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Advogado-Geral da União: notável saber jurídico e reputação ilibada

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Devemos nos movimentar para que a AGU seja sempre chefiada por pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada. Que os advogados públicos federais sejamos as sentinelas desse mandamento constitucional.

Hierárquicas são as relações entre as pessoas e as categorias, hierarquia muitas vezes sutil que se insinua na etiqueta e nas cortesias. O rapapé e as mesuras, o salamaleque e as zumbaias traem o acatamento de uma faixa de sociedade à outra. Há, no exagero, misto de respeito e escárnio, humilhação submissa e ironia, que a melhor sedimentação iria substituir pela polidez e urbanidade. (RAYMUNDO FAORO, Machado de Assis: a pirâmide o trapézio)[1].

1. O Advogado-Geral da União é o chefe da Advocacia-Geral da União, nos termos do § 1º do artigo 131 da Constituição Federal.[2] Segundo o texto constitucional, são requisitos para o cargo a idade mínima de trinta e cinco anos, o notável saber jurídico e a reputação ilibada. Os mesmos requisitos de um ministro do Supremo Tribunal Federal. Logo, os cuidados que o Presidente da República deve ter na escolha do chefe da AGU devem ser os mesmos cuidados relativos à escolha de ministro do STF. Ou seja, para a Constituição, o ministro-chefe da AGU deve possuir os mesmos predicados de um ministro do STF: notável saber jurídico e reputação ilibada. E, claro, no mínimo trinta e cinco anos de idade. Nessa perspectiva, todo ministro-chefe da AGU é um potencial candidato a ministro do STF. E, por esse mesmo caminho, a chefia da AGU pode ser um cargo em potência de magistrados aposentados do STF ou de qualquer outra instância. A dignidade constitucional da AGU requer do seu chefe a posse (e propriedade) de notável saber jurídico e de reputação ilibada, conjuntamente.

2. Sobre a escolha de ministros do STF já tivemos oportunidade de nos manifestar em outras ocasiões.[3] Para a chefia ministerial da AGU a nossa visão é similar. Não basta ser da confiança pessoal e política do Presidente da República, há de possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. Não olharemos para o passado nem analisaremos o presente. A história do futuro é que nos interessa.

3. Sobre a Advocacia Pública, no mencionado artigo intitulado “The West Wing e os Justices da Suprema Corte dos EUA”[4] tecemos as seguintes considerações:

E a Advocacia Pública? Assim como o Ministério Público é instituição que age em nome do Estado e é por ele financiada, não estando na órbita nem do Legislativo nem do Judiciário. Resta-lhe apenas o Executivo. O mesmo sucede com a Defensoria Pública.

Mas qual a diferença entre essas Funções Essenciais? Ontologicamente não há diferença entre essas Funções Essenciais, pois todas agem provocando o Judiciário. O Ministério Público provoca em defesa da sociedade. A Advocacia Pública provoca em defesa do Estado e do Governo. A Defensoria Pública provoca em defesa dos mais carentes e necessitados. A Advocacia tem atribuição residual: provoca em defesa de todos que não sejam alcançados pelo Ministério Público ou pela Advocacia Pública ou pela Defensoria Pública.

Não há diferença ontológica entre as instituições estatais componentes das Funções Essenciais à Justiça. Tanto o membro do Ministério Público quanto o membro da Advocacia Pública ou o membro da Defensoria Pública postula (requer ou opina) perante membro do Poder Judiciário (magistrado ou tribunal). Portanto, quem postula está no mesmo plano de quem postula. Quem decide está no mesmo plano de quem decide. Agora quem postula não está no mesmo plano de quem decide. Postular é uma faculdade. Decidir é um poder. Uma postulação não cria direitos nem deveres vinculantes e obrigatórios. Uma decisão cria direitos e deveres vinculantes e obrigatórios. Não há crime de desobediência à postulação (ou petição) de promotor, de advogado ou de defensor, mas há crime de desobediência à decisão (ordem) judicial.

Daí porque, a despeito de o texto constitucional aproximar o regime jurídico dos membros do Ministério Público com o regime jurídico dos membros do Poder Judiciário, essa “similitude” não é a mais acertada. O regime jurídico dos membros do MP deve ser similar ao dos membros da Advocacia Pública e da Defensoria Pública.

Seguindo o traçado constitucional, o Ministério Público é dividido em duas espécies: o da União e o dos Estados. O da União é subdividido em Federal, do Trabalho, Militar e do Distrito Federal e Territórios. A Constituição de 1988 fortaleceu o papel social do Ministério Público. A sociedade brasileira espera dos membros dessa importante instituição o rigoroso cumprimento de suas obrigações normativas: a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. A Constituição deu aos membros do Parquet uma estrutura normativa que lhes permitir agir com desassombro e combatividade.

Falo sobre a Advocacia Pública, que é a instituição que defende o Estado e o Governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) e auxilia juridicamente o administrador público no exercício de suas atribuições. Há advocacia pública (melhor seria estatal) de âmbito federal, de âmbito estadual, de âmbito distrital e de âmbito municipal. No caso da advocacia pública federal esta nasceu de uma “costela” do Ministério Público Federal, acrescida da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e das procuradorias jurídicas das autarquias e fundações públicas federais. AGU e MPF são “irmãos siameses”. Por isso defendo que o regime jurídico dos membros das carreiras da AGU deve ser similar ao dos membros do Ministério Público.

Nos últimos 20 anos os membros da advocacia-geral da União têm conseguido granjear considerável avanço institucional, mas ainda é profundo o fosso que separa os advogados públicos federais dos membros do MPF. E esse fosso não é só de caráter remuneratório. É de auto-estima e de auto-respeito. Também carecem os advogados públicos federais de autonomia funcional, dentro de suas faculdades e atribuições, para que possam agir em obediência somente às Leis e à Constituição.

Mas não devemos perder as esperanças nem baixar a guarda na luta pelas prerrogativas em defesa de uma instituição fundamental para consolidar o caráter legítimo e lícito do Estado brasileiro. Sem advocacia pública forte o administrador público é tentado ao cometimento de abusos governamentais. O advogado público é o primeiro “dique” de contenção contra os eventuais desvios do poder público.

4. Nesse citado artigo, em nota de rodapé, aludimos a questões menores sobre a dignidade constitucional do advogado público federal, mas que entendemos relevantes:

Tramita no CNJ uma questão acerca da cessão de advogados públicos federais para a assessoria de magistrados. Sobre esse tema evolui de entendimento. Outrora não via problema algum. Via, inclusive, como algo salutar e que prestigiaria a carreira. Hoje penso diferente. Creio que um advogado público federal não deva ser assessor de ninguém. Nem de magistrado, nem de membro do Ministério Público ou de membro da Defensoria Pública. Isso, ao meu sentir, é, como diriam os antigos romanos, uma  “diminuição de capacidade”. É colocar (e se colocar) em situação de subalternização. Advogado público federal não é subalterno de magistrado. É postulante perante esse magistrado. Defendo a proibição da cessão de advogado público federal para assessoria nos Tribunais, no MPF e na DPF. Para prestar assessoria, os magistrados dispõem de analistas aprovados em concurso público. Essa tarefa, de assessoria, é para analista, não é para advogado público federal. Um membro da advocacia pública federal deve prestar assessoria/consultoria a Ministro de Estado, ao Presidente de uma autarquia ou fundação pública, a um Parlamentar federal, pois este não tem conhecimentos jurídicos e a palavra do advogado público federal seria “lei” para ele. Mas nunca para um magistrado, seja de que tribunal for, inclusive do STF, STJ, TRFs etc. Sei que o principal atrativo, além da experiência de atuar em um gabinete judicial, é o de caráter econômico e que há um substantivo aumento na remuneração do advogado público federal. Mas esse problema remuneratório só revela o quanto nós, advogados públicos federais, estamos recebendo um tratamento remuneratório inadequado, se comparados aos membros do MPF. Alguém vislumbra um procurador da República assessor de magistrado? Ou um defensor público? Ouvi de um colega procurador de Estado (advogado público) que nenhum membro de sua PGE aceitaria ser assessor de qualquer magistrado, seja de que tribunal for, nem mesmo do STF ou do STJ. Está mais do que na hora de nós advogados públicos federais nos opormos a essa prática que nos subalterniza e que depõe contra a dignidade de nossa função. Mas o caminho encontra grandes obstáculos e inimigos dentro da própria instituição, que muitas vezes tem sido conduzida por pessoas mais preocupadas consigo próprias e com suas ambições pessoais ou profissionais do que com o desenvolvimento da corporação. Há, inclusive, quem compare a advocacia pública federal a um exército, sendo os advogados públicos federais verdadeiros soldados e o ministro-chefe da Instituição como um grande general. Terrível comparação. Mas se eu fosse usar dessa comparação militar, faria como o poeta alemão: “leões comandados por cordeiros”. Se a AGU é um exército, ela tem sido um exército de bravos leões comandados por mansos e obedientes cordeiros. É o que penso.

5. Com efeito, se o predicado constitucional para se tornar ministro-chefe da AGU é o mesmo de um ministro do STF, que vem a ser o coroamento de uma carreira dedicada ao Direito e à Justiça, para ser membro da AGU, ou seja, advogado público federal, os requisitos devem ser similares aos da magistratura.

6. Por uma questão de coerência, assim como defendemos que não é qualquer pessoa que pode vir a ser alçada ao cargo de ministro do STF, defendemos que não é qualquer um que pode vir a ser premiado com o cargo de ministro-chefe da AGU. E defendemos que, mediante modificação do texto da Constituição, o chefe da AGU deve ter pelo menos 35 anos de experiência profissional (e não de idade). Deve ter uma sólida e reconhecida carreira dedicada ao Direito e à Justiça. Deve ser alguém com robustez técnica e com sólida formação acadêmica, e inquestionável e incensurável respeitabilidade moral. Como aferir esses requisitos? Do mesmo modo que deveriam ser examinados os postulantes ao cargo de ministro do STF.

7. Ou seja, a qualificação técnica se analisa verificando a produção de “próprio punho” do futuro ministro. O que ele efetivamente produziu. Suas peças jurídicas (petições, pareceres, memoriais, notas etc.) e/ou suas peças acadêmicas (teses, livros, artigos etc.). Isso não é difícil. É simples. Um dos critérios é o do reconhecimento do meio jurídico (profissional e acadêmico) conquistado pelo eventual postulante. Se ele for um ilustre desconhecido, não serve para o cargo. Há de ser alguém de conhecido pelo seu notável saber jurídico.

8. E a reputação ilibada? Essa se constrói com uma vida imaculada, sem jaças profissionais. Se o nome do candidato é pronunciado com reverência e se nunca se cogitou de condutas e atos ilícitos ou imorais, é porque o candidato é possuidor de uma indiscutível e ilibada reputação. Mas isso só o tempo revela. Daí porque deveria a Constituição ser modificada para exigir 35 anos de experiência profissional, seja como prático, seja como catedrático. O ministro-chefe da Advocacia-Geral da União não pode ser um “júnior” no Direito e na Justiça, há ser um profissional “sênior”. A AGU é importante demais para não ser conduzida por mãos experientes. A AGU não pode ser “ponto-de-partida” nem “trampolim” para outros cargos, mormente o de ministro do STF. O AGU deve ser um jurista pronto.

9. Se o chefe da AGU há de ser tão qualificado quanto um ministro do STF, os advogados públicos federais deverão ser tão qualificados quanto os magistrados federais. Daí porque o sistema de ingresso há de ser exclusivamente via concurso público de provas e de títulos. Somente advogados públicos federais devem ocupar cargos na estrutura da Advocacia-Geral da União. A Constituição deveria ser modificada para aproximar o modelo institucional da AGU ao do Ministério Público. O chefe da AGU deve ser alguém, de notável saber jurídico e de reputação ilibada, que tenha a confiança política e técnica do Presidente da República. Será para o ministro-chefe da AGU que o Presidente da República indagará acerca da validade jurídica de seus atos governamentais e condutas políticas. O Presidente da República deve confiar no seu AGU. O gestor público deve confiar no seu advogado público. O advogado público deve ter conhecimento e experiência para apontar os caminhos da legalidade governamental ao gestor.

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10. Nessa perspectiva, entendemos necessária uma mudança constitucional que exija pelo menos 5 anos de experiência privativa de advogado (o bacharel inscrito na OAB após aprovação no exame de ordem) para o futuro membro da advocacia pública federal. A atuação como membro da AGU não pode ser a primeira atividade advocatícia de um advogado público federal. Ele deve ter prévia experiência advocatícia. Não basta ser experiência privativa de bacharel em direito. Há de ser experiência privativa de advogado (o bacharel em direito inscrito na OAB após aprovação no exame de ordem).

11. A partir daí, esse advogado público federal (procurador da Fazenda Nacional ou advogado da União ou procurador Federal ou procurador do Banco Central) poderá construir uma carreira dentro da AGU, servindo ao Direito e à Justiça, na defesa da legalidade constitucional que deve pautar a atuação dos administradores públicos e dos agentes políticos.

12. Voltemos para o nosso tema. O futuro da AGU. Sobre essa instituição devemos cultivar uma esperança realista. Devemos nos movimentar para que a AGU seja sempre chefiada por pessoas de notável saber jurídico e reputação ilibada. Que os advogados públicos federais sejamos as sentinelas desse mandamento constitucional.


Notas

[1] FAORO, Raymundo. Machado de Assis: a pirâmide e o trapézio. 4ª edição. São Paulo: Globo, 2001, p. 23.

[2] Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo.

§ 1º. A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

[3] ALVES JR., Luís Carlos Martins. The West Wing e os Justices da Suprema Corte dos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22350; ALVES JR., Luís Carlos Martins. A escolha de ministros do Supremo Tribunal Federal. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3442, 3 dez. 2012. Disponível em http://jus.com.br/revista/texto/23150.

[4] ALVES JR., Luís Carlos Martins. The West Wing e os Justices da Suprema Corte dos Estados Unidos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3319, 2 ago. 2012. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/22350.

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

Piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional, Centro Universitário do Distrito Federal - UDF; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA e do Centro Universitário de Brasília - CEUB. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; "Lições de Direito Constitucional - Lição 1 A Constituição da República Federativa do Brasil" e "Lições de Direito Constitucional - Lição 2 os princípios fundamentais e os direitos fundamentais" .

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Advogado-Geral da União: notável saber jurídico e reputação ilibada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3471, 1 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23372. Acesso em: 18 abr. 2024.

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