Instâncias dela tratar, caso a questão não tenha sido invocada pelo réu ou já tenha sido solucionada em decisão da origem não mais passível de recurso.

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Sobre o autor
Fernando Rubin

Advogado do Escritório de Direito Social, Bacharel em Direito pela UFRGS, com a distinção da Láurea Acadêmica. Mestre em processo civil pela UFRGS. Professor da Graduação e Pós-graduação do Centro Universitário Ritter dos Reis – UNIRITTER, Laureate International Universities. Professor Pesquisador do Centro de Estudos Trabalhistas do Rio Grande do Sul – CETRA/Imed. Professor colaborador da Escola Superior da Advocacia – ESA/RS. Instrutor Lex Magister São Paulo. Professor convidado de cursos de Pós graduação latu sensu. Articulista de revistas especializadas em processo civil, previdenciário e trabalhista. Parecerista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBIN, Fernando. Processo judicial de reparação de dano em acidente de trabalho (indenizatória acidentária). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3184, 20 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21322. Acesso em: 25 abr. 2024.

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