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Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

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14/04/2012 às 09:10
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O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado resulta do surgimento de um Estado de Direito, fundado na parceria ativa do Estado e coletividade na garantia de sua ordem constitucional.

RESUMO

O presente estudo analisa a evolução da proteção do meio ambiente no Brasil e as atuais definições atribuídas à expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado”. Por fim, demonstra por meio da Teoria dos Direitos Fundamentais, a natureza do Direito Fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Palavras-Chaves: Proteção Ambiental, Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, Teoria dos Direitos Fundamentais.


1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é demonstrar a complexidade de definir um conceito que incorpore todo o conteúdo interpretativo da expressão “meio ambiente ecologicamente equilibrado” e entender as circunstâncias que o transformaram em um direito fundamental de natureza solidária, cuja peculiaridade propõe um direito em proporção transindividual e atemporal.

Desse modo, será elaborado um estudo sobre a evolução da tutela ambiental no Brasil, culminando na sua constitucionalização como um direito fundamental na Carta Magna de 1988. No entanto, apesar da extensa abordagem constitucional, concentrar-se-ão os estudos no núcleo normativo da proteção ambiental que se encontra no Capítulo VI do Título VIII da Constituição Federal, representado pelo art. 225, CF. É neste artigo está assegurado a todos o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Ademais, verificar-se-á a possibilidade de precisar uma definição para meio ambiente ecologicamente equilibrado, discutindo as atuais posições doutrinárias sobre a natureza jurídica desse bem. Em seguida abordar-se-á o conceito do direito fundamental, demonstrando por meio da teoria das dimensões, em que contexto se inclui o aludido direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.


2. EVOLUÇÃO CONSTITUCIONAL DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE

Realizando-se uma análise cronológica do processo de constitucionalização ambiental, é possível perceber que a primeira menção normativa acerca da tutela do meio ambiente ocorreu na Constituição de 1891, após o advento da República. No entanto, conforme ensina Fernanda Medeiros, a normatização era limitada aos elementos da natureza, ou seja, a proteção estava direcionada a recursos naturais específicos. Continua a autora a afirmar que a preocupação com o Meio Ambiente traduzia-se apenas em uma proteção às terras e às minas, indicando uma atitude que buscou proteger os interesses da burguesia e institucionalizar a exploração do solo com o aval estatal. (MEDEIROS, 2004, p.61-62).

 Observa-se pela aludida assertiva que a regulamentação naquele período não intencionava tutelar o meio ambiente como um todo, e sim, obedecia uma finalidade utilitarista de proteção, ou seja, resguardava os recursos provenientes da natureza com valor econômico e utilitário, cujo objetivo era assegurar os interesses de uma minoria dominante.

As Constituições posteriores, 1934, 1937, 1946 e 1967, conservaram as mesmas características de proteção utilitarista.

A professora Fernanda Medeiros assevera que:

[...] a busca do disciplinamento de normas que regessem os elementos da natureza tinham por escopo a racionalização econômica das atividades de exploração dos recursos naturais, de forma alguma pretendiam promover a defesa ambiental [...]. (2004, p. 62)

No entanto, embora aquelas Constituições não demonstrassem uma conscientização de defesa efetiva do meio ambiente, ampliaram significativamente as regulamentações acerca do subsolo, mineração, flora, fauna, águas, dentre outros itens. (MEDEIROS, 2004, p.62)

Por sua vez, percebe-se uma acentuada mudança de postura diante da questão ambiental a partir das transformações econômicas e sociais que surgiram no cenário mundial durante a década de 70.

A questão ambiental no Brasil provém das crises advindas do modelo desenvolvimentista, vigente a partir de 1970, fundamentada na crise geral de uma matriz energética, de um modelo industrial e de uma estrutura de insumos e de matérias-primas. (MEDEIROS, 2002, p.54)

As transformações advindas durante aquela década configuraram um momento marcado por discussões tanto na esfera internacional quanto nacional sobre a crise ecológica instalada pela adoção do modelo desenvolvimentista.  Os questionamentos conduziram ao surgimento de um novo comportamento ecológico das comunidades internacionais e refletiram na efetiva Constitucionalização da Proteção Ambiental no Brasil.

É possível destacar como principal marco daquelas transformações, a Conferência de Estocolmo realizada em 1972 na Suécia, cuja pauta estava voltada a discutir problemas ambientais com abordagem de temáticas que atendessem ao interesse geral da humanidade. Foi o primeiro momento em que a proteção do ambiente foi tratada como um direito humano, imprescindível para garantir uma sadia qualidade de vida. Até então, a tentativa de proteger o meio resumia-se aos anseios econômicos do homem nos moldes de uma sociedade desenvolvimentista.

Sobre a Conferência de Estocolmo nos ensina Wellington Barros:

Foi a I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, o primeiro marco no trato da ONU das questões ambientais. Esse evento pioneiro foi relevante, apesar de suas modestas conquistas. Graças a ele, no entanto, se possibilitou a abertura das discussões importantes a respeito de temas outrora relegados a um segundo plano, não obstante o caráter controverso que continham. (2008, p.15)

  Não há dúvidas de que a crise ecológica que se instalou no âmbito mundial refletiu na constitucionalização da tutela ambiental no Brasil. A autora Fernanda Medeiros destaca o Direito Constitucional como o ramo de maior relevância e influência para garantir a efetiva proteção do meio ambiente, tendo em vista que as normas jurídicas que constituem esse direito são, em sua maioria, de natureza pública e objetivam proteger e regular os direitos difusos e subjetivos de interesse da coletividade. (2002, p.56)

Paulo Sirvinskas assevera que:

A proteção do meio ambiente inserida na Constituição Federal não é privilégio somente do Brasil. Trata-se de uma tendência internacional cuja preocupação alastrou-se rapidamente pelo mundo e, por conta disso, passou a integrar as constituições mais recentes, constituindo um direito fundamental da pessoa humana. (2008, p.58)

A promulgação da Carta de 1988 em consonância com as tendências internacionais dedicou um capítulo específico ao tema e atribuiu a responsabilidade da preservação ambiental não só ao poder público, mas também à coletividade. Portanto conforme bem adjetiva o professor Afonso da Silva “trata-se de uma constituição eminentemente ‘ambientalista’”. (2003, p.46)

Ademais Sirvinskas (2008, p.58) preceitua que a Carta Política precisa ainda ser plenamente consolidada. E argumenta que para sua efetivação, é necessário empenho para fazer valer os princípios constitucionais ambientais, por meio do comportamento diário e atuação profissional do cidadão, servindo de exemplo aos demais atores da Comunidade.


3. Meio Ambiente ecologicamente equilibrado e sua natureza jurídica

De acordo com o que fora estudado no tópico anterior, observa-se que a proteção ambiental adquiriu relevância jurídica através das mudanças ocorridas no cenário global.

Élida Seguín (2006, p.17) afirma que “o meio ambiente foi visto inicialmente como uma utilidade de que o homem podia dispor livremente, posto que inesgotável.” Entendemos que foi essa visão equivocada que provocou a escassez dos recursos naturais no âmbito internacional e condicionou o surgimento de uma postura focada na busca de uma efetiva proteção do meio ambiente.

Seguindo essa mudança, a Constituição de 1988 reconheceu o meio ambiente como um direito fundamental essencial para uma sadia qualidade de vida.

Conforme nos ensina Élida Seguin:

O direito fundamental reconhecido no art. 225 da CF, de que todos têm direito a uma ‘sadia qualidade de vida e meio ambiente ecologicamente equilibrado’, trouxe à tona uma análise mais extensiva da expressão Meio Ambiente. (2006, p.17)

O meio ambiente é um tema que remete a discussões atuais e diuturnas, tendo em vista que configura uma preocupação globalizada dos indivíduos que tem acesso às redes de informação e acompanham os resultados de uma política de desenvolvimento insustentável. Por esse motivo, a delimitação conceitual da expressão nos remete a um trabalho de inesgotáveis possibilidades, haja vista a amplitude de interpretações que a expressão permite alcançar, bem com a importância de definir um conceito que legitime a proteção de todos os bens suficientes para assegurar o mandamento constitucional do caput do artigo 225.

Todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. [Grifo Nosso] (BRASIL, 1988)

Inicialmente, é necessário ser destacada a crítica realizada pela maioria dos doutrinadores acerca da existência de redundância na expressão meio ambiente, isso porque ao analisar a terminologia empregada, Celso Fiorillo ensina que:

 [...] meio ambiente relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda. Costuma-se criticar tal termo, porque pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a idéia de ‘âmbito que circunda’, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio. [...] (2010, p. 69)

Todavia, ainda que presente a redundância na expressão meio ambiente, ela é usualmente adotada em todo o seio social do país.

Adentrando-se no conceito, destaca-se a definição legal da Política Nacional do Meio Ambiente, previsto no art.3º, I, da Lei 6938/81 que trata, e estabelece: “I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981)

O professor Paulo Affonso Leme Machado (2008, p.55) assevera que a definição legal é ampla, pois atinge tudo aquilo que permite a vida, que a abriga e rege. E igualmente compartilhando do entendimento acerca da amplitude da definição legal, o professor Celso Fiorillo acrescenta que a intenção do legislador foi de criar um conceito jurídico indeterminado facultando a existência de um espaço positivo de incidência de norma. (2010, p.70)

Assim, considerando a complexidade de limitar um conceito satisfatório que incorpore todo o significado da palavra meio ambiente, a doutrina no intuito de facilitar os estudos do tema, elaborou uma classificação subdividindo meio ambiente em natural e humano, incluindo neste último o artificial, cultural e do trabalho. É o que será analisado.

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Meio ambiente artificial consiste no espaço urbano construído, ou seja, as edificações realizadas pelo homem. O cultural de acordo com Celso Fiorillo (2010, p.73) corresponde ao denominado patrimônio cultural que “traduz a história de um povo, a sua formação, cultura e, portanto, os próprios elementos identificadores de sua cidadania.” Por sua vez, o meio ambiente do trabalho está relacionado ao local onde as pessoas exercem suas atividades laborais.

Por fim, o Meio Ambiente Natural é definido pela professora Élida Seguín (2006, p.20) como aquele “composto pela fauna, flora, águas, biosfera, ar, solo com a interação dos seres vivos e de seu meio formando a biota”, e é mediatamente tutelado pelo caput do artigo 225 da Constituição Federal e imediatamente pelo §1º, I, III e VII, daquele artigo. (FIORILLO, 2010, p.71)

A expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado (grifo nosso) tem por finalidade assegurar a sadia qualidade de vida, todavia é possível questionar como garantir sadia qualidade de vida? É preciso partir da premissa de que o homem é parte do meio, desta forma, se acredita que um dos mecanismos de assegurar qualidade de vida é propiciar políticas de desenvolvimento social e econômico, que garantam o acesso as necessidades essenciais, tais como, educação, moradia, lazer e saúde, tudo isso, dentro de um meio ambiente sadio, ou seja, um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Paulo de Bessa, citando pensamento de José Antônio Lutzenberger, assevera que o homem faz parte do ambiente e subsiste de forma harmoniosa com os demais seres, cuja relação de complementariedade garante o equilíbrio ecológico.

As espécies, todas as espécies, e o homem não é uma exceção, evoluíram e estão destinadas a continuar evoluindo conjuntamente e de maneira orquestrada. Nenhuma espécie tem sentido por si só isoladamente. Todas as espécies, dominantes ou humildes, espetaculares ou apenas visíveis, quer nos sejam simpáticas ou as consideremos desprezíveis, quer se nos afigurem como úteis ou mesmo nocivas, todas são peças de uma grande unidade funcional. A natureza não é um aglomerado arbitrário de fatos isolados, arbitrariamente alteráveis ou dispensáveis. Tudo esta relacionado com tudo. (2010, apud LUTZENBERGER, 1976, p.66)

Embora o ideal fosse o homem reconhecer que está inserido como um dos elementos fundamentais dessa teia complexa que compõe o ambiente, em regra não é o que ocorre, ele se posiciona como “senhor” da natureza e principal predador dos recursos naturais, atendendo anseios antropocentristas.

Paulo de Bessa Antunes assevera que:

O consumo dos recursos naturais está absolutamente vinculado ao padrão de desenvolvimento adotado por cada nação considerada isoladamente e, fundamentalmente, pelo papel desempenhado por esta na ordem econômica internacional. (2010, p.75) 

Destarte, os países denominados desenvolvidos cresceram à custa do esgotamento dos seus recursos naturais, e atualmente buscam atenuar esta escassez por meio da exploração comercial dos bens ambientais dos países em desenvolvimento, aliado à adoção de novas políticas de desenvolvimento que visam mitigar o atual cenário ambiental.

 É incurso neste contexto que o indivíduo é compelido a reordenar o método de evolução garantidor da qualidade de vida, buscando novas estratégias que possibilitem conciliar desenvolvimento econômico e exploração racional dos recursos naturais, o que atualmente se denomina desenvolvimento sustentável.

Sebastião Valdir Gomes sugere:

[...] nova via do ‘desenvolvimento econômico sustentado’, que envolve não só a preservação ambiental, vislumbrando-se o meio ambiente como um direito de todos, essencial à sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras, como também propondo novos questionamentos em relação à organização do Estado, ao seu papel, à democracia e os mecanismos de participação da sociedade civil na defesa do meio ambiente [...]. (1999, p.25-26)

Élida Seguin entende que a expressão meio ambiente ecologicamente equilibrado possui significado utópico e somente será atingido depois de modificados os instrumentos de alcance do desenvolvimento científico-tecnológico. É o que se deflui:

Meio Ambiente ecologicamente equilibrado representa uma abrangência conceitual de significado utópico. A determinação dos parâmetros de uma sadia qualidade de vida dependerá de paradigmas sócio-culturais e do avanço do conhecimento científico-tecnológico. (2006, p.17)

Portanto, a autora ao se referir a paradigmas sócio-culturais e avanço do conhecimento científico-tecnológico, aponta para a necessidade da conscientização ecológica de todos os indivíduos atuando como sujeitos ativos e passivos daquele direito fundamental, aliado ao avanço científico-tecnológico que viabilize o desenvolvimento sustentado. Só assim é possível garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado e uma sadia qualidade de vida para as presentes e futuras gerações.  

Outrossim, a mesma autora assevera que mundialização do patrimônio e da consciência ambiental solidariza a responsabilidade da manutenção para as futuras gerações de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. E acrescenta que a impossibilidade de individualização desta responsabilidade faz exsurgir as características difusas do tema. (SEGUÍN, 2006, p.73)

O bem ambiental é definido constitucionalmente como sendo bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida das presentes e futuras gerações.

Ressalte-se que a intenção da Constituição foi de criar uma categoria jurídica capaz de impor, a todos quantos se utilizem de recursos naturais, uma obrigação de zelo para com o ambiente. (ANTUNES, 2010, p.67)

A jurista Élida Seguin, firmando o argumento de que o bem ambiental possui natureza difusa, preceitua que:

[...] O ângulo de abrangência e influência do Meio Ambiente, a impossibilidade de determinar seu titular, que constantemente tem no proprietário do bem específico seu maior inimigo, o transforma num direito difuso por excelência, justificando a amplitude do vocábulo todos no art.225, CF. [...] (2006, p.74)

De acordo com Toshio Mukai (1998, p.10), o direito que objetiva proteger o meio ambiente não pode ser visualizado pelo jurista com o mesmo fulcro das matérias tradicionais do Direito, uma vez que diz respeito à proteção de interesses pluriindividuais que superam as noções comuns de interesses individuais ou coletivos. Os interesses pluriindividuais, no concernente ao direito à proteção ambiental, são, eminentemente, interesses difusos.

Ademais o professor Paulo Afonso Machado atribui ao bem ambiental uma titularidade coletiva afirmando que o meio ambiente é um bem coletivo, igualmente de desfrute individual e geral, e assevera que esse direito entra na categoria de interesse difuso, haja vista ser um direito que não se esgota em apenas uma pessoa, e sim atinge uma coletividade indeterminada. (2008, p.123)

Considera-se coerente a classificação do bem ambiental como um bem difuso, tendo em vista que o meio ambiente tem natureza indivisível e conforme SEGUIN (2006, p. 74) “tem natureza transnacional e atemporal”, ou seja, vai além dos anseios de uma única nação e seus reflexos negativos alcançam gerações indeterminadas. Assim cabe, não só ao Estado, mas a toda coletividade garantir a proteção desse bem, cujo interesse pertence a uma pluralidade indeterminada de indivíduos.


4. O Equilíbrio do ambiente como um direito fundamental

A ampliação e transformação dos direitos fundamentais no decorrer da história impossibilitaram definir-lhe um conceito preciso. Conforme será demonstrado, os direitos fundamentais estão vinculados às garantias dimensionais de igualdade, liberdade e fraternidade em observância a uma ordem constitucional com estruturas basilares fundadas na dignidade humana.

Afonso da Silva assevera que no sentido qualificativo do termo direito fundamental do homem, a palavra ‘fundamental’ traduz aquela circunstância essencial ao indivíduo, ou seja, imprescindível para sua existência; e quando se atribui esse direito ao ‘homem’ é no sentido de que todos igualmente devem ser materialmente efetivados nessa garantia. (SILVA, 2004, p. 66)

Outrossim, aliado ao conceito qualificativo do eminente Afonso da Silva, é imperioso apontar a definição do professor Gomes Canotilho que afirma serem direitos intrínsecos do homem e “se encontram jurídica e institucionalmente garantidos, limitados por um espaço de tempo determinados, são, portanto, direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta.” (1998, p. 359)

Sendo assim, ao se criar uma ordem constitucional, cujos pressupostos basilares são a liberdade e a dignidade da pessoa humana, estes se tornam objetivos primordiais dos direitos fundamentais.  Isso porque conforme declina Fernanda Medeiros citando ponto de vista de Carl Schmitt “os direitos fundamentais variam conforme a espécie de valores e princípios que a constituição consagra; logo cada Estado Constitucional possui seus direitos fundamentais específicos.” (2004, p.67)

Hodiernamente, surgiram novas tendências de se conceituar o Estado Democrático de Direito como um Estado de Direito Ambiental, cuja justificativa seria a existência de direitos fundamentais específicos que caracterizam esta nova ordem. Sendo assim, Leite e Ferreira conceituam o Estado de Direito Ambiental como uma ordem constitucional que:

[...] atende à necessidade de reformulação dos pilares de sustentação do Estado, o que pressupõe a adoção de um novo modelo de desenvolvimento capaz de considerar as gerações futuras e o estabelecimento de uma política baseada no uso sustentável dos recursos naturais. (2010, p. 12.)

E ainda os autores BUTZKE e ZIEMBOWICZ afirmam que:

O Estado de Direito Ambiental surge com a crise pós-moderna vivida pela humanidade, caracterizado pela quebra do atual paradigma civilizatório em prol do paradigma ecológico. Não se trata de um romântico modelo de Estado que visa à proteção da natureza, mas sim de uma necessidade surgida no atual momento histórico de reorganização global, de busca solidária e de autocrítica para revisar valores culturais que fizeram surgir tantos paradoxos num modelo de desenvolvimento industrial e consumista que ocasionou insuportável crise socioambiental. (2006, p. 169)

Gomes Canotilho ao discorrer sobre a constituição de um Estado de Direito Ambiental aponta alguns pressupostos essenciais, dentre eles, a institucionalização dos deveres fundamentais ecológicos, ou seja, o abandono da ideia de individualismo que predominava sobre os direitos fundamentais, permitindo possível surgir “uma comunidade com responsabilidade ambiental assente na participação ativa do cidadão na defesa e proteção do meio ambiente”. (2010, p. 36-40)

 Assim conclui-se que o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado resulta do surgimento de um Estado de Direito, fundado na parceria ativa do Estado e coletividade na garantia de sua ordem constitucional.

Seguindo os ensinamentos do eminente constitucionalista Ingo Sarlet:

[...] costuma-se, neste contexto marcado pela autêntica mutação histórica experimentada pelos direitos fundamentais, falar da existência de três gerações de direitos, havendo inclusive, quem defenda a existência de uma quarta e até mesmo de uma quinta e sexta gerações. (2010, p.45):

Por sua vez, iniciar-se-á uma análise sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais, doutrinariamente, relacionada aos ideais revolucionários da Revolução Francesa, cujo posicionamento de Paulo Bonavides demonstra que o lema revolucionário do século XVIII, exprimiu em três princípios cardeais todo o conteúdo possível dos direitos fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade, igualdade e fraternidade. (2008, p. 562) 

 Os direitos fundamentais manifestaram-se em três gerações sucessivas, quais sejam, os direitos da primeira geração relacionados aos ideais de liberdade, da segunda correspondendo aos ideais de igualdade e os de terceira geração cujo teor reflete os ideais de fraternidade. Ressalte-se que não será apontado o estudo que parcela da doutrina faz sobre possíveis direitos de quarta, quinta e até sexta gerações, isso porque se entende que são meros exaurimentos daqueles direitos fundamentais.

É importante acentuar que existem divergências sobre a denominação mais adequada para a Teoria, se Teoria das Gerações ou Teoria das Dimensões, todavia acredita-se que a nominação mais coerente é Teoria das Dimensões, conforme será demonstrado, in verbis:

É de se ressaltarem as fundadas críticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo ‘gerações’ por parte de doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de que novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais. (SARLET, 2010, p.45)

Por sua vez, analisando-se o conteúdo etimológico das duas palavras, SACCONNI (1996, p.359) ensina que a palavra geração significa “[...] 6. Período de inovação e desenvolvimento tecnológico sequencial. [...] 8. Formação; desenvolvimento.” Desta forma, considerando-se o termo geração defender-se-ia que os direitos fundamentais evoluíram de modo que os direitos da terceira ou segunda geração teriam maior importância que os da primeira, o que seria uma interpretação equivocada. Assim, a expressão mais adequada é dimensão que SACCONNI (1996, p.251) define como “1. extensão em dada direção [...]”. Portanto, percebe-se que o termo não exprime valoração cronológica, ao contrário, demonstra que os direitos fundamentais adquiriram amplitude em variadas direções.

 Uma vez compreendida a adequação da denominação Teoria das Dimensões, é momento de se adentrar no estudo das três dimensões dos direitos fundamentais para que se compreenda em que contexto surgiu o direito fundamental de proteção ambiental.

Os direitos da primeira dimensão consistem nos direitos de liberdade que Paulo Bonavides aponta como os primeiros a se manifestarem no instrumento normativo constitucional, resumindo-se em direitos civis e políticos, que correspondem àquela fase inaugural do Constitucionalismo do Ocidente. Complementa ainda, afirmando que os direitos da primeira dimensão têm por titular o indivíduo, sendo oponíveis ao Estado, traduzindo-se como faculdade ou atributos da pessoa. (2008, p.563-564)

Os direitos da segunda geração, cujo objetivo primordial é resguardar o princípio da igualdade, consistem “nos direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades.” (BONAVIDES, 2008, p.564)

Os direitos da terceira dimensão, com maior relevância para este estudo, caracterizam o rompimento com o individualismo e surgimento de interesses difusos, não limitando os destinatários do direito aos indivíduos em si, ou a um grupo determinado de pessoas, mas a um número indeterminado de pessoas detentoras de direitos fundamentais em comum, acentuando o verdadeiro sentido de fraternidade.

Ingo Sarlet assevera que:

Os direitos fundamentais de terceira dimensão, também denominados de direitos de fraternidade ou de solidariedade, trazem como nota distintiva o fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem - individuo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação), e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa. (2010, p.48)

E ainda preceitua:

A nota distintiva destes direitos da terceira dimensão reside basicamente na sua titularidade coletiva, muitas vezes indefinida e indeterminável, o que se revela, a título de exemplo, especialmente no direito ao meio ambiente e qualidade de vida, o qual em que pese ficar preservada sua dimensão individual, reclama novas técnicas de garantia e proteção. (2010, p.49)

Compreende-se, portanto, porque os direitos da terceira dimensão são denominados usualmente como direitos de solidariedade ou fraternidade, de modo especial em face de sua implicação universal ou, no mínimo, transindividual, e por exigirem esforços e responsabilidade em escala até mesmo mundial para sua consolidação.

Sendo assim, não resta dúvida da configuração do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental de terceira geração, norteado pela solidariedade, que faz exsurgir uma responsabilidade compartilhada por toda humanidade, que assumem a titularidade de um interesse comum de preservação e defesa de sua casa planetária.

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Sobre a autora
Stephanie K. Guilhon França

Advogada. Supervisora de Defesa dos Direitos Humanos e Cidadania na Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Cidadania. Membro da Comissão de Defesa do Meio Ambiente da OAB-MA. Pós-graduanda em Direito do Estado pela Uniderp.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRANÇA, Stephanie K. Guilhon. Direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3209, 14 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21468. Acesso em: 19 mar. 2024.

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