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A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro

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07/06/2012 às 19:36
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Embora não consagrado expressamente na Constituição Federal ou no Código Penal ou mesmo no Código de Processo Penal, o princípio da insignificância vem sendo aplicado pelos tribunais nacionais.

Resumo: O direito é definido como o conjunto de normas jurídicas que regulam a vida em sociedade. Tais normas devem ser encaradas em sentido amplo, devendo ainda o conceito abranger as ideias de princípios, costumes etc. Os princípios atualmente encontram grande importância na aplicação prática do direito de modo geral. Ainda que muitos deles não estejam previstos expressamente na Constituição Federal ou na lei, cada dia mais têm-se a necessidade de aplicá-los visando maior aproximação daquilo que chamamos “justiça”. Uma justiça ideal que agrade a todos é uma verdadeira utopia, no entanto, a conjunção da finalidade da lei, com a finalidade do ramo do direito e com a adequação dos princípios pode ocasionar bons resultados no sistema judiciário e indiretamente para a sociedade como um todo. Hoje em dia fala-se muito do princípio da insignificância e sua aplicação no direito penal, especialmente em relação aos crimes contra o patrimônio visto que são os crimes mais comuns e que acabam atingindo as mais diversas camadas da sociedade. O objetivo desta pesquisa é definir no que consiste o princípio da insignificância, qual é a sua natureza jurídico-penal, quais os requisitos para aplicá-lo e quais dos crimes contra o patrimônio previstos no Código Penal Brasileiro que admitem a sua aplicação. A pesquisa foi realizada através do confronto da doutrina com decisões recentes proferidas pelos tribunais pátrios, focalizando a situação do Estado de São Paulo. Ao término da pesquisa, verificou-se que o judiciário paulista encontra-se numa situação de verdadeiro caos e que a sanção penal, do modo que é realizada no Brasil, acaba não atingindo suas finalidades, sendo certo que a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do código penal quando observados determinados requisitos, a nosso ver, pode melhorar um pouco a situação do judiciário sendo, inclusive, defendido a aplicação desse princípio previamente ao processo.

Palavras-chave: Princípio. Insignificância. Crimes. Patrimônio.


INTRODUÇÃO

É comum a mídia vincular casos que geram grande indignação popular devido à natureza insignificante do delito cometido. Somos constantemente “bombardeados” por clamores coletivos que exigem a liberdade daquele indivíduo que furtou um boné ou uma manteiga.

A doutrina contemporânea tenta definir aquilo que seria um crime aceitável daquele que não seria. Busca-se justificar a conduta delituosa relacionando-a com as condições do agente, o meio social em que este vive e o valor do bem ofendido.

Essa preocupação, que não está somente relacionada ao direito penal como também à própria sociologia, há tempos instiga o homem. No início do século XIX, alguns autores já nos faziam raciocinar a respeito deste assunto. Victor Hugo, em Os miseráveis, nos apresentava um personagem que teve que mudar completamente a sua vida para não ter que enfrentar as duras penas decorrentes do furto de um pão, ocorrido em época de grande dificuldade.

Mas será que essa é realmente a finalidade do Direito Penal? Condenar, condenar e condenar, aplicar cegamente e friamente a lei, eximindo-se da análise de quaisquer outros elementos?

Questões tais como essas e outras podem surgir quando vemos algumas das notícias exemplificadas acima. O princípio da insignificância é um tema polêmico e ao mesmo tempo interessante, pois desperta a curiosidade de grande parte da população haja vista que os casos em que esse princípio será aplicado são corriqueiros ao dia-a-dia de toda a população.

Embora consagrado e amplamente difundido na doutrina, o princípio da insignificância encontra grande apatia por boa parte dos magistrados. Há quem diga que para vê-lo reconhecido é necessário recorrer-se às instâncias superiores. Alguns talvez questionem: Essa afirmativa é verdadeira? Por que o princípio da insignificância não é aplicado?

Outros podem ainda perguntar: há base legal para aplicação de tal princípio? Ou ainda que não haja disposição expressa, quando o delito será insignificante e a que se justifica a aplicação desse princípio?

Neste trabalho abordar-se-á a aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro.

Analisaremos o conceito de bem jurídico, estudaremos os crimes contra o patrimônio individualmente, a sanção penal, o conceito, os requisitos para aplicação do princípio da insignificância e correlacionaremos a doutrina aos casos práticos em que os Tribunais já se manifestaram favoravelmente à aplicação desse princípio.

Verificar-se-á, ainda, se é possível ou não a aplicação do princípio da insignificância em fase prévia à ação penal.

Por fim, tentaremos tecer algumas conclusões frente a toda pesquisa realizada para a elaboração deste trabalho, haja vista que durante todo o desenvolvimento deste surgiram mais e mais questionamentos, além daqueles supramencionados, os quais foram, pari passu, respondidos capítulo a capítulo.


01: DO BEM JURÍDICO

A definição do termo bem jurídico é necessária em razão de todos os tipos penais possuírem uma objetividade jurídica, objetividade esta que visa a proteção e manutenção de um bem jurídico. Essa definição é de suma importância neste momento, pois somente com tal definição é que poderemos, posteriormente, considerar uma conduta como relevante ou irrelevante, de modo a sujeitá-la ou não à aplicação do princípio da insignificância.

Temos que bem, de maneira geral, é a coisa. Bem é “tudo aquilo que, corpóreo ou incorpóreo, móvel ou imóvel, é suscetível de utilidade, conveniência, vantagem, proveito, apropriação, economicamente apreciável, e objeto de direito.” [1] No sentido jurídico, bem pode ser definido como “o direito ou vantagem de que alguém é titular, inerente à sua pessoa, protegido pela ordem jurídica.” [2]

Em termos simples, bem jurídico pode ser definido como aquilo que o legislador considerou como relevante e merecedor de proteção, é aquilo que se pretende preservar. É “todo valor da vida humana protegido pelo Direito.” [3]

Embora a conceituação do termo bem jurídico pareça simples, vários doutrinadores, nacionais e estrangeiros, vem, ao longo dos anos, tentando entrar num consenso do significado dessa expressão.

Hanz Wenzel, por exemplo, entende que bem jurídico é um “bem vital da comunidade ou do indivíduo, que por sua significação social é protegido juridicamente.”[4] Muñoz Conde, por seu turno, considera os bens jurídicos como “os pressupostos de que a pessoa necessita para sua auto-realização na vida social”.[5] Aníbal Bruno, por sua vez, defende que os bens jurídicos “são valores de vida individual ou coletiva, valores da cultura”[6].

Embora vários sejam os conceitos de bem jurídico, entendemos que a melhor definição e a mais clara, nos é dada por Assis de Toledo que assim os definem:

são valores ético-sociais que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, e coloca sob sua proteção para que não sejam expostos a perigo de ataque ou a lesões efetivas[7].

Feita essas breves considerações, cabe salientar que a nós nos interessa o conceito de bem jurídico penal. Ao passo que já conceituamos bem jurídico em seu sentido amplo, fica mais fácil definirmos o bem jurídico penal.

Bem jurídico penal é o bem merecedor de proteção penal e que, por isso, subentende-se como mais importante. Nessa linha de raciocínio, Luiz Regis Prado aduz que “a ingerência penal deve ficar adstrita aos bens de maior relevo”[8] e ainda complementa que “a lei penal, advirta-se, atua não como limite da liberdade pessoal, mas como seu garante”[9].

Nos dizeres de Polaino Navarrete é o bem ou valor merecedor da máxima proteção jurídica, cuja outorga é reservada às prescrições do Direito Penal. Bens e valores mais consistentes da ordem de conveniência humana em condições de dignidade e progresso da pessoa em sociedade[10].

Por fim, convém mencionar que no direito penal, o bem jurídico terá as seguintes funções[11]:

  1. Função de garantia ou de limitar o direito de punir do Estado;

  2. Função teleológica ou interpretativa;

  3. Função individualizadora; e,

  4. Função sistemática.

Tais funções servem para evidenciar ainda mais a importância do bem jurídico penal.


02: DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO DO CÓDIGO PENAL

2.1 Conceito de crime

O conceito de crime é um tema que há anos causa discussões entre os doutrinadores, principalmente no que tange ao conceito analítico de crime. Apenas para se ter uma ideia, crime poderá ser: fato típico e antijurídico; fato típico, antijurídico e culpável; ou ainda fato típico, antijurídico, culpável e punível. Há de se ressaltar que dentre essas correntes não há uma que seja majoritária em relação às outras, sendo certo que a adoção de cada uma dependerá em muito da região em que se estuda o tema, bem como do entendimento e próprio convencimento pessoal do estudante.

Aqui não se pretende abordar profundamente as questões divergentes pertinentes ao tema. Pretende-se, apenas, prestar um breve esclarecimento do conceito de crime para facilitar a compreensão daqueles que não estão bem habituados com o assunto, bem como fornecer as bases para o que será abordado nos capítulos subsequentes.

Considerando que o tema deste trabalho é “O princípio da insignificância e sua aplicação nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro”, é sensato deixar que a própria Lei de Introdução ao Código Penal (Decreto-lei n. 3.914/41) defina o que é crime. Dispõe o artigo 1º da referida lei, in verbis:

Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente, com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente[12] (grifos nossos) 

Como se observa, a legislação pátria preocupou-se em apenas diferenciar as infrações penais, que podem ser tanto crimes como contravenções. A diferença básica reside no tipo de sanção que será atribuída a cada infração. Os crimes por serem considerados condutas mais gravosas terão, consequentemente, sanções mais severas.

Pode-se dizer que o legislador deixou ao encargo dos doutrinadores elaborar uma definição mais simples e objetiva do conceito de delito.

Formalmente, crime pode ser definido como “toda ação ou omissão proibida por lei, sob a ameaça de pena”[13]. Em relação ao seu conceito material, crime “é a ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena”[14].

Analiticamente, vamos considerar crime como sendo fato típico, antijurídico e culpável.

A palavra antijuridicidade é sinônimo de ilicitude e transmite a ideia daquilo que é contrário à legislação, ou seja, a antijuridicidade representa a prática de uma conduta que é contrária ao direito.

A culpabilidade não é apenas um mero pressuposto para aplicação da pena. A culpabilidade representa a reprovação social e, também, o fator que possibilitará a efetiva responsabilização do autor pelo crime por ele cometido. Há de se salientar que para a ocorrência de crime, devem estar presentes os seguintes elementos: a) imputabilidade, b)potencial consciência da ilicitude, e c)exigibilidade de conduta diversa, tais elementos constituem a culpabilidade. Na ausência de qualquer desses elementos, não haverá crime por falta de culpabilidade. 

O fato típico é “a síntese da conduta ligada ao resultado pelo nexo causal, amoldando-se ao modelo legal incriminador”[15]. O fato típico é constituído pela conduta, pelo resultado, pelo nexo de causalidade e pela tipicidade.

A conduta é a ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dirigida a uma finalidade. O dolo ou a culpa estão presentes na conduta.

O resultado é aquilo que decorre da ação. É toda alteração no mundo exterior decorrente da conduta (naturalístico) ou toda lesão ou ameaça de lesão ao bem jurídico tutelado (normativo).

O nexo de causalidade representa a relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. Causa é qualquer acontecimento sem o qual o resultado não teria ocorrido.

A tipicidade é um dos elementos mais complexos do fato típico e por isso será analisada separadamente.

2.1.1 Tipicidade

Tipicidade pode ser conceituada como a adequação do fato concreto (o fato material, o acontecimento real) ao fato abstrato previsto no tipo penal (artigo de lei).

Em outras palavras, “Tipicidade é a correspondência entre o fato praticado pelo agente e a descrição de cada espécie de infração contida na lei penal incriminadora”[16].

A tipicidade decorre do princípio da reserva legal que determina que não há crime sem lei anterior que o defina (art. 1º do Código Penal). 

O estudo mais detalhado do conceito de tipicidade é fundamental em razão do princípio da insignificância ser uma excludente supralegal da tipicidade, conforme anota Sérgio Salomão Shecaria e Alceu Corrêa Junior, in Teoria da pena:

“(...) O princípio da insignificância, por seu turno, equivale à desconsideração típica pela não-materialização de um prejuízo efetivo, pela existência de danos de pouquíssima importância”[17].

Luiz Flávio Gomes[18] ao explicar o conceito de tipicidade discorre sobre a tipicidade penal e a tipicidade legal. Para ele, tipicidade legal seria tudo o que foi dito até agora sobre tipicidade, ou seja, tipicidade legal é a subsunção do fato concreto ao tipo penal. Entretanto, a tipicidade penal constitui algo mais abrangente.

Para o referido autor, a tipicidade penal compreende três dimensões: a) a formal (ou fática/legal ou linguística), que envolve a conduta, o resultado naturalístico, o nexo de causalidade bem como as exigências temporais, espaciais, modo de execução da conduta etc., ou seja, a adequação do fatoà letra da lei; b) a material (ou normativa), que exige três juízos valorativos distintos: (a) juízo de desaprovação da conduta (criação ou incremento de riscos proibidos relevantes); (b) juízo de desaprovação do resultado jurídico (ofensa desvaliosa ao bem jurídico ou desvalor do resultado, que significa lesão ou perigo concreto de lesão ao bem jurídico) e (c) juízo de imputação objetiva do resultado (o resultado deve ter conexão direta com o risco criado ou incrementado –‘nexo de imputação’); c) a subjetiva (constatação do dolo e outros eventuais requisitos subjetivos especiais)[19].

Esse conceito de tipicidade é fruto da teoria constitucionalista do delito, adotada pelo autor supracitado. Pode-se dizer que o conceito de tipicidade penal mencionado acima, é uma evolução do conceito de tipicidade sistemática e conglobante elaborada por Zaffaroni.

Para Zaffaroni[20] a tipicidade nos crimes dolosos é complexa e composta de uma parte objetiva e outra subjetiva. A tipicidade objetiva divide-se em uma parte sistemática e outra conglobante. A conduta, o resultado naturalístico, o nexo de causalidade e a adequação típica do fato à letra da lei integram a parte sistemática enquanto que a lesividade e a imputação objetiva integram a parte conglobante. A tipicidade subjetiva, por sua vez, abrange o dolo e eventuais outros requisitos subjetivos.

Luiz Flávio Gomes, comentando a teoria de Zaffaroni, destaca:

Zaffaroni sublinha que o tipo penal (que é uma construção dogmática) tem a missão de limitar o exercício do poder punitivo, que não pode se transformar numa irracionalidade. A tipicidade objetiva tem a função de retratar um fato criminoso, isto é, um conflito penal (a conflitividade), que é uma das barreiras insuperáveis da racionalidade do poder punitivo. Do tipo objetivo, então, fazem parte o tipo sistemático (conduta, resultado, etc.) assim como o tipo conglobante. A tipicidade conglobante é a sede da conflitividade. Logo, cuida ela da lesividade assim como da imputação objetiva[21].

A tipicidade conglobante de Zaffaroni é aquela entendida por Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina como tipicidade material que, entretanto, possui três juízos valorativos.

Mais adiante, verificar-se-á a importância de tais conceitos (tipicidade legal, tipicidade conglobante e tipicidade material) ao enfrentarmos as questões pertinentes ao tema deste trabalho.

 Feitas essas breves considerações acerca do conceito de crime, bem como de seus elementos, tratar-se-á, a seguir, especificamente sobre os crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro.

2.2 Dos crimes contra o patrimônio

O Título II da Parte Especial do Código Penal Brasileiro (Decreto-lei 2.848/40) trata dos crimes contra o patrimônio. Tal título possui oito capítulos sendo que os sete primeiros tratam dos crimes em espécie, enquanto o ultimo capítulo trata das disposições gerais.

Os crimes contra o patrimônio estão elencados nos artigos 115 ao 180 do Código Penal.  São eles: furto, roubo, extorsão, usurpação, dano, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes e receptação.

Como o próprio nome sugere o objeto jurídico tutelado nesses delitos é o patrimônio. Patrimônio, de modo geral, é o “conjunto dos bens de alguém a que se pode atribuir valor econômico, compreendendo a propriedade, direitos reais, pessoais e obrigacionais, ativos e passivos”[22].

O objeto material, em todos os crimes, é a coisa alheia móvel, sendo está considerada aquela passível de apreensão humana, que pode ser deslocada do tempo e no espaço. Em direito penal, despreza-se os padrões estabelecidos pelo Direito Civil no que tange ao conceito de bem móvel e imóvel.

Há de se ressaltar, ainda, que a coisa alheia imóvel poderá ser objeto dos delitos de dano, alteração de limites, usurpação de águas, esbulho possessório, de algumas espécies de estelionato e receptação, sendo certo que neste último a doutrina não é pacífica em relação ao seu reconhecimento.

As penas cominadas a esses crimes são tanto as de detenção quanto as de reclusão.

A competência para julgar os crimes contra o patrimônio é da Justiça Comum, podendo esta ser a Justiça Federal ou Estadual dependendo do objeto material violado e se a União tem interesse ou não no julgamento do caso concreto. 

Aos crimes em que a lei prever pena igual ou inferior a 02 (dois) anos de reclusão ou detenção, o feito será processado e julgado pelo Juizado Especial Criminal, nos termos do artigo 61 da Lei 9.099/95.

Nos crimes praticados sem violência ou grave ameaça, será isento de pena o agente que cometer o delito contra o cônjuge, na constância da sociedade conjugal; ou contra o ascendente ou descendente, legítimo ou ilegítimo, civil ou natural (artigo 181 combinado com artigo 183, ambos do Código Penal).

Nos crimes cometidos em prejuízo: a) do cônjuge desquitado ou judicialmente separado; b) de irmão, legítimo ou ilegítimo; c) de tio ou sobrinho, com quem o agente coabita, o feito somente será processado mediante representação. Não se aplicará tais imunidades relativas quando o delito for praticado com violência ou grave ameaça (artigo 182 combinado com artigo 183, ambos do Código Penal).

As imunidades previstas nos artigos 181 e 182 do Código Penal não se estendem ao estranho que participou do crime, bem como não serão aplicadas quando o ofendido for pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos (artigo 183 do Código Penal).

De modo geral, essas são as características comuns dos crimes previstos no Título II do Código Penal.

A seguir, abordar-se-á os crimes desse Título individualmente, indicando brevemente suas principais características e peculiaridades.

2.2.1 Do furto

O delito de furto simples vem especificado no “caput” do artigo 155 do Código Penal que assim dispõe, in verbis:

“Furto

Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

Pela própria leitura do “caput” do artigo 155 é possível conceituar o delito de furto. Assim, temos que furto é surripiar coisa alheia móvel para si ou para terceiro, com a finalidade de assenhoramento definitivo.

Sobre o objeto material (coisa alheia móvel), é importante destacar que “a coisa que nunca teve dono (res nullius), a abandonada (res derelicta) e a perdida (res desperdita) não são objeto de furto”[23]·.

O objeto jurídico desde delito não é somente a propriedade como também a posse e a detenção.

Trata-se de crime comum, ou seja, o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa exceto o próprio proprietário do bem. O sujeito passivo ou o ofendido será o proprietário, possuidor ou detentor do bem subtraído.

Salvo na hipótese do artigo 182 do Código Penal, a ação penal será pública incondicionada.

O delito de furto admite a forma tentada. Doutrinariamente é classificado como crime comum, material, de forma livre, comissivo, de dano, instantâneo, unissubjetivo e plurissubsistente[24].

A pena cominada ao furto é a de reclusão de um a quatro anos cumulada com a pena de multa. A pena de reclusão é aquela que poderá ser cumprida em regime fechado, aberto ou semiaberto, nos termos do artigo 33 do Código Penal.

O furto noturno é previsto no parágrafo primeiro do artigo 155, que nos diz:

“§ 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno.”

Quando a subtração de coisa móvel ocorrer durante o repouso noturno, a pena será aumentada de um terço.

Atualmente, prevalece o entendimento de que para a ocorrência dessa causa de aumento de pena, é necessário que o furto seja realizado em casa habitada, cujos moradores estejam repousando[25].

A jurisprudência vem entendendo que o repouso noturno compreende as madrugadas, bem como o tempo que, segundo os costumes sociais, se destina ao repouso noturno (TACrSP, RJDTACr 24/213 e STF, RT 600/459).

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O furto noturno é incompatível com qualquer forma de furto qualificado.

Assim como em outros delitos, o legislador também elaborou a modalidade de furto privilegiado, o qual está previsto no parágrafo segundo do artigo 155:

“§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.”

A aplicação do privilégio pressupõe dois requisitos: a) que o criminoso não seja reincidente e b) que a coisa furtada seja de pequeno valor.

Primário é o agente que nunca foi condenado por crime algum ou aquele que, embora já condenado, não tenha cometido novo crime durante os cinco anos subsequentes ao cumprimento ou extinção da pena a ele aplicada anteriormente.

Em relação ao pequeno valor da coisa furtada, a doutrina e a jurisprudência não são pacíficas em relação à sua conceituação.  A este respeito, Celso Delmanto comenta:

Atualmente, são dois os principais critérios usados na aferição do ‘pequeno valor’: a. Refere-se ao prejuízo efetivamente sofrido pelo ofendido. b. É relativo ao valor da coisa e não ao prejuízo. Quanto À quantidade que se considera como ‘pequeno valor’, tem-se em vista, geralmente, valor igual ou inferior ao salário mínimo, que pode, porém, ser ultrapassado em casos especiais[26].

O parágrafo terceiro trata do furto de energia:

“§ 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico.”

 Como se depreende da leitura, a energia elétrica e outras energias tais como internet, radioatividade, térmica, mecânica etc. são equiparada à coisa móvel de modo que podem ser objeto material do crime de furto.

2.2.1.1 Furto qualificado

Os parágrafos quarto e quinto do artigo 155 do Código Penal tratam do furto qualificado.

As qualificadoras alteram a própria pena base que será aplicada ao criminoso. É de se ressaltar que o juiz na aplicação destas deverá observar as circunstâncias judiciais, bem como as atenuantes e agravantes e as causas de aumento e diminuição de pena.

Tanto o parágrafo quarto quanto o parágrafo quinto do artigo 155 são claros em descrever as hipóteses em que o furto será qualificado e assim versam:

Furto qualificado

§ 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa;

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza;

III - com emprego de chave falsa;

IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas.

§ 5º - A pena é de reclusão de 3 (três) a 8 (oito) anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

2.2.1.2 Furto de coisa comum

Dispõe o artigo 156 do Código Penal:

Furto de coisa comum

Art. 156 - Subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - Somente se procede mediante representação.

§ 2º - Não é punível a subtração de coisa comum fungível, cujo valor não excede a quota a que tem direito o agente.

A coisa comum é aquela que pertence a mais de uma pessoa e por isso mesmo não pode ser apropriada por alguém já que pertence a todos.

O sujeito ativo deste delito será o condômino, o coerdeiro ou o sócio. Consequentemente, o sujeito passivo será os demais condôminos, coerdeiros ou sócios que estiverem na posse legítima da coisa.

Na hipótese deste artigo, a ação penal será pública condicionada à representação.

2.2.2. Do roubo

O artigo 157 trata do crime de roubo. Tal artigo é divido e estudado pela doutrina da seguinte forma: a) roubo próprio, b) roubo impróprio, c)causas de aumento de pena, d) roubo qualificado e e) latrocínio.

2.2.2.1 Roubo próprio

O crime de roubo próprio está previsto no “caput” artigo 157 do nosso Código Penal, que dita:

Roubo

Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

O roubo constitui crime complexo, pois é composto por fatos que individualmente constituem crimes[27].  Assim como no delito de furto, no roubo o núcleo do tipo é subtrair. Entretanto, para que o agente consiga realizar seu intento, este se utiliza de violência, grave ameaça a pessoa ou qualquer outro meio que reduza a possibilidade da vítima resistir. Essa conduta (violência, grave ameaça ou qualquer outro meio) é realizada antes ou durante a retirada do bem.

O patrimônio, a integridade física e a liberdade do indivíduo são os objetos jurídicos desse delito.

O roubo próprio admite a tentativa. O tipo subjetivo é o dolo (vontade livre e consciente de realizar a conduta, no caso, a subtração). A consumação ocorre quando o indivíduo consegue retirar a coisa alheia móvel da esfera de vigilância da vítima, obtendo, assim, a posse tranquila do bem.

Qualquer pessoa poderá ser o sujeito ativo ou passivo do crime, ressalvado o próprio proprietário do bem como sujeito ativo.

A ação penal será pública incondicionada em qualquer um dos casos do artigo 157.

2.2.2.2 Roubo impróprio

“§ 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro.”

O parágrafo primeiro do artigo 157 do Código Penal trata do roubo impróprio. Pela simples leitura do dispositivo é possível diferenciá-lo do roubo próprio.

No roubo impróprio a violência ou grave ameaça contra a pessoa é exercida posteriormente à retirada da coisa, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa.

O dispositivo é taxativo, não se verifica a utilização da fórmula genérica prevista no “caput” do artigo 157 (ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência).

Diferentemente do roubo próprio, o impróprio não admite a forma tentada, haja vista que a tentativa constituiria furto tentado ou consumado dependendo do caso concreto. É importante ressaltar que esse é o entendimento majoritário da doutrina, no entanto, há quem discorde de tal posicionamento entendendo ser possível a tentativa de roubo impróprio (Hungria e Mirabete).

2.2.2.3 Causas de aumento de pena

Embora costumeiramente diga-se que o emprego de arma ou o concurso de pessoas qualifiquem o roubo, observa-se que tal expressão é incorreta, uma vez que tais situações aumentam a pena e não modificam suas penas bases.

As causas de aumento de pena do crime de roubo estão previstas no parágrafo segundo do artigo 157 e sua compreensão não demanda um estudo aprofundado do tema. Assim, temos que as penas serão aumentadas de um terço até a metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

II - se há o concurso de duas ou mais pessoas;

III - se a vítima está em serviço de transporte de valores e o agente conhece tal circunstância.

IV - se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior;

V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

2.2.2.4 Roubo qualificado e latrocínio

“§ 3º Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de sete a quinze anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa.”

O roubo será qualificado quando da violência resultar lesão corporal grave. Nesta hipótese a pena será de sete a quinze anos de reclusão, além da multa. Caso as lesões corporais sejam de natureza leve, estas ficarão absorvidas pelo crime de roubo, não havendo que se falar em roubo qualificado nem em roubo em concurso material ou formal com lesão corporal simples (artigo 129, “caput”, do Código Penal) em razão do princípio da consunção.

A lesão corporal grave poderá decorrer de culpa ou dolo do agente, sendo certo que em ambos os casos haverá a qualificação do crime.

O latrocínio ou o roubo qualificado pelo resultado morte é descrito na segunda parte do dispositivo em análise. O latrocínio é considerado crime hediondo, conforme o artigo 1º da Lei 8.072/90. O caráter hediondo atribuído a determinado crime altera os lapsos temporais para progressão de regime ao criminoso, bem como altera o lapso temporal ou impossibilita a concessão de livramento condicional. Em suma, a classificação do crime como hediondo ressalta a gravidade da infração.

Para ocorrência de latrocínio, o agente deve agir com dolo na conduta antecedente (roubo) e dolo ou culpa da conduta subsequente (morte)[28].

A doutrina comumente aborda hipóteses que poderiam gerar dúvidas na hora de tipificar determinada conduta, de modo que teremos[29]:

a)           Roubo consumado e homicídio tentado = tentativa de latrocínio;

b)           Roubo consumado e homicídio consumado = latrocínio consumado;

c)            Roubo tentado e homicídio tentado= tentativa de latrocínio;

d)           Roubo tentado e homicídio consumado = latrocínio consumado.

Por conta do enunciado da súmula 603 do Supremo Tribunal Federal e em razão do latrocínio estar previsto no título dos crimes contra o patrimônio, a competência para julgar tal delito será do juiz singular.

2.2.3 Da extorsão

A extorsão está prevista no artigo 158 do Código Penal que assim dita:

Extorsão

Art. 158 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, e com o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica, a fazer, tolerar que se faça ou deixar fazer alguma coisa:

Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

Ao ler o artigo supracitado, desde logo, identificamos suas características. Conforme nos ensina Fernando Capez, “a característica básica desse crime é que o agente coage a vítima a fazer, não fazer ou tolerar que se faça algo, mediante o emprego de violência ou grave ameaça. Em suma, estamos diante de uma forma do crime de constrangimento ilegal, acrescida, contudo de uma finalidade especial do agente, consubstanciada na vontade de auferir vantagem econômica”[30].

Os objetos jurídicos tutelados por esse crime são: o patrimônio, a integridade física e a liberdade do indivíduo.

Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa. Em relação ao sujeito passivo, este poderá ser, inclusive, aquele que sofre o constrangimento sem, no entanto, ter seu patrimônio lesionado.

O tipo subjetivo é o dolo específico, isto porque o agente tem o intuito de obter para si ou para outrem indevida vantagem econômica.

Trata-se de crime formal, ou seja, embora o tipo penal descreva uma conduta e um resultado, este não precisa ocorrer para que o crime esteja consumado. Antigamente, discutia-se se a extorsão era crime formal ou material. Tal discussão foi cessada com o advento da Súmula 96 do STJ que dispõe: “o crime de extorsão consuma-se independentemente da obtenção da vantagem indevida”.

O delito em tela admite a forma tentada e doutrinariamente é classificado em crime comum, formal, de forma livre, complexo, comissivo, instantâneo, de dano, unissubjetivo, plurrisubsistente e doloso.

A ação penal será sempre pública incondicionada.

O delito de extorsão possui as seguintes espécies: simples (“caput” do artigo 158), com causa de aumento de pena (§1º) e qualificada (§§ 2º e 3º).

Por uma questão didática, tratar-se-á neste item também dos delitos de extorsão mediante sequestro e extorsão indireta.

2.2.3.1 Extorsão com causa de aumento (§1º, art. 158, CP)

“§ 1º - Se o crime é cometido por duas ou mais pessoas, ou com emprego de arma, aumenta-se a pena de um terço até metade.”

A pena de reclusão de quatro a dez anos será aumentada de um terço até a metade se o crime for cometido por duas ou mais pessoas ou com emprego de arma.

Há na doutrina quem entenda que para a ocorrência dessa causa de aumento de pena, no que diz respeito ao concurso de pessoas, todos os agentes devem realizar o núcleo do tipo, diferentemente do que ocorre no delito de roubo que admite a coautoria ou a participação.

2.2.3.2 Extorsão qualificada

A extorsão qualificada vem descrita nos parágrafos 2º e 3º do artigo 158, in verbis:

§ 2º - Aplica-se à extorsão praticada mediante violência o disposto no § 3º do artigo anterior.

§ 3º  Se o crime é cometido mediante a restrição da liberdade da vítima, e essa condição é necessária para a obtenção da vantagem econômica, a pena é de reclusão, de 6 (seis) a 12 (doze) anos, além da multa; se resulta lesão corporal grave ou morte, aplicam-se as penas previstas no art. 159, §§ 2º e 3º, respectivamente.

Quando a extorsão praticada mediante violência ocasionar lesão corporal grave ou morte, a pena será de reclusão de sete a quinze anos ou de vinte a trinta anos, sem prejuízo da multa, respectivamente.

O delito de extorsão qualificada pela morte também é considerado crime hediondo (art. 9º da Lei 8.072/90).

O parágrafo 3º do artigo 158 foi introduzido só recentemente no Código Penal Brasileiro, com a edição da Lei 11.923/2009. O referido parágrafo trata do já conhecido “sequestro relâmpago”.

Assim, na hipótese em que o agente restringe a liberdade da vítima para conseguir extorqui-la e tal condição seja necessária para que ele obtenha seu intento, a pena será de seis a doze anos de reclusão, além da multa. Se durante a restrição da liberdade a vítima vier a sofrer lesão corporal grave ou morrer, as penas serão de reclusão de dezesseis a vinte e quatro anos ou de vinte e quatro anos a trinta anos, respectivamente. 

Cumpre salientar que a restrição da liberdade é temporária, por isso mesmo que se diz sequestro “relâmpago”. Essa restrição deve durar menos que vinte e quatro horas, haja vista que caso dure mais de vinte e quatro horas configurará o delito do artigo 159,§1º do Código Penal.

2.2.3.3 Extorsão mediante sequestro

Art. 159 - Sequestrar pessoa com o fim de obter, para si ou para outrem, qualquer vantagem, como condição ou preço do resgate

Pena - reclusão, de oito a quinze anos

§ 1º Se o sequestro dura mais de 24 (vinte e quatro) horas, se o sequestrado é menor de 18 (dezoito) ou maior de 60 (sessenta) anos, ou se o crime é cometido por bando ou quadrilha

Pena - reclusão, de doze a vinte anos.

§ 2º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:

Pena - reclusão, de dezesseis a vinte e quatro anos.

§ 3º - Se resulta a morte:

Pena - reclusão, de vinte e quatro a trinta anos.

§ 4º - Se o crime é cometido em concurso, o concorrente que o denunciar à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços.

O delito de extorsão mediante sequestro é a modalidade de extorsão que apresenta a maior gravidade. Cezar Roberto Bitencourt tece os seguintes comentários acerca desse delito: “A prática mais ou menos frequente, em alguns países, na primeira metade do século passado, recomendou sua tipificação como crime mais grave. Desnecessário, por óbvio, destacar a frequência rotineira e insuportável com que esse crime passou a ser praticado no Brasil em fins do século XX, justificando-se sua maior punibilidade pela gravidade dos danos que pode produzir”[31].

O verbo nuclear do tipo sequestrar abrange o cárcere privado embora o legislador tenha se quedado inerte nesse sentido e significa “impedir que alguém, mediante qualquer meio exercite seu direito de ir e vir, com a finalidade de obtenção de qualquer vantagem, como condição ou preço de resgate”[32].

Os bens jurídicos tutelados por esse delito são: o patrimônio, a liberdade individual e a integridade física e psíquica do ser humano.

O tipo subjetivo é o dolo e ação penal é pública incondicionada.

Trata-se de crime formal e permanente, ou seja, a consumação do crime se prolonga no tempo ou que permite que ocorra prisão em flagrante a qualquer momento.

Os parágrafos 1º ao 3º tratam das hipóteses em que o crime de extorsão mediante seqüestro será qualificado.

Tanto a figura simples quanto a qualificadas são consideradas como crimes hediondos.

O parágrafo quarto traz uma causa de diminuição de pena, a delação premiada. Na hipótese em que um dos agentes que concorreu para a execução do crime denunciar à autoridade e assim facilitar a libertação do seqüestrado, esse terá sua pena diminuída de um a dois terços.

Trata-se de direito subjetivo do acusado, ou seja, presentes os requisitos o réu terá obrigatoriamente sua pena reduzida.

2.2.3.4 Extorsão indireta

Art. 160 - Exigir ou receber, como garantia de dívida, abusando da situação de alguém, documento que pode dar causa a procedimento criminal contra a vítima ou contra terceiro:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Cezar Roberto Bitencourt comentando acerca desse delito diz: “Esse crime pode ser praticado, normalmente, por agiotas, embora para sua configuração não seja indispensável à existência de usura. É suficiente, em princípio, que o sujeito ativo procure garantir-se, exigindo do devedor documento que possa dar causa a processo criminal contra si ou contra terceiro. A lei procura, com efeito, impedir que credores inescrupulosos (não necessariamente agiotas ou usurários) aproveitem-se do desespero de eventuais devedores para extorqui-lhes compromissos documentais idôneos para, havendo inadimplemento, instaurar procedimento criminal contra o devedor ou terceira pessoa”[33].

Os bens jurídicos protegidos por este dispositivo são o patrimônio, bem como a liberdade individual.

Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa. O elemento subjetivo é o dolo e a ação penal é publica incondicionada.

Trata-se de crime formal, que admite a modalidade tentada.

2.2.4 Da usurpação

O termo usurpação deriva do latim usurpatione e é o ato ou efeito de usurpar. Usurpar é o ato de apoderar-se de, com fraude ou violência[34].

O Capítulo III do Título II do Código Penal trata da usurpação e abrange os crimes de alteração de limites, usurpação de águas, esbulho possessório e supressão ou alteração de marca em animais.

2.2.4.1 Da alteração de limites, da usurpação de águas e do esbulho possessório

Art. 161 - Suprimir ou deslocar tapume, marco, ou qualquer outro sinal indicativo de linha divisória, para apropriar-se, no todo ou em parte, de coisa imóvel alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, e multa.

§ 1º - Na mesma pena incorre quem:

Usurpação de águas

I - desvia ou represa, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias;

Esbulho possessório

II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.

§ 2º - Se o agente usa de violência, incorre também na pena a esta cominada.

§ 3º - Se a propriedade é particular, e não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

O artigo 161 do Código Penal, diferentemente dos artigos até então estudados, tem como objeto material a coisa imóvel.  Pode-se dizer que o artigo 161 visa a proteção da propriedade imobiliária.

Com relação ao “caput” do artigo supracitado, é importante dizer que trata-se de crime formal e que admite a tentativa.

O tipo subjetivo é o dolo e o sujeito passivo será o proprietário ou o possuidor do imóvel que sofreu a alteração dos limites. No que tange ao sujeito ativo, a doutrina diverge. Há quem entenda que somente o vizinho contíguo da vítima ou o futuro comprador possam ser os sujeitos ativos, outros entendem que somente o proprietário do prédio limítrofe é que poderá praticar esse crime[35].

O inciso I do parágrafo primeiro discorre que na mesma pena de detenção de um a seis meses incorrerá aquele que desviar ou represar, em proveito próprio ou de outrem, águas alheias. Neste caso, o crime será formal, comum e plurissubsistente (a conduta pode ser fracionada e por isso admite-se a tentativa).

O inciso II aborda a hipótese em que o agente invade terreno ou edifício alheio para o fim de esbulho possessório e para isso utiliza-se de violência ou grave ameaça ou mediante concurso de duas ou mais pessoas.

Havendo violência, o agente responderá por esta em concurso material com o delito do artigo 161, §1º, II do Código Penal (§2º).

Não havendo o emprego de violência e em se tratando de propriedade particular, a ação penal será privada. Nos demais casos, a ação penal é pública incondicionada.   

Importante ainda mencionar que as figuras típicas desses delitos são consideradas infrações de menor potencial ofensivo e por isso serão de competência do Juizado Especial Criminal.

2.2.4.2 Supressão ou alteração de marca em animais

“Art. 162 - Suprimir ou alterar, indevidamente, em gado ou rebanho alheio, marca ou sinal indicativo de propriedade:

Pena - detenção, de seis meses a três anos, e multa”.

Os bens jurídicos protegidos por esse dispositivo são a posse e a propriedade de semoventes[36]. Para efeitos penais, os animais são considerados coisas móveis.

O sujeito ativo desse delito poderá ser qualquer pessoa exceto o proprietário, admitindo-se, entretanto, que o possuidor do animal também seja o sujeito ativo. O sujeito passivo será o proprietário. Trata-se de crime comum.

O tipo subjetivo é o dolo. Admite-se a tentativa e a ação penal é pública incondicionada.

2.2.5 Do dano

“Dano

Art. 163 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia:

Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa”.

O dano simples é tido como infração de menor potencial ofensivo e por isso é de competência do Juizado Especial Criminal. Nos termos do artigo 167 do Código Penal, a ação penal será privada, haja vista que somente se procede mediante queixa-crime.

O bem jurídico protegido é o patrimônio e o tipo subjetivo é o dolo. Trata-se de crime comum que admite a forma tentada.

O tipo penal prevê três verbos nucleares: a) destruir – que significa demolir, arruinar ou devastar; b) inutilizar – que significar tornar inválido, comprometer o uso ou fazer falhar; e c) deteriorar – que significa pôr em mal estado, degenerar ou tornar economicamente inferior[37].

2.2.5.1 Dano qualificado

O parágrafo único do artigo 163 trata das hipóteses em que o dano será qualificado e, consequentemente, terá os limites de pena alterados que passará a ser de seis meses a três anos de detenção e multa, além da pena correspondente à violência quando esta ocorrer. O dano será qualificado quando cometido:

I - com violência à pessoa ou grave ameaça;

II - com emprego de substância inflamável ou explosiva, se o fato não constitui crime mais grave

III - contra o patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista;

IV - por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima

Quando o dano for cometido por motivo egoístico ou com prejuízo considerável para a vítima, a ação penal será privada, nos demais casos será pública incondicionada.

2.2.5.2 Introdução ou abandono de animais em propriedade alheia

“Art. 164 - Introduzir ou deixar animais em propriedade alheia, sem consentimento de quem de direito, desde que o fato resulte prejuízo:

Pena - detenção, de quinze dias a seis meses, ou multa”.

O delito previsto nesse artigo somente se procede mediante queixa-crime. Trata-se de infração de menor potencial ofensivo, a qual é de competência do Juizado Especial Criminal.

Aqui, tutela-se a propriedade e a posse de bem imóvel contra danos que poderão ser produzidos por animais nele introduzidos ou abandonados[38].

Trata-se de crime material (exige a ocorrência do resultado), doloso, comum e que não admite a forma tentada.

2.2.5.3 Dano em coisa de valor artístico, arqueológico ou histórico

“Art. 165 - Destruir, inutilizar ou deteriorar coisa tombada pela autoridade competente em virtude de valor artístico, arqueológico ou histórico:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa”.

O delito previsto nesse artigo fora tacitamente revogado pelo artigo 62, inciso I da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais), que criou um delito mais específico do que este previsto no artigo 165 do Código Penal.

2.2.5.4 Alteração de local especialmente protegido

“Art. 166 - Alterar, sem licença da autoridade competente, o aspecto de local especialmente protegido por lei:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa”.

Assim como no delito anterior, o artigo 166 do Código Penal também foi revogado tacitamente pelo artigo 63 da Lei 9.605/98.

2.2.6 Da apropriação indébita

O Capítulo V do Título II do Código Penal dispõe sobre a apropriação indébita. Tal capítulo abrange os artigos 168 a 170 do referido Codex.

Assim dita o artigo 168, in verbis:

“Art. 168 - Apropriar-se de coisa alheia móvel, de que tem a posse ou a detenção:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

Como nos demais delitos até então estudados, o bem jurídico protegido por esse artigo é o patrimônio, ou seja, tutela-se o direito à propriedade[39].

O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, porém, esta deve ter a posse ou a detenção legítima da coisa alheia móvel. O sujeito passivo será o titular do direito patrimonial atingido pela ação tipificada[40].

Pode-se dizer que o crime de apropriação indébita caracteriza-se por uma quebra de confiança e por uma posterior mudança de comportamento por parte do sujeito ativo. Isto porque o proprietário (futuro ofendido), num primeiro momento, entrega voluntariamente a coisa móvel para o agente, confiando-lhe a detenção, entretanto, este inverte o ânimo da relação e passa a se comportar como dono da coisa. Aqui, observa-se que o dolo do agente é posterior.

A apropriação indébita simples, prevista no “caput” do artigo 168, divide-se em duas modalidades: a) propriamente dita e b) negativa de restituição.

A propriamente dita consuma-se com um ato de disposição do dono. Tal modalidade só pode ser realizada na forma comissiva.

A negativa de restituição ocorre quando o agente resolve ficar com a coisa para si e mesmo a vítima solicitando a restituição, esse se recusa a devolver a coisa.

A apropriação indébita é crime material, ou seja, haverá consumação somente com a ocorrência do resultado.

A admissão ou não da tentativa a tal delito é tema bastante controvertido na doutrina. Atualmente, entende-se que a tentativa será possível na apropriação indébita propriamente dita e será inadmissível quando tratar-se da negativa de restituição. 

A ação penal será pública incondicionada.

Nos delitos previstos neste capítulo V, o juiz poderá ocorrer a “apropriação indébita privilegiada”, hipótese em que o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, reduzi-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa, desde que o agente seja primário e seja de pequeno valor a coisa apropriada (art. 170 CP).

O delito em tela terá sua pena aumentada de um terço, quando o agente receber a coisa:

I - em depósito necessário;

II - na qualidade de tutor, curador, síndico, liquidatário, inventariante, testamenteiro ou depositário judicial;

III - em razão de ofício, emprego ou profissão

2.2.6.1 Apropriação indébita previdenciária

Art. 168-A. Deixar de repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no prazo e forma legal ou convencional:

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem deixar de:

I - recolher, no prazo legal, contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do público;

II - recolher contribuições devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços;

III - pagar benefício devido a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados à empresa pela previdência social.

§ 2º É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal. 

§ 3º É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:

I - tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou

II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.

Nesta espécie de apropriação, tutela-se o patrimônio de todos aqueles que fazem parte do sistema de seguridade previdenciária que foi estabelecido por nossa Constituição Federal em seus artigos 194 e 195[41].

O sujeito ativo desse crime será o responsável tributário, ou seja, aquele que por lei está obrigado a repassar a contribuição ao INSS. O sujeito passivo será o Estado[42].

O tipo subjetivo é o dolo. Por tratar-se de crime omissivo, no qual não é possível o fracionamento da conduta, não se admite a tentativa.

A doutrina e a jurisprudência mais recentes entendem que somente os incisos I e III do parágrafo 1º do artigo 168A são os que poderão eventualmente ocorrer na prática. Já que a hipótese do inciso II é inconstitucional.

Da mesma forma, o parágrafo 2º do referido artigo é também inaplicável.

O parágrafo terceiro trata do perdão judicial e do privilégio, facultando ao juiz o poder de decidir sobre perdoar ou aplicar somente a pena pecuniária quando o agente for primário e possuir bons antecedentes.

A ação penal será pública incondicionada e a competência para processar e julgar o feito será da justiça comum Federal.

Por fim, convém mencionar que a Lei 11.941/2009, que alterou a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários, estabeleceu que a punibilidade será extinta em qualquer momento do procedimento desde que seja efetuado o pagamento dos débitos.

2.2.6.2 Apropriação de coisa havida por erro, caso fortuito ou força da natureza

Art. 169 - Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Na mesma pena incorre:

Apropriação de tesouro

I - quem acha tesouro em prédio alheio e se apropria, no todo ou em parte, da quota a que tem direito o proprietário do prédio;

Apropriação de coisa achada

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.

No “caput” do artigo 169 do Código Penal observa-se que há duas infrações penais: a) a apropriação indébita de coisa havida por erro e b) a apropriação indébita de coisa havida por caso fortuito ou força da natureza.

Para a ocorrência da primeira espécie (erro), é necessário que a vítima esteja em situação de erro, ou seja, embora ela espontaneamente entregue o bem a terceiro, há uma incorreta percepção da realidade. O erro pode referir-se à pessoa a quem a coisa é entregue, à coisa entregue ou à existência da obrigação ou parte dela[43].

Na apropriação indébita havida por caso fortuito ou por força da natureza, pressupõe-se a ocorrência de um acontecimento acidental e inevitável, sem a participação, inicial, do homem. Para a configuração desse delito, o agente deve saber que a coisa é alheia.

Trata-se de crime doloso e comum.

Tanto na hipótese do “caput” quanto na hipótese dos incisos I ou II do parágrafo único do artigo 169, a competência para processar e julgar o delito será do Juizado Especial Criminal haja vista que constituem infrações de menor potencial ofensivo cuja pena máxima não ultrapassa dois anos de reclusão ou detenção.

2.2.7 Do estelionato e outras fraudes
2.2.7.1 Do estelionato

O crime de estelionato está previsto no artigo 171 do Código Penal, in verbis:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

Através de uma simples leitura do artigo 171 é possível conceituarmos o delito de estelionato. No estelionato a vantagem ilícita é obtida através de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento que induza a vítima ou a mantenha em erro.

É importante mencionar que no estelionato o agente visa pessoa determinada. A indução ou manutenção em erro de número indeterminado de pessoas caracteriza crime contra economia popular e não estelionato.

O bem jurídico protegido é a inviolabilidade do patrimônio, diretamente e indiretamente tutela-se o interesse social e o interesse público de reprimir a fraude causadora de dano alheio[44].

Tanto o sujeito ativo quanto o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa, haja vista que se trata de crime comum.

Exige-se o dolo especifico. É crime material, que consuma-se no momento em que o agente obtém a vantagem ilícita em prejuízo alheio.

A ação penal será pública incondicionada e por tratar-se de crime plurissubsistente, admite-se a tentativa.

O estelionato será privilegiado nos termos do parágrafo 1º do artigo 171:

“§ 1º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor o prejuízo, o juiz pode aplicar a pena conforme o disposto no art. 155, § 2º”.

Quando o agente for primário e o prejuízo causado à vítima for de pequeno valor, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

O parágrafo 2º do artigo em análise prevê mais seis figuras de estelionato, as quais descrevem situações mais específicas, porém terão as mesmas penas do “caput”. São elas:

Disposição de coisa alheia como própria

I - vende, permuta, dá em pagamento, em locação ou em garantia coisa alheia como própria;

Alienação ou oneração fraudulenta de coisa própria

II - vende, permuta, dá em pagamento ou em garantia coisa própria inalienável, gravada de ônus ou litigiosa, ou imóvel que prometeu vender a terceiro, mediante pagamento em prestações, silenciando sobre qualquer dessas circunstâncias;

Defraudação de penhor

III - defrauda, mediante alienação não consentida pelo credor ou por outro modo, a garantia pignoratícia, quando tem a posse do objeto empenhado;

Fraude na entrega de coisa

IV - defrauda substância, qualidade ou quantidade de coisa que deve entregar a alguém;

Fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro

V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as conseqüências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

Fraude no pagamento por meio de cheque

VI - emite cheque, sem suficiente provisão de fundos em poder do sacado, ou lhe frustra o pagamento.

Por fim, é importante mencionar que a pena no crime de estelionato será aumentada de um terço, se o crime for cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência (§3º).

2.2.7.2 Outras fraudes
2.2.7.2.1 Duplicata simulada

“Art. 172 - Emitir fatura, duplicata ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, em quantidade ou qualidade, ou ao serviço prestado.

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”.

O Código Penal em seu artigo 172 tipificou a conduta daquele que põe em circulação duplicata, fatura ou nota de venda que não corresponda à mercadoria vendida, divergindo na quantidade, qualidade ou no serviço prestado.

Aqui, além da tutela ao patrimônio particular, protege-se também a boa-fé que devem integrar as relações mercantis[45].

O sujeito ativo será aquele que emite fatura, duplicata ou nota de venda, enquanto que o sujeito passivo será o recebedor, aquele que desconta a duplicata, e o terceiro de boa-fé contra p qual é sacada a duplicata, emitida a fatura ou nota de venda[46].

O elemento subjetivo é o dolo. A tentativa é inadmissível, a ação penal é pública incondicionada e a consumação ocorre independentemente do prejuízo, consumando-se como a mera emissão da duplicata, fatura ou nota de venda.

Na mesma pena (dois a quatro anos de detenção e multa) incorrerá aquele que falsificar ou adulterar a escrituração do Livro de Registro de Duplicatas (parágrafo único do artigo 172).

2.2.7.2.2 Abuso de incapazes

Art. 173 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, de necessidade, paixão ou inexperiência de menor, ou da alienação ou debilidade mental de outrem, induzindo qualquer deles à prática de ato suscetível de produzir efeito jurídico, em prejuízo próprio ou de terceiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

O artigo 173 protege o patrimônio pertencente ao menor ou pessoa com debilidade (ou alienação) mental, impedindo abuso por parte de terceiro que vise o alcance de efeito jurídico, em proveito próprio ou alheio, que acarrete prejuízo à vítima incapaz[47].

O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa. Já o sujeito passivo será o menor, o alienado ou o débil mental.

Admite-se a tentativa e o elemento subjetivo, assim como nos crimes já estudados, é o dolo.

A consumação ocorrerá independentemente da obtenção do proveito almejado, por isso mesmo diz-se que o crime é formal.

A ação penal será pública incondicionada.

2.2.7.2.3 Induzimento à especulação

Art. 174 - Abusar, em proveito próprio ou alheio, da inexperiência ou da simplicidade ou inferioridade mental de outrem, induzindo-o à prática de jogo ou aposta, ou à especulação com títulos ou mercadorias, sabendo ou devendo saber que a operação é ruinosa:

Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Ao discorrer sobre esse delito, Rogério Sanches Cunha comenta: “tutela-se o patrimônio da pessoa ingênua, crédula ou de mentalidade inferior contra a ação do agente que abusa de sua condição para obter proveito próprio ou alheio. Se a norma visa a reprimir a prática de jogatina ou de especulação, não se pode olvidar que seu objetivo principal é de fato a proteção do patrimônio do indivíduo simplório ou pouco desenvolvido mentalmente”[48].

Diante disso, temos que o sujeito passivo será a pessoa simples, inexperiente ou com mentalidade inferior. O sujeito ativo, por sua vez, poderá ser qualquer pessoa.

Trata-se de crime doloso e formal. A ação penal também será pública incondicionada.

2.2.7.2.4 Fraude no comércio

Art. 175 - Enganar, no exercício de atividade comercial, o adquirente ou consumidor:

I - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;

II - entregando uma mercadoria por outra:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

§ 1º - Alterar em obra que lhe é encomendada a qualidade ou o peso de metal ou substituir, no mesmo caso, pedra verdadeira por falsa ou por outra de menor valor; vender pedra falsa por verdadeira; vender, como precioso, metal de ou outra qualidade:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

§ 2º - É aplicável o disposto no art. 155, § 2º.

O crime previsto neste artigo 175 tem como objetividade jurídica a proteção do patrimônio, bem como da boa-fé que deve nortear as relações comerciais

O sujeito ativo somente poderá ser aquele que exerce algum tipo de atividade comercial, por isso temos que o crime é próprio. O sujeito passivo, por sua vez, poderá ser qualquer pessoa.

O núcleo do tipo é enganar, que significa ludibriar, iludir ou induzir em erro[49]. O engano pode ser dar através da venda ou entrega da mercadoria.

Trata-se de crime doloso, que admite a forma tentada. A ação penal será pública incondicionada.

O parágrafo 1º do artigo 175 prevê as hipóteses em que o delito será qualificado.

Quando o criminoso for primário e de pequeno valor a coisa, o juiz poderá substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuir a pena de um a dois terços ou aplicar somente a pena de multa (§2º).

2.2.7.2.5 Outras fraudes

Art. 176 - Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:

Pena - detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante representação, e o juiz pode, conforme as circunstâncias, deixar de aplicar a pena.

O delito supracitado pune o agente que tomar refeição, alojar-se em hotel ou utilizar meio de transportes sem dispor de recursos para efetuar o pagamento.

O sujeito ativo dessa figura típica poderá ser qualquer pessoa, enquanto que o sujeito passivo será aquele que presta o serviço.

Admite-se a forma tentada. O elemento subjetivo é o dolo.

Nos termos do parágrafo único, a ação penal será pública condicionada à representação. É importante mencionar ainda que, dependendo do caso, o juiz poderá deixar de aplicar a pena e conceder o perdão judicial ao acusado.

2.2.7.2.6 Fraudes e abusos na fundação ou administração de sociedade por ações

Art. 177 - Promover a fundação de sociedade por ações, fazendo, em prospecto ou em comunicação ao público ou à assembléia, afirmação falsa sobre a constituição da sociedade, ou ocultando fraudulentamente fato a ela relativo:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa, se o fato não constitui crime contra a economia popular.

§ 1º - Incorrem na mesma pena, se o fato não constitui crime contra a economia popular:

I - o diretor, o gerente ou o fiscal de sociedade por ações, que, em prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou à assembléia, faz afirmação falsa sobre as condições econômicas da sociedade, ou oculta fraudulentamente, no todo ou em parte, fato a elas relativo;

II - o diretor, o gerente ou o fiscal que promove, por qualquer artifício, falsa cotação das ações ou de outros títulos da sociedade;

III - o diretor ou o gerente que toma empréstimo à sociedade ou usa, em proveito próprio ou de terceiro, dos bens ou haveres sociais, sem prévia autorização da assembléia geral;

IV - o diretor ou o gerente que compra ou vende, por conta da sociedade, ações por ela emitidas, salvo quando a lei o permite;

V - o diretor ou o gerente que, como garantia de crédito social, aceita em penhor ou em caução ações da própria sociedade;

VI - o diretor ou o gerente que, na falta de balanço, em desacordo com este, ou mediante balanço falso, distribui lucros ou dividendos fictícios;

VII - o diretor, o gerente ou o fiscal que, por interposta pessoa, ou conluiado com acionista, consegue a aprovação de conta ou parecer;

VIII - o liquidante, nos casos dos ns. I, II, III, IV, V e VII;

IX - o representante da sociedade anônima estrangeira, autorizada a funcionar no País, que pratica os atos mencionados nos ns. I e II, ou dá falsa informação ao Governo.

§ 2º - Incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa, o acionista que, a fim de obter vantagem para si ou para outrem, negocia o voto nas deliberações de assembléia geral.

O crime em questão tem como objetividade jurídica a tutela do patrimônio dos acionistas[50].

O sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa. Por ser delito próprio, somente o sócio-fundador da sociedade por ações é que poderá ser o sujeito ativo.

Trata-se de crime doloso e formal, que admite a forma tentada.

2.2.7.2.7 Emissão irregular de conhecimento de depósito ou "warrant"

“Art. 178 - Emitir conhecimento de depósito ou warrant, em desacordo com disposição legal:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa”.

Além da tutela ao patrimônio, o delito em estudo tem também como objetividade jurídica a credibilidade comercial dos títulos de créditos.

O sujeito ativo é o emitente do conhecimento de depósito ou warrant e o sujeito passivo é o endossatário ou portador do conhecimento de depósito ou warrant[51].

O elemento subjetivo é o dolo, admite-se a tentativa e a consumação ocorre com a circulação dos títulos.

A ação penal é pública incondicionada.

2.2.7.2.8 Fraude à execução

Art. 179 - Fraudar execução, alienando, desviando, destruindo ou danificando bens, ou simulando dívidas:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Parágrafo único - Somente se procede mediante queixa.

Acerca do bem jurídico tutelado por esse tipo penal, Cezar Roberto Bittencourt comenta:

O bem jurídico protegido, nesse tipo penal, também é o patrimônio, mais especificamente contra manobras ardilosas ou fraudulentas de devedores que, na tentativa de inviabilizar a ação judicial de seus credores, procuram evitar a execução forçada[52].

Pode-se dizer que tal dispositivo visa garantir a administração da justiça, já que preza pelo cumprimento das decisões judiciais.

O sujeito ativo será sempre o devedor demandado judicialmente[53].  O sujeito passivo será o credor do direito que a execução visa garantir.

A fraude que trata esse artigo poderá ocorrer por meio de cinco formas distintas, quais sejam: 1) alienação, 2) desvio, 3) destruição, 4) danificação e 5) simulação de dívidas.

A consumação ocorre no momento em que o agente emprega a fraude e coloca-se em estado de insolvência, de modo a impossibilitar a execução. Admite-se a tentativa.

A ação penal será privada, nos termos do parágrafo único do artigo 179.

2.2.8 Da receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

A receptação é um crime que tem como objetividade jurídica o patrimônio. O sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa, haja vista tratar-se de crime comum.

O sujeito passivo será o proprietário da coisa produto de crime.

O objeto material será a coisa móvel ou imóvel produto de crime. Assim, é pressuposto da receptação a ocorrência de um crime anterior, mesmo que não tenha sido objeto de inquérito policial ou processo crime.

Nos termos do parágrafo 4º: “A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa”.

O “caput” do artigo 180 prevê duas modalidades de receptação simples: a própria e a imprópria.

A receptação simples dolosa própria está prevista na primeira parte do “caput” e é representada pelos verbos: adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar.

A receptação simples dolosa imprópria está prevista na segunda parte do “caput” e caracteriza-se pela influência para que terceiro de boa-fé adquira, receba ou oculte coisa que sabe ser produto de crime.[54]

O delito será qualificado quando a receptação ocorrer no exercício de atividade comercial, conforme preleciona o parágrafo 1º do artigo 180, in verbis:

Receptação qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

No caso da receptação qualificada, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em residência, equiparar-se-á à atividade comercial (§2º).

Assim como em outros delitos, o legislador também criou a figura privilegiada da receptação. A segunda parte do parágrafo 5º do artigo 180 possibilita ao juiz que no caso da receptação dolosa, sendo o criminoso primário e de pequeno valor a coisa, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. 

2.2.8.1 Receptação culposa

O crime de receptação é o único crime contra o patrimônio no qual o legislador previu a modalidade culposa.

A receptação culposa, também conhecida como receptação negligente está descrita no parágrafo 3º do artigo 180 que dita:

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

Nesta modalidade de receptação o agente deveria presumir que a coisa que adquiriu ou recebeu era produto de crime em razão da natureza da coisa, da desproporção entre o valor e o preço ou em razão da condição em que a coisa foi oferecida.

A receptação negligente é infração de menor potencial ofensivo e por isso o processamento e julgamento do feito será de competência do Juizado Especial Criminal.

Em se tratando de receptação culposa, se o criminoso for primário, o juiz poderá, na análise do caso concreto, deixar de aplicar a pena (§5º, 1ª parte).

2.2.8.2 Causa de aumento de pena

A pena do “caput” do artigo 180 será aplicada em dobro quando o objeto do crime for bens ou instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista (§6º).

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Sobre a autora
Aline Albuquerque Ferreira

Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. Ex-Advogada. Pós-graduada em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público. Pós- graduanda em Direito Público. Possui graduação em direito pela Universidade Paulista (2011). Aprovada no IV Exame da Ordem. Tem experiência em direito, com ênfase em direito penal e direito do consumidor.Foi estagiária concursada do Ministério Público Estadual (área criminal) e Ministério Público Federal (área: tributária, constitucional). Foi estagiária da magistratura estadual de São Paulo na área criminal, estagiária na vara das execuções criminais de São Paulo e Vara das Execuções Fiscais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Aline Albuquerque. A aplicação do princípio da insignificância nos crimes contra o patrimônio do Código Penal Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3263, 7 jun. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21947. Acesso em: 19 abr. 2024.

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