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Desvirtuamento na utilização e julgamento do mandado de segurança

06/07/2013 às 14:46
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É ilegal, por ausência de fundamentação, a decisão que indefere a petição inicial de mandado de segurança afirmando faltar determinado documento sem demonstrar por que ele é essencial para o julgamento do mérito.

O Mandado de Segurança, recentemente alterado pela redação da lei 12.016/09, é um remédio constitucional, insculpido no artigo 5º da Magna Carta, para proteção de um direito líquido e certo ofendido por força de um ato de uma autoridade, dita coatora.

Para tanto, por sua gravidade e urgência, a legislação 12.016/09, em harmonia com o disposto na antiga lei do Mandado de Segurança, trouxe a possibilidade de concessão de liminar para suspensão do ato coator, a fim de evitar a manutenção do prejuízo ou nos casos do Mandado de Segurança Preventivo, evitar a ocorrência do evento prejudicial.

No caso, tal remédio traduz uma medida excepcional, de rito célere, tido como sumaríssimo pela lei, por conta da carga ofensiva e urgente que o mandamus busca afastar ou evitar.

 Assim, a legislação 12.016/09, buscando evitar dilações processuais ou atos protelatórios, trouxe a necessidade de prova pré-constituída, instruindo a peça com todos os documentos cabíveis para a concessão do pedido, tratando-se de um processo totalmente documental, sem possibilidade de instrução ou audiência.

No entanto, infelizmente, tal remédio constitucional vem sendo utilizado de modo deturpado na medida em que é mal manejado como sucedâneo de recursos e tentativas de burlar o princípio da irrecorribilidade imediata existentes, por exemplo, na Justiça do Trabalho e nos Juizados Especiais.

No caso de tais procedimentos que trazem a irrecorribilidade imediata, não há óbice ou prejuízo às partes, vez que o duplo grau de jurisdição está garantido, porém, é protelado para o recurso único cabível, em regra, após a sentença.

Assim, o manejo do remédio constitucional para obter a análise imediata do pleito que se pretende, em detrimento do princípio da irrecorribilidade imediata, traduz ato temerário, o qual é passível de gerar o indeferimento liminar do mandado de segurança, por desvirtuamento de seu objetivo.

Em contrapartida, observa-se, nitidamente, um excesso de rigor com o Mandado de Segurança que acaba por prejudicar seu objetivo, vez que, usualmente os Juízes ou Tribunais indeferem o mandamus por falta de um requisito processual ou formalidade que reputam essencial.

Dentre tais alegações, podemos citar o indeferimento da petição inicial por ausência de um determinado documento, reputado essencial pelo Julgador, que não fora trazido e, pela impossibilidade de concessão de prazo para tanto, resta indeferido o remédio constitucional.

No entanto, em sentido oposto aos julgados dos Tribunais pátrios, não há, em nenhum lugar, na lei 12.016/09 óbice à aplicação do artigo 284 do Código de Processo Civil.

Isso porque, para o indeferimento da petição inicial, permitido na lei do Mandado de Segurança, em seu artigo 6º, §5º, necessáris se faz a aplicação do artigo 267, I do Código de Processo Civil, que traz o julgamento sem mérito por indeferimento da petição inicial, e o artigo 295 que traduz as hipóteses que permitem indeferimento da prefacial.

O artigo 295 da lei processual civil, por sua vez, somente permite o indeferimento da petição inicial quando não cumpridas às prescrições dos artigos 39 e 284, ambos do Código de Processo Civil.

Ou seja, a lógica processual civil somente permite o indeferimento liminar da petição inicial se não cumprido o que dispõe o artigo 284 do Código de Processo Civil que, em seu bojo, traz a possibilidade de complementação da petição inicial, em 10 dias.

Destarte, não há de se falar em indeferimento da petição inicial do Mandado de Segurança por ausência de um documento, principalmente quando a exigibilidade de tal documento é discutível, ou seja, quando o documento não traduza o mérito da demanda, mas que pelo entendimento do Julgador, deveria ter sido trazido ao mandamus.

Desta feita, não pode o Impetrante, jurisdicionado que teve afronta ao direito líquido e certo, sofrer o dissabor da negativa da prestação jurisdicional por não ter “acertado” e satisfeito todos os desejos probatórios do Julgador, que na valoração das provas entendeu por imprescindível a juntada de um documento que, por vezes, pode ser dispensável para a análise do Mandado de Segurança.

Ademais, há no ordenamento jurídico pátrio, inúmeros caminhos para a interpretação legal e alcance da prestação jurisdicional, não tendo como o Impetrante adivinhar qual será tomado pelo Julgador para trazer todos os documentos inerentes àquela trilha processual.

Curial ressaltar, ainda, que o artigo 93, IX da Constituição Federal traz o princípio da motivação, exigindo que toda decisão do Poder Judiciário seja devidamente fundamentada.

Por fundamentada, deve-se entender a equação em que o Julgador deverá unir os fatos e fundamentos jurídicos trazidos pelo Impetrante, com as razões que levaram ao seu convencimento, demonstrando o caminho até tal decisório, ponderando as provas trazidas e a quem incumbia traze-las, para então pronunciar a prestação jurisdicional.

Isso porque, o princípio da motivação extrapola o interesse recursal, para garantir o estado democrático do direito, consubstanciando-se numa importante ferramenta de controle do poder de julgar.

Assim, entende-se que a decisão que genericamente afirma que determinado documento, não trazido pelo impetrante, tinha caráter essencial pelo que deve ser a petição inicial indeferida, desrespeita o princípio da motivação, pois não permite auferir, com clareza, acerca da essencialidade daquele documento, impossibilitando, inclusive, a interposição de recurso para atacar o caráter essencial atribuído pelo Julgador.

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Sobreleva-se, ademais, que a análise do conteúdo probatório só se mostra cabível e passível da valoração quando se adentra no mérito do ato coator. Ou seja, a tese de ausência de prova para a comprovação da alegada coação é matéria inerente ao mérito da demanda, que, portanto, não permite o indeferimento do pleito sem o julgamento do mérito.

Neste trilhar, se na valoração da prova analisada à luz do alegado direito ofendido, o Julgador extrair seu convencimento favorável ao Impetrante, então estar-se-á diante da regra de ônus da prova do fato constitutivo e seu não cumprimento, o que leva a não concessão do pleito, mas nunca o indeferimento da petição inicial, sem análise do mérito. Cabe ao julgador fundamentar sua decisão, trazendo os motivos que dão àquele documento o caráter essencial e apontar a omissão deste.

Desta forma, estará o Julgador analisando o mérito, entregando a prestação jurisdicional ao Impetrante, mesmo que negativa, pacificando o conflito, ao contrário do que se observa com a simples negativa à análise do mandamus, sem fundamentação, alegando, genericamente, a essencialidade de um documento que, por muitas vezes, sequer se mostraria necessário.

No mesmo diapasão restam rechaçadas as decisões de indeferimento da petição inicial pelo argumento de que as peças não restaram autenticadas pelo advogado do Impetrante, por traduzir um requisito não esculpido na lei 12.016/09 e que é passível de correção com simples despacho.

Neste particular, devemos lembrar que o rito célere trazido pela lei do Mandado de Segurança deve ser analisado como um elemento favorável ao Impetrante e não um óbice à análise de seu pedido. O legislador previu um rito que evita as discussões intermináveis ou medidas protelatórias, adentrando, tão logo seja possível, no mérito da alegada ofensa, intuito este que não significa a impossibilidade de juntada de documentos reputados necessários pelo julgador.

Mesmo porque, com a resolução sem julgamento do mérito e a irrecorribilidade de tal decisão terminativa, o Impetrante tem o direito de deixar findar o mandamus maculado e impetrar novo Mandado de Segurança, tratando-se de óbice evidentemente vazio e que acarreta maiores delongas que poderiam ser facilmente sanadas no corpo do primeiro processo.

O argumento de que a celeridade trazida pela lei 12.016/09 impede que o Impetrante adeque sua inicial, autentique as peças ou traga determinado documento reputado essencial na valoração do Julgador, demonstra uma análise distorcida do espírito da lei do Mandado de Segurança.

Portanto, seja pela hermenêutica da legislação processual, seja pelo caráter de remédio constitucional, guardião dos direitos líquidos e certos do cidadão que detém o Mandado de Segurança, as partes somente devem recorrer ao seu manejo quando estritamente cabível e o Julgador somente deve negar a prestação jurisdicional, com o indeferimento da petição inicial, depois de exauridas todas os meios para a análise do direito da parte, perfazendo-se verdadeiro retrocesso jurídico a resolução do mandamus sem adentrar no mérito.

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Sobre o autor
Leandro Furno Petraglia

Pós-graduando pela Escola Paulista de Direito - EPD, advogado militante do escritório Furno Petraglia Advocacia, em Santos-SP, atuando em toda região da Baixada Santista.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PETRAGLIA, Leandro Furno. Desvirtuamento na utilização e julgamento do mandado de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3657, 6 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24886. Acesso em: 28 mar. 2024.

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