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Comentários acerca do instituto da imunidade tributária e o seu tratamento na jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal

Resumo:


  • O presente artigo aborda as imunidades tributárias, especialmente as previstas no art. 150, VI, da Constituição Federal, com enfoque no entendimento atual do Supremo Tribunal Federal.

  • As imunidades tributárias são limitações ao poder de tributar, estabelecidas na Constituição, que impedem a cobrança de tributos sobre determinadas situações ou sujeitos.

  • O art. 150, VI, da CF/88 traz imunidades genéricas, como a imunidade recíproca, de templos, de partidos políticos, sindicatos, instituições de educação e assistência social, e imunidade objetiva para livros, jornais, periódicos e papel destinado à impressão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Expõem-se as espécies de imunidades tributárias, especificamente as chamadas imunidades genéricas (art. 150, VI, da Constituição de 1988).

RESUMO: O presente artigo busca examinar o instituto das imunidades tributárias, nos termos do art. 150, VI, da Constituição Federal, sobretudo analisando-se o entendimento atual do Supremo Tribunal Federal para a espécie.

Palavras-chave: limites ao poder de tributar; imunidades tributárias.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Considerações Iniciais sobre o Instituto da Imunidade Tributária – 2.1. Noções Introdutórias sobre as Limitações ao Poder de Tributar – 2.2. Conceito de Imunidade Tributária – 2.3. Imunidade x Não Incidência x Isenção – 3. Das Imunidades Tributárias do Art. 150, VI, da Constituição Federal – 3.1. Imunidades Genéricas – 3.2. Imunidade Recíproca – 3.3. Imunidade de Templos – 3.4. Imunidade de Partidos Políticos, Sindicato dos Trabalhadores e Instituições de Educação e Assistência Social – 3.5. Imunidade Objetiva – 4. Conclusão.


1. INTRODUÇÃO

Um dos temas mais relevantes na análise do direito tributário constitucional refere-se ao instituto da imunidade tributária, alicerçada nas limitações ao poder de tributar, constituindo-se em retirada de parcela da competência tributária do ente federativo. O entendimento desse tema solidifica a correta compreensão da disciplina, razão pela qual nos propomos a fomentar o seu exame.

Inicialmente, serão tecidos conceitos introdutórios acerca das limitações ao poder de tributar. Em seguida, adentra-se no centro desta análise, expondo-se as características mais relevantes de cada uma das espécies de imunidades tributárias constantes no art. 150, VI, da Constituição Federal, bem como a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.


2. CONSIDERAÇõES INICIAIS SOBRE O INSTITUTO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA

2.1. Noções Introdutórias sobre as Limitações ao Poder de Tributar

Como ente regulador da boa ordem social e responsável pela implementação das políticas públicas, o Estado detém em suas mãos o poder de tributar. Trata-se da possibilidade de sociabilizar, de forma compulsória, parte do patrimônio privado para fins de viabilização da atividade estatal. Fala-se, então, da competência tributária do Estado, por meio dos seus entes políticos, para instituir tributos.

Obviamente, por ser uma invasão do Estado na esfera particular, tal poder não é ilimitado, encontrando limites expressamente previstos pela Carta Magna, como forma de contenção constitucional. Ou seja, são duas faces da mesma moeda: por um lado, atribui-se ao Estado o poder para a criação de tributos; por outro lado, retira-se parcela desse poder com a imposição de limites.

A doutrina chama, então, de limitações ao poder de tributar as restrições impostas pela própria Constituição Federal, de modo a conter a abrangência da competência tributaria estatal. Em outros termos, limite ao poder de tributar é tudo aquilo que atua antes da hipótese de incidência tributária, impedindo ao Estado em tributar algo que esteja constitucionalente protegido. São duas as espécias de limites ao poder de tributar: (i) princípios constitucionais tributários; (ii) imunidades tributárias. É acerca deste último que passaremos a discorrer.

2.2. Conceito de Imunidade Tributária

Podemos definir imunidades tributárias como limitações ao poder de tributar, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem, de modo expresso, a incompetência das pessoas políticas de direito constitucional interno para expedir regras instituidoras de tributos.

A imunidade tributária ocorre, em suma, quando a Constituição veda a criação e a cobrança de tributos sobre determinadas situações ou sobre determinados sujeitos. Isto é, havendo imunidade tributária, obsta-se a ocorrência da hipótese de incidência, esta nem poderá existir, justamente porque o próprio texto constitucional já trata de retirar do campo da competência tributária aquela determinada situação em que incide a imunidade.

 Ao mesmo tempo em que a Constituição confere competência tributária aos entes políticos, por outro lado, por meio das imunidades, o texto magno exclui frações dessa competência. Assim, nas chamadas hipóteses imunes, o ente político nem pode tributar, porque a competência para aqueles casos foi-lhe retirada.

Sendo a tributação uma exação, deve ser exercida nos exatos limites permitidos pela Constituição, logo, as limitações ao poder de tributar, por agirem como proteção à invasão do Estado no patrimônio privado, devem, via de regra, gozar de interpretação extensiva. A propósito, como se verá adiante, o Supremo Tribunal Federal tem assim procedido.

2.3. Imunidade x Não Incidência x Isenção

Antes de adentrar na analise pontual das imunidades tributárias, vale distinguir, desde logo, a diferença conceitual existente entre imunidade, isenção e não incidência. Todos três são institutos que divergem entre si, embora possam guardar certa similaridade em alguns pontos, daí porque necessária o correto entendimento para se evitar confusão.

Em primeiro plano, importa lembrar que a imunidade tem a ver com a competência tributária, sendo retirada parcela dessa competência pela própria Constituição. Já na isenção, há incidência tributária, há fato gerador, há competência tributária, mas na hora em que o ente vai exercer essa competência, retira-se por livre e espontânea vontade parcela da incidência, dispensando-se parte da competência e, consequentemente, da arrecadação, excluindo o crédito tributário antes de nascer.

Logo, a isenção aproxima-se da imunidade porque não chega a haver a constituição do crédito tributário, mas distancia-se dela por ser a imunidade instituto em que não permite hipótese de incidência, porque incide na própria competência tributária, constituindo-se em efetivo limite ao poder de tributar. Na isenção, ao contrário, existe previsão em lei, há hipótese de incidência, não se constituindo em limitação ao poder de tributar.

Por outro lado, imunidade também diverge da não incidência. De fato, para haver isenção, como visto, tem que haver hipótese de incidência, pois não se pode isentar aquilo que não é tributado, ao passo que na imunidade é o contrário, pressupõe-se não incidência. Mas daí não se pode dizer que não incidência e imunidade são a mesma coisa.

Na verdade, tudo aquilo que não é hipótese de tributação, é caso de não incidência. A imunidade, por sua vez, é uma não incidência expressa na Constituição, daí se falar em não incidência qualificada. No direito tributário, tudo aquilo que não está positivado como hipótese de incidência, por exclusão, é não incidência, o que não significa que aquilo que é não incidência um dia não possa ser tributado dentro dos limites da competência tributária.

Contudo, para certas situações relevantes, a própria Constituição estabeleceu uma não incidência expressa, que se trata da  imunidade, quando o Estado não poderá cogitar tributação. A imunidade, ao retirar constitucionalmente parcela da competência tributária, torna-se uma espécie de não incidência qualificada, porque, mais do que inexistir hipótese tributável, trata-se de impedimento à ocorrência desta.

Um exemplo de uma simples não incidência seria o IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas), ainda não criado, não se tratando de imunidade porque ainda persiste a competência para tributar nessa espécie. Ou seja, a não incidência é o vácuo normativo em que existe competência tributária mas esta não foi exercida, ou seja, é toda hipótese tributária possível mas ainda não positivada.


3. DAS IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS DO ART. 150, VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

3.1. Imunidades Genéricas

O art. 150, VI, da Constituição Federal traz as chamadas imunidades tributárias genéricas, um núcleo central referente a quatro hipóteses sobre as quais a Carta Magna veda a incidência de impostos, constituindo-se, pois, em efetiva limitação ao poder de tributar. Vejamos os termos do referido dispositivo constitucional:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;

b) templos de qualquer culto;

c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão."

A rigor, as imunidades estão previstas não somente no art. 150, VI, da CF/88, mas sempre que tiver um limite constitucional à tributação, expressamente impedindo alguma hipótese de incidência. Logo, não é correto dizer que as únicas imunidades tributárias existentes são as quatro hipóteses previstas no art. 150, VI, da CF/88, mas estas são apenas as chamadas imunidades genéricas, existindo outras imunidades dispersas pelo texto constitucional.

Vale notar, ainda, que especificamente em relação a estas imunidades genéricas expostas no art. 150, VI, da CF/88, a vedação refere-se tão somente à espécie tributária concernente aos impostos. Quer dizer, as pessoas e situações previstas nas alíneas "a" a "d", do inciso IV do art. 150 da CF/88, ficam imunes somente em relação aos impostos, devendo pagar normalmente as demais espécies tributárias.

Isso não quer dizer que as imunidades tributárias, como um todo presentes na Constituição, atingem somente os impostos, porque, como visto, as imunidades genéricas não são as únicas, sendo possível admitir outras imunidades no texto constitucional referentes às demais espécies tributárias. Assim, por exemplo, é perfeitamente possível imunidade relacionadas a taxas, como se extrai do art. 5°, XXXIV, da CF/88, que estabeleceu uma espécie de imunidade para taxas no caso do exercício do direito de petição e obtenção de certidões.

Outro exemplo, agora no âmbito das contribuições sociais, seria a imunidade da segunda parte do inciso II do art. 195 da CF/88, que veda contribuição social de seguridade social incidindo sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social. E ainda, o §7° do mesmo art. 195, que embora fale em isenção para entidades beneficentes de assistência social, trata-se mesmo de imunidadade, por ser limitação prevista pelo texto constitucional.

Portanto, não são só os impostos podem ser objeto de imunidades, estes são exclusivos apenas nas imunidades genéricas do art. 150, VI, da CF/88, mas nada impede que tenham imunidades incidentes sobre as demais espécies tributárias, basta que a Constituição venha assim estabelecer. No que tange às imunidades genéricas, são quatro as possibilidades previstas no art. 150, VI, da CF/88, analisadas individualmente a seguir.

3.2. Imunidade Recíproca

O art. 150, VI, "a"l da CF/88 traz a chama imunidade recíproca, que se trata da vedação de um ente federativo instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços de outro ente da Federação. Impede-se, portanto, a cobrança de impostos dos entes federativos entre si, consequência da Forma Federativa do Estado Brasileiro, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõe a Federação.

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Um primeiro ponto a se realçar na imunidade recíproca é a interpretação ampliativa que o Supremo Tribunal Federal tem dado para a incidência de imunidade nos impostos sobre "patrimônio, renda e serviços". A Corte Maior vem entendendo que todos os impostos, direta ou indiretamente, incidem sobre patrimônio. Assim, para fins da aplicação da imunidade recíproca, não importa a classificação dos impostos sobre renda, patrimônio e serviços, mas todo e qualquer imposto, no entender do STF, irá repercutir, senão diretamente, mas de modo reflexo, no patrimônio do ente federativo.

Portanto, por exemplo, o ICMS e o IPI, que são impostos que se referem à produção e circulação de riquezas, dentre outros que não se classificam estritamente como incidência sobre o patrimônio, renda ou serviços, ficam também impossibilitados de cobrança no contexto ampliativo da imunidade recíproca dada pelo Supremo Tribunal Federal. Nesse sentido, vejamos jurisprudência já consolidada da Corte:

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ICMS. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. INSTITUIÇÃO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL. C.F., art. 150, VI, c. I. - Não há invocar, para o fim de ser restringida a aplicação da imunidade, critérios de classificação dos impostos adotados por normas infraconstitucionais, mesmo porque não é adequado distinguir entre bens e patrimônio, dado que este se constitui do conjunto daqueles. O que cumpre perquirir, portanto, é se o bem adquirido, no mercado interno ou externo, integra o patrimônio da entidade abrangida pela imunidade. II. - Precedentes do STF. III. - Agravo não provido". (RE 225778 AgR, Relator(a):  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 16/09/2003).

Outro importante ponto a se considerar, refere-se a relação que há entre imunidade recíproca e administração indireta. As autarquias e fundações públicas, no que se refere às finalidades essenciais, gozam de imunidade, porque são entidades de direito público. Essa imunidade só não ocorrerá se determinada atividade não tiver relação com seus fins, isto é, serviços desvinculados de suas finalidades essenciais não serão alcançados pela benesse.

Assim, a imunidade recíproca, no que se refere à administração pública indireta de direito público, o que inclui autarquias e fundações públicas instituídas e mantidas pelo Poder Público, refere-se às finalidades essenciais ou às delas decorrentes, desde que não relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados. Isso é o que expressa o §2º do 150 da CF/88, in verbis:

"§2º. A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes".

Portanto, na administração indireta de direito público a regra é a imunidade recíproca, sendo exceção a atividade desvinculada das finalidades essenciais, quando não será extensível a imunidade. Vale ressaltar que já foi decidido pelo STF que o investimento em aplicações financeiras não é atividade que desvirtua as finalidades essenciais, por isso, não poderá incidir, por exemplo, IOF sobre aplicações financeiras realizadas por entidade da administração indireta de direito público.

Já no caso da administração indireta de direito privado, ocorre o inverso, quer dizer, a regra é não ser alcançada pela imunidade recíproca, salvo quando serviço realizado for essencialmente público. Como se sabe, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, chamadas empresas estatais, integrantes da administração indireta de direito privado, inserem-se no âmbito da livre iniciativa particular, desenvolvendo atividades eminentemente econômicas, daí porque se fala que são entidades da administração indireta de direito privado.

Dizer que um ente é de direito privado é afirmar que este ente não goza das prerrogativas do Estado, ou seja, embora tais entes sejam da administração indireta, a eles não serão extensíveis os privilégios inerentes ao Poder Público, nos quais se insere a imunidade recíproca. Isso acontece justamente porque as empresas estatais atuam no setor privado da livre concorrência, logo, se elas tivesses as prerrogativas da fazenda pública acabariam quebrando as outras empresas particulares do setor. A propósito, vale destacar o que expressa o §3º do art. 150 da CF/88:

"§3º As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel".

É importante destacar que as empresas estatais podem ser criadas tanto para exploração de atividades econômicas, como para a prestação de serviço público. Neste último caso, sendo a estatal prestadora de serviço público, o seu regime vai se aproximar do regime de direito público da Fazenda Pública e, para esta hipótese, será extensível a imunidade recíproca. Isso já foi expresso em decisão da Suprema Corte, cujo entendimento é o de que algumas empresas estatais serão merecedoras da regra imunizante quando prestarem serviço público de caráter obrigatório e de forma exclusiva. Nesse sentido, já reconheceu o STF a extensão da imunidade recíproca, por exemplo, para a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT):

"EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ECT - EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO. TAXAS: IMUNIDADE RECÍPROCA: INEXISTÊNCIA. I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A ECT - Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 22, X; C.F., art. 150, VI, a. Precedentes do STF: RE 424.227/SC, 407.099/RS, 354.897/RS, 356.122/RS e 398.630/SP, Ministro Carlos Velloso, 2ª Turma. II. - A imunidade tributária recíproca -- C.F., art. 150, VI, a -- somente é aplicável a impostos, não alcançando as taxas. III. - R.E. conhecido e improvido." (RE 364202, Rel. Min. Carlos Velloso, D.J. 05-10-2004).

3.3. Imunidade de Templos

A segunda espécie de imunidade genérica trata-se da chamada imunidade de templos, ou imunidade religiosa, prevista no art. 150, VI, "b". O referido dispositivo estabelece que serão imunes os "templos de qualquer culto", isto é, qualquer que seja o culto prestado no templo, não importa a religião, por decorrência do princípio da laicidade estatal, haverá imunidade. Só não irá abranger os templos de inspiração demoníaca, nem cultos satânicos, nem suas instituições, por contrariar a teleologia do texto constitucional.

Esta proteção constitucional visa tutelar a liberdade religiosa, desde que a atividade esteja vinculada às finalidades essenciais da entidade religiosa. Aliás, o §4° do art. 150 da CF/88 faz expressa menção nesse sentido:

"§4° As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".

 Ocorre que, fugindo a regra geral, o Supremo Tribunal Federal, no âmbito da imunidade de templos de qualquer culto, concedeu uma interpretação ampliativa, passando a permitir a imunidade mesmo em atividades que não guardem relação direta com os fins da entidade religiosa, desde que o produto dessa atividade seja revertido para as finalidades precípuas da entidade. É o caso, por exemplo, de aluguel de imóveis, ainda que tal atividade esteja desafetada da atividade principal, desde que o produto desse aluguel revertido para o templo:

"EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, "b" e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados.  4. A imunidade prevista no art. 150, VI, "b", CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços "relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas". 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas "b" e "c" do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido". (RE 325822 / SP,  Min. ILMAR GALVÃO, Tribunal Pleno, DJ 14-05-2004)

Por outro lado, destaque-se, ainda, que a Suprema Corte já se manifestou também no sentido de que não pode incidir IPTU sobre os cemitérios que sejam extensão da entidade religiosa. De igual modo, haverá imunidade.

"EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. IPTU. ARTIGO 150, VI, "B", CB/88. CEMITÉRIO. EXTENSÃO DE ENTIDADE DE CUNHO RELIGIOSO. 1. Os cemitérios que consubstanciam extensões de entidades de cunho religioso estão abrangidos pela garantia contemplada no artigo 150 da Constituição do Brasil. Impossibilidade da incidência de IPTU em relação a eles. 2. A imunidade aos tributos de que gozam os templos de qualquer culto é projetada a partir da interpretação da totalidade que o texto da Constituição é, sobretudo do disposto nos artigos 5º, VI, 19, I e 150, VI, "b". 3. As áreas da incidência e da imunidade tributária são antípodas. Recurso extraordinário provido". (RE 578562, Min. Rel. Eros Grau, D.J. 21-05-2008)

3.4. Imunidade de Partidos Políticos, Sindicato dos Trabalhadores e Instituições de Educação e Assistência Social

Nos termos do art. 150, VI, "c" da CF/88, é vedado aos entes políticos a instituição de impostos para partidos políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, e instituições de educação e de assistência social, desde que sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. Essa imunidade visa tutelar a liberdade política, a liberdade sindical e estimular colaboradores do Estado na prestação de serviços de assistência social.

Conforme se retira do precitado dispositivo constitucional, são quatro as pessoas que serão beneficiadas nessa espécie imunizante: (a) Partidos Políticos, inclusive suas fundações; (b) Sindicatos de Trabalhadores; (c) Entidades de Educação Social sem fins lucrativos; (d) Entidades de Assistência Social sem fins lucrativos.

Na verdade, todas essas entidades não devem possuir finalidade lucrativa, isto porque, para as duas últimas (entidades de educação e assistência social), há ressalva expressa, enquanto para as duas primeiras (partidos políticos e sindicatos de trabalhadores), é da própria essência destes ser sem fim lucrativo. Se for detectado qualquer atitude suspeita de não ter finalidade lucrativa, a benesse será cortada.

Vale ressaltar que não ter fim lucrativo não significa não ter lucro, mas sim, que todo o lucro seja aplicado naquela atividade. O artigo 14 do CTN, recepcionado pela CF/88, prevê três requisitos para aquelas entidades: (i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (ii) aplicarem integralmente, no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; (iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.

Por outro lado, conforme visto na imunidade dos templos, o a Suprema Corte deu interpretação extensiva nas atividades relacionadas às finalidades essenciais. Aqui também, de igual forma, se a atividade não tiver relação direta com as finalidades essenciais da instituição, mas o produto dessa atividade for aplicado nos fins precípuos dela, não haverá óbice à imunidade. Aliás, há disposição expressa por meio da Súmula n°. 724 da Suprema Corte, nos termos a seguir:

Súmula STF n. 724: "Ainda quando alugado a terceiros, permanece imune ao IPTU o imóvel pertencente a qualquer das entidades referidas pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, desde que o valor dos aluguéis seja aplicado das atividades essenciais de tais entidades".

No que se revê à perfeita identificação das entidades imunes dessa espécie, pode-se dizer que quanto aos partidos políticos e entidades sindicais, não há maiores dificuldades, bem como não há também problema na identificação das entidades sindicais, ressaltando que gozam de imunidade apenas as entidades sindicais dos trabalhadores, ficando de fora as entidades sindicais patronais. A maior dificuldade insere-se quanto às entidades de educação e assistência social sem fins lucrativos.

Em linhas gerais, entidades de educação e assistência social são aquelas que auxiliam o Estado no atendimento dos direitos sociais, como, saúde, segurança, trabalho, entre outros. Exemplo seriam as Organizações não Governamentais (ONGs), ou ainda, aquelas que compõem o Sistema “S” (SESI, SENAI, SENAC, SEBRAE), promovendo a integração do mercado de trabalho.

Contudo, há uma questão intrigante no que diz respeito à identificação das entidades de assistência social sem fins lucrativos, porque o art. 150, VI, "c", da CF/88 faz remissão nessa espécie aos "termos da lei". Existe uma grande discussão doutrinária quanto a essa parte final do dispositivo constitucional, ficando a dúvida se a regulamentação dessas entidades poderia se dar por lei ordinária, ou somente por lei complementar, haja vista que a CF/88, no seu art. 146, II, estabelece que cabe à lei complementar regular as limitações constitucionais do poder de tributar.

É o caso da Lei 9532/97, que alterou os dispositivos do Código Tributário Nacional. Os arts. 12 a 14 da referida Lei tratam sobre a imunidade do art. 150, VI, "c", da CF/88. Algumas partes desses dispositivos apenas regulam o que se deve entende por instituições de educação e assistência social; outras, contudo, regulam situações específicas que se inserem diretamente na esfera da regulação da imunidade constitucional.

O Supremo Tribunal Federal, ao analisar a ADI 1802, entendeu que, quando o dispositivo se prestar efetivamente a regular matéria afeta aos limites ao poder de tributar, é cabível somente via lei complementar, aplicando-se o art. 146, II, da CF/88, mas quando houver apenas a regulação do que se deve entender por instituições de educação e assistência social, nesse caso poderá tal feito se dar por lei ordinária.

"EMENTA: II. Imunidade tributária (CF, art. 150, VI, c, e 146, II): "instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei": delimitação dos âmbitos da matéria reservada, no ponto, à intermediação da lei complementar e da lei ordinária: análise, a partir daí, dos preceitos impugnados (L. 9.532/97, arts. 12 a 14): cautelar parcialmente deferida. Conforme precedente no STF (RE 93.770, Muñoz, RTJ 102/304) e na linha da melhor doutrina, o que a Constituição remete à lei ordinária, no tocante à imunidade tributária considerada, é a fixação de normas sobre a constituição e o funcionamento da entidade educacional ou assistencial imune; não, o que diga respeito aos lindes da imunidade, que, quando susceptíveis de disciplina infraconstitucional, ficou reservado à lei complementar. 2. À luz desse critério distintivo, parece ficarem incólumes à eiva da inconstitucionalidade formal argüida os arts. 12 e §§ 2º (salvo a alínea f) e 3º, assim como o parág. único do art. 13; ao contrário, é densa a plausibilidade da alegação de invalidez dos arts. 12, § 2º, f; 13, caput, e 14 e, finalmente, se afigura chapada a inconstitucionalidade não só formal mas também material do § 1º do art. 12, da lei questionada”. (ADI-MC 1802 / DF MEDIDA CAUTELAR EM ADIN,  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE,  Tribunal Pleno, DJ 13-02-2004)

Registre-se que, no caso das entidades de assistência social, como já visto, estas gozam de imunidade quanto aos impostos, todavia, em se tratando de entidades beneficentes de assistência social, além da imunidade quanto aos impostos, há também imunidade para as contribuições sociais para a seguridade social, nos termos do art. 195, §7º da CF/88:

"§7º São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei".

Por entendimento do STF, ser beneficente não significa necessáriamente ser filantrópica, mas é necessário que a entidade preste serviços gratuitos à população. Por isso é que alguns hospitais, por exemplo, e outras entidades que de beneficentes não tem nada, tentam ser reconhecidas como beneficente e obter a imunidade prestando algum serviço gratuito à sociedade. Mas para gozar da imunidade de impostos e de contribuições sociais para a seguridade social, não basta ser entidade de assistência social, sendo necessário o reconhecimento como beneficente, por meio do CEBAS (Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social).

Por fim, importa asseverar que, no que se refere às entidades de previdência privada, a Suprema Corte tem entendimento de que as entidades fechadas de previdência privada podem gozar da imunidade que se refere o art. 150, VI, “c”, CF/88, desde que que não exijam de seus associados contribuições para custeio do benefício. Assim, as entidades de previdência privada, dependendo do caso, podem ou não ser consideradas instituições de assistência social para fins de imunidade, desde que observados dois requisitos: (i) ser entidade fechada, e não aberta; (ii) não haver contribuição dos beneficiários. Aliás, há a Súmula 730 do STF, dispndo nesse sentido:

Súmula 730 STF: “A imunidade tributária conferida a instituições de assistência social sem fins lucrativos pelo art. 150, VI, "c", da Constituição, somente alcança as entidades fechadas de previdência social privada se não houver contribuição dos beneficiários."

3.5. Imunidade Objetiva

A chamada imunidade objetiva é aquela que se aplica aos livros, jornais, periódicos e papeis destinados a sua impressão, nos termos do art. 150, VI, "d", CF/88. Dentre as imunidades genéricas, é a única que se baseia no bem, e não na pessoa, daí porque se fala em imunidade objetiva. Tal benesse visa possibilitar o acesso à cultura e à informação, possuindo por finalidade reduzir o custo dos livros, jornais, periódicos e papéis destinados a impressão, por isso essa imunidade é também chamada de imunidade cultural.

A Corte Suprema não amplia tal imunidade objetiva, ou cultural, aos insumos da produção de livros, jornais e periódicos, mas a imunidade atinge tão somente ao próprio bem cultural produzido. Por exemplo, a gráfica que compra uma máquina que produz o livro. A máquina não terá imunidade, tampouco a tinta utilizada estará imune, ou nenhum outro insumo utilizado da sua produção, a não ser o papel, como expressamente ressalvado a teor do art. 150, VI, "d", da CF/88.

Há, contudo, uma exceção: os filmes e papéis fotográficos utilizados nos jornais e periódicos recebem a proteção da imunidade. Assim, o único insumo amparado pela imunidade objetiva é o papel utilizado nos livros, jornais e periódicos, incluído no conceito de papel os filmes fotográficos.

Súmula 657 do STF: “A imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal abrange os filmes e os papéis fotográficos necessários à publicação de jornais e periódicos".

Vale ressaltar que o papel só ganha imunidade quando estiver aplicado a uma revista, jornal ou periódico, mas não estando inserido nesse contexto não terá imunidade. E ainda, ficam excluídos os materiáis eletrônicos (CD, DVD, Fita K-7, disquete) não assimiláveis ao papel.

A questão polêmica maior, a rigor, refere-se à precisa identificação de quais os tipos de livros, revistas, jornais, periódicos que se incluem abrangidos pela imunidade objetiva, ou cultural. A regra geral, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, é que não importa o conteúdo, o que importa é ter conteúdo. Assim, a imunidade objetiva independe do conteúdo cultural, isto é, terão imunidade os livros que transmitirem pensamentos e idéias formalmente orientadas, independentemente do conteúdo.

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. ART. 150, VI, "D" DA CF/88. "ÁLBUM DE FIGURINHAS". ADMISSIBILIDADE. 1. A imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado à sua impressão tem por escopo evitar embaraços ao exercício da liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação, bem como facilitar o acesso da população à cultura, à informação e à educação. 2. O Constituinte, ao instituir esta benesse, não fez ressalvas quanto ao valor artístico ou didático, à relevância das informações divulgadas ou à qualidade cultural de uma publicação. 3. Não cabe ao aplicador da norma constitucional em tela afastar este benefício fiscal instituído para proteger direito tão importante ao exercício da democracia, por força de um juízo subjetivo acerca da qualidade cultural ou do valor pedagógico de uma publicação destinada ao público infanto-juvenil. 4. Recurso extraordinário conhecido e provido." (RE 221.239, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 06-08-2004).

Portanto, por exemplo, álbum de figurinha, catálogos telefônicos, revistas pornográficas, apostilas didáticas, além de anúncios e propagandas que estejam inseridos no periódico, todos estarão amparados pela imunidade. Este é, pois, o entendimento atual do STF, pelo qual a existência de conteúdo informativo orientado, independente de qual seja, é suficiente para gerar a repercussão da imunidade objetiva, justamente em respeito à diversidade cultural.

 Por outro lado, polêmica existe no que refere às revistas, livros e periódicos eletrônicos.  Neste caso, estariam abrangidos pela imunidade objetiva? O atual entendimento STF é o de que a imunidade prevista no art. 150, VI, "d", da Constituição Federal, não alcança todos os insumos utilizados na impressão de livros, jornais e periódicos, mas tão-somente aqueles compreendidos no significado da expressão "papel destinado a sua impressão". Até o momento, portanto, tem prevalecido a interpretação literal, não extendendo a imunidade objetiva aos periódicos não impressionados, presentes em meios eletrônicos.


4. CONCLUSÃO

Por todo o exposto, buscamos no presente trabalho expor de maneira concisa as várias espécies de imunidades tributárias, especificamente as expressamente ressalvadas no art. 150, VI, da Constituição Federal de 1988, constituindo-se nas chamadas imunidades genéricas.

Obviamente, não se tem a pretensão de esgotar o tema, mas tão somente fomentar o debate acadêmico sobre essa relevante matéria, à luz dos preceitos constantes da Constituição Federal, bem como das inovações provocadas pela jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal. Trata-se de matéria a exigir análise minunciosa, sendo tema dos mais relevantes no estudo do direito tributário constitucional, mister que buscamos facilitar com este trabalho.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALEXANDRE, Ricardo. Curso de Direito Tributário Esquematizado. 6ª ed. Método, 2012.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32ª ed. Malheiros, 2011.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 3ª ed. Saraiva, 2011.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 18ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2011

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Sobre o autor
Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Direito Público pela Faculdade Projeção e MBA em Gestão Pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Engenharia Civil pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Procurador Federal em exercício pela Advocacia-Geral da União (AGU) e Professor do Curso de Graduação em Direito da Faculdade Luciano Feijão (FLF-Sobral/CE).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra Carvalho. Comentários acerca do instituto da imunidade tributária e o seu tratamento na jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3229, 4 mai. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21677. Acesso em: 18 dez. 2024.

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