Artigo Destaque dos editores

Revista pessoal de empregados.

Limitações constitucionais ao jus variandi do empregador

Exibindo página 1 de 4
27/04/2012 às 13:52
Leia nesta página:

Para a revista íntima, em princípio, não há uma solução adequada, uma vez que a ideia do justo não é algo pré-concebido. Foram referidas algumas hipóteses nas quais o empregador, exercendo o poder de revista sobre os seus subordinados, fá-lo-á de forma cautelosa.

RESUMO

As relações de trabalho são formadas por dois sujeitos, de um lado o empregador, que através do poder de diretivo tem o poder de dirigir, organizar e fiscalizar a prestação de serviço; de outro, o empregado, subordinado juridicamente ao empregador. Todavia, o poder de fiscalização do empregador não é absoluto, mas sim limitado pela presença dos direitos fundamentais do empregado (e.g. direito fundamental à intimidade, à vida privada, à não-discriminação), que possuem eficácia na esfera das relações de trabalho. Assim, o estudo tem por objeto a colisão de direitos fundamentais nas relações de trabalho entre o poder de fiscalização do empregador e os direitos fundamentais do empregado. Nos casos de colisão desses direitos, as soluções apresentadas nos casos concretos devem sempre procurar harmonizar os espaços de tensão entre as normas constitucionais a concretizar, procurando manter a unidade da Constituição. Para tanto, nestas situações, o intérprete / aplicador do direito emprega o método da ponderação de bens e o princípio da proporcionalidade e de seus subprincípios, como meio de interpretação, aplicação e como forma de sopesamento nas situações de tensão e conflito entre bens constitucionalmente protegidos, que, por se tratar de normas constitucionais não comportam hierarquia, conforme se constata em algumas decisões do Tribunal Superior do Trabalho sobre colisão de direitos fundamentais e poder diretivo.

Palavras-chaves: Colisão. Direitos fundamentais. Princípio da proporcionalidade. Poder fiscalizatório.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO; 1.1. O direito constitucional do trabalho; 1.2. Direito do trabalho e direitos fundamentais; 1.3. Eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho; 1.4. Poderes do empregador; 1.4.1. Poder diretivo; 1.4.2. Poder regulamentar; 1.4.3. Poder disciplinar; 1.4.4. Poder fiscalizatório; 1.5. Os direitos fundamentais e o poder de fiscalização do empregador; 2. BREVES NOTAS SOBRE INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E TEORIA DOS PRINCÍPIOS; 2.1. Interpretação constitucional e direitos fundamentais; 2.2. Princípios da interpretação constitucional; 2.3. Teoria dos princípios; 2.3.1. Princípios e regras. Diferenças; 2.3.2. Lei de colisão entre princípios e regras, e direito fundamentais; 3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E RELAÇÕES DE TRABALHO; 3.1. Princípio da proporcionalidade; 3.1.1. Subdivisões do princípio da proporcionalidade; 3.1.1.1. Adequação; 3.1.1.2. Necessidade; 3.1.1.3. Proporcionalidade em sentido estrito; 3.2. Princípio da proporcionalidade e relações de trabalho; 4. A REVISTA PESSOAL E O PODER DE FISCALIZAÇÃO DO EMPREGADOR. SOLUÇÕES À COLISÃO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS; 4.1. A revista como forma de controle; 4.2. Situações justificadoras da revista; 4.2.1. Limites constitucionais à realização da revista; 4.3. A revista e seus aspectos doutrinários, legais e jurisprudenciais; 4.4. A revista no direito estrangeiro: Itália, Argentina e Canadá; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.


INTRODUÇÃO

As relações de trabalho são constituídas por dois sujeitos, o prestador e o tomador de serviços. Já a relação de emprego tem por personagens o empregado e o empregador, e se caracteriza pela subordinação jurídica do trabalhador ao poder diretivo do patrão, conferindo a este o poder de dirigir a prestação pessoal dos serviços, de fiscalizar as atividades dos empregados, e até a possibilidade de aplicar sanções disciplinares.

Porém, o exercício do poder diretivo não é absoluto ou ilimitado. Ele está sujeito aos limites estabelecidos pelos direitos fundamentais, aplicados aqui de forma horizontal, assegurados aos empregados enquanto sujeitos da relação de emprego.

Dessa forma, ao mesmo tempo em que a Constituição resguarda direitos aos empregados, igualmente tutela a autonomia diretiva. Por isso, muitas vezes nos deparamos com situações de colisão entre esses bens protegidos constitucionalmente – direito à propriedade, à livre iniciativa e direitos fundamentais dos empregados, como, por exemplo, quando o empregador instala câmeras filmadoras, realiza revistas íntimas ou efetua monitoramento do correio eletrônico, e acaba adentrando na esfera dos direitos fundamentais do empregado, violando sua intimidade, sua vida privada, sua honra e sua dignidade. Considerando tratar-se de normas constitucionais, logo verificamos não haver hierarquia entre as mesmas, o nos leva a interpretá-las no caso concreto, procurando harmonizar os espaços de tensão existentes e, por conseguinte, preservar a unidade da Constituição.

É cada vez mais corriqueiro e necessário o uso de meios de fiscalização dos bens e serviços por parte do empregador, até por questões de melhor produtividade. Em muitos casos, o meio utilizado invade a esfera de direitos fundamentais do empregado, ocasionando choques de direitos na relação de trabalho. Desse modo, a pesquisa se orientou em verificar como se deve realizar a interpretação e aplicação do direito nas hipóteses em que o empregador, no exercício do direito fundamental de propriedade, gerindo seu empreendimento e agindo com livre iniciativa, acaba por desrespeitar direitos de mesma natureza, também fundamentais, de seus subordinados empregados.

A estrutura da pesquisa visou a empregar o método analítico-argumentativo, baseando-se na investigação, análise e crítica de textos doutrinários, artigos, jurisprudência e legislação, a fim de estabelecer um encadeamento de conceitos e informações pertinentes à constitucionalização do direito do trabalho, à interpretação constitucional e ao princípio da proporcionalidade, munindo o estudo com instrumentos indispensáveis à aprofundação do problema proposto.

O capítulo 1 se desenvolve em torno da constitucionalização do direito trabalhista, dos direitos fundamentais nas relações de trabalho e dos poderes do empregador decorrentes da subordinação jurídica própria do liame empregatício, em especial o poder diretivo. No capítulo 2, tratar-se-á, ainda que de forma breve, da interpretação constitucional e da teoria dos princípios. Justifica-se tal estudo pelo pressuposto de que, havendo conflito entre dois ou mais bens protegidos pela Constituição, é necessário preservar a unidade desta no instante da interpretação e da aplicação do direito ao caso concreto. Em um terceiro momento, apresenta-se o princípio da proporcionalidade, cujas origens, base constitucional e conceito serão analisados, bem como suas subdivisões – adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, a fim de se estabelecer o liame com o próximo capítulo. Por fim, no quarto e último capítulo, estudar-se-á a utilização do princípio da proporcionalidade como meio de interpretação, aplicação e ponderação nas situações de colisão entre o poder diretivo do empregador, de justificação constitucional, e os direitos fundamentais dos empregados nas relações de trabalho, principalmente no que concerne à revista íntima destes últimos, verificando-se de que forma esta poderá ser realizada sem excessos, tomando, por exemplo, o direito estrangeiro.


1. DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

1.1. O direito constitucional do trabalho.

O direito constitucional do trabalho estuda os fundamentos das normas constitucionais da matéria trabalhista na Carta Constitucional, bem como os princípios e os institutos do direito do trabalho a partir das regras e dos princípios constitucionais (SUSSEKIND, 2004).

Conforme é sabido, o direito do trabalho não fez parte desde sempre do constitucionalismo, pois este, em sua origem, voltava-se aos aspectos políticos, relacionado às normas de estrutura e funcionamento do Estado, não abrangendo questões sociais e econômicas.

Historicamente, a Constituição Mexicana de 1917 e a Constituição Alemã de Weimar de 1919 foram pioneiras na elevação de alguns princípios do direito comum do trabalho a nível constitucional (COMPARATO, 2010).

O direito constitucional do trabalho trata dos direitos individuais e sociais consagrados no texto da Constituição. Correspondem, ainda, aos direitos individuais relativos a prestações de natureza negativa, ou seja, abstenções do Estado e de outros indivíduos no que concerne à liberdade em toda sua amplitude, além de outros direitos relativos ao indivíduo.

Nesse sentido, os direitos sociais, da mesma forma que os econômicos e culturais, implicam prestações positivas através das quais o Estado, outros entes públicos e a sociedade são compelidos a contribuir, dar assistência e ajuda ou proporcionar determinadas condições aos mais fracos e oprimidos, visando a corrigir situações de desigualdade.

Conforme o preceitua a atual redação do art. 6º da Constituição de 1988 (CF/88), “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados [...]”. Silva (2007) agrupa os direitos sociais em seis categorias: direitos sociais relativos ao trabalhador, que se subdividem em direitos dos trabalhadores em suas relações individuais de trabalho (art. 7º, CF/88) direitos coletivos dos trabalhadores (arts. 9º a 11, CF/88); direitos sociais relativos à seguridade, que abrangem direitos à saúde, à previdência e à assistência social; direitos sociais relativos à educação e à cultura; direitos relativos à moradia; direitos sociais relativos à família, à criança, ao adolescente e ao idoso; direitos sociais relativos ao meio ambiente.

O disposto no parágrafo 2º do art. 5º, da CF/88 autoriza que outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados, bem como tratados internacionais em que o Brasil seja parte, desde que sigam o itnerário legal, poderão ser incorporados ao direito interno. Acaso considerarmos que normas internacionais que versem sobre direito do trabalho também têm natureza de direitos humanos, o mesmo entendimento anterior será aplicado sobre o parágrafo 3º do mesmo art. 5º. Nesse contexto, Sussekind (2004, p. 75) explica que:

[...] os tratados internacionais têm tido marcada influência no campo das relações de trabalho, principalmente as convenções adotadas no âmbito da Organização Internacional do Trabalho (OIT), desde 1919. A atividade normativa da OIT importou em uma significativa inovação do Direito Internacional, porquanto as convenções adotadas nas sucessivas reuniões da sua conferência contêm normas cujo destino é a incorporação ao direito interno dos Estados que manifestarem sua adesão.

Importante mencionar, ainda, as importantes modificações introduzidas pela EC 45/2004 ao direito do trabalho, sobretudo no que diz respeito à ampliação da competência material da Justiça do Trabalho que, desde então, passou a ser competente para processar e julgar as ações oriundas das relações de trabalho e, não mais somente os dissídios envolvendo empregados e empregadores. Tal modificação veio ao encontro dos interesses de celeridade e efetiva prestação jurisdicional de trabalhadores que, mesmo sem vínculo empregatício, também são sujeitos de conflitos com seus respectivos tomadores de serviços.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

1.2. Direito do trabalho e direitos fundamentais.

Os direitos humanos fundamentais, em sua acepção hodiernamente conhecida, surgiram como produto da fusão de várias fontes, incluindo tradições arraigadas nas diversas civilizações e uma série de pensamentos filosófico-jurídicos de idéias surgidas com o cristianismo e com o direito natural (MORAES, 2011).

Embora diversas as fontes originárias dos direitos humanos, elas convergiam para a necessidade de limitação e controle dos abusos de poder do Estado e de suas autoridades constituídas, além da consagração de princípios básicos como a igualdade e a legalidade, imprescindíveis à constituição do Estado moderno e contemporâneo (MORAES, 2011).

A partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, os direitos fundamentais passaram a consagrar os princípios da liberdade, igualdade, propriedade, legalidade e as garantias individuais liberais, que influenciaram – e continuam a influenciar – as constituições contemporâneas.

Dessa forma, os direitos fundamentais clássicos costumam ser identificados como ‘sendo direitos de liberdade’ por traduzirem a afirmação de um espaço privado essencial, não suscetível de violação pelo Estado. Esse espaço é expressão da idéia de autonomia do indivíduo diante do Estado.

Os direitos fundamentais cumprem o que Canotilho (2003) chama de as funções dos direitos fundamentais, quais sejam: de defesa ou de liberdade, de prestação social, de proteção perante terceiros e função anti-discriminatória.

Com o surgimento da OIT, em 1919, e o crescente movimento do constitucionalismo social, chegando à Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, o trabalho alcança a máxima dignidade como realidade, sem a qual a vida comunitária é incompreensível e sem cujo respeito e dignificação a vida social fica aquém dos limites da decência. Embora não os enumere exaustivamente, a CF88 é a mais abrangente de todas as anteriores, pois consagra os direitos e deveres individuais e coletivos e abre um capítulo para definir os direitos sociais.

No Brasil, conforme visto alhures, os direitos fundamentais estão presentes no campo da regulação das relações de trabalho tanto individuais quanto coletivas. Valendo-nos das lições de Bonavides (2003) e Bobbio (1992), os quais dividem os direitos fundamentais em gerações, pode-se afirmar que a primeira geração de direitos tem como titular o próprio indivíduo; são os direitos de liberdade, civis e políticos, oponíveis ao Estado, os quais são trazidos como faculdade ou atributos da pessoa humana, ou seja, são os direitos de resistência junto ao Estado.

Nas relações de trabalho, os direitos de primeira geração são todos os direitos civis da pessoa humana que podem sofrer lesão no ambiente de trabalho, tais como: a honra, a intimidade, a vida privada e a dignidade da pessoa humana como um todo. Nesse sentido, também o art. 7º, XXII, da CF/88, que tem por objetivo assegurar a vida do trabalhador, preservando sua integridade física.

Os direitos de segunda geração, os quais exerceram importante papel nas Cartas Constitucionais do pós-segunda guerra, são os direitos sociais, culturais, coletivos e econômicos. No âmbito das relações laborais, esses direitos são basicamente todos os direitos sociais stricto sensu, bastante estudados no direito do trabalho e da seguridade social, sendo vasto seu elenco, a exemplo do direito à irredutibilidade salarial, à previdência social, a férias, a verbas rescisórias, horas extras etc.

Os direitos de terceira geração não têm por titulares indivíduos particulares, mas grupo de indivíduos, grupos humanos como a família, o povo, a nação e a própria humanidade. É o meio ambiente saudável o exemplo clássico dessa geração de direitos.

No campo trabalhista, os direitos de terceira geração apresentam-se como o direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado, bem como nos direitos e garantias específicos de idosos, mulheres e adolescentes, quando no exercício de alguma profissão.

1.3. Eficácia dos direitos fundamentais no contrato de trabalho.

Pelo fato de os direitos fundamentais serem de origem liberal, sempre foram estudados e vistos como oponíveis exclusivamente ao Estado, afastando sua aplicação das relações entre particulares. Todavia, embora seu objetivo primeiro fosse a limitação e ordenação do poder estatal, modernamente, eles regulam também as relações privadas, na medida em que a liberdade do indivíduo tanto pode ser ameaçada pelo Estado, quanto por um outro indivíduo. É o que afirma Steinmetz (2004, p. 87):

[...] no mundo contemporâneo, o Estado não é o único sujeito capaz de condicionar, restringir ou eliminar a liberdade das pessoas (indivíduos ou grupos). Nas relações horizontais, entre particulares, também se verifica, amplamente, a capacidade de alguns sujeitos condicionarem, restringirem ou eliminarem as liberdades de outros sujeitos.

Essa situação é facilmente perceptível no contrato de trabalho, cuja relação entre empregado e empregador é desigual, sobretudo porque este último detentor dos meios de produção, posiciona-se de forma superior em virtude do poder diretivo que lhe é inerente e assegurado pelo direito de propriedade. De outro norte, ao empregado resta sujeitar-se às ordens do patrão, vez que a este é subordinado juridicamente.

Considerando que a Constituição tem força normativa em todo o ordenamento jurídico, e que o direito do trabalho faz parte desse ordenamento, os direitos fundamentais de titularidade ou conteúdo laboral devem ser respeitados no âmbito do contrato de trabalho.

Nesse contexto, o STF já exarou decisão (RE n. 161.243-6/DF) entendendo configurar ofensa ao princípio da igualdade discriminação baseada em atributo, qualidade, sexo, raça, nacionalidade ou credo religioso.

Sendo a personalidade humana um conjunto de qualidades individuais e diagnosticáveis, o qual define a pessoa como sujeito singular perante os demais, deduz-se que, juridicamente, os direitos da personalidade são aqueles vocacionados a proteger o patrimônio moral da pessoa humana em suas dimensões psicológica, social, ideológica, individual e estética, responsáveis pela apresentação do indivíduo interna e externamente (BRANCO, 2007). Observa-se, nesse viés, que o princípio da dignidade da pessoa humana apresenta-se, na ordem jurídica brasileira, como verdadeiro vetor direcionador de toda a atividade interpretativa e aplicativa das normas jurídicas de nosso sistema normativo.

Nesse contexto, Sarlet (2008, p. 74) aduz que:

[...] a qualificação da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, inciso III, de nossa Lei Fundamental não contém apenas (embora também e acima de tudo) uma declaração de conteúdo ético e moral, mas que constitui norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material e, como tal, inequivocamente carregado de eficácia, alcançando, portanto [...], a condição de valor jurídico fundamental da comunidade.

Em razão do princípio da unidade da constituição e da necessidade de harmonização prática dos valores constitucionalmente tutelados, os direitos fundamentais são relativos e limitados, porém, comprovada sua eficácia no contrato de trabalho, é preciso analisar em que limites se condicionam os direitos e deveres, isto é, deve-se investigar com quais limites se operam a incidência dos direitos fundamentais dentro do contrato de trabalho (DELGADO, 2004, p. 194).

1.4. Poderes do empregador.

Um dos mais relevantes efeitos do contrato de trabalho é o poder empregatício, o qual concentra um espectro de prerrogativas de grande importância socioeconômica no dia-a-dia da prestação de serviços do empregado no local determinado pelo empregador. O poder empregatício pode ser compreendido como o conjunto de direitos garantidos pelo ordenamento jurídico ao empregador no contexto da execução de serviços pelo prestador, sob o manto da subordinação jurídica, própria do contrato de trabalho. Em suma, refere-se às prerrogativas de direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da prestação de serviços (DELGADO, 2010).

1.4.1. Poder diretivo.

O poder diretivo, também chamado poder organizativo ou poder de comando, tem por base legal o art. 2º, caput, da CLT e autoriza o empregador, pessoalmente ou através de prepostos, a organizar a estrutura e espaços empresariais internos, incluindo o processo de trabalho adotado nesses locais, com especificações técnicas cotidianas direcionadas ao empregado (GARCIA, 2007).

1.4.2. Poder regulamentar.

É o poder regulamentar o conjunto de prerrogativas próprias do empregador pertinentes à faculdade de estabelecimento de regras gerais a serem observadas no local da prestação de serviços (DELGADO, 2010). Tem esse poder o condão de produzir cláusulas contratuais que aderem ao contrato de trabalho, inclusive gerando direito adquirido aos que delas se beneficiam. Em geral, é externalizado através de regulamentos internos, circulares, ordens de serviço etc.

1.4.3. Poder disciplinar.

O poder disciplinar traduz-se no direito conferido ao empregador, por força da celebração do contrato e da lei (art. 474, CLT), de aplicar sanções ao empregado que cometer alguma falta ou irregularidade, com o fim de preservar a harmonia e a ordem no ambiente de trabalho (BARROS, 2007). Essas sanções podem compreender advertência, suspensão (com o limite de 30 dias) ou despedida por justa causa (art. 482, CLT). Multa (com exceção dos jogadores de futebol – Lei 9.615/98), transferência, rebaixamento de função/cargo ou redução salarial que tenham caráter punitivo não são permitidos por falta de previsão legal.

1.4.4. Poder fiscalizatório.

Também chamado poder de controle, o poder fiscalizatório consiste no conjunto de prerrogativas asseguradas ao empregador pelo ordenamento jurídico que propiciam o acompanhamento contínuo, intermitente ou eventual da prestação do trabalho no âmbito do estabelecimento empresarial, materializadas, p. exemplo, no controle de portaria, nas revistas pessoais dos empregados ou de terceiros, circuito interno de vídeo, controle de e-mails funcionais e de frequência etc (DELGADO, 2010).

1.5. Os direitos fundamentais e o poder de fiscalização do empregador.

A Carta de 1988, ainda que de forma não expressa, rejeitou condutas fiscalizatórias da prestação de serviços que violem a liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. Indo ao encontro desse complexo garantista, a Lei 9.799/99 acrescentou o art. 373-A à CLT, cujo inciso VI dispõe claramente que é vedado “proceder o empregador ou preposto a revistas íntimas nas empregadas ou funcionárias”. Considerando-se o princípio da igualdade insculpido no caput do art. 5º da CF, conclui-se que esta regra também é dirigida aos indivíduos do sexo masculino.

De fato, a CF/88 rejeita condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que ofendam a liberdade e a dignidade da pessoa do empregado. Tais condutas entram em colisão com o arcabouço normativo de princípios presentes em seu conteúdo, eis que esta teve a pretensão de instituir um “Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social [...]” (Preâmbulo da CF/88).

A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituídas em Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88), que tem dentre seus objetivos fundamentais “constituir uma sociedade justa e igualitária”, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, I e IV, CF/88).

E, ao lado de todos esses princípios, existem também, na Constituição, princípios impositivos, que afastam a possibilidade jurídica de condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços exigidas pelo empregador em decorrência do seu poder de fiscalização, que firam a liberdade e a dignidade básicas da pessoa natural do empregado, como por exemplo, o princípio geral da igualdade de todos perante a lei e da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5º, caput, CF/88). Também a regra geral de que “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III, CF/88). Ainda o princípio geral que declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação” (art. 5º, X, CF/88).

Nesse contexto, cabe transcrever o que dispõe o art. XII da Declaração Universal dos Direitos do Homem e sua Regulamentação Socioeconômica, da qual o Brasil é signatário: “Art. XII – Ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Todo homem tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques” (SUSSEKIND, 2007, p. 465).

Assim, verifica-se que esse conjunto de regras e princípios gerais cria um obstáculo significativo ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no âmbito da relação subordinada de trabalho, tornando ilegais e abusivas quaisquer medidas que possam agredir ou limitar a dignidade do trabalhador.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Ives Faiad Freitas

Analista Judiciário do TRT 8ª Região e Professor Universitário. Mestre em Direito Ambiental e Políticas Públicas (UNIFAP), Especialista em Direito Constitucional (UNISUL), Direito Processual (UNISUL), Direito Previdenciário (UNIDERP), Direito e Processo do Trabalho (UNIDERP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Ives Faiad. Revista pessoal de empregados.: Limitações constitucionais ao jus variandi do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3222, 27 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21602. Acesso em: 5 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos