No sistema acusatório, o juiz fica vedado de buscar a prova, seja para beneficiar a defesa ou a acusação, não podendo interferir na luta das partes na procura da verdade conveniente ao seu interesse jurídico. Aury Lopes explicita que o fundamento do sistema acusatório é de que a gestão das provas está nas mãos das partes e que o juiz é mero espectador.[1] Podemos dizer, neste particular, que o juiz deve ficar inerte e omisso só esperando e analisando o que é demonstrado pelas partes durante a instrução criminal.
Nas palavras de Geraldo Prado, citado por Renato Brasileiro de Lima, o sistema acusatório caracteriza-se pela presença de partes distintas, contrapondo-se acusação e defesa em igualdade de posições, e a ambas se sobrepondo um juiz, de maneira equidistante e imparcial. Há uma separação das funções de acusar, defender e julgar.[2]
Desta feita, o sistema acusatório procura distanciar o juiz das partes, objetivando dar-lhe mais imparcialidade no momento do julgamento, já que a imparcialidade verdadeira inexiste, pois os juízes também são homens e estão à mercê de suas vivencias e experiências mundanas. Como afirma Tourinho, “não se pode admitir um juiz parcial. Se o Estado chamou a si a tarefa de promover justiça, essa missão não seria cumprida se, no processo, não houvesse imparcialidade do julgador.”[3]
Partindo destas premissas, ao se permitir que o juiz possa determinar a produção de provas de ofício, ou seja, por impulso oficial e sem o requerimento de qualquer das partes, estaremos permitindo a existência de um juiz investigador. Quando o código permitiu esse atuar positivo do juiz, permitiu de maneira expressa e inconstitucional, a nosso ver, a existência de um juiz inquisidor, figura jurídica há tempos extinta e não condizente com as garantias constitucionais.
Portanto, o juiz não poderá desigualar as energias produtoras da prova no processo, sob pena de violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, reunidos ambos na exigência de igualdade e isonomia de oportunidades e faculdades processuais, comprometendo a sua imparcialidade.[4]
Destarte, se a acusação ou a defesa não estão cumprindo o seu papel de forma competente e compromissada, ou seja, são omissos na produção de provas necessárias para o convencimento do magistrado, não compete a este descer do seu lugar de julgador e equidistante das partes para determinar a produção da prova não requerida.
O princípio da verdade real, ao nosso sentir, deve ser visto com reservas no processo penal brasileiro, pois costuma ser usado como fundamento para que o juiz determine a produção de provas de ofício, o que é perigoso, já que pode ocasionar arbitrariedades praticadas por maus juízes. As partes é que devem buscar a verdade para demonstrá-la ao julgador. São as partes que devem requerer e produzir as provas que julgarem convenientes aos seus interesses. Não concordamos com a participação do magistrado na produção da prova, mesmo sob o argumento de que o seu papel seja apenas complementar, objetivando esclarecer dúvida sobre ponto essencial à demonstração da verdade.
Ora, se dúvida existe na cabeça do julgador, esta já favorece o acusado e, por conseguinte, o direito de liberdade, sob o pálio do princípio do in dubio pro reo. Neste cotejo, quando o juiz quer esclarecer alguma dúvida, a produção de prova neste sentido só pode servir para condenar, já que para absolver a dúvida é suficiente.
Neste sentido esclarece os argumentos de Renato Brasileiro de Lima:
“Se o escopo do juiz for o de buscar provas apenas para condenar o acusado, além da violação ao sistema acusatório, haverá evidente comprometimento psicológico com a causa, subtraindo do magistrado a necessária imparcialidade, uma das mais expressivas garantias inerentes ao devido processo legal.”[5]
Assim, em um sistema acusatório, cuja característica básica é a separação das funções de acusar, defender e julgar, não se pode admitir, sob pena de violação de direitos constitucionais, que o magistrado atue de ofício, quer na fase de investigação, quer no curso do processo penal.
Não concebemos a possibilidade de se separar as duas situações previstas no art. 156, do Código de Processo Penal. Quando o magistrado determina a produção de provas de ofício na fase do inquérito policial, está maculando o sistema acusatório e substituindo a atuação do órgão encarregado constitucionalmente da acusação. Quando, por outro lado, determina de ofício a produção de provas no curso da ação penal já instaurada, em nada modifica a usurpação da função do Ministério Público, estando do mesmo modo ferindo o sistema acusatório, sua imparcialidade e o devido processo legal.
REFERÊNCIAS
CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal – São Paulo: Saraíva, 2001.
JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e Sua Conformidade Constitucional – Rio de Janeiro: Lumen Juris, Vol. I, 2008.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I – Niterói, RJ: Impetus, 2011.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal – São Paulo: Atlas, 1998.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal – Belo Horizonte: Del Rey, 2005.
TÁVORA, Nestor; ANTONNI, Rosmar. Curso de Direito Processual Penal – Salvador: JusPodivm, 2008.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal – São Paulo: Saraíva, 2009.
Notas
[1] JUNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional – Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2008. v.1.p.71.
[2] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I – Niterói, RJ: Impetus, 2011, pag. 5.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal – São Paulo: Saraíva, 2009, pag. 18.
[4] OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal – Belo Horizonte: Del Rey, 2005, pag. 284.
[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal, vol. I – Niterói, RJ: Impetus, 2011, pag. 876.