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Alteração de gabarito após resultado final da fase e sua flagrante ilegalidade

06/08/2013 às 08:30
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Alguns concurseiros se surpreendem com a alteração do gabarito após o resultado definitivo, o que muda todo o andamento do concurso, alterando a classificação de determinados candidatos ou eliminando outros tantos.

Dentre as diversas ilegalidades cometidas nos Concursos Públicos, alguns concurseiros se deparam com a surpresa de ver o gabarito alterado após o resultado definitivo, o que muda drasticamente todo o andamento do concurso, seja alterando a classificação de determinados candidatos, seja eliminando outros tantos.

Diante dessa atitude da Administração e das Bancas Examinadoras, pergunta-se: é possível alterar o gabarito após divulgação do resultado final de alguma fase do certame? Entende-se por resultado final aquele divulgado após o julgamento dos recursos da respectiva fase.

Esse é o questionamento de hoje, ao qual, logo de plano, a resposta é NÃO.

Claro que falar que não é possível não é o suficiente para que tal comportamento deixe de ocorrer. Todavia, uma vez constatado, meios há de obter o controle pelo Poder Judiciário.

Isso porque, a partir do momento em que é divulgado o resultado “definitivo” de determinada fase, como o próprio nome já diz, tal resultado tem caráter permanente, não devendo mais ser alterado, pelo menos pela Administração.

. Todas as alterações já foram feitas antes da divulgação oficial, oportunidade em que os recursos foram analisados, as teses avaliadas, e chegou-se a um resultado e conclusão final.

Aqui, neste contexto, haverá um limite a um novo exercício da autotutela administrativa, já exercida quando do julgamento dos recursos administrativo, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica, proteção à confiança, boa fé, moralidade, e até mesmo vinculação ao instrumento convocatório.

Quanto ao último princípio mencionado, há vedação pelo fato de os editais dos Concursos, em sua grande maioria, não permitirem revisão pela Banca após a publicação do resultado definitivo.

Em julgamento que tratou dessa matéria, o Desembargador JIRAIR ARAM MEGUERIAN explica que, em que pese o poder de autotutela, não poderá a Administração violar regras editalícias nem tampouco princípios como a razoabilidade e segurança jurídica.

In verbis:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. AUDITOR-FISCAL DA RECEITA FEDERAL. ANULAÇÃO DE QUESTÃO APÓS HOMOLOGAÇÃO DO RESULTADO FINAL DA PRIMEIRA ETAPA. ILEGALIDADE.

I – A administração deve anular seus atos, quando eivados de ilegalidade, ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, consoante art. 53 da Lei 9.784/1999. Ocorre que tal dispositivo deverá ser aplicado com observância dos princípios da razoabilidade, da segurança jurídica e do direito adquirido, sendo vedado, portanto, à administração, com base no poder da autotutela, violar as regras postas no edital e anular as questões, após publicado o resultado, alterando a lista de classificados e causando prejuízo para terceiros, no caso os candidatos classificados na listagem anterior.

II – "O candidato aprovado em concurso público e nomeado tardiamente em razão de erro da Administração Pública, reconhecido judicialmente, faz jus à indenização por dano patrimonial, consistente no somatório de todos os vencimentos e vantagens que deixou de receber no período que lhe era legítima a nomeação, à luz da Teoria da Responsabilidade Civil do Estado, com supedâneo no art. 37, § 6ª da Constituição Federal." (REsp 1117974⁄RS, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 02⁄02⁄2010).

III – Aos autores que já realizaram e foram aprovados no curso de formação, é de se reconhecer que os efeitos financeiros devem retroagir à data em que efetivamente concluíram e foram aprovados no curso de formação e em que deveriam ter sido nomeados e empossados, devendo o cálculo da indenização a ser paga pela União ser compensado com os rendimentos de trabalho que eventualmente tenham recebido no mesmo período pelo exercício de algum outro cargo público inacumulável ou cargo de natureza privada.

IV – O titular de cargo público, cuja investidura foi reconhecida por força de decisão judicial transitada em julgado, não tem o direito à retroação dos efeitos funcionais relativos à data da nomeação e da posse ocorridas na esfera administrativa, porquanto somente o efetivo exercício rende ensejo às prerrogativas funcionais inerentes ao cargo público.

V – Procedente a ação quanto àqueles que não realizaram o curso de formação, declarar a nulidade do ato administrativo e autorizar a sua participação no próximo curso de formação quando realizado pela ESAF para o cargo de Auditor-Fiscal da Receita Federal após o trânsito em julgado da sentença, devendo os efeitos financeiros e funcionais incidirem a partir da efetiva conclusão e aprovação nas fases seguintes do certame e posterior nomeação e posse no cargo público.

VI – Juros moratórios e correção monetária que devem ser calculados pela taxa SELIC, até o advento da Lei 11.960/2009, e, a partir daí, pela remuneração básica aplicável às cadernetas de poupança, englobando ambos os índices.

VII – Honorários advocatícios fixados em R$2.000,00, a serem suportados integralmente pela União, em razão da sucumbência mínima dos autores.

VIII – Apelação da União e remessa oficial não providas.

IX – Apelação dos autores parcialmente provida.

Nesse contexto, verifica-se que a alteração do gabarito após a divulgação do resultado definitivo gera instabilidade aos concursos e insegurança aos participantes, pois a alteração interfere diretamente na esfera jurídica dos candidatos, que, devido à ofensa aos princípios da segurança jurídica e do direito adquirido, deparam-se com alterações na classificação que já estava consolidada.

Tal atitude vem sendo reprimida pelo Poder Judiciário. Nesse diapasão, segue mais um julgado do TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO PARAPROVIMENTO DE VAGAS AO CARGO DE AUDITOR-FISCAL DA RECEITA FEDERAL. LITISPENDENCIA AFASTADA. ALTERAÇÃO DO GABARITO DO CONCURSO ATRAVÉS DA ANULAÇÃO DO EDITAL ESAF 07/2006 GERANDO A ALTERAÇÃO DO RESULTADO PUBLICADO COMO DEFINITIVO. VIOLAÇÃO DAS REGRAS EDITALÍCIAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA E AOS LIMITES DE ATUAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO JUDICIÁRIO. 1. Afastada a litispendência, uma vez que após a sentença homologatória da desistência proferida nos autos da ação de mandado de segurança nº 2006.34.00.003334-0 e a extinção desse feito, a apelante ficou impossibilitada de tentar obter a tutela jurisdicional almejada. Subsistindo tal situação, importaria na preterição do princípio constitucional da inafastabilidade do controle judicial, insculpido no art. 5º, XXXV, da CF/88, posto que a parte autora tem interesse na obtenção da prestação jurisdicional. 2. Não cabe ao Judiciário reexaminar questões de prova de concurso e os critérios utilizados na atribuição de notas. O juiz não pode se transformar em examinador de todo o concurso público que é impugnado na via judicial. Coisa bem diversa é a possibilidade de correção de vícios de natureza formal, como contagem equivocada de pontos (erro aritmético), ausência de correção de quesitos, inclusão na prova de matéria não prevista no edital, desobediência à ordem de classificação do edital e violação a regras do edital. 3. A alteração do gabarito, de ofício, e após exaurido o prazo recursal de impugnação do resultado pelos candidatos, implica violação ao procedimento traçado no edital do certame, pois após a publicação do resultado definitivo da primeira fase, não há previsão de sua revisão pela banca da forma como ocorrido através da anulação do Edital ESAF 07/2006. Se o resultado é "definitivo", pressupõese que possua mínima estabilidade contra eventuais alterações supervenientes4. A ESAF não poderia,sponte propria e após o exaurimento do prazo recursal, alterar o resultado já publicado das provas de primeira etapa do concurso público para preenchimento de cargos de Auditor Fiscal da Receita Federal. O ato em apreço se afastou do princípio da segurança jurídica e dos limites legais de atuação da Administração, do que decorre a possibilidade de apreciação de sua impugnação pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do princípio da separação harmônica dos poderes da república. 5. Apelação provida em parte para afastar os efeitos anulatórios do Edital ESAF 07/2006 e considerar válido o resultado definitivo divulgado pelo Edital 02/2006 do concurso público para Auditor-Fiscal da Receita Federal, assegurando o direito da apelante de participar da segunda etapa do certame.(TRF-1 - AC: 4690 DF 2006.34.00.004690-9, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL SELENE MARIA DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 17/12/2012, QUINTA TURMA, Data de Publicação: e-DJF1 p.176 de 22/01/2013)

Como visto, o caso é comum e passível de Controle Jurisdicional, cabendo ao prejudicado demandar em juízo a defesa de seus direitos. 

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Sobre o autor
Alessandro Dantas

advogado especializado em concursos públicos, autor de obras jurídicas sobre o tema, conferencista do Congresso Brasileiro de Concurso Público, instrutor de concursos públicos da ERX, consultor da ANDACON – Associação Nacional de Defesa e Apoio ao Concurseiro, fonte de entrevista dos principais jornais do Brasil quando a matéria é concursos públicos, colaborador da revista Negócios Públicos, onde escreve mensalmente sobre o tema e da GOVERNET. Palestrante e professor da LFG.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DANTAS, Alessandro. Alteração de gabarito após resultado final da fase e sua flagrante ilegalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3688, 6 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25109. Acesso em: 19 abr. 2024.

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