A comunidade jurídica foi surpreendida com decisão monocrática da Min. Isabel Gallotti, proferida no Resp 1.251.331, publicada no DJe de 23/05/2013 e divulgada na página principal do site do Superior Tribunal de Justiça.
A decisão mencionada deferiu pedido formulado pela FEBRABAN para, “com urgência”, determinar a “suspensão da tramitação” de “...ações de conhecimento em que haja discussão, em conjunto ou individualmente, sobre a legitimidade da cobrança das tarifas para a concessão e cobrança do crédito, sob quaisquer denominações, bem como a possibilidade de financiamento do IOF[1]”. A em. Min. Relatora destacou em sua r. decisão que a “abrangência temporal” da suspensão dos feitos fica vinculada à definição do Recurso Especial em que proferida. Determinou, ainda, que fossem expedidos, “...com urgência, ofícios aos Presidentes dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais, para que disseminem a determinação no âmbito de atuação das respectivas Cortes estaduais e regionais”.
Não se pretende, por ora, abordar o tema da legalidade da decisão monocrática, tampouco o mérito do tema versado no Recurso Especial.
Discute-se, apenas, a razoabilidade da decisão, cujos efeitos prejudiciais aos jurisdicionados são evidentes, haja vista a abrangência indiscriminada da suspensão imposta.
Destaque-se, de início: A suspensão é inócua. O que vier a ser decidido, seja o que for, ainda que acatado por todos, não será suficiente para decisão dos processos indiscriminadamente suspensos.
O STJ, no Resp mencionado, examinará apenas questão jurídica, possibilitando-lhe, posteriormente, reiterar a tese vencedora em milhares de casos. Em primeira instância não é assim! Em primeira instância não se produzem milhares de sentenças com “Ctrl C” e “Ctrl v”, após se definir “uma tese”.
A resolução da tese sobre a legalidade formal de quaisquer “tarifas”, “custos de cobrança”, ou seja lá o apelido que se queira dar aos penduricalhos agregados aos (baixos?) juros remuneratórios, é insuficiente para resolução dos processos, na instância ordinária inicial. Regra geral, em ações que visam revisão de contratos bancários, há duas teses: uma sobre a (i)legalidade das “tarifas”, outra sobre a abusividade do valor das mesmas. Esta última, muitas vezes, demanda produção e exame de prova[2].
Ora, como destacado na página principal do STJ, determinou-se a suspensão “em qualquer instância, fase e juízo[3]” das ações que tenham por objeto, total ou parcial, questão afeta às tarifas bancárias. A conclusão é evidente: a instrução de 285 mil ações está suspensa para mera solução de tese jurídica insuficiente, por si só, para resolver a lide.
A rotina do trabalho, em primeira instância, será prejudicada. Quanto maior for o tempo de represamento de 285 mil ações, maior será o caos à rotina forense e a demora imputada à primeira instância. Seria melhor deixar o rio correr, para se evitar o alegamento à vista, quando se abrirem as comportas da represa. Talvez fosse menos ruim “suspender” a prolação de sentença contra a tese da FEBRABAN. Talvez seja razoável entender que a decisão, embora determine a suspensão da tramitação, não impeça a instrução acerca de fatos alheios ao motivo ensejador da suspensão. Afinal, evidentemente, não é razoável suspender produção de provas para nada e, assim procedendo, atrasar injustificadamente a prestação jurisdicional, com ofensa ao direito constitucional à razoável duração dos processos.
Há mais. A tese jurídica que vier a ser aprovada pela maioria, na Segunda Seção do STJ, será vincunlante? À luz da Constituição, não! Apenas o Supremo Tribunal Federal produz teses com efeitos vinculantes, ainda assim em casos específicos.
É vinculante, por exemplo, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal, na ADIn 2.591, conhecida como ADIn dos Bancos, na qual a Corte Suprema rejeitou a pretensão deduzida, visando a declaração da inconstitucionalidade formal e material da expressão “inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária”, constante do §2º do art. 3º da Lei 8.078/1990, o Código de Defesa do Consumidor. Ficou assim redigida a ementa final[4]:
“ART. 3º, § 2º, DO CDC. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. ART. 5o, XXXII, DA CB/88. ART. 170, V, DA CB/88. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. SUJEIÇÃO DELAS AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. 1. As instituições financeiras estão, todas elas, alcançadas pela incidência das normas veiculadas pelo Código de Defesa do Consumidor. 2. "Consumidor", para os efeitos do Código de Defesa do Consumidor, é toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. 3. Ação direta julgada improcedente”.
O argumento da “segurança jurídica” permeia o requerimento da FEBRABAN. Na notícia divulgada no site do STJ estão destacadas isoladas decisões de primeira instância que “ignorariam” teses já “definidas” pelo STJ. Seria muito boa a preocupação da entidade representativa das instituições financeiras com a segurança jurídica, se tal preocupação redundasse na observância, pelos BANCOS, das teses já “definidas” pelo STJ, reduzindo as inevitáveis ações daí decorrentes.
É bom dar exemplos. A praxe revela que os bancos nunca respeitaram as Súmulas do STJ sobre a questão da comissão de permanência. Basta ver e ler a maioria esmagadora dos contratos padronizados de qualquer instituição financeira. A padronização “ignora” as Súmulas do STJ sobre o tema. Mais um sutil exemplo: o STJ pacificou entendimento de que a média de mercado é um referencial lícito para se analisar a abusividade ou não dos juros remuneratórios: seriam abusivos juros remuneratórios muito acima da média, sem justificativa pertinente. O notório “aumento” das tarifas bancárias e “redução” dos juros é coincidente com este entendimento do STJ. Troca-se seis por meia dúzia. Assim, seja por ingnorar escancaradamente a jurisprudência (caso da comissão de permanência), seja por criar mecanismos obtusos para que esta não seja aplicada (caso dos juros remuneratórios reduzidos com aumento das “tarifas”), conclui-se ser boa a preocupação da FEBRABAN com a segurança jurídica, desde que a título de autocrítica.
Por fim, dada a amplitude da suspensão imposta, fica a questão: estão suspensas as ações de busca e apreensão, na forma do DL 911/69? Reconhece o STJ que, como matéria de defesa em tais ações, podem ser questinadas cláusulas abusivas ou ilícitas, inclusive as mencionadas tarifas[5]. Também como reconhece o STJ, havendo cláusulas abusivas que compuseram o valor das parcelas, eventual mora restaria descaracterizada e, sem a mora, não caberia a busca e apreensão[6]. Assim, se a suspensão independe da fase e se a defesa nestas ações normalmente questiona tais “tarifas”, caberia a liminar ou “independentemente da fase” deve se suspender também estes processos, inclusive sem exame do pedido liminar de busca e apreensão? Se há um bem para garantir o prejuízo da instituição financeira, talvez não seja hipótese de se reconhecer perigo de dano irreparável, única hipótese em que atos processuais podem ser praticados em processos suspensos (Art. 266 do CPC).
A decisão proferida impede o regular exercício da jurisdição. Obsta, sem qualquer motivo razoável, por exemplo, a instrução de processos para produção de provas alheias ao tema a ser julgado no Recurso Especial. Causará desnecessária (maior) demora na tramitação dos feitos em primeira instância. Desorganizará o fluxo normal de trabalho, represando 285 mil ações, até agora, mais as que vierem a ser propostas. Não atenderá aos fins a que se destina. Não resolverá os processos por ela suspensos. A tese por fim vencedora não será vinculante, ao menos à luz da Constituição da República.
Que seja breve o fim da suspensão conseguida pela FEBRABAN.
Notas
[1] Destaques do original da decisão monocrática proferida pela Min. Isabel Gallotti;
[2] Aliás, exame de provas, ao que me consta, cabe apenas às instâncias ordinárias, em tais casos!
[3] http://stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=109770, acesso em 25/05/2013
[4] A ementa do v. Acórdão incialmente continha várias outras questões, sendo “reduzida” para os termos destacados, após provimento de embargos de declaração com esta finalidade. Na ementa original constava, por exemplo, o seguinte: “...Conselho Monetário Nacional. Art. 4º, VIII, da Lei 4.595/1964. Capacidade normativa atinente à constituição, funcionamento e fiscalização das instituições financeiras. Ilegalidade de resoluções que excedem essa matéria (...) A produção de atos normativos pelo Conselho Monetário Nacional, quando não respeitem ao funcionamento das instituições financeiras, é abusiva, consubstanciando afronta à legalidade...”.
[5] REsp 1296788/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 21/11/2012
[6]ORIENTAÇÃO 2 - CONFIGURAÇÃO DA MORA a) O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da normalidade contratual (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora; b) Não descaracteriza a mora o ajuizamento isolado de ação revisional, nem mesmo quando o reconhecimento de abusividade incidir sobre os encargos inerentes ao período de inadimplência contratual. (REsp 1061530/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2008, DJe 10/03/2009)