Resumo: O presente artigo visa debater sobre o tema da importância dos princípios, e da comunicação inter sistêmica em direito ambiental, bem como contextualizá-los com o problema enfrentado na Serra Vermelha. Bioma singular localizado no sul do Piauí e que atualmente encontra-se ameaçado pela exploração madeireira para a produção de carvão vegetal.
Palavras-chave: Direito ambiental, princípios, comunicação inter sistêmica, Serra Vermelha
1 – Introdução
Ao Sul do Piauí está localizado um bioma com cobertura florestal abundante, ainda não classificado de forma consensual pelos pesquisadores, e que, mesmo não tendo sido classificado, e devidamente estudado, já se encontra no meio de uma polêmica judicial que irá definir se terá ou não oportunidade de ser devidamente enquadrado dentro de um bioma.
O bioma ao qual nos referimos é chamado pelos moradores da área de Serra Vermelha. Sua classificação é discutida por pesquisadores, conservacionistas, uma empresa privada (a JB Carbon SA.), o governo do Estado do Piauí, o Ministério Público Federal, dentre outros, e o motivo de tamanha discórdia para o enquadramento do bioma em determinada categoria, são as consequências que isso ocasionará.
O governo, a empresa que possui a maior parte da posse da área e alguns pesquisadores afirmam que o bioma enquadra-se na categoria de Caatinga. Conservacionistas, outros pesquisadores, e o Ministério Público querem o enquadramento como Mata atlântica. As consequências desse enquadramento ajudarão a decidir o futuro da área. Se for enquadrada como caatinga, haverá maior facilidade de explorar a área para a produção de carvão, o que não ocorrerá se for enquadrada como mata atlântica, que está legalmente protegida pela constituição, e a exploração da mesma ficará completamente inviabilizada.
Ao magistrado, cabe a difícil tarefa de sopesar os interesses em conflito, bem como de, na aplicação das normas, observar os resultados a curto e a longo prazo, de ambas as decisões.
2 - Serra vermelha : um bioma único com o futuro nas mãos da justiça
A região nordeste do país é conhecida por seu clima quente, suas chuvas mal distribuídas durante o ano, e pela vegetação ressequida da caatinga. No meio desse clima seco e de vegetação geralmente esparsa, no sul do Piauí, há uma rara formação florestal chamada de Serra Vermelha, devido a existência de formações rochosas em tons avermelhados.
A wikipédia1 num breve artigo sobre esse bioma, traz um apanhado rápido, porém preciso, sobre a importância do mesmo :
Segundo pesquisadores da USP, Universidade de São Paulo, a região abriga a maior biodiversidade do interior nordestino, com elementos da fauna e flora ainda desconhecidos pela ciência. Documento publicado pelo Ministério do Meio Ambiente diz que pelo menos 50% da vegetação da Serra Vermelha se enquadra dentro do Bioma da Mata Atlântica. A região fica dentro do Núcleo de Desertificação de Gilbués, um dos mais afetados da América Latina.
Embora possua uma existência tão incomum, tal qual um oásis em meio ao deserto, esse bioma passava despercebido, até que foi “descoberto”, tanto pela população do Piauí, como pela população brasileira em 27 de janeiro de 2007, através do programa Globo Repórter. A “descoberta” era ao mesmo tempo animadora e sombria : animadora por se tratar de uma floresta encravada no meio de caatinga, e sombria, pelo fato de que tão singular bioma estava sendo transformado em carvão. O desmatamento não era ilegal. O projeto nomeado "Energia verde” teve o aval do Ibama, sendo o condomínio Fazenda Chapada do Gurgueia, o responsável por sua implementação.
A reportagem exibida no programa, e posteriormente divulgada no site2 do mesmo, da uma ideia do tamanho da empreitada :
Uma fileira de 300 fornos em plena atividade na terra encharcada pela chuva. E, mais adiante, montes de madeira que vão virar carvão. Os caminhões saem carregados. Diante de tantas evidências, resolvemos apurar a origem do desmatamento. E foi assim que descobrimos o que estão fazendo com a floresta virgem da Serra Vermelha. …
Uma ironia com a natureza. O projeto que desmata e transforma a floresta em carvão tem o nome de Energia Verde e está aprovado pelo Ibama, o órgão responsável pela fiscalização dos crimes contra o meio ambiente.
O que o Ibama vai dizer, então, para um pequeno produtor que queima uma roça para plantar, uma vez que ele está permitindo que desmatem uma área de 114 mil hectares?
"Essa área que está sendo desmatada vai ficar para regeneração, o que não acontece em áreas de agricultura, que são uma vez desmatadas e continuamente cultivadas", justifica o analista ambiental do Ibama em Brasília, Alexandre Sampaio.
Quando perguntado se pode queimar a floresta para fazer carvão, o analista responde: "Você está me apertando".
Há divergência sobre a aprovação do projeto dentro do próprio Ibama.
"Eu, particularmente, trabalho com a conservação e preservação, e não concordo com isso. Por conta de que o ecossistema da caatinga é um bioma que só existe no Brasil. Essas áreas são os últimos remanescentes de caatinga nativa que existem no país. Eu considero que essa área da catinga tinha que ser preservada", afirma Eugênia de Medeiros, analista ambiental do Ibama do Piauí.
Antes mesmo da divulgação do programa, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com uma Ação Civil Pública, com pedido de tutela antecipada na Justiça Federal do Piauí3. O processo foi autuado e distribuído no dia 08 de janeiro de 2007. O MPF ingressou com a ação contra o Condomínio Fazenda Chapada do Gurgueia, a JB Carbon SA e o IBAMA.
O MPF4 requereu a suspensão do plano de manejo florestal que havia sido aprovado pelo IBAMA, alegando falta de Estudo Prévio de Impactos Ambientais. Na petição inicial o MPF faz a seguinte alegação / denúncia :
O IBAMA licenciou a atividade econômica do Condomínio Fazenda Chapada do Gurguéia que consiste no “plano de manejo florestal sustentado”, de responsabilidade de J.B Carbon S/A. O projeto é o maior desmatamento autorizado pelo IBAMA no Nordeste. A insustentabilidade ambiental de tal megaempreendimento é notória. Apesar disso, tal atividade foi licenciada pelo IBAMA, sem a realização do necessário Estudo Prévio de Impacto Ambiental e seu Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).
O referido projeto autorizado pelo IBAMA prevê o manejo anual dos recursos
florestais de uma área média correspondente a 5.995 hectares, com um ciclo de corte de 13 anos, totalizando 77.947 hectares no final do ciclo. Em resumo, trata-se de um desmatamento de uma área equivalente a quase 78 mil campos de futebol num total de treze anos.
O processo tramita até hoje na 1ª vara da Justiça Federal. Em decisão monocrática e em decisão colegiada a Justiça Federal suspendeu e posteriormente manteve a suspensão do plano de manejo florestal que já estava sendo executado pela empresa JB Carbon SA. Atualmente o processo encontra-se concluso para sentença desde o dia 11 de janeiro de 2013.
3 - Os aspectos principiológicos conflitantes e a importância da comunicação inter sistêmica no embate judicial que vai decidir o futuro da Serra Vermelha.
Como narrado acima, pode-se depreender inicialmente que há o embate entre dois direito fundamentais : o da propriedade, e seu uso e do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado. A questão vai além desse embate, e engloba interesses políticos e econômicos, com trocas de acusações que vão muito além do embate entre esses dois interesses constitucionalmente conflitantes.
O blog Serra Vermelha, que possui um dos arquivos mais completos de informação sobre o assunto de toda a web, divulgou em 11 de maio de 2012, que o MPF havia entrado com outra ação contra a destruição da floresta5 :
A Procuradoria da República ajuizou uma Ação Civil Pública, contra o Ministério do Meio Ambiente-MMA, cobrando explicações sobre o que o levou a acolher uma decisão política, em detrimento de laudos cientificas comprovando danos irreparáveis a Natureza, caso continuasse a destruição da área.
O Ministério Público Federal, através do autor da Ação, procurador Tranvanvan Feitosa, acusa o MMA de encaminhar a presidente Dilma, um documento fraudulento de ampliação do Parque Nacional Serra das Confusões, deixando fora a região da Serra Vermelha, e diz que a fez, atendendo pedido do governo do Piauí, que usou argumentos sobre a importância econômica da região.
Embora o processo inicial esteja tramitando há anos, e tenham sido impetradas novas ações, o conflito inicial, no âmbito jurídico consiste no sopesamento entre os dois direitos fundamentais6 assegurados na constituição o de propriedade, e o ao meio ecologicamente equilibrado:
Art 5º, XXII - é garantido o direito de propriedade
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
É importante, porém, salientar, que o “direito de propriedade” é limitado à “função social” da mesma, que está exposto no inciso seguinte : XXIII - a propriedade atenderá a sua função social. Logo, vê-se que o direito de propriedade não é absoluto, e que seu condicionante de “atender à função social” pode ser enquadrado na “preservação do meio ambiente para as gerações futuras”.
Questões envolvendo o meio ambiente, como essa ora analisada, estão na seara do direito ambiental, ramo relativamente novo do direito, nascido com os direitos humanos de terceira geração7. Como qualquer outro ramo do direito, o ambiental é norteado por princípios, ou melhor, os princípios são a sua base, visto que o direito ao meio sadio e equilibrado pertence à coletividade. Na maioria das decisões haverá a necessidade de ponderação entre o privado e o coletivo, como já explicado.
O conflito envolvendo o desmatamento de uma grande área provida de um bioma único, para a produção de carvão, está perfeitamente inserido nesse conflito principiológico. No caso em tela, o que o magistrado deverá levar em conta é o conflito entre os benefícios das ações de desmatar, versus a de preservar. Utilizar a madeira da floresta para a produção de carvão traria um “benefício” rápido, com geração de emprego, e de divisas para o estado. A suspensão das atividades, por seus efeitos colaterais mais gritantes, de destruição da vegetação e emissão de gases tóxicos, traria o benefício da conservação da área, com todos os demais benefícios ecológicos dela derivados.
O direito ambiental, possui porém uma peculiaridade em relação aos demais ramos : ele é interdisciplinar e relaciona-se com ecologia, sociedade, economia, política, dentre outros. É sem dúvida um dos mais, senão o mais interdisciplinar ramo do direito. Surge então uma “nova dificuldade” para o magistrado, além da árdua tarefa de decidir apenas dentro das muitas possibilidades, o operador do direito, nesse caso, precisa olhar “além do direito”.
Rafael Lazzarotto Simioni, no capítulo Exigibilidade de estudo de impacto ambiental e planejamento jurídico da sustentabilidade: observando o que não pode ser observado, explica a maneira como o sistema jurídico atua8 :
O Direito Positivo é um programador condicional do tipo “se – então”, que desafoga a entropia na comunicação produzida pela sociedade, … A programação condicional então funciona como válvula de escape da complexidade do fato social. A incerteza quanto aos riscos decorrentes de uma decisão jurídica fica absorvida pelo programa condicional do direito (O Direito Positivo), conferindo tranquilidade, racionalidade e simplicidade na tomada de decisões.
Essa programação condicional do tipo “se – então”, é melhor visualizada em outros campos do direito, como por exemplo no direito penal onde “se matar – então será preso”. No direito ambiental, embora esse programador continue a ser usado : “se poluir – então pagará multa”, a complexidade dos resultados gerados pelo “se”, é muito maior, visto que abarca porção do meio.
Voltando ao caso em análise, é possível perceber que a questão é um pouco mais complexa, se analisarmos à fundo o binômio “se – então” veremos consequências além do “se o desmatamento for ilegal – então paga-se multa”, ou “se a empresa não desmatar nos moldes permitidos na licença – então paga-se multa”. No caso em tela, os exemplos expostos são aplicáveis, mas como já foi aqui afirmado, é necessário ao magistrado ir além dessa visão superficial, e adentrar no ramo do conflito de princípios : direito de propriedade versus função social.
Não bastasse as interpretações acima expostas, há ainda a necessidade de interdisciplinariedade entre o direito ambiental, e outros ramos do conhecimento, como por exemplo entre a ecologia, e a necessidade de se preservar tal formação florestal.
Sabemos contudo que o conhecimento humano é limitado por áreas, e que cada profissional atua dentro da área em que especializou-se. O magistrado atuará então dentro do direito, e suas respostar estarão condicionadas ao “licito x ilícito”, seguido da aplicação nos moldes “se – então”.
O conhecimento humano dividido em áreas de saber, foi analisado por Niklas Luhmann em sua Teoria dos Sistemas, ou teoria Sistêmica. Essa teoria foi muito bem explicada no trabalho “O Direito sob a perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann” do blog sociologia jurídica 9, de onde transcrevemos alguns trechos que dão uma ideia resumida da teoria :
… o objeto é encarado sempre como um problema real a ser resolvido pelo sistema. Parte-se da premissa que os sistemas possuem certas necessidades ou exigências de cuja satisfação depende sua própria subsistência. Cada elemento do sistema está voltado à satisfação destas necessidades, desempenhando uma determinada função idônea para sua manutenção. … Para LUHMANN, o sistema é aquilo que se diferencia de um entorno ou ambiente (unidade da diferença). O ambiente ou entorno nada mais é do que um complexo confuso e dinâmico de relações delimitado por horizontes abertos, cujos limites podem, em todo caso, ser alterados.
O objeto citado inicialmente refere-se àquele alvo do estudo de cada sistema, no caso do direito, refere-se às leis. As necessidades ou exigências podem ser classificadas como um sistema jurídico passível de ser aplicado ao caso concreto, por meio do devido processo legal. E finalmente a “satisfação” da qual depende a própria subsistência do sistema, nas palavras dos próprios autores do textos é a garantia do “patamar mínimo e imprescindível de orientação de condutas, constituindo a base da ordem social”.
Como inicialmente explicamos, o direito ambiental exige tanto do advogado, na defesa de suas teses quanto do magistrado, na decisão, uma “comunicação inter sistêmica”. Como é sabido, o conhecimento humano é limitado, e o tanto a advogado, quanto o magistrado não podem ir muito além de seu sistema. O direito processual no entanto, possui o mecanismo de solicitação da opinião de outros profissionais, como no caso da utilização de laudos. A esse respeito Simioni10 :
… as comunicações produzidas pelo Direito Ambiental são produzidas em um meio de comunicações generalizadas simbolicamente. O direito Ambiental então tem a capacidade de produzir comunicações transformando, mediante sanção, as probabilidades do não da compreensão em probabilidades do sim.
O autor completa seu raciocínio mais à frente, exemplificando essa comunicação pelo uso do EIA (Estudo de Impacto Ambiental). Além do EIA, existe o RIMA, Relatório de Impactos Ambientais, além das audiências públicas, que possibilitam o contato entre a sociedade e o problema.
A Ação Civil Pública da Serra Vermelha foi impetrada justamente por haverem supostas falhas nos estudos de impacto ambiental feitos pela empresa devastadora, bem como aprovados pelo IBAMA. Além disso, há outras falhas, que vão desde a suspeita de grilagem de terras, até conchavos políticos em níveis estadual e federal11.
As denúncias de irregularidades, porém, não são o objeto da presente análise. O que é realmente necessário observar é que, em casos como esse, onde o instrumento intersistêmico inicial (no caso o estudo de impactos ambientais), é falho, o magistrado pode solicitar outros laudos, a entidades competentes diversas da que originalmente havia se manifestado.
É possível, sim, ao magistrado acrescentar conhecimentos de sistemas diversos do seu, e em seguida dirigi-los à melhor decisão, voltando-se novamente ao direito ambiental, e à ponderação dos direitos fundamentais “de propriedade”, limitado pela função social da mesma, bem como “ao meio ambiente sadio e equilibrado”.
4 - O caminho para se chegar à decisão que assegure a preservação da Serra Vermelha.
Como foi exposto, embora nas decisões judiciais de um processo que envolva direito ambiental, seja necessário do magistrado um conhecimento além do processo, que envolva noções de ecologia, sociologia e até mesmo de economia, além de outros, pudemos concluir, que atualmente o direito brasileiro possui meios de o julgador alargar seus conhecimentos, por meio dos pareceres técnicos de outros especialistas, solicitação de perícias, ou ainda pelos já citados EIA e RIMA.
Associado à ampliação de conhecimento, devido a essa possibilidade de comunicação inter sistêmica, temos ainda alguns importantes princípios do direito ambiental que nunca podem ser esquecidos pelo magistrado em qualquer decisão que envolva o meio ambiente. O mais abrangente deles é o princípio do desenvolvimento sustentável. A esse respeito12 :
A legislação ambiental brasileira oferece o conceito, que também é o objetivo do desenvolvimento sustentável, na lei 6.938/81 (Política Nacional de Meio Ambiente). Em seu art. 2º: “A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana”. Dando continuidade no seu art. 4º: “A Política Nacional do Meio Ambiente visará à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”, de acordo com seu inciso 1º.
Temos ainda o princípio da precaução pelo qual deve haver uma avaliação prévia do potencial lesivo do atividade para o meio. No caso em análise, o Ministério Público notou falhas na avaliação prévia, logo, nada mais acertado do que questioná-las. Sobre a importância desse princípio13 :
Observe-se que a consagração do princípio da precaução no ordenamento jurídico pátrio representa a adoção de uma nova postura em relação à degradação do meio ambiente. Ou seja, a precaução exige que sejam tomadas, por parte do Estado como também por parte da sociedade em geral, medidas ambientais que, num primeiro momento, impeçam o início da ocorrência de atividades potencialmente e/ou lesivas ao meio ambiente. Mas a precaução também atua, quando o dano ambiental já está concretizado, desenvolvendo ações que façam cessar esse dano ou pelo menos minimizar seus efeitos.
Pelo princípio da princípio da prevenção, na presença de dúvida sobre os riscos da atividade para o meio ambiente, o magistrado, quando estiver em dúvida sobre as reais ameaças de um empreendimento para o ambiente, deve se negar a liberar a licença. No caso do bioma Serra vermelha, não há dúvidas do potencial lesivo da atividade. É certo que todas as atividades humanas são potencialmente lesivas aos meio ambiente, mas os empreendimentos de grande escala, há de se ter um cuidado maior. Corroborando as ideias aqui apresentadas14 :
Tal direcionamento fundamental consiste no comportamento efetuado com o intuito de afastar o risco ambiental. Antecipam-se medidas para evitar agressões ao meio ambiente.
Este preceito encontra-se previsto no artigo 225, caput, da Constituição Federal, quando se incumbe ao Poder Público e à coletividade o dever de proteger e preservar o meio ambiente às presentes e futuras gerações.
Ao se mencionar a idéia de proteção, esta engloba tanto atividades de reparação, como de prevenção. Consoante ensina Marcelo Abelha Rodrigues sobre o princípio da prevenção:
“Sua importância está diretamente relacionada ao fato de que, se ocorrido o dano ambiental, a sua reconstituição é praticamente impossível. O mesmo ecossistema jamais pode ser revivido. Uma espécie extinta é um dano irreparável. Uma floresta desmatada causa uma lesão irreversível, pela impossibilidade de reconstituição da fauna e da flora e de todos os componentes ambientais em profundo e incessante processo de equilíbrio, como antes se apresentavam”
A Serra Vermelha A Serra Vermelha, possui uma área de cerca de 120.000 hectares, é uma área onde se encontram três importantes biomas: mata atlântica, o cerrado e a caatinga. Sendo uma das últimas áreas de mata atlântica do nordeste brasileiro15. Segundo o Blog Serra Vermelha, a empresa diretamente responsável pelo empreendimento, a JB. Carbon pretende explorar quase que a totalidade da área onde está o bioma16 :
De acordo com Soares, foi a partir da primeira Ação Civil para criar o parque na Serra Vermelha, que a sociedade tomou conhecimento sobre a trama política para a JB explorar a área, a princípio 114 mil hectares, com perspectiva de ampliar para 300 mil hectares. “No primeiro momento eles tentaram liberar o projeto, como não tinha brecha, partiram para assegurar a posse da terra para a JB e conseguiram”, narra o ambientalista afirmando que o negócio só deu certo porque o ex-presidente Lula se envolveu no caso, atendendo pedido de Wellington Dias, que ainda conseguiu com o ex-presidente a quantia de R$ 150 milhões pela ampliação do parque Serra das Confusões.
Polêmicas e denúncias à parte, é inegável a preservação da área, de atividades danosas executadas por quem quer que seja. A sociedade piauiense, bem como o Ministério Público tem se mostrado engajados na luta pela preservação. Aos operadores do direito, faz-se necessário observar também a repercussão social do fato, e atuar com sensibilidade. Daniela Miranda e Claudia Hansel, tratam do assunto17 :
Acreditamos que as ações em relação ao meio ambiente, para que sejam eficazes, devem partir de atuações locais, pensadas de forma democrática, consoante aos princípios orientadores do Direito Ambiental e diante da possibilidade de se enxergar o Direito a partir de outros paradigmas epistemológicos diversos do sistema dominante.
Embora nos últimos anos tenha diminuído a atenção da imprensa para com o problema, na mesma proporção em que o processo se arrasta lentamente na Justiça Federal, uma parte atuante da sociedade, formada por grupos ambientalistas e o sempre atuante Ministério Público, continuam acompanhado o andamento processual, e mais recentemente, lutando para, além de cessarem definitivamente as atividades da empresa JB. Carbon, na região, seja ainda criado o Parque Ambiental Serra Vermelha.
A respeito da Ação Civil Pública, em decisão inicial a licença foi suspensa. Posteriormente, em decisão colegiada, a decisão de suspensão inicial foi mantida. Em publicação no Blog da REAPI18 (Rede ambiental do Piauí). Pode-se ver que o Justiça Federal do Piauí seguiu a linha de raciocínio aqui exposta.:
TRF negou o mandado de segurança da JB Carbon e vetou o projeto Energia Verde.A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal - TRF - da 1ª Região manteve a suspensão da licença ambiental para o projeto de manejo florestal sustentável Energia Verde, da empresa JB Carbon, na Serra Vermelha, região sul do Estado. A decisão foi dada em recurso contra a decisão do juiz da 2ª Vara Federal do Distrito Federal, que considerou legal a suspensão da licença por parte do diretor de florestas do Ibama em Brasília. A informação foi divulgada nesta quarta-feira (29/07) em nota da assessoria da Justiça Federal.
A relatora do processo, desembargadora federal Selene Maria de Almeida, ressaltou em seu voto que Serra Vermelha é a última floresta do semi-árido nordestino brasileiro, devendo, portanto, ser conservada e preservada a biodiversidade da região. Ela considerou acertada a decisão do Ibama em Brasília, que suspendeu a licença emitida pelo Ibama/PI por razões de inconsistências, já que este órgão concedeu a mesma sem requerer os estudos técnico/científicos complementares necessários.Para a magistrada, não há lugar para intervenções tardias, sob pena de se permitir que a degradação ambiental chegue a um dano irreversível. "Diante do risco ou da probabilidade de dano à natureza, e não apenas na hipótese de certeza, o dano deve ser prevenido", afirmou na decisão. Outro motivo lembrado pela desembargadora é o fato de a Serra Vermelha ficar a uma distância de 50 km do núcleo de desertificação no sul do Piauí, o que contribuiria para o processo de degradação ambiental já instalado.
Muitos elementos devem ser analisados, princípios devem ser ponderados, porém o crescimento cada vez maior, e de forma mais rápida da consciência ecológica, corroboram para decisões que, não apenas no caso em tela, mas em outros casos similares, levem a decisões que considerem a importância de “preservar para o presente e para o futuro”.