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A evolução do ensino universitário no Brasil.

Uma reflexão quanto à aplicabilidade dos exames profissionais qualitativos a posteriori

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30/07/2013 às 08:01
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Sempre haverá quem diga que o mercado irá filtrar os bons profissionais. Mas quem irá consertar ou compensar os prejudicados pelas falhas – muitas vezes irrecuperáveis – das ações negligentes, imprudentes e ou imperitas realizadas por maus profissionais?

Resumo: É notório que, em razão do volume de egressos e da presente qualidade com que os profissionais têm chegado ao mercado de trabalho que, os exames de suficiência estão tornando-se uma tendência. Isto, mesmo frente à prerrogativa de que sempre haverá a afirmação de que o mercado filtrará os melhores. Contudo, surge o contraponto: quem irá consertar ou compensar os prejudicados pelos erros, geralmente irrecuperáveis, das ações negligentes, imprudentes e ou imperitas realizadas por maus profissionais? Nessa temática valida-se a presente proposta a fim de tomar um levantamento genérico da atual situação do ensino superior pátrio, contrastando-a com a validade e a necessidade dos institutos de fiscalização pelos conselhos profissionais.

Palavras-chave: Educação Superior, Avaliações, Conselhos de Classe.


1.  Introdução

Menina dos olhos para os ‘cursinhos’, os estudantes concluintes dos cursos de Direito são-lhes um mercado plenamente explorado em razão do temido exame de ordem. A isto, a mídia associa-se divulgando a cada prova os baixos índices de aprovação, a exemplo da última edição Exame Unificado cuja aprovação[1] foi dada a menos de 17% dos inscritos. A iniciativa de outras classes profissionais, em vista à qualidade de sua atuação, de realizar a fiscalização ao final das graduações, são temáticas correntes nos noticiários atualmente.

A qualidade resultante do ensino universitário na contemporaneidade e as ações desenvolvidas pelas instituições de ensino e de fiscalização são o foco das atenções, contudo, surgem algumas questões relativas à origem e a necessidade da realização desta modalidade de avaliação e controle. E, a estas, se buscará responder ao longo deste trabalho, pois, a saber, consistem no seguinte: como e com qual objetivo [real] formou-se a estrutura educacional superior no País? Qual o objetivo da atual política educacional: volume ou qualidade? É dever dos conselhos profissionais interceder na formação de seus agentes? E, por fim, até que ponto são validas as limitações geradas pela realização das provas de suficiência?

Neste anseio, o estudo proposto a ser apresentado por este trabalho versará sobre o histórico da constituição [e a esta, leia-se: instituição, formação e desenvolvimento] do ensino no Brasil, principiando pelas faculdades inauguradas ainda no período colonial. Far-se-á uma verificação dos ideais atualmente pregados para a educação; uma breve analise da qualidade dos egressos em várias áreas do conhecimento. Da mesma forma, constituir-se-á uma analise acerca da responsabilidade dos conselhos frente à sociedade e da constitucionalidade de suas avaliações, comparando-as com as situações de fato em nossa sociedade atual e as alternativas hodiernamente apresentadas.

Para tal, a metodologia empregada a este estudo tomará a seguinte forma: primeiramente far-se-á um apanhado da bibliografia sobre o assunto, em seqüência se estruturará o trabalho procurando-se analisar comparativamente a composição constitucional vigente, a doutrina e o noticiário atual. Assim, a partir da análise doutrinária preliminar, embora superficialmente, pretende-se verificar até que ponto é correta, ou melhor, o quão justa ou garantista pode ser a aplicação dos referidos exames de suficiência, ampliando ou garantindo os direitos do povo. Sobretudo, a abordagem metodológica utilizada será puramente dedutiva, eis que, o que se busca é a organização e a especificação das teorias e conhecimentos correntes nas sociedades jurídicas e acadêmicas, partindo de uma situação ampla, geral e genérica para uma particular.

O empenho neste estudo é validado em virtude das atuais e constantes discussões apresentadas, bem como da presente iniciativa de diversas classes profissionais em ater-se às avaliações a posteriori como ferramenta de garantia qualitativa aos seus profissionais. Isto, aliado às decisões que os tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal [STF], vêm tomando, decisões cujos teores têm influenciado diretamente as relações humanas de nossa sociedade contemporânea. Para tal, a fim de que se tenha, ao final, o entendimento do posicionamento que, constitucionalmente, é correto com relação à aplicabilidade/necessidade deste instituto de avaliação e, se diverso do atualmente adotado, seja o seu comparativo apresentado.


2. Implementação e desenvolvimento do ensino superior no Brasil: Aspectos históricos.

O Ensino Superior – ES – no Brasil teve seu início ainda no período colonial com a criação da Faculdade de Medicina da Bahia – atual UFBA – e da Faculdade de Engenharia do Rio de Janeiro – intrínseca à Academia Militar – há pouco mais de 200 [duzentos] anos, quando da vinda da família real portuguesa para cá em 1808. Isto pois, anteriormente, a coroa portuguesa definitivamente não considerava a permissão para a criação de universidade alguma em suas colônias. Contudo, o contrário ocorria nas possessões espanholas, nas quais temos a existência de faculdades desde o século XVI, a exemplo da Universidad Nacional de Córdoba [Argentina] cuja fundação, pelos jesuítas, data de 1613[2]. O trecho extraído da obra de Cunha deixa clara a diferenciação dada pelos países ibéricos às suas colônias

Diferentemente da Espanha, que instalou universida­des em suas colônias americanas já no século XVI, Portugal não só desincentivou como também proibiu que tais institui­ções fossem criadas no Brasil.[3]

A sequência do desenvolvimento do ensino superior deu-se depois de alguns anos, em virtude da independência da Brasil colônia de Portugal [1822], com o estabelecimento do ensino jurídico em São Paulo/SP e Olinda/PE em 1827[4]. A instituição destes cursos superiores visava não mais do que suprir as lacunas da administração local que restou bastante precária com o retorno dos burocratas portugueses à suas origens. Todavia, conforme afirmam Binenbojm e Brandão no trecho transcrito abaixo, este foi o principal passo dado rumo à independência cultural brasileira.

Tais fatores explicam a relevância adquirida pela proposta do visconde de São Leopoldo, já que não se tratava apenas de implantar cursos jurídicos no Brasil, mas, essencialmente, da supressão – ou, ao menos, da mitigação – da dependência cultural que tínhamos em face de Portugal. Nesse viés, buscava-se re-aparelhar a burocracia administrativa brasileira, através do controle do ensino superior por instituições nacionais e da formação de quadros competentes em solo brasileiro. Considerava-se fundamental à consolidação da nossa independência o fato de as decisões políticas serem tomadas por brasileiros educados no Brasil.[5]

Nesse viés, foram, como via de regra ainda hoje o são, os profissionais liberais, adquirindo destaque frente à sociedade, como bem elenca Mendonça no texto em destaque:

Valorizavam-se primeiro os bacharéis de Direito. Em seguida vinham os engenheiros, imprescindíveis para o desenvolvimento dos empreendimentos estatais ou privados relativos aos transportes, à mineração e aos grandes desafios da urbanização que processava, particularmente, no sudeste do país. Depois a medicina, seus formandos se encontravam no topo do prestígio em matéria de escolaridade.[6]

Entretanto, de 1823 até 1883 – às vésperas da proclamação da República – pouco ou quase nada fora investido para o desenvolvimento das faculdades nacionais, pois somente naquele ano criada a ‘Imperial Escola de Medicina Veterinária e de Agricultura Practica’[7]e[8], atual Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, em Pelotas/RS, hoje a mais antiga Instituição de Ensino Superior no sul do País, em plena atividade. Seu advento resultou de uma mobilização social, da então classe dominante – fazendeiros e charqueadores – eis que pretendiam garantir a plena formação profissional de seus filhos [sem que tivessem de ser ‘mandados’ à Europa ou à corte], com isso, promoveram não só um incremento cultural ao Estado mas também o desenvolvimento econômico regional.

Os latifundiários queriam filhos bacharéis ou "doutores", não só como meio de lhes dar a forma­ção desejável para o bom desempe­nho das atividades políticas e o aumento do prestígio familiar, como, também, estratégia preventiva para atenuar possíveis situações de des­tituição social e econômica. Os tra­balhadores urbanos e os colonos estrangeiros, por sua vez, viam na es­colarização dos filhos um meio de au­mentar as chances destes alcançarem melhores condições de vida.[9]

Nos anos iniciais da República, período conhecido como: República Velha (1889-1930), foram verificados fatos importantes para a sociedade brasileira, ou seja, o inicio da expansão educacional, vez que decorrente do estabelecimento de uma política imigratória, da recente abolição da escravatura e a, respectiva, organização do trabalho livre. Todos conseqüentes da queda do Império, e da experiência de um novo regime político.

Contudo, nos “moldes aos quais foram implantadas as instituições de ensino superior se pode observar que não havia um plano para a educação e as instituições foram criadas para atender a uma elite aristocrática”[10], o que leva a crer que a falta de um planejamento estratégico e a finalidade a qual destinavam-se os cursos superiores iam em desencontro ao que atualmente poderia definir-se como função social do ensino.

Ato contínuo, ocorreram as duas grandes guerras que influenciaram – mundialmente – todas as relações sociais, inclusive, o ensino. No Brasil, a partir desse período temos uma série eventos políticos, marcados pelo autoritarismo que, via de regra, limitaria a ampliação das instituições de ensino superior, contudo, inegável foi a expansão do “sistema de educação, não apenas do nível básico, mas também da educação superior”[11], bem como, com relação à qualidade da instrução e formação dada aos profissionais, que foi desempenhada àquela época. Porém, o objetivo desta visava, dentre outros fatores, a obtenção, ou melhor, a promoção de determinado status aos estudantes formados.

A questão da qualidade surge como problema socialmente significativo quando os resultados ou produtos que se obtêm das instituições de educação superior deixam de corresponder às expectativas dos diferentes grupos e setores que delas participam; e, mais ainda, quando a frustração contínua destas expectativas começa a se tornar insustentável. No Brasil, como no restante da América Latina, as universidades foram sempre avaliadas pelos seus estudantes, professores e governos, em termos de sua relativa democratização para dentro e para fora, da politização ou alienação de seus alunos e professores, do prestígio social de seus diplomados, e da qualidade dos empregos que os formados conseguiam no mercado de trabalho. Nenhuma destas questões, no entanto, se referia diretamente à qualidade do ensino ou da pesquisa conduzidas no interior das instituições, e só raramente os conteúdos do que era ensinado ou pesquisado eram comparados com o que se fazia em outras sociedades ou regiões. Os resultados destas eventuais comparações tendiam a ser pouco satisfatórios, mas não haviam setores suficientemente fortes e motivados, no interior de nossas sociedades, para promover as mudanças necessárias.[12]

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Esta ampliação da estrutura educacional veio acompanhada pelo incremento no número de vagas nas faculdades e universidades, na mudança do perfil do público alvo e, respectivamente, da constituição de alternativas organizacionais, e porque não metodológicas, deste momento histórico pelo qual a estrutura de ensino brasileira estava passando. Assim, doutrinam Binenbojm e Brandão:

Ainda em 1961 foi editada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 4.024) que, em seu art. 70, acolhera a fórmula do currículo mínimo, que deveria ser fixado, de acordo com as especificidades de cada profissão, pelo Conselho Federal de Educação. Na estipulação de normas gerais sobre os currículos dos cursos superiores, prescrevera o conselho que o currículo mínimo era um núcleo de matérias necessário para a garantia de uma adequada formação cultural e profissional. Além do núcleo básico de disciplinas, caberia às instituições de ensino superior fixar a sua parte complementar, conforme as desigualdades entre regiões e alunos, e com vistas à expansão e à atualização do conhecimento.[13]

Em que se pese a notória e decisiva influência política das décadas de 60 e 70, decorrentes da ditadura militar, houve ainda assim a estruturação do sistema de ensino, pois enquanto de uma banda, experientes mestres fo­ram discricionariamente desperdiçados por sua aposentadoria compulsória, reitores foram substituídos por interven­tores, e isto, aliado ao controle policial que se estendia aos cur­rículos - inclusive aos programas de disciplinas e bibliografias. Por outro lado, todavia, foi formada uma aliança entre os docentes remanescentes que fez com que as agências de fomento, gradativamente, fossem ampliando significativamente os recursos destinados às pós-graduações.

Nesse sentido:

Sem desconsiderar as danosas conseqüências que a ditadura militar (1964-82) teve na vida acadêmica, não é possível deixar de levar em conta o fato de que foi nesse período que o processo tardio de forma­ção da universidade brasileira recebeu o maior impulso. Para tanto, é preciso considerar os efeitos contraditórios que o re­gime autoritário provocou nas instituições de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica.[14]

Também no período apresentado, investimentos consideráveis forma realizados nas estruturas dos campi e laboratórios. Assim como, a profissão foi institucionalizada, com o requerimento de regime de tempo integral e de dedi­cação exclusiva. Com isso, as instituições – principalmente as públi­cas – de ensino superior ampliaram expressivamente o número de acadêmicos.

Já na década de 80, após ter-se esgotado o regime autoritário, as universidades e faculdades brasileiras, por meio de seus agentes docentes e discentes, foram as protagonistas dos movimentos para a redemocratiza­ção brasileira. Todos, ou praticamente todos, os envolvidos nas entidades estudantis, nesse período, já haviam recuperado o campo de atua­ção que lhes era pertinente, o que lhes permitia de­senvolver uma crítica competente ao sistema político da época.

Os anos 90 foram marcados por significativas mudanças na política assim como na educação. Foi nesse período em que a LDB[15] teve sua remodelação e uma série de normativas foram editadas no intuito de reformular o modelo educacional do país. Para tal:

Desde janeiro de 1995, o go­verno federal empreende uma inten­sa atividade reformadora no campo educacional, em todos os níveis e mo­dalidades. Para isso, foi emendada a Constituição, promulgada uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e baixadas leis e decretos so­bre os mais diversos aspectos. Definidas na Constituição de 1988 como instituições onde ensino, pesquisa e extensão desenvolvem-se de modo indissociado, as universidades foram detalhadamente caracterizadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educa­ção Nacional de 1996.[16]

Nesse viés, reformador a iniciativa privada identificou (tardiamente, pode deduzir) o sistema educacional como uma alternativa de negócio extremamente promissora. Com isso, diversas faculdades particulares foram criadas desde a década passada até o presente momento; A reforma destacada, associada aos programas de financiamento estudantil disponibilizados pelo governo Federal nos últimos anos proporcionou o acesso facilitado ao ensino superior.

O que, em teoria, é bom. Contudo, como em todos os ramos, a educação foi industrializada tornando-se as faculdades [algumas] meras emissoras de diplomas, mediante o custeio da graduação, por óbvio. Tal fato fez, e vem fazendo, com que a qualidade – nível de conhecimento teórico e pratico, aliado à ética – dos profissionais esteja cada vez mais reduzido. Ou seja, os profissionais em tese habilitados – pelo diploma – cada vez mais, não estão aptos à realização das atividades para as quais receberam a dita habilitação.


3. Institutos de avaliação qualitativa da educação superior

Considerando a evolução da estrutura educacional superior do País e a forma que tomou a dinâmica de ensino e, conseqüentemente, a qualidade e o nível de conhecimento dos egressos, notoriamente baixo – a exemplo dos concluintes dos cursos de direito em que:

Anualmente, os cursos de direito formam cerca de 90 mil bacharéis. A qualidade da formação dos alunos não é discussão recente. Em 2012, na última edição do Exame de Ordem Unificado, de acordo com a OAB, do total de 118.217 inscritos para a primeira fase, 114.763 estiveram presentes e, destes, 19.134 foram aprovados na prova, ou seja, 16,67%.[17]

Assim fez-se imperativo que a sociedade viesse buscar, através dos meios adequados, para que fosse(m) implementada(s) formas de controle de qualidade e mínima padronização dos cursos de graduação.

3.1. Sistema de avaliação intrínseco.

Como forma de mensurar o nível de aprendizagem ou do conhecimento adquirido pelos discentes ao longo da graduação as instituições vêm experimentando ao longo dos anos diversos meios de avaliação, contudo, em sua maioria – senão na totalidade – utilizam as provas ou exames sistemáticos na forma da sabatina em analogia à forma de avaliação empregada pelos jesuítas desde o século XVI[18], a exemplo do presente artigo que, como avaliação final de um curso de pós-graduação, terá um peso classificatório, contudo, sequer requerer-se-á sua apresentação oral, visto que em razão da agilidade requerida pelo sistema atual, tão pouco se teria espaço para tal.

Os instrumentos de avaliação mais adotados pelos professores ainda são a prova escrita, trabalhos individuais, avaliação bimestral, pesquisa bibliográfica e questionários. As avaliações da produção própria do aluno são menos utilizadas pelos professores e a quantidade de avaliações é restrita, diminuindo as possibilidades do aluno em mostrar suas capacidades. [19]

De toda forma, considerando que a graduação não consiste apenas na transmissão do conhecimento, mas sim em sua construção, através da pesquisa principalmente, e de sua aplicação [retorno] à sociedade, não há que se considerar como plenamente eficiente uma forma avaliativa estanque. 

[...] os grupos humanos não produzem apenas a vida material; mas ao fazê-la, constroem, ao mesmo tempo, um conjunto de idéias, de representações vinculadas às condições de existência; e mais ainda, a produção não material de um grupo, pode levá-los a ultrapassar as condições de existência e contribuir para a transformação da realidade objetiva.[20]

Para tal, o conceito de avaliação, como medida do desenvolvimento do estudante e não apenas como nivelamento de sua aprendizagem vem sendo desenvolvido e é a base para o sistema de conceitos, amplamente utilizado para os cursos de pós-graduação, no qual há uma suposta confiabilidade com relação às medidas e parâmetros objetivos empregados pelos educadores para a atribuição dos conceitos.

Avaliar para classificar ou para regular é uma das concepções mais tradicionais acerca da avaliação escolar. Os alunos são comparados a partir de uma norma, de um padrão determinado pelo professor. Ela tem a função tradicional de certificação, a qual fornece poucas informações sobre o conhecimento adquirido e o domínio atingido sobre determinado assunto. Neste tipo de avaliação, o foco está naquilo que está programado para ser avaliado e não no desenvolvimento real do aluno. [21]

Isto dá-se, pois, como bem explana Monteiro, ao fazer-se juízo alheio, mesmo que com cunho meramente avaliativo, trazemos arraigados traços próprios de nosso conhecimento que tendem a tornar severas estas avaliações se contrapostas à possível auto-avaliação.

Tanto la observación sistemática del comportamiento humano, como investigaciones realizadas dirigidas a su estudio, ponen de manifiesto que aquellos juicios que emitimos sobre la conducta o los resultados de la actividad de otra persona, tienden a ser más críticos y objetivos, que los que en ocasiones realizamos sobre nosotros mismos.[22] e [23]

Em razão das características típicas às avaliações e às instituições tradicionalmente utilizadas para o ensino, destacadas no texto, é que não há como contar com um padrão global a fim de ter-se a garantia da uniformidade da qualidade e do nível de conhecimento dos egressos nas mais variadas regiões deste País com dimensões continentais, visto que, as condutas típicas de cada cultura regionalizada são trazidas às cátedras, como parte da educação superior disseminada.

Haja vista que, “as tendências atuais e os novos desafios que o Ensino Superior está enfrentando implicam a necessidade de repensar sua atuação e missão, identificando novos caminhos e colocando novas prioridades para desenvolvimentos futuros”[24]. Entendimento que, considerando a evolução dos conceitos desenvolvidos pelas sociedades, deve ser estendido aos processos de controle e avaliação da educação.

3.2.       Avaliações a posteriori.

Posto que, imperativo é o controle, mesmo que mínimo, da educação – em especial quanto à superior – assim como, verificadas as limitações das avaliações intrínsecas às graduações surge a necessidade de controle externo, materializada no Brasil através das avaliações institucionais, sendo que sua primeira forma deu-se ainda na década de setenta.

A avaliação institucional surgiu, no Brasil, na pós-graduação. Em 1976 foi realizada a primeira avaliação de todos os programas de mestrado e de douto­rado do país, públicos e privados, por co­missões organizadas pela Coordenação do Aperfeiçoamento do Pessoal de Ní­vel Superior - Capes, do Ministério da Educação. De anual até 1981, a avalia­ção tornou-se bianual a partir de 1982.[25]

De toda sorte, considerando os [altos] volumes de egressos e as diárias aberturas de novas instituições de ensino ao mercado, em todas as áreas do conhecimento, definitivamente põem em crise o sistema presente, frente à acanhada fiscalização Estatal, os poucos incentivos institucionais e o descaso dos próprios estudantes, conforme se verifica, por exemplo, ocorrer nos cursos de Direito:

As crises do direito e do ensino jurídico consistem, portanto, em típico exemplo de mau funcionamento do mercado, pois as leis da oferta e da demanda em muito distanciam o exercício da advocacia dos ideais de adequação quantitativa e qualitativa do respectivo mercado de trabalho. Antes, a timidez no exercício do poder de polícia por parte do Estado faz propagar um modelo de ensino jurídico que lança no mercado um número de profissionais muitíssimo superior à quantidade de vagas disponíveis que, em sua maioria, não recebem um treinamento especializado apto a atender às demandas de uma sociedade tecnológica e economicamente complexa, nem às exigências éticas de função qualificada constitucionalmente como essencial à Justiça.[26]

Em se tratando especificamente de Direito, esta disfunção, qual seja, a falta de foco nas profissões jurídicas crê-se é derivada do fato de que mais de cinqüenta porcento dos bacharéis em direito se dedica ao longo do curso a atividades não vinculadas a profissão, de forma que o estímulo recebido do mercado pelas faculdades não resta voltado para uma formação especializada, eis que: “[...] boa parte das faculdades de direito não provê aos seus estudantes a formação teórica, prática e especializada que os desafios da sociedade brasileira contemporânea exigem [...]”[27]. Todavia, tudo se volta para a conservação de um ensino generalista que se dá no não no intuito de formação, mas sim visando não excluir um consumidor eventual.

Deste modo, é fato, que os fatores que, fundamentalmente, ainda hoje levam os indivíduos a buscar a formação jurídica mesmo sem desejar puramente exercê-la podem ser: em virtude de que os bacharéis, apesar do mercado saturado, ainda desempenham cargos jurídicos cuja obtenção de renda logra ser maior do que dos demais técnicos; As faculdades de Direito têm um baixo custo, frente à reduzida necessidade de investimentos em equipamentos, se contrapostas à outras como: medicina, biologia e engenharias, assim, as particulares focam seu merchandising e o seu número de vagas a este curso; por fim, mesmo que meramente simbólico, a cultura brasileira ainda na atualidade, dá um destaque à titulação de DOUTOR de símbolo de ascensão cultural e social.

Assim, a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – por suas ações de vanguarda já na década de setenta implementou o que hoje conhecemos como exame de ordem a fim de que os profissionais [bacharéis] que desejassem desenvolver as atividades concernentes à profissão pudessem fazê-lo com a garantia à sociedade e ao conselho de que o fariam com um mínimo nível de conhecimento.

Ou, como prefere definir o ilustre juiz de Direito aposentado José Ernesto de Mattos Lourenço: “Parido [...] o Exame da Ordem surgiu como condição indispensável para a inscrição dos bacharéis em direito na Ordem dos Advogados do Brasil. A fonte inspiradora da conferência das condições para o exercício da advocacia era [...] a deficiência dos cursos jurídicos.”[28]

A análise da função e da validade do exame de ordem [...] está ligada, de forma umbilical, à exata compreensão da evolução do ensino jurídico brasileiro. Somente através dessa incursão histórica podem ser identificadas importantes razões pelas quais o ensino do direito no Brasil, desde as suas origens, assumiu um caráter generalista, e se manteve contrário a mudanças, apesar das demandas de uma sociedade crescentemente complexa. Naturalmente, a maior complexidade das relações sociais exige do profissional do direito uma formação mais interdisciplinar e prática que, sem prejuízo da formação geral, qualifique o advogado. À vista da índole generalista de boa parte dos cursos de bacharelado, a especialização exigida pelo mercado tende a ser obtida cada vez mais no desempenho da profissão e nos cursos de extensão.[29]

Neste tocante, o exame foi consolidado em legislação Federal – Estatuto da Advocacia e da OAB – Lei 8.906/94, em específico no art. 8º, IV cuja transcrição faz-se abaixo:

Art. 8o. Para inscrição como advogado é necessário: [...]

IV - aprovação em Exame de Ordem; [...]

§1o - O Exame de Ordem é regulamentado em provimento do Conselho Federal da OAB.[30]

Ou seja, com essa metodologia, estabeleceu-se um filtro elaborado pelo conselho responsável à categoria profissional, no intuito de apenas permitir o exercício da profissão – ingresso ao mercado de trabalho – àqueles que demonstrarem preencher um mínimo do conhecimento e capacidade indispensáveis ao trabalho que se propõem a desempenhar.

Alvo de críticas, principalmente daqueles que sustentam um ideal teórico de universalização do conhecimento a qualquer custo, contudo, vem consolidando-se ao longo de mais de três décadas e, por exigência intrínseca ao próprio mercado de trabalho, outras entidades de classe a exemplo do Conselho Federal de Contabilidade – CFC – e do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo – CREMESP – vêm se rendendo a esta modalidade de controle de qualidade e, pouco a pouco, a estão implementando como requisito ao exercício da profissão.

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Sobre o autor
Alberto Neto

Engenheiro Agrícola e Advogado

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NETO, Alberto. A evolução do ensino universitário no Brasil.: Uma reflexão quanto à aplicabilidade dos exames profissionais qualitativos a posteriori. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3681, 30 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24564. Acesso em: 19 abr. 2024.

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