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Regularização dos benefícios fiscais inconstitucionais: uma proposta ineficaz

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O projeto de lei complementa que pretende regularizar os benefícios fiscais pretéritos e legitimar a reinstituição desses para o futuro será juridicamente irrelevante para convalidação dos benefícios fiscais irregulares do ICMS e aumentará a confusão judicial já antes presente na lida do tema.

Uma iniciativa para regularização dos benefícios fiscais do ICMS aprovados à margem do CONFAZ rumorou entre as administrações fiscais estaduais no final de 1999, a partir de um anunciado projeto de emenda à Constituição a ser proposto pelo governo federal.

As características dessa reorganização tributária na esfera eram, em linhas gerais, as seguintes: os benefícios teriam que ter sido concedidos pelos estados até 31 de dezembro daquele ano, consignados em suas legislações tributárias por prazo certo e com limite de 14 (quatorze) anos de vigência.

 Os estados envolvidos com a concessão dos benefícios agiram e aprovaram estes termos em suas leis e regulamentos para seus benefícios fiscais. E os investidores respiraram aliviados pela segurança de suas posições jurídicas, agora certamente intocáveis.

 A emenda constitucional não veio. Quase quatorze anos depois, os benefícios, no entanto, continuaram a viger e novos foram concedidos com as mesmas imperfeições constitucionais dos anteriores, pairando a insegurança jurídica sobre os agentes econômicos.

O Supremo Tribunal Federal, em 2011, julgou inconstitucional um considerável número de leis estaduais que concederam benefícios fiscais do ICMS, sem observância do disposto no Art. 155, §2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição e declarou, em anúncios proferidos especialmente pelo Ministro Gilmar Mendes[i], que editaria súmula vinculante que declarasse a condição de inconstitucionalidade de todas as legislações estaduais equivalentes.

 Essa situação, juntamente com ações retaliatórias dos governos dos estados de São Paulo, mais fortemente, e Minas Gerais[ii], e a edição da Resolução nº13, do Senado Federal, em 2012, galvanizou forças políticas dos envolvidos com a concessão dos benefícios e incentivos fiscais “extra-CONFAZ”, que demandaram uma solução para a guerra fiscal com preservação dos benefícios já concedidos.

 A solução proposta foi o projeto de lei complementar nº 238, de 2013, de iniciativa do Poder Executivo, que tramita na Câmara dos Deputados, e, posteriormente, projeto de idêntico teor no Senado Federal, de tramitação simultânea, em razão de alegada demora da Câmara[iii].

 O projeto que pretende regularizar os benefícios fiscais pretéritos e legitimar a reinstituição desses para o futuro tem a seguinte disposição logo em seu artigo 1º:

 “Art. 1º Para a aprovação de convênio que conceda remissão dos créditos tributários constituídos em decorrência de benefícios ou incentivos fiscais ou financeiros instituídos em desacordo com a deliberação prevista no art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição, e para a reinstituição dos referidos benefícios, desde que observados os ditames constitucionais e legais aplicáveis, exige-se a manifestação favorável de, no mínimo:

 I - três quintos das unidades federadas; e

 II - um terço das unidades federadas integrantes de cada uma das cinco regiões do País. Art. 2º O convênio a que se refere o art. 1º deverá ser celebrado pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ, até o dia 31de dezembro de 2013.”

 O projeto de lei complementar, se finalmente aprovado e desconsiderada – apenas para fins de apreciação simples de seus termos - a discussão sobre sua constitucionalidade, será juridicamente irrelevante para convalidação dos benefícios fiscais irregulares do ICMS e aumentará a confusão judicial já antes presente na lida do tema.

 Em síntese apertada, podemos dizer que a concessão de remissão a créditos tributários decorrentes de benefícios na situação de irregularidade é inócua. Poucos dos benefícios fiscais “extra convênio” produz créditos tributários constituídos a serem remitidos. A prática na concessão dos benefícios é, na quase totalidade, a estipulação de créditos fiscais presumidos ou outorgados, capazes, no procedimento legal previsto, compensar até a eliminação ou produzir significativa redução do montante do saldo devedor na apuração do imposto, evitando o aparecimento de valores a débito contra o contribuinte que necessite dessa remissão.

 As outras formas comuns como diferimentos do pagamento do imposto por anos, com rebate no vencimento, financiamentos públicos do montante devido, reduções de base de cálculo ou isenções não são afetadas com o instituto da remissão.

 O mesmo quórum reduzido proposto na lei complementar para a remissão dos créditos fiscais, aplicável à reinstituição dos benefícios e incentivos fiscais parece inviável no sistema federativo brasileiro.

 Considerada a reinstituição de qualquer benefício ou incentivo fiscal pelos estados e o Distrito Federal, não contando esta com a aquiescência de qualquer um deles, e que essa deliberação venha afetar a economia ou as finanças do dissidente, é fadada a legislação aprovada à inconstitucionalidade, não obstante a obtenção de votos em quantidade superior ao quórum. É próprio do sistema federal a impossibilidade jurídica da deliberação válida que subjugue unidade da própria federação.[iv]

 É manifesta a impropriedade dos instrumentos veiculados pelo projeto de lei complementar para a finalidade de preservar os sistema de incentivos criado à margem das regras da Lei Complementar 24/75.

 A Constituição Federal, por sua vez, enuncia expressamente que é objetivo da República brasileira a redução das desigualdades regionais. Essas são de constatação evidente, tomados qualquer indicador econômico ou social em comparação. Os avanços até alcançados ultimamente pelos estados das regiões Nordeste, Centro- Oeste e Norte empalidecem frente aos números positivos da maioria dos estados do Sudeste e Sul, já alcançados há tempos.

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 O IBGE apresentou, em 2011, os números do PIB brasileiro, por região, numa série histórica que abrange 2002 a 2010[v]. Neste primeiro ano, a concentração do PIB nas regiões Sudeste e Sul é de 73,6%, enquanto no último ano, 71,9% do PIB permanece naquelas mesmas regiões, para ficarmos apenas com indicador, sem mencionar os relativos a educação ou renda per capita, por exemplo.

 Vinte anos de “guerra fiscal”, com o acirramento acentuado nos dez mais recentes, não produziram sequer uma fissura no monólito econômico meridional. Não houve perdas.

 Por sua vez, não houve benefícios claros, modificadores fundamentais das condições de vida das populações localizadas nas regiões ativas nos incentivos. Ao menos atribuíveis exclusivamente à instalação dos empreendimentos atraídos. Mas algum benefício produziram e pretendem criar as condições de infraestrutura econômica para a auto sustentação que prescinda da ação fiscal.

 Outro dado a considerar na discussão refere-se ao desequilíbrio na alocação de recursos a crédito obtidos pelos estados e municípios, consideradas as suas regiões, e a assunção de dívidas pela União. A dívida das prefeituras do Rio de Janeiro e de São Paulo representa mais de 80% do que todos os municípios devem ao Tesouro Nacional.

O perfil de endividamento dos estados, passivos assumidos e renegociados com a União, revela um amplo favorecimento aos estados mais desenvolvidos com peso sobre toda a federação.

Entre 2000 e 2011, as dívidas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais passaram, respectivamente, de R$ 62 bi para 151 bi; 23 bi para 52 bi e 13 bi para 62 bi[vi]. Nos estados em que são oferecidos incentivos fiscais do ICMS, no âmbito da "guerra fiscal", a evolução foi, com frequência, decrescente: para Espírito Santo, Ceará, Paraíba e Mato Grosso, entre 2000 e 2011, é o seguinte o endividamento, pela ordem: 2,12 bi para 626 mi; 2,7 bi para 1.3 bi; 2,4 bi para 989 mi e 4,3 bi para 3 bi. Esses incentivos não são apropriadamente analisados no julgamento da guerra fiscal.

Se evidente a inconstitucionalidade dos benefícios e incentivos fiscais concedidos pelos estados ativos na guerra fiscal, evidente também a inconstitucional ausência de políticas eficazes, permanentes e eficientes, em termos de expediência, de redução das desigualdades regionais, econômicas e sociais.

 Um mecanismo de atração de investimento, mas certamente não só esse, é uma política de incentivos fiscais. Essa modalidade foi imperfeitamente utilizada pelos estados para efetivação de políticas de geração de emprego e renda e situações foram constituídas em toleradas pelo estamento político jurídico, há mais de vinte anos.

O ex-ministro Delfim Netto é pragmático a respeito do assunto: "Até os mais ferrenhos críticos dos incentivos estaduais admitem que eles promoveram alguma desconcentração da atividade econômica ao longo do território nacional, processo que deve ser do interesse de todos e merece ter continuidade."[vii]

 É necessário organizar juridicamente esse quadro, formular e implementar políticas mais eficazes de enfrentamento das desigualdades, com observância estrita dos ditames Estado de Direito Democrático, inclusive a sua dimensão geopolítica e socialmente igualitária.


Notas

[i] http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,gilmar-mendes-propoe-sumula-vinculante-sobre-guerra-fiscal-,860933,0.htm

[ii] http://www.conjur.com.br/2009-nov-09/glosa-creditos-icms-sao-paulo-minas-gerais-inconstitucional

[iii] http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2013/04/12/propostas-para-encerrar-guerra-fiscal-dominam-pauta-da-cae-nesta-terca-feira

[iv]Carrazza, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26ª ed. São Paulo. Malheiros Editores. 2010. pg.151.

[v] http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/contasregionais/2010/default.shtm

[vi] http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/ADMINISTRACAO-PUBLICA/412372-CONFIRA-O-VALOR-DAS-DIVIDAS-ESTADUAIS.html

[vii] Valor Econômico. Opinião. 02/10/2012.

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Sobre o autor
Alberto da Câmara Lima Falcão

Especialista em Direito Empresarial pela UFPE. Auditor-Fiscal do Tesouro Estadual do Estado de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FALCÃO, Alberto Câmara Lima. Regularização dos benefícios fiscais inconstitucionais: uma proposta ineficaz. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3677, 26 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25007. Acesso em: 19 abr. 2024.

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