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A utilização do polígrafo e a sua excepcional admissibilidade no processo penal brasileiro e argentino

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09/05/2013 às 16:46
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Poderão ser aceitas as provas obtidas ilicitamente quando não tiver nenhuma outra forma de comprovar determinada conduta.

Resumo: O presente estudo analisa o instituto da prova no Processo Penal, abrangendo ilicitude e ilegitimidade das provas, os sistemas de valoração, a admissibilidade probatória e a possibilidade de utilização do polígrafo como meio de prova, além de realizar uma reflexão sobre as situações e peculiaridades que circundam o livre convencimento motivado do julgador.

Palavras-chave: Provas, validade e admissibilidade, polígrafo.


1. Introdução

Alguns casos foram relatados pela imprensa mundial nos quais os acusados de crimes foram absolvidos com base em testes efetuados no “polígrafo”, também chamado de “detector de mentiras”. Com tais fatos, ressurge a discussão sobre a excepcional admissibilidade das provas ilícitas no processo penal, tendo em vista as proibições legais de utilização de instrumentos probatórios da espécie.

A proposta deste texto é trazer informações sobre a eventual possibilidade de utilização do polígrafo como instrumento probatório no processo penal brasileiro e argentino, demonstrando a relativização da inadmissibilidade das provas ilícitas em face do princípio da proporcionalidade e razoabilidade.

Além disso, pretende-se proporcionar uma reflexão sobre as situações e peculiaridades que circundam o livre convencimento motivado do julgador e demonstrar que o importante é ler as normas processuais à luz dos princípios e regras constitucionais. É verificar os textos legais à luz da ordem constitucional. E não só em conformidade da sua letra, mas também com o seu espírito. Pois a interpretação constitucional é capaz, por si só, de operar mudanças informais na Constituição Federal, possibilitando que, mantida a letra, o espírito da lei fundamental seja colhido e aplicado de acordo com o momento histórico que se vive (GRINOVER, 1990, p. 14-15).

Considera-se importante o estudo do tema em apreço pelo fato de a prova configurar o ponto principal do Processo Penal.


2. Das provas

2.1 Conceituação, generalidades e sistemas de valoração da prova

O termo prova origina-se do latim probatio, que significa verificação, argumento ou confirmação. Segundo Roxin, “probar significa convencer al juez sobre la certeza de la existencia de un hecho” (CLAUS ROXIN, 2003).

Nos ensinamentos do Professor Michele Taruffo:

“La prueba es el instrumento que utilizan las partes desde hace siglos para demostrar la veracidad de sus afirmaciones, y del cual se sirve el juez para decidir respecto a la verdad o falsedad de los enunciados fácticos. En términos muy generales, se entiende como prueba cualquier instrumento, método, persona, cosa o circunstancia que pueda proporcionar información útil para resolver dicha incertidumbre” (TARUFFO, 2009, p.59).

Provar é produzir um estado de certeza, na consciência e mente do juiz, para sua convicção, a respeito da existência ou inexistência de um fato, ou da verdade ou falsidade de uma afirmação sobre uma situação de fato que se considera de interesse para uma decisão judicial ou a solução de um processo (MIRABETE, 2007, p. 249).

De acordo com Guilherme de Souza Nucci, existem três sentidos para o termo prova: a) ato de provar: é o processo pelo qual se verifica a exatidão ou verdade do fato alegado pela parte no processo; b) meio: é o instrumento pelo qual se demonstra a verdade de algo; c) resultado da ação de provar: é o produto extraído da análise dos instrumentos de prova oferecidos, demonstrando uma verdade daquele fato (2007, p. 359).

Paulo Rangel leciona que “os meios de prova são todos aqueles que o juiz, direta ou indiretamente, utiliza para conhecer da verdade dos fatos, estejam eles previstos em lei ou não” (2010, p.414).

Normalmente, os Códigos de Processo Penal enumeram os meios de prova utilizando o critério taxativo e o exemplificativo. Pelo primeiro, todos os meios de prova admitidos são exaustivamente listados e, pelo segundo, apenas alguns meios de prova são enunciados a título de exemplo (chamadas de provas nominadas), sendo possível a produção de quaisquer outras provas não vedadas pelo ordenamento jurídico (chamadas de provas inominadas).

Dessa forma, para clarificar melhor, cabe reforçar a diferenciação da prova nominada para a inominada: “Provas nominadas são aquelas previstas expressamente no ordenamento jurídico. Já as inominadas são provas que não estão contempladas no ordenamento jurídico”. (LOPES, 2009, p. 525.)

Michele Taruffo classifica-as em provas típicas e atípicas, conforme abaixo:

“Son prueba tanto los instrumentos para adquirir información que están expresamente regulados por la ley (las denominadas pruebas típicas) como aquellos que la ley no regula expresamente (las denominadas pruebas atipicas) pero que, sin embargo, pueden servir para fundar la decisión sobre los hechos” (TARUFFO, 2009, p. 60).

Tanto o Código de Processo Penal Brasileiro quanto o Argentino adotaram o critério exemplificativo ou enunciativo.

A doutrina majoritária costuma dividir os sistemas de valoração da prova em três, a saber:

a) sistema da certeza moral do juiz ou íntima convicção: o juiz tem ampla liberdade de julgar somente de acordo com sua consciência, sem qualquer vínculo a limitações legais.

b) sistema da certeza moral do legislador ou da prova tarifada: cada prova tem o valor previamente fixado pela lei, inclusive com hierarquia entre as mesmas.

c) sistema do livre convencimento motivado ou da persuasão racional: o juiz age livremente na apreciação das provas, mas a avaliação deve ser feita com base em regras científicas, preestabelecidas e em decisão fundamentada. Desta forma, o juiz, apesar de estar livre na apreciação das provas, só pode utilizar aquelas encontradas no processo, sendo estas admitidas pela lei, não podendo ser ilícitas ou ilegítimas. Verifique que a apreciação das provas, mesmo sendo livre, será controlada por meio da motivação das decisões.

2.2 Provas ilícitas no Processo Penal Brasileiro

Na lição de Tourinho Filho, à primeira vista, parece haver, no processo penal brasileiro, uma ampla liberdade na utilização das provas e na busca da verdade real. Todavia, existem diversas restrições à prova, as quais podem ser encontradas tanto nas normas constitucionais quanto em outras normas do ordenamento jurídico (TOURINHO, 1999, p. 228.).

A Constituição Federal Brasileira, em seu artigo 5º, inciso LVI, disciplina que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos” e o Código de Processo Penal, no artigo 157, com redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008, determina que “são inadmissíveis, devendo ser desentranhadas do processo, as provas ilícitas, assim entendidas as obtidas em violação a normas constitucionais ou legais”.

Tanto as provas ilícitas quanto as ilegítimas são consideradas espécies das provas denominadas ilegais: [...] A prova ilegal se divide em prova ilegítima e prova ilícita. A prova ilegítima é aquela que importa em violação de uma norma processual. E a prova ilícita aquela que afronta um princípio constitucional. Pode-se afirmar, assim, que a prova ilegal é gênero, das quais são espécies a prova ilegítima (que atenta contra norma processual) e a prova ilícita (que viola norma material) [...]. (CUNHA, 2008, p. 91)

Aury Lopes Júnior afirma que a prova ilícita é aquela que viola regra de direito material ou a Constituição no momento da sua coleta, anterior ou concomitante ao processo, mas sempre exterior a esse (2009, p. 536), tal como a confissão obtida mediante tortura. Já a prova ilegítima é obtida quando ocorre violação de regras de direito processual (DEZEM, 2008, p.171), a exemplo daquela juntada fora do prazo processual.

O Professor Michele Taruffo leciona sobre a admissão probatória, conforme abaixo:

“Podemos agregar que, en términos generales, se pueden considerar como racionalmente admisibles las pruebas, típicas o atípicas, que sean relevantes en la medida que aporren informaciones útiles para formular esa decisión; se excluyen del proceso sólo aquellas pruebas que, aún siendo relevantes, sean calificadas como inadmisibles por alguna norma jurídica especifica (como por ejemplo, las pruebas ilícitas o aquéllas para cuya adquisición habría que violar el secrew personal o profesional)” (TARUFFO, 2009, p. 60).

Outro ponto importante sobre as provas ilícitas é a “Teoria dos frutos da Árvore Envenenada”, que se consolidou no direito norte-americano (doctrine of the fruits of the poisonous tree) e que afirma que qualquer prova advinda de uma prova ilícita (ou seja, quando se chega à outra prova através de uma prova ilícita) também será ilícita por derivação.

Tal teoria está inserida no artigo 157, §1º do Código de Processo Penal Brasileiro, incluído pela Lei nº 11.690, de 2008, segundo o qual, “são também inadmissíveis as provas derivadas das ilícitas, salvo quando não evidenciado o nexo de causalidade entre umas e outras, ou quando as derivadas puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”.

É importe registrar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu a respeito da prova ilícita, nos seguintes termos:

"é indubitável que a prova ilícita, entre nós, não se reveste da necessária idoneidade jurídica como meio de formação do convencimento do julgador, razão pela qual deve ser desprezada, ainda que em prejuízo da apuração da verdade, no prol do ideal maior de um processo justo, condizente com o respeito devido a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana, valor que se sobreleva, em muito, ao que é representado pelo interesse que tem a sociedade em uma eficaz repressão aos delitos. é um pequeno preço que se paga por viver-se em estado de direito democrático. A justiça penal não se realiza a qualquer preço. [...] A cláusula constitucional do due process of law - que se destina a garantir a pessoa do acusado contra ações eventualmente abusivas do Poder Público - tem, no dogma da inadmissibilidade das provas ilícitas, uma de suas projeções concretizadoras mais expressivas, na medida em que o réu tem o impostergável direito de não ser denunciado, de não ser julgado e de não ser condenado com apoio em elementos instrutórios obtidos ou produzidos de forma incompatível com os limites impostos, pelo ordenamento jurídico, ao poder persecutório e ao poder investigatório do Estado. A absoluta invalidade da prova ilícita infirma-lhe, de modo radical, a eficácia demonstrativa dos fatos e eventos cuja realidade material ela pretende evidenciar. Trata-se de conseqüência que deriva, necessariamente, da garantia constitucional que tutela a situação jurídica dos acusados em juízo penal e que exclui, de modo peremptório, a possibilidade de uso, em sede processual, da prova - de qualquer prova - cuja ilicitude venha a ser reconhecida pelo Poder Judiciário. A prova ilícita é prova inidônea. Mais do que isso, prova ilícita é prova imprestável. Não se reveste, por essa explícita razão, de qualquer aptidão jurídico-material. Prova ilícita, sendo providência instrutória eivada de inconstitucionalidade, apresenta-se destituída de qualquer grau, por mínimo que seja, de eficácia jurídica." (STF, Voto do Rel. Min. Ilmar Galvão na AP 307-3-DF, DJU 13/10/95)

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2.3 Provas ilícitas no Processo Penal Argentino

 A Argentina é um país com uma estrutura federal, constituído por 23 estados subnacionais – denominados províncias – e o Governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires. Cada província tem um Poder Executivo, um Poder Legislativo e um Poder Judiciário. O governo nacional, por sua parte, também conta com os três poderes. A legislação civil, comercial e penal é ditada pelo Congresso da Nação. Ditas normas se aplicam em todo o territorio do País. Todavía, cada província legisla sobre aspectos processuais, tanto em matéria civil e comercial como em questões penais. Os códigos processuais regulam o tema da prova e evidência.

É necessário fazer uma delimitação do tema, haja vista que na Argentina existem vários códigos processuais distintos (um federal, que trata de normas gerais, e um para cada província, que disciplinam mais detalhadamente as regras processuais).

Dessa forma, buscando a objetividade, restringiremos as análises em relação às disposições referentes aos Códigos de Processo Penal da Cidade Autônoma e da Província de Buenos Aires.

O Código de Processo Penal da Cidade Autônoma de Buenos Aires disciplina a questão probatória no título III, nos artigos 106 e seguintes, que tratam da admissibidade e amplitude probatória, conforme descrito abaixo:

Art. 106. Amplitud probatoria.

Los hechos y las circunstancias de interés para la solución correcta del caso podrán acreditarse por cualquier medio de prueba que no resulte contrario a los principios contemplados en este Código.

No regirán las limitaciones establecidas por las leyes civiles respecto de la prueba, con excepción de las relativas al estado civil de las personas.

Art. 107. Admisibilidad de la prueba.

Los elementos de prueba sólo serán admisibles cuando sean obtenidos por un medio licito e incorporados al procedimiento conforme a las disposiciones de este Código.

Se podrán limitar los medios de prueba ofrecidos cuando resulten manifiestamente sobreabundantes y prescindir de la prueba cuando sea ofrecida para acreditar un hecho notorio

Las partes podrán acodar que circunstancias determinadas, que no integren los requisitos objetivos y subjetivos del tipo penal o sean cuestiones de interés público, no necesitan ser probadas. Ello constará en acta que podrá incorporarse por lectura a cualquier audiencia y al debate a pedido de cualquiera de las partes concurrentes, si hubiera sido firmada por todas ellas y sus defensores.

Na mesma perspectiva, o Código de Processo Penal da Província de Buenos Aires disciplina a questão no artigo 211, nos seguintes termos:

ARTICULO 211- Exclusiones probatorias.- Carecerá de toda eficacia la actividad probatoria cumplida y la prueba obtenida, con afectación de garantías constitucionales.

A Suprema Corte da Nação Argentina já decidiu a respeito da prova ilícita, nos seguintes termos:

“Fiorentino, Diego E.”, Corte Suprema de Justicia de la Nación, Fallos 306:1752, 27/11/1984.

Voto Mayoritario:

“Que en la especie no se ha configurado ninguna de lãs excepciones previstas en el art. 189 del Código de Procedimiento en Materia Penal, ni ha mediado consentimiento válido que permitiera la intromisión Del personal policial en el domicilio del procesado, dado que la prueba examinada revela la falta de fundamentación -en ese punto- de la sentencia Del a quo. En efecto, aun de haber autorizado éste el ingreso como se señala en los testimonios (…) el permiso que podría haber otorgado careceria de efectos por las circunstancias en que se prestó, al haber sido Fiorentino aprehendido e interrogado sorpresivamente por una comisión de cuatro hombres en momentos en que ingresaba con su novia en el hall del edifi cio donde habitaba, quedando detenido. En tales condiciones, ló expresado por el a quo en el sentido de que debió mediar al menos uma resistencia verbal para que fuera oída por los testigos resulta irrazonable dada la situación referida, a lo que se suma la inexperiencia del imputado en trances de ese tipo, factor que puede presumirse en razón de su edad y de la falta de antecedentes judiciales. Por otra parte, admitido como fue en la sentencia que los progenitores no autorizaron el allanamiento, aparece carente de lógica derivar la existencia de un supuesto consentimiento tácito por ausencia de oposición expresa al registro, cuando ya se había consumado el ingreso de los extraños en la vivienda”. (considerando 6º)

Voto del Dr. Enrique S. Petracchi:

“Si el consentimiento puede admitirse como una causa de legitimación para invadir la intimidad de la morada, él ha de ser expreso y comprobadamente anterior a la entrada de los representantes de la autoridad pública a la vivienda, no debe mediar fuerza o intimidación, y a la persona que lo presta se le debe hacer saber que tiene derecho a negar la autorización para el allanamiento”. (considerando 8º)


3. Princípio da proporcionalidade e razoabilidade e sua aplicabilidade na excepcional admissão da prova ilícita no processo penal brasileiro e argentino

Os defensores do uso das provas ilícitas se baseavam nos princípios do livre convencimento do juiz e da verdade real. Assim, o que importava era a busca incondicional pela verdade dos fatos, não importando se isso levasse à violação dos direitos dos investigados. Essa tese encontrou defensores entre os alemães e norte-americanos, para os quais o interesse da coletividade se sobrepunha a eventuais irregularidades na colheita das provas (PRADO, 2006, p. 15).

É inegável que a inadmissibilidade de provas ilícitas no processo, atualmente, é a regra a ser obedecida pelo Estado, tanto na atividade investigatória quanto na persecutória. Todavia, a grande indagação doutrinária e jurisprudencial está na absolutividade ou não de tal regramento, permeando a análise da coleta da prova.

Em regra geral, o princípio da vedação às provas ilícitas não deve ser visto como absoluto, sendo excepcionalmente relevado, sempre que estiver em jogo um valor significativo, podendo um princípio de menor importância ceder a um de maior relevância social (PRADO, 2006, p. 18).

Assim, para classificação das provas em lícitas ou ilícitas faz-se imprescindível uma análise formal quanto ao modo de obtenção das provas associado a um exame de conteúdo do material colhido a fim de, fazendo uso do princípio da proporcionalidade, decidir-se pela admissibilidade processual ou não da prova (CARNAÚBA, 2000, p. 103).

O mestre Paulo Rangel leciona que:

“Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de prova) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória. Afirmar que a verdade, no processo penal, não existe é reconhecer que o juiz penal decide com base em uma mentira, em uma inverdade. Ao mesmo tempo, dizer que ele decide com base na verdade processual, como se ela fosse única, é uma garantia de mentira. A verdade processual deve ser vista sob um enfoque da ética, não do consenso, pois não pode haver consenso quando há vida e liberdade em jogo, pelo menos enquanto se estiver compromissado com o outro como ser igual a nós, por sua diferença. A verdade obtida, consensualmente, somente terá validade se for através da ética da alteridade. A verdade é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo” (RANGEL, 2010).

É evidente que no Processo Penal é inadmissível a adoção do princípio de que os fins justificam os meios, para se tentar legitimar a procura da verdade através de quaisquer meios probatórios.

A vedação da prova ilícita é inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a prova do fato e, consequentemente, punição do indivíduo a qualquer preço, custe o que custar. Os direitos previstos na Constituição, já dissemos, são direitos naturais, agora positivados, não havendo mais razão para o embate entre o direito natural e o direito positivado, como no passado [...]. (RANGEL, 2010, p. 427).

Para a admissão ou não da prova deve-se avaliar o caso concreto. Podendo ser utilizada desde que exista alguma violação aos direitos e garantias fundamentais. Dessa forma, seria constitucional o uso dessa prova, haja vista a efetivação da garantia fundamental do indivíduo. Ora, “se a vedação foi estabelecida como uma garantia do indivíduo, não poderia ser utilizada em seu desfavor, quando necessária para comprovar a inocência” (MENDONÇA, 2008, p. 172).

Assim, a teoria da proporcionalidade apresenta-se como exceção à regra da inadmissibilidade das provas ilícitas, a qual é aplicada em casos excepcionais, ou seja, quando está em jogo a defesa dos direitos e garantias fundamentais do cidadão.

O princípio da proporcionalidade, como regra de interpretação e aplicação do direito, em matéria penal, quanto à admissão da prova ilícita no processo é admitido pela doutrina e também pela jurisprudência, o que é justificado pela avaliação dos princípios constitucionais colidentes.

Celso Bastos e Ives Gandra traçam regras de admissibilidade da prova ilícita: (...) A primeira delas é a de que a prova a ser feita valer seja indispensável na defesa de um direito constitucional mais encarecido e valorizado pela Lei Maior do que aquele cuja violação se deu. Em segundo lugar é necessário que a produção desta prova se faça na defesa do réu e não a favor do Estado, entendido este como autor da ação penal. E finalmente a prova deve ser acolhida quando aquele que a exibe não teve nenhuma participação, quer direta ou indireta, no evento inconstitucional que a ensejou (...) (1989, v.2, p.276-276).

Nestes termos, verificamos que mesmo sendo ilícita, a prova poderá ser admitida quando se trate, por exemplo, de prova da inocência do acusado. Assim, uma pessoa que utiliza o detector de mentiras ou grava conversa de terceiros, sem autorização judicial, mas para demonstrar sua própria inocência, a despeito de poder ser consideradas ilícitas, tais provas poderiam ser utilizadas. Portanto, existem situações em que a importância do bem jurídico envolvido no processo e a ser alcançado com a obtenção irregular da prova levará os tribunais a aceitá-la.

O Professor Scarance Fernandes, ao comentar o dispositivo constitucional concernente à inadmissibilidade da prova ilícita no processo, afirma que de fato teve o legislador constitucional, ao vedar a admissão da prova ilícita no processo, objetivo de estancar o dissídio doutrinário e jurisprudencial sobre a admissibilidade das provas ilícitas, asseverando, entretanto, que deveria o princípio da proporcionalidade ser repensado, exemplificando com caso verídico de violação de correspondência de presos em certo presídio, quando se descobriu plano de fuga em massa e de seqüestro de um juiz de direito, e com outro caso, em que o réu obtém prova de sua inocência em interceptação telefônica não autorizada judicialmente, mas era a única forma de provar sua inocência. No primeiro caso, sobre violação de correspondência, prova ilícita, seria natural que tal pudesse se sobrepor ao sigilo constitucional das correspondências, pois a fuga do presídio e o consequente sequestro da autoridade pública seriam bens jurídicos de maior relevância a serem observados em relação à quebra de sigilo acima noticiada. Na segunda hipótese, teríamos caso típico de prova ilícita pro reo, devendo, pois, a prova ilícita ser admitida e valorada em prol dos princípios da ampla defesa e da dignidade da pessoa humana. Percebe-se, portanto, defender o doutrinador não só a admissibilidade da prova ilícita pro reo, mas também, em casos excepcionais, a adoção mais ampla do princípio da proporcionalidade, como no primeiro exemplo, onde haveria a admissibilidade da utilização da prova captada ilicitamente pro societate.

No mesmo sentido, Barbosa Moreira critica a adoção do princípio da proporcionalidade somente pro reo, doutrinando que: "(...) dificilmente se contestará a premissa da superioridade de armas da acusação. Pode suceder, no entanto, que ela deixe de refletir a realidade em situações de expansão e fortalecimento da criminalidade organizada, como tantas que enfrentam as sociedades contemporâneas (...) Seja como for, o essencial aqui é pôr em realce o caráter relativo que por força se tem de atribuir ao princípio constitucional atinente à inadmissibilidade das provas ilicitamente adquiridas"

Em perfeita conceituação da teoria da proporcionalidade, ARANHA afirma que:

“Para tal teoria intermediária, propomos uma nova denominação: a do interesse preponderante. Em determinadas situações, a sociedade, representada pelo Estado, é posta diante de dois interesses relevantes antagônicos e que a ela cabe tutelar: a defesa de um princípio constitucional e a necessidade de perseguir e punir o criminoso. A solução deve consultar o interesse que preponderar e que, como tal, deve ser preservado.”

Discorrendo em relação à razoabilidade, Mariângela Gama de Magalhães Gomes cita Giuseppe Lombardo, nos seguintes termos:

“O juízo de razoabilidade diz respeito a uma ponderação de todos os interesses envolvidos a fim de se decidir acerca da adoção de determinada medida, ao passo que o juízo de proporcionalidade refere-se à medida da intervenção, e implica uma análise comparativa (do tipo ‘quantitativa’) entre o sacrifício imposto ao indivíduo e o interesse público perseguido. A aplicação destes dois princípios, por parte de um controle jurisdicional das decisões, vale-se de um esquema de juízo de valor, com semelhanças significativas no método: na aplicação do princípio da razoabilidade, é valorada a ponderação dos interesses realizada para verificar se na medida foram consideradas adequadamente todos os interesses envolvidos, enquanto na aplicação do princípio da proporcionalidade avalia-se a ponderação dos interesses (que já são tidos como legítimos) com a medida da intervenção. Assim, clara é a diversidade do objeto do juízo: a aplicação do parâmetro da proporcionalidade ocorre num momento logicamente posterior ao juízo da razoabilidade. O referido autor salienta, ainda, que o juízo de proporcionalidade diz respeito à medida da intervenção e não se refere à escolha discricionária. Tal escolha é já dada e valorada, em termos de razoabilidade, no âmbito de uma relação envolvendo múltiplos interesses, onde o juízo de proporcionalidade insere-se, principalmente, numa relação autoridade/liberdade como análise custos/benefícios (Giuseppe Lombardo. Il principio di ragionevolezza nella giurisprudenza amministrativa. Rivista Trimentrale di Diritto Pubblico, 1997, p.891)”.

Dessa forma, segundo a teoria da proporcionalidade, em eventual conflito entre garantias individuais, impõe-se a prevalência do interesse maior a ser protegido no caso concreto, que deve ser avaliado pelo julgador, quando da análise probatória.

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Sobre o autor
Jadir Silva Rocha

Auditor Interno do Banco do Brasil S.A., Advogado, Pós-graduado em Direito Público e Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino – UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Jadir Silva. A utilização do polígrafo e a sua excepcional admissibilidade no processo penal brasileiro e argentino. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3599, 9 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24395. Acesso em: 18 abr. 2024.

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