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A magistratura e as redes sociais

09/08/2013 às 17:19
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Na condição de magistrado, não se renuncia, nem tacitamente, pela investidura no cargo, àquela porção de liberdade individual, garantida a todos pela ordem constitucional, essencial para que as pessoas possam desenvolver plenamente sua personalidade.

A vida privada parece estar sendo engolida pelos novos recursos da tecnologia da informação e da comunicação. Ao inverso do que doutrinam os velhos manuais de Direito Civil, ela não se enquadra como bem absoluto e indisponível. As redes sociais estão aí para demonstrar esta realidade. Cada um decide o que deve ser exposto publicamente. O problema ganha alguns contornos que refogem do rotineiro quando se trata de autoridades públicas, mais particularmente quando se trata dos juízes em geral. Dos três poderes da república, apenas o Judiciário é um poder estritamente técnico, composto de pessoas que formam uma carreira de Estado, em sua maioria aprovadas em rigorosos certames públicos (as exceções ficam por conta do quinto constitucional e da nomeação de ministros dos tribunais superiores). Não cumprem mandatos. São vitalícios. Desfrutam de garantias constitucionais que preservam a sua independência. Devem ser bem remunerados. Trabalham em regime de dedicação exclusiva. Assim, estão livres do risco de interferências de ordem política e econômica. A magistratura impõe conduta pública e privada irrepreensível. Exige-se do magistrado uma postura mais austera do que dos profissionais de outras áreas. O juiz, para a sociedade, deve ser modelo exemplar de conduta moral. Qualquer deslize gera críticas e atrai a atenção dos meios de comunicação. Criou-se, no imaginário coletivo, uma imagem à qual o juiz deve se adaptar. Deve vestir o figurino. Os tribunais, a opinião pública e a imprensa exigem isso. Porém, a realidade está muito distante desta alegoria.Os defeitos e as imperfeições humanas, conquanto possam ser reduzidos, não desaparecem da noite para o dia quando se é investido no cargo. Os avanços dos meios de comunicação e de informação, e todas suas novas possibilidades, em razão do progresso tecnológico nessas áreas, mormente com o advento da rede mundial de computadores, provocaram verdadeira revolução de costumes. O ordenamento jurídico, as pessoas, as empresas e a instituições não estavam completamente preparados para este fenômeno.Uma das novidades mais recentes diz respeito às redes sociais, pelas quais se expõem, voluntariamente, nome, imagem, profissão e outras informações pessoais.Não se podeser fiel e refém a uma dada realidade estática. Dinamismo e versatilidade são as palavras de ordem. Tudo avança e se modifica nesta vida. É necessário um mínimo de liberdade individual e mente aberta para as transformações sociais, culturais e tecnológicas. A evolução é inexorável. Não é razoável sustentar, chegando ao extremo da interferência espúria na vida privada, que os juízes não devem ter perfis em redes sociais, porque isso contraria a discrição que deles é esperada, além de sugerir que compromete a reputação da magistratura e a da instituição que integram.Expressiva parcela (talvez a maioria) dos magistrados, incluindo aqueles dos tribunais locais e de Brasília, tem perfis públicos. Igualmente, os governadores, deputados, senadores, prefeitos, vereadores, governo federal e ministros de Estado, entre outros. Não existe norma jurídica, ainda que implicitamente por força de interpretação, proibindo ao juiz de aderir à moda. A decisão cabe a ele e não aos tribunais aos quais está vinculado. Na condição de magistrado, não se renuncia, nem tacitamente, pela investidura no cargo, àquela porção de liberdade individual, garantida a todos pela ordem constitucional, essencial para que as pessoas possam desenvolver plenamente sua personalidade, realizando seus sonhos e objetivos de vida. Ao assumir o cargo, não cede ao Tribunal sua vida, sua alma, seus sentimentos e seus desejos mais íntimos. Não se quer de volta a Inquisição. Não se deseja que juízes, do mesmo modo que os hereges, sejam queimados na fogueira da purificação e da santificação. Não se quer que haja superiores hierárquicos posicionando-se como sábios, ou como líderes eclesiásticos, cujas opiniões não merecem censura ou contestação, como se fossem verdadeiros portadores da sabedoria divina e derradeira.

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Sobre o autor
Mauro Vasni Paroski

Juiz titular da 7a. Vara do Trabalho de Londrina - PR. Especialista e Mestre em Direito pela Universidade Estadual de Londrina - PR. Doutorando em Direitos Sociais na Universidad de Castilla-La Mancha - ESPANHA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAROSKI, Mauro Vasni. A magistratura e as redes sociais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3691, 9 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23988. Acesso em: 18 abr. 2024.

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