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Restrições a animais de estimação em condomínios edilícios: análise legal e jurisprudencial

20/05/2013 às 15:49
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Vedações genéricas a animais em apartamentos constituiriam ofensa ao direito de propriedade? Há excesso de apego ao formalismo normativo ao admitir-se a remoção desses animais por simples contrariedade a documentos condominiais, sem justificativas adicionais?

INTRODUÇÃO

Atualmente, diante de uma sociedade em que impera o individualismo e em que as relações sociais são cada vez mais superficiais, é natural que as pessoas estejam em busca de formas alternativas de amainar a solidão que este contexto traz para suas vidas.  Além disso, em face da revolução feminina, que levou as mulheres ao mercado de trabalho, os casais que optam por não gerarem filhos têm, inegavelmente, aumentado gradativamente de número. E essas novas estruturas familiares, algumas vezes, sofrem, ainda que inconscientemente, em virtude de lacunas que, antes, eram preenchidas pela prole.

O fato é que estes e outros fatores têm levado à proliferação de animais de estimação nos lares de brasileiros, sobretudo, em grandes cidades. Afinal, indubitavelmente, esses têm configurado uma alternativa eficiente para servirem de boa companhia quando o tempo com a família e os amigos é cada vez mais exíguo graças a ambições profissionais. Além disso, de certa forma, têm preenchido vazios, eventualmente, existentes nas uniões sem filhos. E, no caso de famílias com crianças, têm servido como verdadeiro polo de atração capaz de unir seus membros em torno de um motivo de amor e cuidado comum.

Este fenômeno trouxe diversos impactos positivos na sociedade. A exemplo disso, o desenvolvimento do mercado “pet”, com a multiplicação de “pet shops”, creches caninas e hospitais veterinários, aquecendo a economia e gerando novos tipos de negócio e emprego. Contudo, infelizmente, também há impactos negativos. Entre eles, as divergências entre condôminos, especialmente, naqueles condomínios edilícios que não admitem, em suas convenções condominiais e regulamentos internos, animais de estimação ou não os admitem acima de determinado tamanho.

Este tipo de convenção vem gerando cada vez mais demandas judiciais. Afinal, o que se verifica são decisões, em sede administrativa, que, tendo em vista as proibições no âmbito interno, acabam por deliberar pela não aceitação dos animais no condomínio. E, os donos, indignados, apelam ao Poder Judiciário com fim de serem revogadas eventuais multas e de evitarem a separação de seus animais.

Ocorre que esses bichos tornam-se, de certa maneira, verdadeiros membros da família e a sua exclusão, conforme determinam documentos condominiais, pode acarretar mais prejuízo aos moradores que o possuem que a sua permanência causaria àqueles que desejam a expulsão do animal. Além disso, cumpre verificar se este tipo de proibição é legalmente aceitável e também como a jurisprudência tem se manifestado sobre o assunto.


I. AS CONVENÇÕES CONDOMINIAIS E REGULAMENTOS INTERNOS DE CONDOMÍNIOS EDILÍCIOS

O condomínio edilício pode ser constituído por testamento ou por ato entre vivos, registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Quando constituído por ato entre vivos, a convenção condominial é seu documento constitutivo, que deve ser subscrito por, no mínimo, titulares de dois terços das frações ideais do condomínio e, desde logo, tem força obrigatória para proprietários, possuidores e detentores das unidades condominiais. Pode ser elaborada por escritura pública ou instrumento particular e apenas é oponível a terceiros após seu registro no Cartório de Registro de Imóveis.

A convenção condominial é o documento que regula as principais matérias atinentes ao condomínio edilício e existem determinadas matérias que devem ser, obrigatoriamente, previstas no aludido instrumento. Essas matérias estão previstas nos artigos 1.332 e 1.334 do Código Civil. Entre elas, pode-se citar a forma de administração, as sanções a que estão sujeitos os proprietários e possuidores e o regulamento interno.

O regulamento interno trata-se de um documento complementar que se destina a regular outras questões não previstas na convenção condominial, sobretudo, direitos e deveres de condôminos, determinando, assim, a identidade do próprio condomínio. Contudo, o próprio Código Civil estabelece alguns direitos e deveres dos condôminos, cominando sanções legais à sua inobservância. Os direitos estão previstos no artigo 1.335 do Código Civil e, entre eles, pode-se citar o de usar, fruir e livremente dispor de suas unidades. Os deveres estão previstos no artigo 1.336 do mesmo diploma legal. As sanções legais são estabelecidas nos parágrafos primeiro e segundo do artigo 1.336, bem como no artigo 1.337 e seu parágrafo único.

Conforme se observa, os condôminos possuem autonomia para criar, em convenção condominial ou regulamento interno, direitos e deveres adicionais aos moradores, desde que estes não contrariem as disposições legais. Em vista disso, não é raro que condomínios estipulem proibições genéricas em relação à permanência de animais nas unidades autônomas ou que limitem essa possibilidade a determinados tamanhos, espécies ou quantidade. Essa vedação, em tese, alcançaria, inclusive, condôminos que viessem a habitar o condomínio posteriormente à aprovação desses instrumentos.

Todavia, conforme anteriormente explanado, os animais de estimação são cada vez mais desejados nos lares de brasileiros. Não só pelos indivíduos, mas também pelo Estado, que tem estimulado veementemente políticas de adoção de animais abandonados que abarrotam canis e abrigos e, muitas vezes, vivem em condições deploráveis em virtude da ausência de verbas suficientes para sua manutenção. Claramente, convenções condominiais e regulamentos internos restritivos acabam por gerar um grande impasse para pessoas que anseiam por possuir ou já possuem um animal de estimação incorporado à família e, ao mesmo tempo, não querem abrir mão do conforto e da segurança auferida em condomínios edilícios. O resultado tem sido a proliferação de sanções administrativas aplicadas por esses condomínios, graves dissensos entre vizinhos e profunda angústia por parte de proprietários de “pets” que, sem outra alternativa, recorrem ao judiciário para garantir a permanência de seus pequenos companheiros no lar.


II. O DIREITO DE PROPRIEDADE

O direito de propriedade trata-se de um direito fundamental de primeira geração, expressamente consagrado pela Constituição da República em seu artigo 5º “caput” e inciso XXII.

Observa-se que a Constituição da República assegura, de forma peremptória, a inviolabilidade do direito à propriedade. Nesse sentido, somente a própria Constituição da República ou a lei podem restringi-lo ou delimitar a forma de seu exercício. A exemplo disso, em seu artigo 5º, inciso XXIII, exige que a propriedade atenda a sua função social.

De acordo com a legislação pátria, os animais de estimação são coisas e, por isso, passíveis de serem apropriados e possuídos. Estes animais fazem parte do patrimônio dos indivíduos assim como quaisquer outros bens. Tendo essas afirmações como base, é de se questionar se seria possível admitir que documentos firmados entre particulares, como as convenções condominiais e regulamentos internos, poderiam restringir o direito de propriedade ou posse direta sobre estes animais. Vedar esses animais em apartamentos não seria uma forma inconstitucional de restringir direitos inerentes à propriedade, ou seja, o uso, gozo e fruição sobre este tipo de bem?

Pode-se argumentar que as restrições previstas em convenções condominiais e regulamentos internos violam o exercício do direito de propriedade em relação à própria unidade condominial. Afinal, ao impedir a permanência de animais de estimações nessas localidades, tais instrumentos estariam limitando a forma de gozo e fruição desse bem. O próprio Código Civil, em seu artigo 1.335, inciso I, assegura, expressamente, que é direito do condômino usar, fruir e livremente dispor de suas unidades. Com isto, é possível afirmar que aludidas convenções condominiais e regulamentos internos estariam contrariando, além da própria Constituição da República, a lei, na parte em que trata, especificamente, de condomínios edilícios.

É verdade que se poderia alegar que essa restrição seria possível em virtude do princípio base da autonomia de vontade, que rege os negócios jurídicos de forma geral. Afinal, o indivíduo que decide habitar um determinado condomínio edilício, deve sujeitar-se à vontade da maioria em Assembleia Geral, inclusive no que se refere à elaboração da convenção condominial e do regulamento interno. Contudo, compondo a minoria, seria lícito que estivesse impedido de usufruir de um bem de seu patrimônio em virtude do que consta nesses documentos com os quais, na verdade, não consentiu? A soberania da Assembleia Geral de condôminos teria poder suficiente para afetar o direito de propriedade? A aceitação desses documentos proibitivos e posterior aquisição de animal doméstico constituiria um verdadeiro “venire contra factum proprio”?

Em decisão proferida pela 5ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Apelação 9105791-97.2003.8.26.0000, São Paulo, Rel: Des. James Siano, julg. 17.08.2011) entendeu-se que “o exercício do direito de propriedade não deve ser obstado por convenção ou regulamento interno, salvo se causar risco ou incômodo aos demais moradores.” O que se observa, portanto, é que deve haver um equilíbrio entre direitos aparentemente conflitantes, ou seja, o direito do proprietário de exercer todos as prerrogativas inerentes à sua propriedade e o direito dos condôminos de verem cumpridas as convenções condominiais e regulamentos internos. Isto significa que é razoável que a análise seja feita no caso concreto.

No mesmo sentido foi o acórdão prolatado pela 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação 0099237-66.2007.8.26.0000, Guarujá, Rel: Des. Fortes Barbosa, julg. 27.10.2010), segundo o qual é nula a convenção condominial que veda genericamente a permanência de animais de estimação no condomínio edilício por flagrante violação ao direito de propriedade exercido sobre as unidades autônomas. Entendeu-se que eventual restrição apenas seria válida se fossem feitas ressalvas quanto à geração de perigo à segurança, falta de higiene, poluição sonora ou outros inconvenientes que a presença de algum animal de estimação pudesse causar, sendo, portanto, impossível a vedação genérica sem que sejam elencados motivos para sua expulsão. Alude, inclusive, ao artigo 1.331 do Código Civil, segundo o qual o proprietários das unidades condominiais detêm propriedade exclusiva sobre estas, o que significa que podem gozar, fruir e dispor destas sem restrições. Claramente, a possibilidade de amplo exercício do direito de propriedade limita-se, exclusivamente, a casos de afetação do próprio exercício de propriedade pelos outros proprietários, possuidores e detentores das unidades condominiais. Isto é, os outros condôminos, obviamente, não devem arcar com consequências nocivas em virtude da presença do animal.

Em decisão tomada pela 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação 0207433-28.2010.8.26.0000, Jundiaí, Rel: Des. Sebastião Carlos Garcia, julg. 26.08.2010) o Tribunal anulou, inclusive, deliberação de Assembleia Geral de Condôminos que, injustificadamente, optou pela expulsão de um cão. Isto significa que, nem mesmo os condôminos, observando quóruns legais ou convencionais, podem prolatar decisões discricionárias a respeito da permanência de animais de estimação no condomínio. É necessário que existam motivos firmes e comprovados que justifiquem a saída do animal de seu lar.

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Conclui-se, assim, que a jurisprudência tem entendido serem contrárias ao direito de propriedade quaisquer espécies de vedações genéricas, em convenções condominiais ou regulamentos internos, da presença de animais de estimação nas unidades condominiais. Contudo, também é verdade que se admitem restrições justificadas, ou seja, é possível que animais sejam vetados em caso de criarem sérios inconvenientes para outros moradores. Nesse sentido, é de se ressaltar a importância de convenções condominiais bem elaboradas que determinem, com precisão, normas relativas a procedimentos que garantam a segurança, a saúde e a higiene, como a utilização de coleiras nos animais quando transitarem pelas áreas comuns, vacinação, utilização de vermífogos e antipulgas, bem como estrito dever de recolhimento de detritos. É importante, ainda, que prevejam sanções específicas para o caso de descumprimento desses deveres, assim como procedimentos de aplicação de sanções que estabeleçam o contraditório e a ampla defesa do condômino supostamente infrator, sanções estas que poderiam culminar, inclusive, na remoção do animal. Isto, sim, é razoável, ou seja, vedar animais e comportamentos que realmente ameacem a boa convivência com outros moradores e seus próprios direitos de posse e propriedade.


III. O RECONHECIMENTO DE PREJUÍZO AO PROPRIETÁRIO DO ANIMAL

É inegável que a exclusão injustificada de um animal de estimação da unidade condominial em que reside com seus donos pode gerar imensurável prejuízo emocional para estes. Afinal, conforme relatado anteriormente, acabam por tornar-se verdadeiros membros da família e, muitas vezes, são tratados até mesmo como pequenos seres humanos, cercados de mimos e atenção.

É claro que este carinho não isenta os donos de observar deveres inerentes que a posse de um animal doméstico implica. Com isto, é indiscutível que cuidados com higiene devem ser redobrados para impedir doenças contagiosas, insetos e mau cheiro. Também o cuidado com a segurança deve ser estritamente cumprido com a utilização de coleiras nas áreas comuns e, dependendo do caso, até de focinheiras. O barulho excessivo é, ainda, um inconveniente a ser combatido, contudo, facilmente resolvido por um adestramento disciplinado.

Tomadas as devidas providências pelo proprietário do animal, dificilmente, este causará inconvenientes que justifiquem a sua expulsão. Nesse caso, esta pode gerar, sim, impactos psicológicos e emocionais graves aos donos, bem como uma tendência inevitável a conflitos com os vizinhos causadores da separação, o que pode, até mesmo, culminar em incompatibilidade de convivência prejudicial a toda coletividade condominial. 

Nesse sentido foi a decisão, já citada, da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação 0207433-28.2010.8.26.0000). No aludido acórdão entendeu-se que “o rompimento da convivência com o cãozinho poderá causar graves danos à autora e sua família, uma vez que o cãozinho dela já faz parte”. Tratava-se de cão pertencente à família já há sete anos, que não causava qualquer espécie de prejuízo aos demais moradores. Diante disto, reconheceu-se, acertadamente, que a separação apenas viria a causar danos ao animal e aos seus donos.

Conforme se observa, gradativamente, a Justiça tem apresentado uma postura menos formalista para abordar efetivas consequências de decisões em face dos indivíduos. Sem dúvidas, um Poder Judiciário mais humano, próximo ao indivíduo e atento às reais necessidades dos que dele necessitam apenas é capaz de trazer benefícios para todos.


IV. O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (“STJ”)

Conforme demonstrado anteriormente, as decisões do Poder Judiciário, têm sido no sentido de ignorar convenções condominiais e regulamentos internos proibitivos em prol da análise do caso concreto. Isto porque a própria Constituição da República e o Código Civil asseguram o direito de propriedade e seu pleno exercício dentro das unidades condominiais e, sendo assim, não poderiam contrariar estes diplomas, vedando genericamente animais de estimação, convenções condominiais e regulamentos internos. Eventual vedação apenas poderia ocorrer em caso de abuso de direito de propriedade, o que somente pode ser avaliado em análise ao caso concreto.

Ainda assim, as contendas judiciais envolvendo a permanência de animais de estimação em condomínios edilícios têm sido tão frequentes e acaloradas que chegaram ao STJ, que se manifestou expressamente sobre o assunto, confirmando posicionamento antagônico ao formalismo apresentado já pelos Tribunais inferiores.

Em oportunidade de posicionar-se sobre referidos conflitos, o STJ entendeu que:

“Direito Civil. Condomínio. Assembleia Geral. Imposição de multa pela manutenção de animal em unidade autônoma. Nulidade de deliberação. Convenção e Regimento Interno. Precedente da Turma. Recurso Desacolhido.

I – Ao condômino, assiste legitimidade para postular em juízo a nulidade de deliberação, tomada em assembleia-geral, que contrarie a lei, a convenção ou o regimento interno do condomínio.

II- A exegese conferida pelas instâncias ordinárias às referidas normas internas não se mostra passível de análise em se tratando de recurso especial (Enunciado 5 da Súmula/STJ).

III – Fixado, com base em interpretação levada a efeito, que somente animais que causem incômodo ou risco à segurança e saúde dos condôminos é que não podem ser mantidos nos apartamentos. Descabe, na instância extraordinária, rever conclusão, lastreada no exame da prova, que conclui pela permanência do pequeno cão” (STJ –Resp 10.250; 4.a T.; DJU 26.04.1993; p. 7.212; unânime).”

Conforme se observa, o STJ assentou entendimento segundo o qual, independentemente de proibição em convenção condominial, regulamento interno ou deliberação de Assembleia Geral de Condôminos, a expulsão do animal de estimação do condomínio apenas é possível em três hipóteses: se causar incômodo, risco à segurança ou risco à saúde de outros moradores. Isto significa que estas circunstâncias prejudiciais a outros condôminos devem ser comprovadas por estes, não sendo possível a remoção do animal com a mera alegação de violação a documentos ou deliberações condominiais. Portanto, de nada adiantam vastos procedimentos administrativos para aplicação de multas ou separação do “pet” de seus donos se não há razões firmes que justifiquem essas sanções.

Em mais um acórdão, o STJ repudiou as convenções condominiais e regulamentos internos proibitivos, nos seguintes termos:

“Direito Civil. Condomínio. Animal em apartamento. Vedação na convenção. Ação de natureza cominatória. Fetichismo legal. Recurso inacolhido, Segundo doutrina de Escol, a possibilidade da permanência de animais em apartamento reclama distinções, a saber:

1. se a convenção de condomínio é omissa a respeito;

2.  se a convenção é expressa, proibindo a guarda de animais de qualquer espécie;

3. se a convenção é expressa, vedando a permanência de animais que causam incômodo aos condôminos. Na segunda hipótese (alínea b), a reclamar maior reflexão, deve-se desprezar o fetichismo normativo, que pode caracterizar o “summum jus summa” injuria, ficando a solução do litígio na dependência da prova das peculiaridades de cada caso. Por unanimidade, não conhecer do recurso” (STJ – Resp. 12.166, RJ; relator Min. Sálvio de Figueiredo; 4.1 T.; j. 07.04.1992; DJ 4.05.1992; p. 5.890).”

Citando a doutrina de Ecol, o acórdão estabelece o afastamento do que chama “fetichismo normartivo”. Com isto, pretende afastar normas previstas em documentos condominiais que tenham fim em si mesmas.  Afinal, é incontestável que esse tipo de vedação possui, justamente, o escopo de garantir o sossego, a higiene e a saúde de todos os moradores do condomínio. Contudo, se a presença de determinado animal não ocasiona risco a nenhum dessas circunstâncias, a norma tem sua finalidade completamente esvaziada e, por isso mesmo, aplicá-la constituiria um apego extremado e indevido ao formalismo.

Portanto, para que se chegue a uma solução justa que beneficie a todos os moradores, não basta uma singela análise das normas convencionais que regem o condomínio e deliberações assembleares. É necessária a verificação do caso concreto e a busca de um equilíbrio entre os direitos de todos os envolvidos.


CONCLUSÃO

É comum que convenções condominiais e regulamentos internos de condomínios edilícios prevejam proibições e restrições genéricas em relação à permanência de animais de estimação em unidades autônomas de seus proprietários, possuidores e detentores. Essas vedações e limitações visam, sobretudo, garantir a manutenção da segurança, higiene, salubridade e bom convívio dos moradores, uma vez que é certo que nem sempre se pode contar com o bom senso dos indivíduos.

Entretanto, Tribunais têm entendido que referidas proibições e restrições configuram afronta ao pleno exercício do direito de propriedade das unidades autônomas. Afinal, a lei e a própria Constituição da República asseguram esse direito que, por isso, não poderia ser limitado aleatória e genericamente. Para que algum tipo de restrição possa prevalecer, é necessário que seja justificada. Isto é, é preciso que haja abuso de direito por parte do proprietário do animal, causando prejuízos ou riscos aos outros condôminos. Por isso, é importante que convenções condominiais e regulamentos internos façam expressa previsão em relação aos deveres a serem observados por aqueles que mantêm animais em suas unidades autônomas, bem como as faltas capazes de tornar intolerável a permanência do “pet”. Ainda assim, as questões devem ser analisadas no caso concreto, sempre sendo buscada uma solução pacífica e que equilibre os direitos de todos os envolvidos de modo a garantir harmonia entre os proprietários e possuidores.

Os Tribunais têm, ainda, reconhecido que, em caso de exclusão injustificada do animal, os prejuízos psicológicos e emocionais gerados podem ser devastadores para a família que o abriga como membro dela própria. Em vista disso, em não havendo prejuízos consideráveis a outros moradores, ainda que haja proibições expressas em documentos condominiais e deliberações negativas da Assembleia Geral, o animal deve ser mantido. Isto porque o dano causado ao seu dono seria desproporcionalmente maior ao causado à coletividade condominial, sendo, por isso, injusto que esta prevalecesse. Com isto, é possível verificar certa humanização das decisões, que fazem prevalecer reais necessidades em face de normas eminentemente formalistas.

O próprio STJ, em duas decisões, recriminou a obediência cega a normas previstas em convenções condominiais, bem como a deliberações de Assembleias Gerais de Condôminos, ressaltando que as regras devem ter uma razão de ser para que sua observância não se torne um “fetichismo normativo”. Entendeu que a manutenção de animais de estimação em unidades autônomas de condomínios edilícios apenas deve ser proibida caso seja verificado e provado que estes colocam em risco a segurança, a salubridade e a higiene dos moradores. Caso contrário, não se há de cogitar em sua exclusão.

Por fim, conclui-se que apenas em casos em que ocorrerem flagrantes desrespeitos a padrões de conduta adequados a possuidores de animais é que se deve afastar o animal de estimação do condomínio. Assim como em casos em que a permanência deste configura grande sofrimento e crueldade em relação a ele próprio, como em hipóteses em que um apartamento é significativamente menor que o necessário para atender às necessidades de um cão de grande porte. Ainda em situações como esta, é relevante uma estrita análise do caso concreto. De qualquer forma, a separação do animal de “sua família” jamais deverá ser arbitrária, aleatória ou injustificada, haja ou não vedações em documentos condominiais. Este entendimento garante uma solução satisfatória para todos. Afinal, os demais moradores poderão, sim, excluir o animal em caso de riscos comprovados; os donos dos “pets” poderão desfrutar de sua companhia e de todos os benefícios trazidos por um animal doméstico e o animal poderá permanecer no conforto de seu lar com os indivíduos que o amam a ponto de envolverem-se em contendas administrativas e judiciais por ele. 

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Sobre a autora
Erika Nicodemos

Advogada atuante na área cível, sócia do escritório Erika Nicodemos Advocacia, graduada em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Especialista em Direito da Propriedade Intelectual pelo Centro de Extensão Universitária, em convênio com a Universidad Austral de Buenos Aires. Pós-graduada em Direito Empresarial e especialista em Direito Digital e Planejamento Sucessório pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas. Mestre em Direito Internacional Privado pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza. Mestranda em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família e das Sucessões da Ordem dos Advogados do Brasil, São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICODEMOS, Erika. Restrições a animais de estimação em condomínios edilícios: análise legal e jurisprudencial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3610, 20 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24488. Acesso em: 29 mar. 2024.

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