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Modalidades de arranjos familiares na atualidade

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09/05/2013 às 16:58
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Não há espaço para as discriminações infundadas e para o tratamento desigual em relação a qualquer vínculo baseado em afeto.

1.1. Família matrimonial

O nosso ordenamento jurídico herdou inúmeras peculiaridades do direito romano, que justificam a origem de certos institutos que possuímos.

Trazemos traços de um direito matrimonializado, patriarcal, hierarquizado, patrimonial e heterossexual. (DIAS, Berenice, 2009, VENOSA, 2008).

Segundo Maria Berenice Dias (2009, p. 44) as uniões entre homem e mulher com fins reprodutivos precedem à história, isto é, existiam antes mesmo de se inventar o conceito de sociedade, de se formar o Estado. E estes, “[...] sob o pretexto de manter a ordem social, passaram a regular estas uniões afetivas, de forma conservadora e moralista, denominando-a de família, consagrando-a ainda, como um sacramento e impondo a indissolubilidade do vínculo conjugal. [1]

Venosa afirma, em sua obra, que ainda havia outra forma de união além do casamento, que era oriunda de um negócio jurídico de compra e venda (mancipatio). O detentor do pátrio poder (o pater), negociava a mulher como se fosse um objeto. No Brasil também existiu este negócio jurídico, mas de forma mais abrandada[2].

Fiuza afirma que o casamento ainda é o alicerce da família e o conceitua como a união estável e formal entre homem e mulher, com o objetivo de satisfazer-se e amparar-se mutuamente, constituindo família. O autor demonstra as diferença entre o casamento e o namoro ou o noivado. Afirma que o primeiro possui uma união estável, enquanto os últimos não vinculam o casal. Demonstra, ainda, que o casamento é baseado em uma união formal, diferenciando-se da união estável, que é livre, embora também receba tratamento legal. [3]

O requisito de dualidade de sexos sempre  foi tido como um requisto existencial para o casamento. O casamento homossexual seria, há algum tempo atrás, um casamento inexistente, porém, como demonstraremos no item 4.5 deste trabalho, este panorama vem se modificando[4].

Apesar do casamento ainda ser visto como a união que mais protege e que é incentivada pelo Estado (artigo 226, parágrafo 3 da CR/88), a realidade fática vem demonstrado que existe inúmeras possibilidades de uniões, baseadas no afeto, que merecem a mesma proteção do Estado.


1.2. Família monoparental

Pablo Stolze introduz o tema dispondo que a família monoparental merece destaque, pois foi a forma de composição de família protegida com menção expressa na Constituição da República,  em seu artigo 226. O autor afirma que o simples fato de ter havido tal previsão já justificaria o estudo deste arranjo familiar. Para este autor, família monoparental é a entidade familiar composta por qualquer dos pais e sua prole ( mono = um, único + parental = relativo aos pais). [5]

Atualmente é vista como uma opção, mas tradicionalmente como exteriorização de fracasso, haja vista o conceito tradicional de família que imperava. A fotografia de uma “família perfeita” vem se modificando ao longo dos tempos, não mais sendo composta, necessariamente, pela figura do pai, da mãe e dos filhos. [6]

Com a facilitação do divórcio, que se erigiu à condição de direito potestativo, cada vez mais esta entidade familiar faz parte da nossa realidade. [7]Porém, hoje, trata-se de uma escolha, seja pelo fim de um relacionamento, seja por uma viuvez, seja pela opção de ter um filho sozinha (o), pela adoção ou até por uma inseminação artificial, mas independentemente da forma pela qual  a família monoparental se origine, sempre será uma família e, por isso, merece ser protegida pelo Estado. [8]


1.3.União estável e “concubinato”

O conceito de concubinato não se confunde com o de companheirismo, que é união estável. Concubinato são relações paralelas.

O artigo 1727 do Código Civil dispõe, expressamente, que concubinato não é família, mas sim mera sociedade de fato. Destarte, a competência para processar e julgar questões decorrentes de uma relação concubinária será da vara cível e não haverá a obrigatoriedade da intervenção do Ministério Público.

É o que podemos observar nos julgados colacionados a seguir, em que o Tribunal Superior não reconheceu a constituição de uma entidade familiar oriunda da convivência amorosa de um casal, por entender que estavam ausentes os requisitos de respeito e de consideração nesta relação, em virtude da existência de duas uniões de fato concomitantes, o que, no entendimento deste julgado, evidenciou a inexistência de objetivo de constituir família e de estabilidade na relação.

Direito de Família. Apelação. Ação de Reconhecimento de União Estável. CONCUBINATO DESLEAL. Pedido improcedente. Recurso provido. O concubinato desleal não encontra respaldo no ordenamento jurídico brasileiro, pois a manutenção de duas uniões de fato, concomitantes, choca-se com o requisito de respeito e consideração mútuos, impedindo o reconhecimento desses relacionamentos como entidade familiar, uma vez caracterizada a inexistência de objetivo de constituir família, e de estabilidade na relação. (TJMG, 4ª Câmara Cível, Apelação Cível n.º 1.0384.05.039349-3/002, rel. Des. Moreira Diniz, j. 21.02.2008, v.u.)

UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTE. IMPOSSIBILIDADE. Ação de dissolução de sociedade de fato ou remuneração por serviços prestados julgada improcedente. Pretensão da apelante de ver reconhecida união estável, e, em conseqüência, o direito à meação dos bens. Companheiro que convivia também com outras mulheres, falecendo no estado de solteiro. Reconhecimento de uniões estáveis concomitantes. Impossibilidade. Precedente jurisprudencial. Súmula nº 122, deste Eg. Tribunal de Justiça. Recurso desprovido. Decisão unânime. (TJRJ, 7ª Câmara Cível, Apelação Cível 2.006.001.24.112, rel. Des. José Mota Filho, j. 23.5.2007, v.u.) [9]

Embora reconheçamos a sapiência dos julgados acima apresentados, que entendem pela impossibilidade do reconhecimento de uniões estáveis concomitantes, as peculiaridades da vida atual podem, perfeitamente, demonstrar que é possível a manutenção de dois relacionamentos com todas os requisitos necessários à configuração da união estável.

 Aparenta ser mais compatível com a realidade o julgado do TJRS, que reproduziremos a seguir:

Embargos infringentes - União estável - Relações simultâneas. De regra, não é viável o reconhecimento de duas entidades familiares simultâneas, dado que em sistema jurídico é regido pelo princípio da monogamia. No entanto, em Direito de Família não se deve permanecer no apego rígido à dogmática, o que tornaria o julgador cego à riqueza com que a vida real se apresenta. No caso, está escancarado que o "de cujus" tinha a notável capacidade de conviver simultaneamente com duas mulheres, com elas estabelecendo relacionamento com todas as características de entidades familiares. Por isso, fazendo ceder a dogmática à realidade, impera reconhecer como co-existentes duas entidades familiares simultâneas. Desacolheram os embargos, por maioria. (TJRS, 4º Grupo Cível, Embargos Infringentes n.º 70013876867, rel. Des. Luiz Ari Azambuja Ramos, j. 10.3.2006; por maioria). [10]

No mesmo sentido do julgado supramencionado, a favor da possibilidade do reconhecimento de uniões estáveis concomitantes, posiciona-se o próximo julgado, rompendo com antigas decisões mais conservadores, como demonstramos no início deste capitulo.

[11]UNIÕES ESTÁVEIS. CONCOMITÂNCIA. Civil. Ações de Reconhecimento de Uniões Estáveis "post mortem". Reconhecimento judicial de duas uniões estáveis havidas no mesmo período. Possibilidade. Excepcionalidade. Recursos desprovidos. 1 - Os elementos caracterizadores da união estável não devem ser tomados de forma rígida, porque as relações sociais e pessoais são altamente dinâmicas no tempo. 2 - Regra geral, não se admite o reconhecimento de duas uniões estáveis concomitantes, sendo a segunda relação, constituída à margem da primeira, tida como concubinato ou, nas palavras de alguns doutrinadores, "união estável adulterina", rechaçada pelo ordenamento jurídico. Todavia, as nuances e peculiaridades de cada caso concreto devem ser analisadas para uma melhor adequação das normas jurídicas regentes da matéria, tendo sempre como objetivo precípuo a realização da justiça e a proteção da entidade familiar - desiderato último do Direito de Família. 3 - Comprovado ter o "de cujus" mantido duas famílias, apresentando as respectivas companheiras como suas esposas, tendo com ambas filhos e patrimônio constituído, tudo a indicar a intenção de constituição de família, sem que uma soubesse da outra, impõe-se, excepcionalmente, o reconhecimento de ambos os relacionamentos como uniões estáveis, a fim de se preservar os direitos delas advindos. 4 - Apelações desprovidas. (TJDF, 1ª Turma Cível, Apelação Cível n.º 2006.03.1.000183-9, rel. Des. Nívio Geraldo Gonçalves, j. 27.02.2008, m.v.).

O fato de o concubinato ser uma sociedade de fato não significa que desta relação não decorrem efeitos jurídicos, como por exemplo, a partilha do patrimônio comum, com o fim de evitar o enriquecimento sem causa.

Súmula nº 380: Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

O STF e STJ repugnam a natureza familiar do concubinato e, com isto, proíbem efeitos previdenciários e alimentícios decorrentes desta relação.

O julgado, a seguir, é expresso quanto à impossibilidade do reconhecimento de união estável, quando um dos companheiros é casado, não importando há quanto tempo este casal possui este relacionamento paralelamente ao casamento.

União estável não pode ser reconhecida quando um dos companheiros for casado (notícias STJ: dia 29/03/2012).

Uma relação estável não pode ser reconhecida quando uma das partes permanece casada. Está é a decisão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar um recurso da esposa de um homem que morreu em 2005. A Turma negou o reconhecimento da relação estável com a concubina, a impedindo de receber pensão do companheiro morto pelo Instituto de Previdência do Rio Grande do Sul. 

A esposa recorreu da decisão do Tribunal de justiça gaucho, que reconheceu a união estável do seu esposo com a concubina. Na defesa, a mulher afirmou ter permanecido casada com o homem por 36 anos, até o dia em que ele morreu. 

Para o relator, ministro Luis Felipe Salomão, não há como reconhecer a união estável se a separação não tenha acontecido de fato. Salomão ainda observou que a manutenção de outro relacionamento, não descaracteriza o casamento, que é uma união voluntária entre duas pessoas. [12]

Pablo Stolze e boa parte da doutrina afirmam que o concubinato poderia configurar família no caso da união estável putativa. No concubinato de boa-fé, o concubino acredita, verdadeiramente, estar vivenciando uma união estável , e possui todos os requisitos para a constituição desta entidade familiar, se não fosse pelo existência de um casamento anteriormente contraído pelo seu concubino. O concubinato putativo caracteriza-se quando a parte envolvida está de boa-fé. Desta relação, sim, para os adeptos deste entendimento, decorrerá efeitos válidos em relação ao concubino de boa-fé. [13]

No concubinato podemos encontrar tanto a boa-fé objetiva, que é a boa-fé de comportamento, lealdade e de confiança, como a subjetiva, que é a de conhecimento. Esta distinção vem da doutrina alemã. De acordo, com o autor Cristiano Chaves, o concubinato de boa-fé sai da natureza clandestina e passa a ser família. Neste caso, não haverá uma meação e sim triação (expressão criada pelo TJ/RS, que também aceita o concubinato de boa-fé), como demonstraremos no julgado a seguir.

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“Ocorre que algumas destas uniões, em razão da intolerância social com a sua existência, não têm merecido tratamento jurídico tão benevolente. É o caso do concubinato [01] adulterino (uma relação estável mantida entre um homem e uma mulher que, por qualquer razão, são impedidos de casar) ocorrente quando um dos consortes é casado com um terceiro – são as chamadas uniões dúplices.

Nestas relações, até pouco tempo, não se admitia qualquer tipo de proveito patrimonial do companheiro. Entretanto, em interessante julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, na Apelação Cível n° 70009786419 [02], reconheceu à companheira direito à chamada triação, concedendo a ela os mesmos direitos patrimoniais reconhecidos à esposa”. [14]

Acórdão nº 70027512763 de Tribunal de Justiça do RS, Oitava Câmara Cível, 14 de Maio de 2009

O STJ não compartilha do mesmo entendimento, não aceitando o concubinato de boa-fé e, consequentemente, não admitindo a sua equiparação ao casamento putativo.

 Notícia veiculada pelo STJ, dia 20/02/2006 , demonstra a impossibilidade do reconhecimento de duas uniões estáveis e, reafirma a sua posição, no sentido de não ser possível a equiparação do concubinato de boa-fé, ao casamento putativo.

Reconhecimento concomitante de duas uniões estáveis não é possível

“Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que, mantendo o autor da herança união estável com uma mulher, o posterior relacionamento com outra, sem que ele haja se desvinculado da primeira, com quem continuou a viver como se fossem marido e mulher, não configura união estável concomitante, incabível, pois, a equiparação ao casamento putativo”

Contudo, STOLZE, apesar de demonstrar, em sua obra, a rigidez do tratamento conferido pelos Tribunais Superiores aos concubinos, inclusive aos de boa-fé, afirma que esta situação pode vir a mudar.[15]

O panorama da atual jurisprudência dos Tribunais Superiores de nosso país não é favorável a quem possui uma união concubinária. Afirma, ainda, o autor, que a interpretação dada pelos Tribunais, quanto ao regime de bens dos concubinos, é restrita ao patrimônio amealhado, e que este deve ser objeto de prova específica, não militando em seu favor a presunção de que todo o patrimônio posterior à constituição da relação foi obtido com força de trabalho mútuo. É o que podemos inferir da leitura do próximo julgado.[16]

APELAÇÕES CÍVEIS. UNIÃO DÚPLICE. UNIÃO ESTÁVEL. PROVA. MEAÇÃO. "TRIAÇÃO". SUCESSÃO. PROVA DO PERÍODO DE UNIÃO E UNIÃO DÚPLICE.

A prova dos autos é robusta e firme a demonstrar a existência de união entre a autora e o de cujus em período concomitante ao casamento do falecido. Reconhecimento de união dúplice paralela ao casamento. Precedentes jurisprudenciais. MEAÇÃO (TRIAÇÃO) Os bens adquiridos na constância da união dúplice são partilhados entre as companheiras e o de cujus. Meação que se transmuda em triação pela duplicidade de vínculos familiares. Nestas relações, até pouco tempo, não se admitia qualquer tipo de proveito patrimonial do companheiro. Entretanto, em interessante julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – TJRS, na Apelação Cível n° 70009786419 [02], reconheceu à companheira direito à chamada triação, concedendo a ela os mesmos direitos patrimoniais reconhecidos à esposa”.

NEGARAM PROVIMENTO AO PRIMEIRO APELO E DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO.[17]


1.4.Do Poliamorismo (uniões paralelas consentidas)

O princípio da intervenção mínima do Estado no Direito de Família, como vem sendo demonstrado ao longo deste trabalho, cada vez mais tem assumindo contornos bem definidos na seara do ramo do direito de família.[18]

 Estes contornos foram acentuados por mais uma interpretação, que vem sendo dada ao artigo 1566, inciso I do Código Civil, atinente ao dever de fidelidade dos cônjuges no decorrer da sociedade conjugal.

O artigo 1566 do Código Civil dispõe:

São deveres de ambos os cônjuges:

I - fidelidade recíproca;

A fidelidade, em nosso sistema, é um valor jurídico corporificado para o casamento. Alguns autores dizem que é um princípio. [19] Já a lealdade, é um valor mais abrangente do que fidelidade, pois uma pessoa pode ser leal sem ser fiel. É o caso de um cônjuge dizer para o outro que o traiu, mas que está sendo leal pelo fato de estar contando para ele.

A fidelidade não traduz um valor absoluto, tanto é assim, que a doutrina e a própria jurisprudência, embora de forma não uníssona, vem admitindo a sua flexibilização por ato conjunto do casal, caracterizando o denominado poliamorismo. [20]

Apesar de nosso sistema ser monogâmico, os Tribunais Superiores e a doutrina, começaram a flexibilizar tal valor jurídico.

O poliamorismo não se confunde com o concubinato ou com a figura do amante. É a relação em que o casal decide, por ato conjunto, abrir a relação para paralelismos afetivos. Decidem abrir a relação de afeto, sem deixar de constituir um núcleo familiar. A família moderna é pluralizada e permite tantas quantas forem as suas formas de constituição. Não é “suingue” ou promiscuidade, mas sim, mais uma relação construída com base no afeto.

O poliamorismo é um abertura consentida na relação, onde o dever de fidelidade ganha contornos mais abrangentes, porém, não deixa de constituir mais um novo tipo de arranjo familiar que merece, tanto quanto os advindos das entidades familiares previstas na Constituição, ser protegida pelo Estado.

Como exemplo de poliamorismo podemos citar a novela Avenida Brasil, em que o personagem “Cadinho” possuía três mulheres. As três sabiam da existência umas da outras e no final da novela até moraram junta. Cada uma tinha um horário e regras foram estabelecidas para este convívio. Eram felizes e se consideravam uma família feliz.

Recentemente, em São Paulo. o cartório de notas da cidade de Tupã registrou a 1ª escritura pública de poliamorista (“casal” de três). O fato é que o fato social existe. A fidelidade não é um valor jurídico absoluto. É relativo, porque o casal pode, através de uma decisão conjunta, flexibilizá-lo.

A infidelidade pode repercutir no campo patrimonial. É um valor jurídico que, se descumprido, pode gerar a responsabilidade civil do infiel. O dever de fidelidade é quebrado por meio de condutas desonrosas (beijo na rua em outra pessoa, carícias, etc).

O adultério, apesar de traduzir a mais grave das “quebras do dever de fidelidade”, não é mais considerado como crime. É um ilícito civil, praticado por meio da pratica sexual espúria com terceiro, que pode gerar a responsabilidade civil daquele que descumpriu o dever jurídico matrimonial da fidelidade.

[21] Sobre o tema há uma brilhante sentença[22], que será transcrita em parte, a fim de elucidar este tema tão corriqueiro na vida dos casais atuais.

Como se colocar diante do que se confunde como justo e injusto, como certo e errado, como o direito e o avesso?

Diante de uma situação fática em que devidamente comprovado que com a concordância de ambas as mulheres, o extinto manteve por vinte e nove anos uma relação dúplice, deve o julgador ater-se tão somente ao hermetismo dos textos legais e das disposições positivadas em nossos códigos de lei?

Aquela mulher que viveu com um homem, que não obstante fosse casado, por vinte e nove anos, não tem direito a nada?

É sabido que nossa legislação baseia-se no relacionamento monogâmico caracterizado pela comunhão de vidas, tanto no sentido material como imaterial.

Da mesma forma é sabido que a relação paralela de uma mulher com homem legalmente casado e impedido de contrair novo casamento é classificado de concubinato impuro ou adulterino, sem gerar qualquer direito para efeito de proteção familiar fornecida pelo Estado. É o que dispõe o inciso VI, do artigo 1521combinado com o § 1° do artigo 1723 ambos do Código Civil brasileiro.

Todavia, a relação que a autora teve com o extinto não pode ser classificada simplesmente como dispõe o artigo 1727 do Código Civil brasileiro.

A relação da autora com o falecido, não obstante fosse o mesmo legalmente casado e não separado de fato, não foi eventual a ponto de nos satisfazermos com a singela afirmação de que esta relação de vinte e nove anos somente foi um concubinato impuro ou adulterino, incapaz de gerar qualquer efeito jurídico no mundo dos fatos.

E, segue o magistrado citando a autora Maria Berenice Dias:

Segundo Maria Berenice Dias, "a doutrina ainda distingue modalidades de ligações livres, eventuais, transitórias e adulterinas, com o fim de afastar a identificação da união como estável e, assim, negar quaisquer direitos a seus protagonistas. São consideradas relações desprovidas de efeitos positivos na esfera jurídica. Os concubinos chamados de adulterino, impuro, impróprio, espúrio, de má-fé, concubinagem e etc, são alvo do repúdio social.

Nem por isso deixam de existir em larga escala. A repulsa aos vínculos afetivos concomitantes não os faz desaparecer, e a invisibilidade a que são considerados pela Justiça só privilegia o bígamo. Situações de fato existem que justifica considerar que alguém possua duas famílias constituídas. São relações de afeto, apesar de consideradas adulterinas, e podem gerar conseqüências jurídicas".( in Manual de Direito das Famílias, Livraria do Advogado, 2005, p.179).

Não se pode desconhecer a realidade do comportamento social no que diz respeito aos relacionamentos afetivos paralelos, que acabam por mitigar aquele deve legal de fidelidade previsto no inciso I, do artigo 1556 do Código Civil brasileiro.

Ainda segundo o ensinamento de Maria Berenice Dias, "negar a existência de uniões paralelas, quer um casamento e uma união estável, quer duas ou mais uniões estáveis, é simplesmente não ver a realidade. A justiça não pode chancelar essas injustiças. Mas, é como vem se inclinando a doutrina. O concubinato adulterino importa, sim, para o Direito. São relações que repercutem no mundo jurídico, pois os companheiros, convivem, às vezes tem filhos, e há construção patrimonial em comum. Destratar mencionada relação, não lhe outorgando qualquer efeito, atenta contra a dignidade dos partícipes e filhos porventura existentes".( in obra citada, p. 181) -

É o que a psicologia atualmente denomina de poliamorismo.

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Sobre a autora
Paula Sampaio Vianna Rangel

Advogada. Terminando Pós Graduação em Direito Civil.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RANGEL, Paula Sampaio Vianna. Modalidades de arranjos familiares na atualidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24393. Acesso em: 16 abr. 2024.

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