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Com quantas pessoas se faz uma milícia privada, uma organização paramilitar, um grupo de extermínio ou um esquadrão da morte?

29/10/2012 às 15:56
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Já despontam duas correntes doutrinárias, uma afirmando a necessidade de 4 componentes e outra de 3 componentes, ambas com bons argumentos de sustentação.

Com o advento da Lei 12.720/12 foram criadas causas de aumento de pena nos crimes de homicídio e lesões corporais quando estes forem perpetrados em ações de milícias privadas ou grupos de extermínio (novas redações do § 6º., do artigo 121, CP e do § 7º,  do artigo 129, CP). Também foi criado um novo tipo penal, o artigo 288 – A, CP, sob o “nomen juris”  de “Constituição de Milícia Privada”, a partir do qual se considera crime “constituir, organizar, integrar, manter ou custear organização paramilitar, milícia particular, grupo ou esquadrão, com a finalidade de praticar qualquer dos crimes” previstos no Código Penal.

Uma das várias discussões em torno dos novos dispositivos criados pela Lei 12.720/12 refere-se à quantidade mínima de integrantes necessária para a caracterização de uma organização paramilitar, milícia privada ou particular, grupo de extermínio ou esquadrão.

A dificuldade surge porque o legislador se absteve de conceituar esses grupos e também de estabelecer o número mínimo de integrantes.

Já despontam duas correntes doutrinárias, uma afirmando a necessidade de 4 componentes e outra de 3 componentes, ambas com bons argumentos de sustentação.

Advoga-se a tese de 4 componentes mediante uma interpretação sistemática do crime do novo artigo 288 – A com o crime de quadrilha ou bando previsto no artigo 288, CP. Para a configuração da quadrilha são necessárias mais de 3 pessoas, conforme consta da dicção direta e reta do artigo 288, CP. Ora, se para a formação de uma simples quadrilha são necessárias pelo menos 4 pessoas, o que se dirá sobre uma organização paramilitar ou um grupo de extermínio?

Doutra banda encontra-se o argumento de que, na falta de definição legal, que é o que ocorre com o artigo 288 – A e os parágrafos 6º. e 7º. dos artigos 121 e 129 respectivamente, todos do Código Penal, não se poderia considerar como grupo, organização, milícia ou esquadrão uma ou duas pessoas, mas apenas a partir de três. Quanto ao artigo 288, CP, fato é que nele o legislador foi expresso, o que está a autorizar claramente a exigência de ao menos 4 pessoas. No silêncio da lei, um grupo deve ser considerado como pelo menos 3 pessoas. Tal pensamento já encontra abrigo em tradicional interpretação de crime de concurso necessário para o qual o legislador não tomou a medida de estabelecer o número mínimo de participantes, qual seja, o crime de rixa (artigo 137, CP). Esse entendimento é pacífico doutrinária e jurisprudencialmente.

Tende-se a acatar esta segunda posição, inclusive por um argumento que se considera decisivo. Ocorre que a Lei 9.034/95 que trata do chamado “Crime Organizado”, foi recentemente alterada pela Lei 12.694/12. Essa lei, dentre outras modificações, trouxe um conceito de “crime organizado”, anteriormente inexistente na legislação brasileira. Nessa conceituação, agora constante do artigo 2º., da Lei 9.034/95, consta que uma “organização criminosa” somente é admitida com a associação de pelo menos 3 pessoas. Observe-se que a Lei 12.720/12 menciona na redação do artigo 288 – A, CP  “organização” paramilitar, e neste e demais dispositivos em milícia privada ou particular, grupo de extermínio e esquadrão. Ora, todos esses grupos são organizações e podem inclusive, dependendo do caso e demais características exigidas pelo novel artigo 2º., da Lei 9.034/95 com a nova redação dada pela Lei 12.694/12, configurarem “organizações criminosas”. Nesse passo, parece que a orientação mais escorreita em interpretação sistemática, seja com o Código Penal (artigo 137, CP), seja com a legislação esparsa (artigo 2º., da Lei do Crime Organizado), é a de que o número mínimo somente pode ser de 3 pessoas.

Deve-se deixar bem claro, porém, que toda essa discussão é altamente teórica, sem muita possibilidade de aplicação prática. Isso porque dificilmente se encontra uma organização paramilitar, uma milícia privada, grupo de extermínio ou esquadrão da morte composto por 3 ou nem mesmo 4 pessoas. Geralmente haverá um número muito superior de componentes, sob pena inclusive de fracasso das atividades violentas e criminosas do suposto grupo.

Pode ocorrer inclusive que em certos casos concretos não se identifique mais que dois ou três componentes, mas se comprove que o grupo é bem maior. Isso não afastará a incidência dos dispositivos da Lei 12.720/12, ou seja, para a configuração das majorantes e do crime de “Constituição de Milícia Privada” não é absolutamente necessário que se identifiquem todos os componentes do grupo criminoso, mas apenas que se comprove a sua existência, embora poucos sejam os efetivamente identificados. 

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Sobre o autor
Eduardo Luiz Santos Cabette

Delegado de Polícia Aposentado. Mestre em Direito Ambiental e Social. Pós-graduado em Direito Penal e Criminologia. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Medicina Legal, Criminologia e Legislação Penal e Processual Penal Especial em graduação, pós - graduação e cursos preparatórios. Membro de corpo editorial da Revista CEJ (Brasília). Membro de corpo editorial da Editora Fabris. Membro de corpo editorial da Justiça & Polícia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CABETTE, Eduardo Luiz Santos. Com quantas pessoas se faz uma milícia privada, uma organização paramilitar, um grupo de extermínio ou um esquadrão da morte?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3407, 29 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22910. Acesso em: 23 abr. 2024.

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