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Doutrina da proteção integral e sua disparidade com a realidade: a marginalização da criança e do adolescente

23/08/2012 às 10:55
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O estudo da doutrina da proteção integral justifica-se em razão de crianças e adolescentes serem pessoas em eventual risco social, que possuem condições peculiares de desenvolvimento.

Resumo: A Doutrina da Proteção Integral instaura crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e garantias fundamentais, considerando-os indivíduos em condição peculiar de desenvolvimento, com o status de absoluta prioridade. Este artigo tem como ponto principal fazer uma analise entre a disparidade da política da proteção integral e a realidade de crianças e adolescentes no Brasil. O presente texto possibilita o estudo das normas garantidoras desses direitos fundamentais para a criança e o adolescente, como também, um breve estudo da sociedade brasileira. Assim, objetiva-se fomentar a reflexão quanto à fragilidade das políticas públicas frente ao problema de crianças e adolescentes, para protelar o cumprimento dos direitos que a eles são constitucionalmente garantidos.


Introdução

Um dos fundamentos basilares da Constituição Federal Brasileira e de nosso Estado Democrático de Direito é a proteção dos direitos humanos. O legislador, no que tange à área dos direitos da criança e do adolescente, particularizou dentre os direitos fundamentais, aqueles que são indispensáveis à formação do individuo ainda em desenvolvimento. E adotou a Doutrina da Proteção Integral como fonte garantidora da preservação da dignidade humana para crianças e adolescentes.

A doutrina da Proteção Integral encontra-se expressa no artigo 227 da Constituição Federal de 1988. Esta substitui a antiga doutrina da Situação Irregular adotada pelo Código de Menores de 1979, que se limitava a tratar os menores de dezoito anos privados de condições essenciais de vida. Podemos afirmar, destarte, que, com a adoção da doutrina da proteção integral, firmou-se uma ruptura com o passado e uma interação com o principio da dignidade da pessoa humana. Passou-se, então, a assegurar-se pela primeira vez às crianças e aos adolescentes direitos e garantias fundamentais como qualquer outro ser humano. Conforme podemos conferir na literalidade do artigo:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Art. 227, caput, CF/88)

Desse modo, a Doutrina da Proteção Integral é aquela que insere a criança e o adolescente como sujeitos de direitos fundamentais, intitulado “Direito da Criança e Adolescente”. O foco desta doutrina não seria somente remediar os problemas acarretados a estes menores, mas também atuar com prevenção a marginalidade, a negligência dos pais e responsáveis, dentre outros. Assim, além dos direitos fundamentais da pessoa humana, as crianças e adolescentes gozam do direito subjetivo de “desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, preservando sua liberdade como também sua dignidade” (Artigo 3º ECA).

 Os direitos instaurados pela constituição federal em seu artigo 227 são de aplicação imediata, segundo o art. 5º §1º da CF: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”. O que significa dizer que os direitos fundamentais devem alcançar eficácia máxima, que em realidade, consiste em uma efetiva execução de tais normas. Trata-se, portanto, de um direito abrangente, universal e principalmente exigível. Contudo, embora a constituição estabeleça suficientes bases para a concretização destes direitos, o que existe de fato é uma imensa distância entre a realidade e a lei.

A lei 8.069 de 13 de julho de 1990, ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE (ECA) dispôs integralmente sobre a proteção integral da criança e adolescente, regulamentou os direitos e buscou dar efetividade a norma constitucional, baseando-se em dois fundamentos: a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a afirmação de que a criança e o adolescente são sujeitos de direito. Dessa forma, o princípio da prioridade absoluta, o princípio do melhor interesse da criança e o princípio da municipalização são orientadores do ECA. São princípios que elevam a criança e o adolescente com prioridade absoluta em todos os aspectos, nos quais sempre deverá ser observada a vontade desse menor e a atuação do estado deverá ser descentralizada para uma real efetividade da política assistencial. O principio da municipalização faz observar que em todos os municípios deveria constar, pelo menos, um órgão do Conselho Tutelar.

A fim de garantir, minimamente, condições adequadas de crescimento, desenvolvimento pleno como pessoa, e para compor um adulto com dignidade, o qual exerça sem restrições sua cidadania e qualificação para o mercado de trabalho, o artigo 4º ECA, declara a responsabilidade solidária entre o Estado, a Família e a Sociedade em resguardar os direitos com “Absoluta prioridade”:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Com efeito, a lei do ECA estabelece as relações da criança e do adolescente no âmbito da família, da sociedade e do estado, garante a efetividade da proteção integral, prevendo uma série de medidas governamentais  por meio de políticas sociais, como por exemplo programas de assistência social, atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde, seja ele médico, odontológico, psicológico, proteção jurídico-social por entidades e serviços especiais de prevenção. Assim sendo, o ECA abrange indistintamente todas as crianças e adolescentes, inclusive menores que possuem necessidades especiais e configura o direito a tratamento diferenciado. De tal modo, é perceptível que qualquer menor no Brasil, inclusive o infrator, deverá ser submetido às medidas de assistência e proteção.

Voltando ao impasse entre a realidade e a lei, é importante salientar que as normas do ECA não são normas de caráter punitivo, e sim de amparo, são, portanto, normas de caráter protetor e atuam dentro de um contexto social bastante complexo. Daí nasce a liberdade de afirmar que existe uma disparidade sem igual entre o que seria a idealização da lei e o contexto real, o qual não depende apenas do Direito para que haja uma mudança da realidade socioeconômica. Deve-se perceber que a maioria das crianças e adolescentes em nosso país vivem com as mais básicas políticas públicas de educação, de segurança e de cultura. Nessa perspectiva, a juventude sofre diretamente o impacto de toda nossa desestrutura social. João Benedito (1976, p. 22) descreveu uma realidade que permanece em nossa sociedade até os dias atuais:

O menor é vítima da irresponsabilidade dos pais que o geraram e o abandonaram. O menor é vitima da dissolução da família e do mau exemplo dos pais. O menor é vitima de uma gestação atribulada e muitas vezes não querida. O menor é vitima da subnutrição da infância, do analfabetismo, das estruturas sociais injustas que o marginalizam. O menor é vítima do mau contato inicial com a polícia, muitas vezes traduzido em violências abomináveis e desnecessárias. O menor é vitima da incompreensão dos adultos e das distorções dos meios de comunicação em massa. O menor é vítima da falta de preparação profissional, que o coloca na situação de subemprego permanente. O menor é vitima daqueles que, deveriam assisti-los nos institutos de tratamento e mal preparados contribuem para a maior deformação de sua personalidade. Ora se o menor é vitima de uma sociedade de consumo, desumana e muitas vezes cruel, há que ser tratado e não punido, preparado profissionalmente e não marcado pelo rótulo fácil de infrator, pois foi a própria sociedade que infringiu as regras mínimas que deveriam ser oferecidas ao ser humano quando nasce, não podendo, depois hipocritamente agir com rigor contra o ser indefeso e subproduto de uma situação social anômala.

É importante visar que na data em que foi descrita esta citação ainda estava vigente o primeiro código de menores do ano de 1927, os anos se passaram e em 1979 foi promulgado um novo código de menores e em 1990 com o Estatuto da Criança e do Adolescente podemos afirmar que houve sim uma tentativa dos nossos legisladores em aprimorar as nossas normas para melhor atender as necessidades desta faixa etária, e o que se percebe é que os instrumentos previstos em norma não funcionam efetivamente de acordo com a sua finalidade, pois não há estrutura real para sua aplicação, o problema é eminentemente social.

Desse modo, a finalidade deste artigo se constitui devido os vários preceitos que norteiam a política da proteção integral de atendimento da infância e juventude e a inoperância dessa política na realidade das crianças e adolescentes no país, que vivem, muitas vezes em situações indignas. O que demonstra certo descaso com suas necessidades e direitos, que são inerentes a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, é fundamental o estudo dos aspectos sociais e normativos para uma avaliação desta inoperatividade do estado. Como também se torna necessário visualizar os aspectos da atividade do Estado quanto aos menores sujeitos às medidas de proteção e medidas sócio-educativas, de modo comparativo com a legislação que rege sua finalidade protetiva e amparativa. Quanto aos objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória, procurando aprimorar idéias e buscando maiores informações sobre o tema.

Isto é, este ensaio é uma analise na qual se objetiva fomentar o processo de reflexão quanto à fragilidade das políticas públicas frente ao problema de crianças e adolescentes em conflito com a lei, para protelar o cumprimento dos direitos que a eles são constitucionalmente garantidos.


Intricada relação entre o Estado, a Sociedade e a Família na busca pelos direitos infanto-juvenis.

De acordo com o artigo 7° do Estatuto, a criança e adolescente têm direito a proteção à vida, e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência. Assim, as políticas sociais são de incumbência do Poder Executivo, que deve reservar parte de seu orçamento para que possa realizar esses objetivos. Conseqüentemente, o princípio da Prioridade Absoluta da criança e adolescente deve figurar obrigatoriamente entre as prioridades das autoridades públicas.

Segundo o artigo 86° do ECA, a política de atendimento dos direitos da criança e adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. O que significa que as responsabilidades pelas políticas públicas pertencem a três esferas de entes governamentais: União, Estados e Municípios. Conforme o entendimento de Patrícia Silveira Tavares,

[...] política de atendimento compreende, como o conjunto de instituições, princípios, regras, objetivos e metas que dirigem a elaboração de planos destinados à tutela dos direitos da população infanto-juvenil permitindo desta forma, a materialização do que é determinado, idealmente, pela ordem jurídica. (TAVARES, 2008, p. 273)

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Em uma analise dos artigos 87º e 88º ECA, pode-se inferir que o primeiro delimita as linhas de ação da política de atendimento, estabelecendo os tipos de políticas e os serviços que deverão ser disponibilizados pelo Estado. Já o segundo dispõe as diretrizes em que a política de atendimento deve atuar, como por exemplo, a municipalização do atendimento e a criação e manutenção de fundos nacional, estaduais e municipais vinculados aos conselhos dos direitos da criança e do adolescente.

É notório que não apenas o Estado deixa de cumprir sua obrigação para com a população infanto juvenil. A desestruturação familiar também constitui um valor relevante. E esses dois fatores estão intimamente ligados. Outro aspecto que não contribui para o conforto da população infanto juvenil é a situação econômica e social do país que, muitas vezes, tem resultado em baixo poder aquisitivo das famílias, falta de oportunidade de trabalho, e pouca perspectiva para o futuro, além de alto índice de violência nos centros urbanos. São inúmeros os problemas enfrentados pelas crianças e adolescentes, dentre eles podemos citar: a fome, o abandono, os maus-tratos, a exploração sexual, o trabalho infantil, o abuso, a violência doméstica, a tortura, a precariedade dos serviços públicos de educação e saúde.  Desse modo, a sociedade se depara com crianças e adolescentes vivendo nas ruas, vítimas de maus tratos e em jovens praticantes de atos infracionais. É interessante observar que justamente para se ter um maior controle dessa desestruturação social existe a distribuição de responsabilidade entre o Estado, a Família e a Sociedade chamada de co-responsabilidade.

A sociedade, quando omissa à criminalidade sofrida por crianças e adolescentes, colabora para a real situação social dessa faixa etária, podendo-se constatar que a criminalidade na infância e juventude, esta ligada a própria negligencia da família, como educadora e formadora de princípios. É importante destacar que não é apenas a sanção definida pelo Estado para o infrator que o impede de cometer o crime, muito acima dessa sanção e que pode fazer o agente não optar pela infração são justamente os princípios intitulados e ensinados pela família. Quando uma criança ou adolescente chega a cometer ato infracional, acredita-se, que este provavelmente não tenha recebido de seu meio familiar valores e limites necessários para impedi-lo de desrespeitar direitos de outros seres humanos. 

Diante do panorama descrito, mesmo que se possam observar leis que estipulem o endereçamento de verbas para a infância e juventude, não raro, essas verbas não são destinadas para a finalidade previamente definida, muitas vezes por simples falta de aplicação, confirmando uma possível hipótese de falta de vontade política a fim de priorizar os recursos orçamentários suficientes às garantias dos direitos fundamentais.

Em contrapartida, atualmente temos uma Proposta de Emenda Constitucional que tramita na Assembléia Legislativa Estadual do Maranhão, para tornar explicita a proibição do corte de verbas nas áreas da saúde, educação e assistência Social para a população infanto-juvenil. No Estado do Maranhão a PEC é representada pelo Promotor de Justiça da Infância e Juventude Márcio Thadeu Silva Marques, que define a PEC em tramitação como uma grande proposta de emenda legislativa, que irá assegurar a prioridade absoluta no tratamento da criança e do adolescente e principalmente garantir orçamento para realização de políticas públicas em favor delas. Nesse sentido, o Promotor de Justiça e Coordenador Estadual da ABMP (Associação Brasileira dos Ministérios Públicos) Márcio Thadeu Silva Marques, “Criança: Prioridade Absoluta no Orçamento”:

O Brasil comprometeu-se com o interesse superior de crianças e adolescentes, como norma definidora de suas prioridades, por dois instrumentos normativos essenciais. O primeiro é a Constituição Federal, que em seu art. 227, afirma ser obrigação comum da família, da sociedade e do Poder Público a promoção e garantia de todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais para a população infanto-juvenil, em regime de primazia, bem como atribui, como tarefa comum a todos, a prevenção de lesões ou mesmo ameaças de lesões a tais direitos. Por outro lado, no plano do Direito Público Internacional, o país assumiu igual compromisso com a doutrina da Proteção Integral dos interesses de meninos, meninas e adolescentes por meio da Convenção da ONU, introduzida nacionalmente pelo Decreto nº. 99.710/90, que, segundo o STF 466.34327), tem força supra legal, em patamar acima das demais leis. Assim, o compromisso do Estado Brasileiro e, em atenção ao Pacto Federativo, de todos Municípios e Estados, é de construção de políticas públicas, em todas as áreas, para atendimento primaz das demandas de infanto adolescentes, o que exige presteza no planejamento e, antes de tudo, privilégio na dotação e execução do orçamento, como anota a Assembléia Legislativa, por sua Comissão de Constituição e Justiça, no parecer nº. 150/2009 (DAL de 08/07/2009), em clara orientação confirmatória do art. 4º da mencionada Convenção.

Nesse aspecto, faz se necessário observar que não bastam as normas garantidoras dos direitos infanto-juvenis, é preciso elaboração de emenda constitucional para proibir o corte de verbas para esta área. Outrossim, os entes federativos responsáveis pela atuação na área infanto-juvenil, e os co-responsáveis (Estado, Família e Sociedade) devem priorizar e conscientizar de sua função como propulsor da sociedade, permitindo que a infância e a juventude tenham seus direitos e garantias respeitadas.


Uma analise sobre a Maioridade Penal

Conforme o artigo 2º do Estatuto, a criança trata-se da pessoa de até doze anos de idade incompletos e o adolescente da pessoa entre doze e dezoito anos. Considera-se, no ordenamento jurídico brasileiro, que a criança e o adolescente não cometem crime, pois não preenchem o requisito culpabilidade, pressuposto de aplicação de pena. Eles são inimputáveis por imaturidade natural, o que ocorre em virtude de uma presunção legal que, por questões de política criminal, entende o legislador brasileiro que os menores de 18 anos não gozam de plena capacidade de entendimento que lhes permita imputar a prática de um fato típico e ilícito. Isso significa que, adota-se, portanto o critério puramente biológico para esta definição.

Segundo Rogério Grecco, a aferição do critério biológico reside na aferição da doença mental ou no desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Portando, a imputabilidade penal é conferida apenas aos maiores de dezoito anos, e o delito cometido por crianças e por adolescentes é denominado tecnicamente de ato infracional. Assim, o ato infracional cometido por criança cabe medida de proteção, e o ato infracional cometido por adolescentes cabe aplicação de medida sócio educativa. Conforme podemos conferir no artigo 103º do ECA: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção”.

Em resumo, as conseqüências punitivas impostas pelo código penal, não são aplicadas às crianças e aos adolescentes, ficando estes, portanto, sujeitos as normas de legislação especial, que remetem ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Como aponta o artigo 27º do Código Penal Brasileiro “Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”, e a redação do artigo 104º, caput, da Lei 8-069/90, “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei”. O legislador para reafirmar a inimputabilidade de crianças e adolescentes preocupou-se em tornar este, matéria constitucional, conforme podemos conferir no artigo 228º da Constituição Federal Brasileira “São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”.

Assim sendo, é importante visar que a condição peculiar das crianças e adolescentes, não retira a responsabilidade de seus atos infracionais, somente invalida sua possibilidade de punição. Os métodos de responsabilização utilizados para as crianças e os adolescentes possuem como caráter a reinserção desses menores na sociedade e no meio familiar. Desse modo, a criança infratora será submetida às normas do artigo 101º ECA, que são as medidas de proteção, como por exemplo: abrigo em entidade e colocação em família substituta. Já o adolescente infrator se sujeitará as normas do artigo 112° ECA, qual visa medidas sócio educativas a serem aplicadas, como por exemplo:  obrigação de reparar o dano, prestação de serviços a comunidade, liberdade assistida, regime de semiliberdade, como também algumas medidas de proteção (art. 101° incisos I a VI). De uma forma geral são garantidos a esses menores o apoio de orientadores, a inclusão através de tratamentos psicológicos, hospitalares, e a obrigatoriedade da escola.

Por outro lado, as ameaças e violação feitas pelo Estado, pela Sociedade e pela Família, repercutem na conduta da criança e do adolescente, o que possibilita a sua inserção na criminalidade. Nesse sentido, faz-se importante a abordagem ao desrespeito aos adolescentes infratores. Estes além de sofrerem por muitos problemas já mencionados, como a ineficiência de políticas públicas na disposição de serviços públicos de saúde, de educação, como também sua atuação contra a exploração, o abuso, os maus-tratos. Os adolescentes infratores, além de sofrerem muitos dos problemas apontados acima, sofrem violações ao adentrar no sistema sócio educativo, já que os regimes a eles impostos, muitas vezes, não são realizados de acordo com o que prega a lei, interferindo no objetivo ressocializador das medidas sócio educativas.

Observa-se, outrossim, que o meio de responsabilização aplicado ao adolescente infrator tem como finalidade a sua ressocialização, elencados no artigo 112 ECA, pois o doutrinador ao estipular esta, pressupõe que este jovem já tenha sido socializado. O que podemos perceber é que diante do quadro descrito no decorrer do texto, há falhas nesse sistema, pois este jovem pode não chegar a ser “socializado”, nesse contexto, como “ressocializá-lo”.

A educação, a estrutura familiar e o ambiente social influenciam na formação da personalidade de um individuo e na maneira como se relaciona com o mundo. Daí a explicação do aumento da criminalidade de crianças e adolescentes. Não raro, o menor infrator é influenciado pelo meio social e atua ilicitamente com tamanha brutalidade, provoca revolta, indignação e mobiliza toda a sociedade. Há de se observar também que o aumento de delitos graves cometidos por crianças e adolescentes esta ligado ao fácil acesso a armas de fogo. Assim, parece haver sempre um protesto da população brasileira contra a violência e o descaso das autoridades. E são nessas horas que o clamor social acaba demandando atitudes por parte de nossos legisladores, com o intuito de dar uma solução imediata à sociedade.

Diante desse quadro, o Estado, visando uma remedição desse problema, propaga promessas de incentivos em prol de punições mais severas aos menores infratores. O argumento de que ao adolescente que pratica um ato infracional será aplicada uma medida sócio educativa, nos termos previstos no ECA, não tem o condão de convencer a sociedade, que em sua maioria, cada dia pugna pela redução da maioridade penal para os 16 anos.

Quando o Código Penal em vigor fixou a responsabilidade penal aos dezoito anos, o legislador examinando nossa realidade entendeu que a melhor solução seria deixar os menores sob medidas cautelares de leis especiais, com a intenção de afastá-los de criminosos adultos. A preocupação com a maioridade penal levou o legislador constituinte a inserir na CF, um artigo específico, que é o artigo 228. Segundo Rogério Grecco, apesar da inserção da maioridade penal a CF, não impede que por vontade política seja feita à redução penal uma vez que tal artigo não pertence ao rol das cláusulas pétreas. Assim, somente seria permitida a alteração por meio de emenda constitucional.

Neste aspecto, tem-se como exemplo a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 171/1993, de autoria de Benedito Domingues, visando à redução da maioridade penal de dezoito anos para dezesseis. Que já está pronta para pauta de votação. Acredita-se nesse caso que a redução da idade penal passa a ser à solução para a criminalidade, revelando assim, uma mentalidade punitiva. Contrariando a intenção protetiva de nossa norma.

Deste modo, se o problema é eminentemente social, seria a redução da maioridade penal a melhor solução?

Este é um assunto de extrema complexidade, e suas discussões vem há tempos causando muita polemica. A questão é que se trata de um problema de deve ser ajustado em sua raiz, na estrutura da sociedade, portanto, somente a diminuição da idade penal jamais diminuiria a criminalidade e suas manifestações mais violentas.

Na percepção do senso comum, o que mais interessa é o afastamento do menor infrator do meio social. Pois, acredita-se que ao retirar o individuo malfeitor do meio social para a prisão, extingue-se o crime, subjetivando a criminalidade como uma prática individual e isolada.  

Nesse sentido, podemos apontar o quanto é complexo definir quando o menor pode ser devidamente responsável e punido por suas ações ilícitas. Segundo a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva, vários estudiosos defendem a possibilidade de se estabelecer o diagnóstico de psicopatia para os menores delinqüentes antes dos dezoito anos, cientistas de diversos países vêm testando uma versão adaptada do “PCL-R” [1] que se trata de um “checklist” da psicopatia para jovens. A aplicação deste “checklist” em crianças e adolescentes com comportamentos frios e transgressores revelou que eles apresentam critérios de psicopatia semelhantes aos dos adultos, inclusive com os mesmos riscos elevados de reincidência criminal. De acordo com esse ponto de vista “algumas” crianças e adolescentes, independentemente de sua condição de imaturidade biológica, possuem uma estrutura plenamente desenvolvida de seus cérebros, sabendo distinguir o certo do errado e compreendendo, portanto, o caráter ilícito de seus atos. Nessa linha de pensamento, poderiam ser responsabilizados e penalizados pelos seus comportamentos transgressores com o mesmo rigor da lei do código penal brasileiro.

O estudo realizado pela psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, aplica-se apenas aos menores de dezoito anos que apresentam casos confirmados de psicopatia, o que levaria a considerar cada caso com sua justa individualização. O que já ocorre em países como os Estados Unidos² e a Inglaterra³. De um modo geral, pode-se deduzir que a redução da maioridade penal pouco vem a contribuir para a diminuição da violência. Tornando-se necessário fazer uma avaliação da personalidade do menor infrator. Essa analise faz-se oportuna para um melhor entendimento dos vários problemas sociais, que compõem o quadro da infância e juventude brasileira.    


CONCLUSÃO

Depois de serem abordados ponto de vistas aparentemente tão distantes, aponta-se para a necessidade de pesquisas e estudos que procurem amenizar e até mesmo resolver essa imensurável distancia que existe entre o texto da lei e a realidade social, econômica e cultural do Brasil.

Os direitos humanos são afirmados historicamente, na luta permanente contra a exploração, o domínio, a exclusão e vitimação do ser humano. A vontade do legislador constituinte ao instituir o Estado Democrático de Direito, teve a intenção de beneficiar a sociedade, baseando sua estrutura na soberania, na cidadania, na dignidade da pessoa humana. Objetivando alcançar uma sociedade livre, justa e solidaria.

O Estatuto da Criança e do Adolescente preza em seu texto questões essenciais que não podem de maneira alguma ser relegadas na formação infanto-juvenil. Como por exemplo, os direitos a vida, a saúde, a liberdade, ao respeito, a dignidade, a convivência familiar e comunitária, a educação, a cultura, ao esporte, ao lazer. Além de resguardá-los da fome, do abandono, dos maus-tratos, da exploração sexual, do trabalho infantil, do abuso, da violência doméstica, da tortura, da precariedade dos serviços públicos de educação e saúde, dentre inúmeras outras situações que atingem diretamente a formação dessa criança e desse adolescente.

Não obstante, a família, muitas vezes, padece de graves problemas de desestruturação. E o Estado, não raro, deixa de cumprir os exercícios que lhe são conferidos para que as crianças e adolescentes possam exercer seus direitos e garantias, assegurados pela CF e o ECA. Por isso, faz-se a importância de se estabelecer uma discussão sobre essa problemática.

O estudo da doutrina da proteção integral justifica-se em razão de crianças e adolescentes serem pessoas em eventual risco social, que possuem condições peculiares de desenvolvimento. Como foi proposto no inicio deste texto, sua função é de garantia a formação plena da criança e do adolescente como uma pessoa adulta ciente de suas responsabilidades e escolhas como cidadãos.  

Conveniente é ressaltar que a lei é essencial para a formação de uma sociedade justa e igualitária. No entanto, sua atuação solitária não consegue promover todas as benfeitorias que as crianças e adolescentes necessitam para viver de forma digna. Por isso, deve haver um comprometimento conjunto do Estado, da Sociedade e da Família.

Ao final deste trabalho, vê-se que o sucesso da doutrina se desenvolve em conjunto e não separadamente, compreendendo a participação efetiva e continua do Estado, da Sociedade e da Família.


Bibliografias:

AZEVEDO MARQUES, João Benedito de. Marginalização: Menor e Criminalidade. São Paulo: McGRAW - HILL do Brasil, 1976.

BARBOSA SILVA, Ana Beatriz. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.

BRASIL, Constituição. (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BULHOES CARVALHO, Francisco Pereira de. Menores e Adultos Desajustados e em Perigo: Direito recuperativo e preventivo do menor e do adulto. Rio de Janeiro: Borsoi, 1974.

CAVALLIERI, Alyrio. Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

Decreto-Lei nº. 2.848 de 07/12/1940. Código Penal Brasileiro.

FIGUEIREDO TEIXEIRA, Sálvio de. Direitos de Família e do Menor. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rei, 1993.

GRECCO, Rogério. Curso de Direto Penal. 10. ed. Niterói: Impetus, 2008.

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

Lei 8.069 de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

MACIEL, Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade. Curso de Direito da Criança e Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. 3. Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

VAINSENCHER, Semira Adler. O Projeto de Vida do Menor Institucionalizado. Unicef: Recife, 1989.


Notas

[1] PCL-R é uma espécie de teste, método utilizado para identificação de psicopatas.

² Nos Estados Unidos, em alguns estados, a partir dos seis anos de idade. Cabe ao Juiz decidir se o jovem infrator deverá ser julgado como adulto ou não.

³ Na Inglaterra, desde 1967 não tem idade mínima preestabelecida. Uma criança de 10 anos (ou menos) pode ser julgada como adulto, dependendo da gravidade do crime e de acordo com os costumes do próprio país.

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Sobre a autora
Lorrane Queiroz

Acadêmica de Direito na Faculdade de Patos de Minas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUEIROZ, Lorrane. Doutrina da proteção integral e sua disparidade com a realidade: a marginalização da criança e do adolescente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3340, 23 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22473. Acesso em: 22 nov. 2024.

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