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A cadeia de custódia e a prova pericial

28/03/2012 às 19:03
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O modo como se encontraram os objetos na cena do crime, a manipulação e armazenagem são questionamentos a serem utilizados pela defesa, no intuito de enfraquecer as provas produzidas. Com os frequentes relatos de corrupção no serviço público, quanto maior a transparência nas perícias, melhor a confiabilidade dos julgados.

Resumo: A cadeia de custódia contribui para a validação da prova pericial e o respectivo laudo gerado. A responsabilidade de manutenção da idoneidade processual é compartilhada a todos os agentes do Estado envolvidos, incluindo o perito criminal. A necessidade de procedimentos padronizados é necessária, para que diante dos questionamentos da defesa do acusado, as provas periciais permaneçam robustas e confiáveis, servindo de elemento de convicção do juiz.

Palavras-chave: Cadeia de custódia. Perícia forense. Prova pericial.

Sumário: 1. Introdução. 1.1 A cadeia de custódia. 2 O Código de Processo Penal. 2.1 A importância da coleta evidências. Conclusão.


1 INTRODUÇÃO

A prova pericial é, dentre as provas produzidas na persecução penal, a que mais baseia a decisão dos juristas. Seu poder de convencimento está amparado em características como imparcialidade e embasamento científico.

Entretanto, por mais que os avanços tecnológico e científico venham contribuindo com as ciências forenses, não representam garantia que estas evidências serão aceitas como prova pericial pela justiça (SAMPAIO, 2006). Para garantir a validade dos exames periciais, os expertos devem respeitar a cadeia de custódia, que seria a documentação que o laboratório possui com a intenção de rastrear todas as operações realizadas com cada vestígio, desde a coleta no local do crime até a completa destruição (CHASIN, 2008).

1.1  A CADEIA DE CUSTÓDIA

A cadeia de custódia contribui para manter e documentar a história cronológica da evidência, para rastrear a posse e o manuseio da amostra a partir do preparo do recipiente coletor, da coleta, do transporte, do recebimento, da análise e do armazenamento. Inclui toda a seqüência de posse. (SMITH et al, 1990).

Na área forense, todas as amostras são recebidas como evidências. São analisadas e o seu resultado é apresentado na forma de laudo para ser utilizado na persecução penal. As amostras devem ser manuseadas de forma cautelosa, para tentar evitar futuras alegações de adulteração ou má conduta que possam comprometer as decisões relacionadas ao caso em questão. O detalhamento dos procedimentos deve ser minucioso, para tornar o procedimento robusto e confiável, deixando o laudo técnico produzido, com teor irrefutável. A sequência dos fatos é essencial: quem manuseou, como manuseou, onde o vestígio foi obtido, como armazenou-se, por que manuseou-se.

O fato de assegurar a memória de todas as fases do processo constitui um protocolo legal que possibilita garantir a idoneidade do caminho que a amostra percorreu. (NÓBREGA, 2006).

Segundo CHASIN, a cadeia de custódia se divide em externa e interna: a fase externa seria o transporte do local de coleta até a chegada ao laboratório. A interna, refere-se ao procedimento interno no laboratório, até o descarte das amostras.

WATSON (2009) descreve a cadeia de custódia como o processo pelo qual as provas estão sempre sob o cuidado de um indivíduo conhecido e acompanhado de um documento assinado pelo seu responsável, naquele momento.


2 O CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

A cadeia de custódia, na Lei, inicia-se logo após o conhecimento do fato criminoso:

CPP, art. 6º: Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:

I - dirigir-se ao local, providenciando para que não se alterem o estado e conservação das coisas, até a chegada dos peritos criminais;

II - apreender os objetos que tiverem relação com o fato, após liberados pelos peritos criminais;

III - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e suas circunstâncias;

O CPP cita que a autoridade policial deve garantir a conservação da cena do crime, manipular indícios do local do fato, portanto a garantia da robustez da investigação se inicia neste momento. ESPÍNDULA (2009) cita que todos os elementos que darão origem às provas periciais ou documentais requerem cuidados para resguardar a sua idoneidade ao longo de todo o processo de investigação e trâmite judicial.

O artigo 170 do CPP cita que "nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas, desenhos ou esquemas". O fato de a Lei exigir a guarda de amostra do material analisado garante ao investigado a possibilidade de contestação e defesa.

 Art. 159 § 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:

 I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;

 II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. 

§ 6º Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. 

Com o advento da Lei nº 11.690, de 2008, que alterou o Código de Processo Penal, a figura do assistente técnico se tornou em um típico fiscalizador das partes. A função é de acompanhar a perícia oficial, apresentar sugestões, opinar sobre o laudo do perito nomeado, apresentar as hipóteses possíveis, desde que técnica e juridicamente plausíveis.

O perito assistente, ao elaborar laudo divergente do apresentado pelo perito oficial, analisará primeiramente a cadeia de custódia, pois qualquer falha apresentada enfraquecerá o laudo oficial.

ESPÍNDULA (2009) explica que a prática de alguns advogados de questionar o manuseio de evidências ganha força com a figura do assistente técnico no processo penal e esse procedimento será enormemente explorado como argumento de defesa.

Quanto à formulação de quesitos, a presença do assistente técnico é necessária para assessorar o advogado na formulação dos quesitos aos peritos. É público e notório que os advogados não dominam a área técnica fora de sua área de formação e a assessoria do perito assistente acrescenta qualidade à defesa do acusado.

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal.

 b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos;

 c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos;

 d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso;

 e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu;

 f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato;

Outra demonstração da necessidade de se estabelecer a cadeia de custódia na análise de vestígios seria no procedimento de busca e apreensão realizado pela autoridade policial e seus agentes. Da mesma forma, o modo como se encontraram os objetos, a manipulação e armazenagem são questionamentos a serem utilizados pela defesa, no intuito de enfraquecer as provas produzidas.

Percebe-se que a cadeia de custódia não é exclusividade do perito criminal, mas sim de todos os envolvidos na localização e produção de provas: delegados, agentes, escrivães, papiloscopistas.

2.1 A IMPORTÂNCIA DA COLETA DE EVIDÊNCIAS

A importância do procedimento adequado na cena de crime é a diferença entre o sucesso e o fracasso de uma condenação. Como exemplo, o famoso julgamento de O.J. Simpson, que ocorrera nos Estados Unidos, em que a defesa do réu questionou o modo de coleta e produção da prova incriminatória e persuadiu o júri demonstrando que havia dúvidas sobre a autoria de O.J. Simpson, apesar de o perfil genético dele ter coincidido com o da prova coletada no local do crime.

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CONCLUSÃO

A prova pericial é analisada e processada pelo homem, portanto propensa a erros.

Além do mais, com os frequentes relatos de corrupção no serviço público, quanto maior a possibilidade de transparência nas ações periciais, melhor a confiabilidade e robustez dos julgados de nossos tribunais.

A figura do assistente técnico, por ter um caráter naturalmente questionador dos procedimentos que levaram à confecção do laudo pericial, acrescenta à persecução penal outro controle de qualidade e exige dos peritos criminais maior esforço para garantir a idoneidade de seu trabalho.

Desta forma, a preocupação com a cadeia de custódia dos vestígios é um dos principais requisitos avaliadores da competência e qualidade do serviço pericial.

A necessária validação da prova, por meio da cadeia de custódia, deve ser critério de aceitação ou desentranhamento da prova processual e item de análise em todos os processos criminais.


REFERÊNCIAS:

BRASIL. Código de Processo Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm> Acesso em 18 mar. 2012.

BRASIL. Código Penal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 31 dez. 1940. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 18 mar. 2012.

CHASIN, Alice Aparecida da Matta. Parâmetros de confiança analítica e irrefutabilidade do laudo pericial em toxicologia Forense. Revista Brasileira de Toxicologia, v. 14, n. 1, p. 40-46, 2001.

DOREA, Luiz Eduardo Carvalho, Victor Paulo Stumvoll, Visctor Quintela. Criminalística. 4a Ed. Campinas, São Paulo. Millenium Editora. 2010.

ESPÍNDULA, Alberi. Perícia Criminal e Cível: uma visão geral para peritos e usuários da perícia. 3a Ed. Campinas, São Paulo. Millenium Editora, 2009.

Gonçalves, Marcus Vinicius Rios (2010), Novo curso de Direito Processual Civil, volume 1: teoria geral e processo de conhecimento. 7.ed, São Paulo: Editora Saraiva.

LEITE, E.M.A. e cols. Guia Prático de Monitorização Biológica, Belo Horizonte: Ergo. 1992.

MOREAU, Regina Lúcia de Moraes e DE SIQUEIRA, Maria Elisa Pereira Bastos. Toxicologia Analítica, Guanabara Koogan, Rio de Janeiro, 2008.

NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal, 2a edição, Editora RT, pp. 82 a 89, 2009.

RANG, H.P.; DALE, M.M.; RITTER, J.M.; MOORE, P.K.. Farmacologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2004.

SMITH, ML; BRONNER; WE; SHIMOMURA, E.T. et al. Quality Assurance in Drug Testing Laboratories. Clin Lab Med, [S.l], v. 10, n. 3, p. 503-516, 1990. Disponível em: <http://www.labcorp.com/datasets/labcorp/html/chapter/mono/fo000700.htm>. Acesso em: 13 mar. 2012.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva. 2006. v. 3.

WATSON, James D, et al. DNA Recombinante: genes e genomas. Artmed Editora. 3a Ed. 2009.

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Sobre o autor
Ettore Ferrari Júnior

Farmacêutico-Bioquímico. Especialista em Análises Clínicas. Especialista em Investigação Policial. Agente de Polícia - Polícia Civil do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRARI JÚNIOR, Ettore. A cadeia de custódia e a prova pericial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3192, 28 mar. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21391. Acesso em: 20 abr. 2024.

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