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A implantação do regime de turnos ininterruptos de atendimento e consequente redução da jornada

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16/05/2013 às 15:57
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A implantação do regime de turnos ou escalas permite a redução da jornada de trabalho dos servidores e é uma ferramenta de gestão sujeita ao juízo discricionário do dirigente máximo das entidades. Alinha-se aos novos paradigmas de uma gestão pública moderna, pautada no cânone da eficiência.

I – Introdução

No presente estudo, de modo geral, cuidar-se-á de analisar a possibilidade de implantação do regime de turnos e escalas, com consequente redução da jornada de trabalho, sem redução da remuneração, na forma do art. 3º do Decreto nº 1.590, de 10 de agosto de 1995, para as carreiras que tenham sua jornada de trabalho disciplinada em legislação específica.

Por outro lado, tratar-se-á, no caso concreto, da jornada de trabalho dos servidores do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que integram a Carreira do Seguro Social, que foi instituída pela Lei nº 10.855, de 1º de abril de 2004.

O tema é bastante intrigante e controverso. Isso porque uma leitura apressada do §2º do art. 19 da Lei nº 8.112/90, de 11 de dezembro de 1990, poderia levar a equivocada conclusão de que a previsão em lei específica de jornada de trabalho afasta a aplicação do Decreto nº 1.590/1995.

No entanto, uma interpretação mais criteriosa dos dispositivos legais e princípios que envolvem o tema levam à conclusão da possibilidade da adoção do turno ininterrupto nestas hipóteses e, em consequência, apresenta ao Gestor uma brilhante ferramenta de gestão.

Com efeito, o deslinde da questão posta em discussão passará pela interpretação de alguns dispositivos do Decreto nº 1.590/1995 c/c art. 19 da Lei nº 8.112/1990 e do art. 4º-A da Lei nº 10.855/2004.

Também será abordado o novo modelo de “administração gerencial”, que vem sendo concebido no Brasil desde a Emenda Constitucional nº 32, de 1988, e tem implicado numa verdadeira reestruturação do Estado Brasileiro. Sobre o tema, muito bem historiou Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo[1]:

Historicamente, a proposta de implantação de um modelo de administração gerencial no Brasil teve seus lineamentos básicos no ‘Plano Diretor da Reforma do Estado’ e na obra do ex-Ministro Bresser Pereira, para quem essa modalidade de administração se apresenta como uma “nova forma de gestão da coisa pública mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, descentralizada, mais voltada para o controle de resultados do que o controle de procedimentos, e mais compatível com o avanço da democracia em todo o mundo, que exige uma participação cada vez mais direta da sociedade na gestão pública.

Este trabalho, portanto, terá como objetivo analisar a ferramenta contemplada no art. 3º Decreto nº 1.590/1995 à luz do atual sistema jurídico brasileiro, e será divido em três tópicos. Num primeiro momento, será examinada a regra geral e as exceções atinentes à jornada de trabalho dos servidores da administração federal. Num segundo instante, será analisada a natureza jurídica do aludido decreto e a partir de sua definição, valendo-se dos métodos tradicionais de hermenêutica, pretende-se definir o alcance e objetivo da redução da jornada laboral autorizada em seu art. 3º. Por fim, após o exame do caso concreto proposto para discussão, serão verificados os requisitos que deverão ser atendidos para a implantação do regime de turnos ou escalas de que trata o art. 3º do Decreto nº 1.590/95.

Cumpre advertir, que este artigo não tem a pretensão de esgotar o estudo do tema, ou mesmo impor uma linha de pensamento acabada. Sabendo que o sistema jurídicoé dinâmico, o que se pretende é demonstrar que a atividade de consultoria e assessoramento jurídico em algumas ocasiões pode ser conduzida para mais de um caminho. Em muitos casos concretos, como o que será aqui apresentado, poderá ser apresentada ao gestor duas soluções juridicamente possíveis e caberá a este a tomada de decisão. Ademais, conforme se verá, não caberá ao consultor se imiscuir no mérito administrativo, e orientar a solução que entenda a mais adequada. Quem decide é o gestor!  Ao parecerista compete compreender a vontade do gestor e orientá-lo quanto aos caminhos legalmente existentes para implementar o que pretende realizar. Ou, se for o caso, alertá-lo quanto à total impossibilidade de se seguir adiante, frente à ilegalidade do pretendido.

Partindo-se dessa premissa é que será realizado o presente estudo.


II–Fixação da Jornada de Trabalho dos servidores: regra geral e exceções

A jornada de trabalho dos servidores tem matiz constitucional no art. 7º, inciso XIII, combinado com o §3º, do art. 39 da Constituição Federal de 1988, in verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; (vide Decreto-Lei nº 5.452, de 1943)

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão conselho de política de administração e remuneração de pessoal, integrado por servidores designados pelos respectivos Poderes. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)(Vide ADIN nº 2.135-4)

(...)

§ 3º Aplica-se aos servidores ocupantes de cargo público o disposto no art. 7º, IV, VII, VIII, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX, XX, XXII e XXX, podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Também é disciplinada pelo art. 19 da Lei 8.112/90, que em sua redação original fixavaexpressamente,como regra geral, a jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas semanais para os servidores da Administração Pública Federal, verbis:

Art. 19. O ocupante de cargo de provimento efetivo fica sujeito a 40 (quarenta) horas semanais de trabalho, salvo quando a lei estabelecer duração diversa.

Parágrafo único. Além do cumprimento do estabelecido neste artigo, o exercício de cargo em comissão exigirá de seu ocupante integral dedicação ao serviço, podendo o servidor ser convocado sempre que houver interesse da administração.

De modo diverso, o texto atual do referido dispositivo, conferido pela Lei nº 8.270, de 17 de dezembro de 1991, não estabelece diretamente a jornada dos servidores, mas apenas os limites máximo e mínimo do regime de trabalho semanal e diário, confira-se:

Art. 19.  Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)

§ 1º  O ocupante de cargo em comissão ou função de confiança submete-se a regime de integral dedicação ao serviço, observado o disposto no art. 120, podendo ser convocado sempre que houver interesse da Administração.(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)

§ 2º  O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)       

Assim, a regra geral prevista na Lei 8.112/90 prevê que a jornada será definida em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, devendo-se observar a duração máxima de trabalho semanal de quarenta horas diárias e o limite mínimo e máximo diário, respectivamente de seis e oito horas.

O art. 1º do Decreto nº 1.590/95, no entanto, regulamentando o art. 19 da Lei nº 8.112/90, fixou como regra a jornada de 40 (quarenta) horas semanais e, nos termos do § 2º do art. 19 da Lei nº 8.112/90, repetiu em seu inciso I, que a referida regra não se aplicava aos casos previstos em lei específica.

Art. 1º A jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, será de oito horas diárias e:

I - carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo;

II - regime de dedicação integral, quando se tratar de servidores ocupantes de cargos em comissão ou função de direção, chefia e assessoramento superiores, cargos de direção, função gratificada e gratificação de representação.

Parágrafo único. Sem prejuízo da jornada a que se encontram sujeitos, os servidores referidos no inciso II poderão, ainda, ser convocados sempre que presente interesse ou necessidade de serviço.

Como se constata, embora a redação atual do art. 19 da Lei nº 8.112/90 não tenha definido a jornada de trabalho para os servidores ocupantes de cargos efetivos que não possuam jornada definida em lei especial, o Decreto nº 1.590/95, em seu art. 1º, regulamentando o aludido art. 19 assim o fez.

Surge, aqui, a primeira discussão jurídica afeita ao tema: sendo o regime dos servidores tema reservado à lei formal, e a jornada de trabalho um elemento essencial do regime jurídico, poderá um decreto fixar o horário de trabalho? 

Sobre o tema, pertinente transcrever o que estabelece o art. 61 da Constituição Federal de 1988:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

(...)

II - disponham sobre:

(...)

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Comentando a regularidade da referida mudança legislativa, na Nota Técnica nº 007/PGF/LLC/2008, aprovada pelo Consultor-Geral da União, por meio do Despacho nº 174/2008 e pelo Advogado-Geral da União, consignou-se o seguinte:

(...) Nenhuma irregularidade se observa nessa alteração de tratamento legislativo da matéria, eis que, embora o regime jurídico dos servidores esteja sujeito à reserva de lei formal, aspectos específicos dessa relação podem ser tratados na via regulamentar, desde que haja expressa autorização para tanto em dispositivo legal. Corrobora o exposto a moderna compreensão do princípio da legalidade, segundo a qual a reserva absoluta de lei formal deve se limitar às hipóteses de criação de deveres e obrigações aos particulares (v.g., art. 5º, inciso II, CF/88).

Com efeito, a supramencionada norma confirmou, portanto, o entendimento de que não fere o princípio da reserva legal a edição de decreto regulamentar que estabelece a jornada de trabalho dos servidores federais nos limites estipulados pela Lei, nos termos do inciso IV do art. 84 da CF/88.

Continuando, o Decreto nº 1.590/95 também previu a possibilidade de flexibilização da jornada de trabalho, para 30 (trinta) horas semanais, para servidores que trabalhem em função de atendimento ao público, em regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, conforme se extrai do seu art. 3º:

Art. 3ºQuando os serviços exigirem atividades contínuas de regime de turnos ou escalas, em período igual ou superior a doze horas ininterruptas, em função de atendimento ao público ou trabalho no período noturno, é facultado ao dirigente máximo do órgão ou da entidade autorizar os servidores a cumprir jornada de trabalho de seis horas diárias e carga horária de trinta horas semanais, devendo-se, neste caso, dispensar o intervalo para refeições. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)

§ 1oEntende-se por período noturno aquele que ultrapassar às vinte e uma horas. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)

§ 2oOs dirigentes máximos dos órgãos ou entidades que autorizarem a flexibilização da jornada de trabalho a que se refere o caput deste artigo deverão determinar a afixação, nas suas dependências, em local visível e de grande circulação de usuários dos serviços, de quadro, permanentemente atualizado, com a escala nominal dos servidores que trabalharem neste regime, constando dias e horários dos seus expedientes. (Redação dada pelo Decreto nº 4.836, de 9.9.2003)

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Partindo-se das premissas anteriormente colocadas, segue-se para o exame de outra indagação: a existência de Lei específica de uma dada carreira afasta a possibilidade de flexibilização da jornada de trabalho, de que trata o art. 3º Decreto nº 1.590/95? É este o questionamento que se pretende dirimir no tópico seguinte.


II - Natureza Jurídica do Decreto nº 1.590/95

No caso concreto utilizado como modelo, que envolve a jornada de trabalho dos servidores do INSS, integrante da Carreira do Seguro Social, cumpre historiar que até meados do ano de 2008 a Lei que regulamentava a referida carreira (lei específica) nada dispunha sobre a jornada de trabalho dos servidores em questão. Diante da ausência de disposição específica, aplicava-se a regra geral regulamentada no art. 1º do Decreto nº 1.590/95de 40 (quarenta) horas semanais.

Em 29 de agosto de 2008, foi então editada a Medida Provisória nº 441 que acrescentou o art. 4º-A a Lei nº 10.855/2004, passando a prever expressamente a jornada de trabalho dos servidores optantes da Carreira do Seguro Social, verbis:

Art. 4º-A.  É de 40 (quarenta) horas semanais a jornada de trabalho dos servidores integrantes da Carreira do Seguro Social. (Incluído pela Lei nº 11.907, de 2009)

§ 1º  A partir de 1º de junho de 2009, é facultada a mudança de jornada de trabalho para 30 (trinta) horas semanais para os servidores ativos, em efetivo exercício no INSS, com redução proporcional da remuneração, mediante opção a ser formalizada a qualquer tempo, na forma do Termo de Opção, constante do Anexo III-A desta Lei. (Incluído pela Lei nº 11.907, de 2009)

§ 2º  Após formalizada a opção a que se refere o § 1º deste artigo, o restabelecimento da jornada de trabalho de 40 (quarenta) horas fica condicionada ao interesse da administração e à existência de disponibilidade orçamentária e financeira, devidamente atestados pelo INSS. (Incluído pela Lei nº 11.907, de 2009)

§ 3º  O disposto no § 1º deste artigo não se aplica aos servidores cedidos. (Incluído pela Lei nº 11.907, de 2009).

Da leitura do dispositivo em baila, percebe-se que a Lei específica da Carreira do Seguro Social estabeleceu a jornada de 40 (quarenta) horas semanais como regra e facultou aos servidores em exercício no INSS a opção da jornada de 30 (trinta) horas, com redução proporcional da remuneração.

Como visto anteriormente, o parágrafo 2º do art. 19 da Lei 8.112/90 prevê queas disposição do referido artigo não se aplica à duração de trabalho estabelecida nas leis especiais. Tal previsão é replicada no inciso I do art. 1º do Decreto nº 1.590/95.

Não obstante a previsão especifica afaste a disposição contida no art. 1º do Decreto em referência, surgem outros questionamentos: é possível flexibilizar a jornada de trabalho, implantando o regime de turnos ou escalas de que trata o art. 3º  do Decreto nº 1.590/95,  dos servidores que tem seu regime de trabalho disciplinado em lei específica? A previsão de jornada em legislação específica, afasta o disposto no art. 19 da Lei nº 8.112/90 e, por consequência, de todos as disposições do Decreto nº 1.590/1995 em questão?

Em síntese, voltando-se para o caso concreto objeto de exame, diante da existência de lei específica, que facultava inclusive a redução da jornada semanal para 30 (trinta) horas, seria possível, observados os demais requisitos do Decreto, vir o servidor integrante da Carreira do Seguro Social, se valer da flexibilidade prevista no art. 3º do normativo em referência, passando a cumprir uma jornada reduzida, sem intervalo para refeições, garantida a irredutibilidade de sua remuneração?

Com efeito, o entendimento inicial da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, exarado no PARECER Nº 335/2011/DPES/CGMADM/PFE-INSS/PGF/AGU, era no sentido de que a previsão em lei específica afastava a aplicação do caput do art. 19 da Lei nº 8.112/90 e, consequentemente, todas as disposições do Decreto nº 1.590/95 que a regulamentava, consoante se extrai das conclusões da referida manifestação:

38.Ante o exposto, conclui-se:

a.  Pela impossibilidade jurídica da aplicação do art. 19 da Lei 8.112/90 e Decreto nº 1.590/95 aos integrantes da Carreira do Seguro Social. Assim a regra geral contida no art. 19 da Lei 8.112/90, não se aplica aos servidores do INSS integrantes da Carreira do Seguro Social, uma vez que a estes existe regramento específico previsto no art. 4º-A da Lei 10.855/2004 com a nova regra trazida pela MP 441/2008, que adotou expressamente a jornada de 40 (quarenta) horas para os integrantes das Carreiras do Seguro Social.

b. Para a Carreira do Seguro Social é possível que o servidor opte pela jornada reduzida de 30 horas, mas nessa hipótese haverá redução proporcional da remuneração, nos termos do §1º do art.4-A da Lei 10.855/2004.

Com efeito, o supramencionado entendimento fundava-se na equivocada compreensão de que o Decreto nº 1.590/95 possuía natureza puramente regulamentar.  Entendia-se que o normativo regulamentava tão somente o art. 19 da 8.112/90. Assim, como este artigo dizia que suas disposições não eram aplicáveis às carreiras que tinham sua jornada estabelecida em legislação específica, por consequência, também não seria possível aplicar as disposições do normativo que o regulamentava.

Como se passará a demonstrar, o entendimento acima exposto, não parece ser o que melhor se coaduna com o nosso sistema jurídico.

Por pertinência, transcreve-se outros dispositivos do Decreto nº 1.590/95para exame, in verbis:

Art. 4º Aos Ministros de Estado e aos titulares de órgãos essenciais da Presidência da República, bem como a seus respectivos Chefes de Gabinete e, também, aos titulares de cargos de Natureza Especial e respectivos Chefes de Gabinete é facultado autorizar jornada de trabalho de seis horas e carga horária de trinta horas semanais às secretárias que os atendam diretamente, limitadas, em cada caso, a quatro.

Art. 5º Os Ministros de Estado e os dirigentes máximos de autarquias e fundações públicas federais fixarão o horário de funcionamento dos órgãos e entidades sob cuja supervisão se encontrem. (Vide Decreto nº 1.867, de 1996)

§ 1º Os horários de início e de término da jornada de trabalho e dos intervalos de refeição e descanso, observado o interesse do serviço, deverão ser estabelecidos previamente e adequados às conveniências e às peculiaridades de cada órgão ou entidade, unidade administrativa ou atividade, respeitada a carga horária correspondente aos cargos.

§ 2º O intervalo para refeição não poderá ser inferior a uma hora nem superior a três horas.

Art. 6º O controle de assiduidade e pontualidade poderá ser exercido mediante:

I - controle mecânicos;

II - controle eletrônico;

III - folha de ponto.

(...)

Uma leitura mais apurada dos demais artigos do Decreto nº 1.590/95 permite constatar que elenão se limita a fixar a jornada de trabalho dos servidores federais, ou seja, a regulamentar a regra geral do caput do art. 19 da Lei nº 8.112/90, o que o fez em seu art. 1º. Com efeito, os demais artigos do citado normativo tratam de outras regras sobre o funcionamento e organização da Administração Pública, notadamente: a) delegação de competência aos Ministros de Estado e Presidentes das Autarquias e Fundações para fixar o horário de funcionamento das unidades (art. 5º); b) forma de controle da freqüênciados servidores (art. 6º); ec) faculta ao gestor máximo da instituição estabelecer o regime especial de trabalho de turnos ou escalas (art. 3º e 4º).

Destarte, cabe ressaltar que as matérias relacionadas à organização e funcionamento da Administração Pública Federal são da competência privativa do Presidente da República e estão compreendidas no âmbito de sua autonomia normativa, conferida pela nova redação do inciso VI do art. 84 da CF/88, confira-se:

Art. 84.Compete privativamente ao Presidente da República:

I - nomear e exonerar os Ministros de Estado;

II - exercer, com o auxílio dos Ministros de Estado, a direção superior da administração federal;

III - iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;

V - vetar projetos de lei, total ou parcialmente;

VI - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal, na forma da lei;

VI - dispor, mediante decreto, sobre:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

a) organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos; (Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

b) extinção de funções ou cargos públicos, quando vagos;(Incluída pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

Em sua redação pretérita, o inciso VI do art. 84 da Carta Magna, atribuía competência ao Presidente da República para dispor sobre a organização e o funcionamento da administração federal “na forma da lei”. Suprimindo, assim, qualquer autonomia administrativa. No entanto, a referida expressão foi retirada pela EC nº 32/2011, oportunidade em que se consagrou, no ordenamento pátrio, o regulamento autônomo, que encontra seu fundamento de validade no próprio texto constitucional. 

Os decretos autônomos, como conhecido pela doutrina brasileira, também chamados de regulamentos independentes no Direito Continental Europeu, são tidos como uma expressão de certa autonomia do Poder Executivo, vez que independem de lei para sua regulamentação.

O Supremo Tribunal Federal – STF[2] se manifestou sobre a interpretação da nova redação do dispositivo constitucional em questão (art. 84, VI, a), oportunidade em que se firmou o seguinte entendimento, verbis:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DECRETO Nº 4.010, DE 12 DE NOVEMBRO DE 2001. PAGAMENTO DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL. LIBERAÇÃO DA EXIGÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA.

Os artigos 76 e 84, I, II e VI a, todos da Constituição Federal, atribuem ao Presidente da República a posição de Chefe supremo da administração pública federal, ao qual estão subordinados os Ministros de Estado.

Ausência de ofensa ao princípio da reserva legal, diante da nova redação atribuída ao VI do art. 84 pela Emenda Constitucional nº 32/01, que permite expressamente ao Presidente da República dispor, por decreto, sobre a organização e funcionamento da administração federal, quando isso não implicar aumento de despesa ou criação de órgãos públicos, exceções que não se aplicam ao decreto atacado.

Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente”. [Destacou-se].

Hoje, portanto, a organização da administração pública federal, desde que não acarrete aumente de despesa ou criação de órgãos públicos, pode ser feita por decreto expedido pelo Presidente da República, como Chefe de Governo.

Sobre o tema, filiando-se à autorizada doutrina[3] que reconhece a existência do decreto autônomo, cumpre transcrever alguns apontamentos de Gilmar Ferreira Mendes[4]:

A Constituição estabelece que compete ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das leis (CF, art. 84, IV, in fine), tendo consagrado, igualmente, que compete ao Presidente da República dispor, mediante decreto, sobre a organização e funcionamento da Administração Federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgão público, e sobre a extinção de funções e cargos públicos, quando vagos (CF, art. 84, VI, a e b). Esta segunda parte, relativa ao inciso VI do art. 84, foi introduzida pela EC n.32/2001. É por meio do regulamento que o Executivo exerce intensa atividade normativa. Esse ‘poder regulamentar’, conferido ao Presidente da República pela Constituição, consiste no mais importante meio pelo qual a Administração Pública exerce atividade normativa secundária [Destacou-se]

Sobre o decreto autônomo, ensina Maria Sylvia Zanella Di Pietro[5]:

Decreto é a forma de que se revestem os atos individuais ou gerais, emanados do Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governador e Prefeito).

Ele pode conter, na mesma forma que a lei, regras gerais e abstratas que se dirigem a todas as pessoas que se encontram na mesma situação (decreto geral) ou podem dirigir-se a pessoa ou grupo de pessoas determinadas. Nesse caso, ele constitui decreto de efeito concreto (decreto individual); écaso de um decreto de desapropriação, de nomeação, de demissão.

Quando produz efeitos gerais, ele pode ser:

1.Regulamentar ou de execução, quando expedido com base no art. 84, IV, da Constituição, para fiel execução da lei;

2. Independente ou autônomo, quando disciplina matéria não regulamentada em lei. A partir da Constituição de 1988, não há fundamento para esse tipo de decreto no direito brasileiro, salvo nas hipóteses previstas no artigo 84, VI, da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 32/01.” [Destaques no original][6]

O STF, manifestando-se sobre a existência de acolhida constitucional dos regulamentos autônomos, assim se pronunciou:“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade: objeto: tem-se objeto idôneo à ação direta de inconstitucionalidade quando o decreto impugnado não é de caráter regulamentar de lei, mas constitui ato normativo que pretende derivar o seu conteúdo diretamente da Constituição”[7].

Face o até então exposto, voltando-se para o caso concreto objeto de exame,constata-se que apenas o art. 1º do Decreto nº 1.590/95 se presta a regulamentar a regra geral do caput do art. 19 da Lei nº 8.112/90. Conforme se verificou, todos os demais dispositivos de seu texto vão tratar da organização e funcionamento da Administração Pública, motivo pelo qual são compreendidos como regulamentos autônomos.

Percebe-se, assim, a natureza híbrida do Decreto nº 1.590/1995, vez que seu art. 1º tem caráter regulamentar e seus demais dispositivos enquadram-se como regulamentos autônomos.

A jornada especial, prevista no art. 3º do Decreto nº 1.590/95, em verdade, está intimamente ligada ao próprio horário de funcionamento da unidade (art. 5º do Decreto nº 1.590/95). Assim, conferiu-se aos chefes máximos dos órgãos e entidades a possibilidade de, avaliando a situação concreta, o interesse público envolvido, critérios de conveniência e oportunidade, elastecer o horário de atendimento em turnos ininterruptos e fixar uma jornada corrida, sem intervalo para refeição.

Como chefe máximo do Executivo, o Presidente da República, a quem a Constituição lhe conferiu, como visto, a competência privativa para deflagrar o processo legislativo no tocante à matéria de servidor, aqui incluso todo o regime jurídico, bem como autonomia pra regulamentar a administração e funcionamento da Administração Pública, no art. 3º e 4º do Decreto nº 1.590/95, resolveu descentralizar para os dirigentes máximos dos órgãos e entidades federais a incumbência de disciplinar o horário de funcionamento das unidades que dirigem, a forma como será feito o controle da freqüência, bem como a possibilidade de vir a adotar um regime especial de trabalho, que se alinhe ao planejamento estratégico do órgão ou entidade e observe os limites estabelecidos no próprio decreto.

Valendo-se de uma interpretação sistemática do disposto no §2º do art. 19 da Lei nº 8.112/90 c/c os dispositivos do Decreto nº 1.590/95 e do art. 4-A da Lei nº 10.855/04, chega-se a conclusão que a previsão específica constante neste último normativo, muito embora afaste a regra do caput do art. 19, regulamentada pelo art. 1º do Decreto em questão, não afasta a possibilidade de aplicação do disposto no art. 3º do decreto, muito pelo contrário, com ele se harmoniza.

Interpretação diversa, no sentido de que a previsão específica da jornada de trabalho dos servidores da Carreira do Seguro Social (art. 4-A da Lei nº 10.855/04) afastaria a aplicação de todos os dispositivos do Decreto nº 1.590/95, levaria à equivocada conclusão de que inexiste amparo normativo para que os dirigentes máximos dos órgãos e entidades federais disciplinem o horário de funcionamento das unidades, bem como a forma do controle de frequência dos servidores de seus quadros. Em outras palavras, o Presidente da República teria que expedir novo decreto, com fulcro no inciso VI do art. 84 da CF, para tratar dos órgãos e entidades federais que possuem normativo específico disciplinando a jornada de trabalho de suas carreiras.

Indo mais além, valendo-se da interpretação teleológica do art. 3º do Decreto nº 1.590/95, não há dúvidas de que a idéia foi descentralizar, com base do princípio da eficiência, algumas atribuições. Assim, caso o gestor da unidade entenda que a implantação de turno ininterrupto de 12 (doze) ou mais horas atende aos interesses da instituição e, por óbvio, dos usuários do serviço público prestado, ele poderá estabelecer o regime especial de trabalho.

De modo contrário, caso a fórmula da jornada diferenciada não alcance os resultados esperados, o próprio gestor tem competência para revogar o ato anterior e buscar outra solução que melhor realize o interesse público envolvido. Assim, não há falar em direito adquirido do servidor ao horário reduzido.

Conforme já se adiantou, sob a luz do novo modelo de administração gerencial, acolhido pelo constituinte derivado através da EC nº 19/1998, buscam-se fórmulas mais voltadas para os resultados, para uma gestão mais eficiente da máquina administrativa.

Comentando o novo modelo de administração gerencial, José dos Santos Carvalho Filho[8] assim destaca:

O que a sociedade tem perseguido atualmente – desapontada com os velhos métodos da organização administrativa – é a adoção de novas técnicas e modernos instrumentos formadores da administração gerencial (public management), que não só atende aos anseios da Administração como também corresponde às expectativas do interesse da coletividade.

Assim, sob a ótica da administração gerencial, entende-se que a previsão contida no art. 3º do Decreto nº 1.590/95, com redação dada pelo Decreto nº 4.836/03, é mais uma ferramenta à disposição do gestor máximo dos órgãos/entidades federais para auxiliá-los na persecução de um serviço público mais eficiente.

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Sobre a autora
Ingrid Pequeno Sá Girão

Procuradora Federal, especialista em Direito Público e Mestre

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIRÃO, Ingrid Pequeno Sá. A implantação do regime de turnos ininterruptos de atendimento e consequente redução da jornada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3606, 16 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24446. Acesso em: 18 abr. 2024.

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