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Plebiscito, referendo e iniciativa popular: conceituação

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Os mecanismos do plebiscito, referendo e inciativa popular, institutos que não se confundem entre si, encontraram, a partir do texto constitucional de 1988, a devida previsão normativa para serem utilizados como importantes instrumentos da democracia semidireta.

Sumário: 1. Introdução. 2. Visão Histórica dos Institutos no Ordenamento Jurídico Pátrio. 3. Plebiscito. 3.1. Diferença para Referendo. 3.2. Conceito. 4. Referendo: conceito. 5. Iniciativa Popular: conceito. 6. Conclusões


1. Introdução

Para bem aplicar, primeiro urge bem se conhecer. Na atual cena política nacional, muito se tem discutido sobre a necessidade de uma participação popular mais direta nos mecanismos de tomada de decisões governamentais, estando na pauta do dia a convocação de um plebiscito ou referendo sobre reforma política. Mas, justamente por se tratar de instrumentos positivados, importante traçar-se os seus respectivos limites e sentidos, sob uma perspectiva jurídica, a fim de melhor se precisar as suas possibilidades de utilização pragmática.

O presente trabalho pretende, de forma sucinta e objetiva, ofertar um conceito dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Para tanto, inicia-se com uma visão do seu evoluir histórico, para ao depois analisar-se os seus contornos dogmáticos, tendo em vista tratar-se de institutos positivados no sistema jurídico pátrio.


2. Visão Histórica dos Institutos no Ordenamento Jurídico Pátrio

Após a Independência fazia-se necessária a elaboração de uma Constituição para o país recém apartado de Portugal, o que se deu com a convocação da Assembleia Nacional Constituinte, no entanto, a mesma foi logo dissolvida por D. Pedro I, que incumbiu a redação da Constituição ao Conselho de Estado. Mas o fez consignando, por meio do Decreto Imperial de 13 de novembro de 1823, que o texto seria submetido às Câmaras Municipais, para fazerem as observações que achassem necessárias.

Posteriormente ao exame pelas Câmaras de todas as províncias D. Pedro promulgou a nossa primeira Carta Constitucional, em 1824.

Dizer-se que essa consulta teria sido o primeiro exemplo de referendo no Brasil seria ilógico, pois a mesma não se dirigiu ao povo, e foi muito mais utilizada como artifício político do Imperador, para amenizar a resistência ao ato de dissolução da Assembleia Constituinte.

Acrescente-se a isso que o texto constitucional promulgado não continha nenhuma menção à participação popular, e chega-se à conclusão da inexistência dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular durante o período imperial.

No começo da República, o governo provisório fez publicar o Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, onde o seu art. 7º condicionava a forma de governo adotada (República) ao sufrágio popular para sua confirmação. Todavia, a primeira Constituição republicana esqueceu-se dessa condição e instituiu esta forma de governo sem nenhuma ressalva ou menção aos institutos em comento.

O mesmo silêncio continua na Carta de 34, totalmente omissa quanto a estes.

Já a Carta de 37 dispunha ter, ela própria, de ser submetida a plebiscito nacional, na forma do disposto no decreto presidencial a ser promulgado sobre o tema. Mas tal decreto não foi jamais exarado, e a referida Constituição foi revogada sem ter sido submetida à consulta popular.

Apesar disso, foi essa a primeira Constituição brasileira a trazer em seu bojo, no art. 174, §4º, o instituto do plebiscito, ao preceituar a necessidade de convocação plebiscitária em caso de emenda, modificação ou reforma da Constituição, no caso de ser rejeitado projeto de iniciativa do Presidente da República ou ser aprovado, apesar da oposição deste, projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados. Além de inovar ao exigir plebiscito para casos de incorporação, subdivisão ou desmembramento do Estado (art. 5º); e para que fossem conferidos poderes de legislação ao conselho de economia nacional, sobre matérias de sua competência, no art. 63. Assevere-se que nunca houve, durante a sua vigência, nenhuma consulta plebiscitária efetivada.

A Carta de 46 manteve a importante inovação de erigir o plebiscito como condição indispensável para haver incorporação, subdivisão ou desmembramento do Estado.

E foi justamente durante a sua vigência, através de adição promovida por meio da Emenda Constitucional nº 4, que se deu o primeiro plebiscito no Brasil, referente à continuidade do regime parlamentarista ou à volta ao regime presidencialista, tendo sido realizado esta consulta em 06 de janeiro de 1963, e se sagrado vitoriosa a corrente defensora da volta ao regime presidencialista. Sobre o assunto, assim se manifestaram Adrian Sgarbi e Christianne Cotrim Assad[1], in verbis:

O nosso primeiro plebiscito de relevância nacional foi mais um “sim” ou um “não” a JOÃO GOULART do que escolha entre forma parlamentarista ou presidencialista de governo. Devido a fatores ideológicos da época, venceu o presidencialismo.

Ocorre, portanto, que tal consulta teve muito mais a natureza de uma consulta acerca da manifestação popular a favor ou contra um homem, no caso o Presidente João Goulart, do que uma consulta acerca de uma ideia, além de ter sido uma consulta pontual, apenas concernente a um único e determinado tema, sem que se introduzisse a possibilidade de novas consultas sobre outros assuntos, significando até mesmo retrocesso em relação à Constituição anterior.

Na Carta de 67 encontramos importante avanço ao estender, no seu art. 14, a necessidade de plebiscito para casos de fusão, incorporação ou desmembramento de Municípios, tendo sido esse texto repetido pela Emenda Constitucional nº 1, de 1969.

Em suma, antes da Constituição de 1988, não existia no Brasil, de verdade, a possibilidade desses institutos - sobre a iniciativa popular, nem mesmo uma única palavra em nenhuma das Constituições brasileiras -, in genere, exceptuando-se apenas a necessidade de plebiscito, a partir da Constituição de 37, para mutações territoriais entre Estados federados e, a partir de 67, para Municípios - esta sim, norma de grande utilização, inclusive já incorporada à tradição jurídica brasileira.

Ressalvando-se ainda que a Carta de 37, vigente durante o período ditatorial do Estado Novo, previu a possibilidade de plebiscito nos casos supra indicados, entretanto nunca se realizou, até porque em períodos ditatoriais sempre o que prevalece é a vontade do ditador, e possíveis plebiscitos certamente teriam a conotação de ratificação à decisão do ditador, devido à manipulação do processo que a ele caberia regular.

Decorrência lógica da falta de normatividade reguladora desses institutos é a inexistência de consultas efetivadas no nosso país, com exceção das consultas sobre modificação territorial de Municípios e o plebiscito de 63, que não constitui um verdadeiro plebiscito, e não vinha no bojo de normas possibilitadoras de outras consultas populares.

Portanto, só a partir de 88 o ordenamento jurídico pátrio passou a dar tratamento sistemático à participação popular. Inclusive, o art. 2º do ADCT previu plebiscito referente a forma e regime de governo adotados, sendo obtido o seguinte resultado, como nos mostram Adrian Sgarbi e Christianne Cotrim Assad[2], in verbis:

Conforme previsão no ADCT, ocorreu, em 1993, plebiscito quanto a forma e sistema de governo, vencendo a forma de governo republicana com 44.266.608 votantes (86,61%) e sistema de governo presidencialista com 37.156.884 votantes (69,23%). A forma monárquica de governo recebeu 6.843.196 votos e o sistema de governo parlamentar 16.518.028 votos. Com 90.256.552 habilitados, houve o efetivo comparecimento de 67.010.409 eleitores, totalizando 23.246.143 abstenções.

E esse tratamento só foi complementado, na esfera federal, pela Lei 9.709, de 18 de novembro de 1998, regulamentadora dos institutos do plebiscito, referendo e iniciativa popular. Quando se fala esfera federal é porque nos planos estadual e municipal deve haver regulamentação própria acerca destes.

Por fim, após a entrada em vigor da Lei Federal nº 9.709/98, já foram propostos projetos de lei de iniciativa popular – como o da chamada “lei da ficha limpa”  -, e uma única consulta, por meio de referendo, previsto no Decreto Legislativo nº 780, de 7 de julho de 2005, que teve por objeto a seguinte questão: "o comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?". Naquela oportunidade, quase dois terços (63,94%[3]) do eleitorado nacional optou pelo “não”.


3. Plebiscito

3.1. Diferença para Referendo

Conforme leciona Paulo Luiz Neto Lôbo[4]:

As palavras são signos, e uma das mais importantes contribuições da lingüística moderna à teoria da interpretação é considerá-las signos elípticos. O que importa é a significação que se depreende do uso lingüístico, inclusive no campo científico e técnico.(grifo nosso)

O termo plebiscito tem sua origem etimológica no latim (plebis + scitum), e tem suas raízes:

numa instituição do direito romano, no período republicano. Constitui uma das modalidades das leges rogatae, ou seja, das leis votadas por aqueles mesmos que a ela vão estar sujeitos. O plebiscito é exatamente uma lei aprovada pela plebe, que, por isso, não obrigava senão a plebe. A Lex Hortensia, em 287 a. C., porém, estendeu também aos patrícios a obrigatoriedade das normas adotadas nos plebiscita (cf. Jean Gaudemet, Instituitons de l’antiquité, Paris, Sirey, 1967, n. 270)[5].

Todavia, o termo foi carregado de conteúdo durante o correr dos séculos, notadamente após a Revolução Francesa, dando idas e voltas, e sendo uma constante a sua controvérsia, a falta de contornos precisos, a sua variabilidade entre os mais diferentes doutrinadores, em suma, o mesmo enunciado linguístico significando coisas diferentes, principalmente no tocante à sua caracterização frente ao referendo, conforme se passa a detidamente expor, com base em discussões doutrinárias anteriores a 18 de novembro de 1998.

Alguns entendiam que plebiscito e referendo eram expressões sinônimas, como Gládio Gemma[6], para quem “os dois termos são, a rigor, sinônimos.”

Da mesma forma Araújo de Castro, segundo a visão de Almino Affonso[7], in verbis:

Em alguns países, o povo não se satisfaz em escolher os seus representantes: quer ter a iniciativa das leis e o direto de recusá-las ou sancioná-las com o próprio voto. É o processo do Referendum.

Como se vê, para Araújo Castro, há tão somente o referendo, ou se assim não é, refere-se aos dois institutos com a mesma expressão.

Já Darcy Azambuja[8], in verbis:

A aplicação do referendum consiste em que todas ou algumas leis, depois de elaboradas pelo parlamento, somente se tornam obrigatórias quando o corpo eleitoral, expressamente convocado, as aprova.

[...]

Há o referendum consultivo, ou plebiscito, quando o povo é chamado a pronunciar-se sobre a conveniência ou não de uma lei a ser feita pelo Parlamento: e o referendum deliberativo, quando a consulta do povo é posterior à elaboração da lei.

Dalmo de Abreu Dallari[9] fazia a diferenciação, ao mesmo tempo em que aceitava a similitude sem reservas, como se pode observar do texto infra transcrito:

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O plebiscito, que alguns preferem considerar apenas um referendum consultivo, consiste numa consulta prévia à opinião popular. Dependendo do resultado do plebiscito é que se irão adotar as providências legislativas, se necessário.(grifo nosso).

Corroboram com esse entendimento textos legais de direito alienígena, como nos dá exemplo o diploma Supremo espanhol, que preceitua no seu art. 92, “1”: “Las decisiones políticas de especial trascendencia podrán ser sometidas a referéndum consultivo de todos los ciudadanos.”(grifo nosso)[10].

Entretanto, não é apenas na seara terminológica que graceja a tergiversação acerca do tema em comento, estendendo-se a controvérsia há questões relevantíssimas, como o objeto a que se referem plebiscito e referendo, ou se um não seria espécie do outro.

O mestre pernambucano Pinto Ferreira[11] apontava uma diferença objetiva entre os termos, ao dizer que o referendum em sentido restrito se aplica a uma decisão do povo sobre uma medida legislativa, enquanto o plebiscito se resguardaria a uma decisão do povo sobre um ato do Executivo.

A respeito da pena inigualável de Pontes de Miranda assim se manifestou Maria Victoria de Mesquita Benevides[12], in verbis:

“Pontes de Miranda define o plebiscito como um instituto de “poder constituinte” do povo, estabelecendo, com o referendo, apenas uma distinção entre o gênero e a espécie: “Ao povo dá-se ou mantém-se o poder constituinte: a) em plebiscito, quer respondendo a perguntas acerca de regras constitucionais propostas, quer propondo regras constitucionais. b) em plebiscito (referendo) sobre o todo da constituição proposta ou já em vigor” (1970, p. 127).”

Já Francisco Wildo Lacerda Dantas[13], deparando-se sobre esse mesmo texto, chega a seguinte conclusão, in verbis:

Observa-se que o grande jurista estava atento à identificação que se faz, usualmente, entre plebiscito e referendo. O blebiscito, como já se disse, é forma de governo direto. A lei, inclusive a própria Constituição, é criada pelo próprio povo, a quem é destinada, sem o recurso de intermediários ou representantes.

[...]

O referendem como se examinará em seguida, é instituto que serve ao propósito de atenuar o processo legislativo indireto, sendo próprio de um processo legislativo semidireto, com a participação de representantes do povo e da manifestação pessoal deste.(sic)

Ainda a respeito dos contornos do conceito, a mesma Maria Victória de Mesquita Benevides[14] afirmava:

tende a predominar, entre nós, a idéia de que o referendo vincula-se a deliberação sobre ato prévio os órgãos estatais, para ratificar ou rejeitar( lei já em vigor ou projeto de lei, projeto ou norma constitucional). O plebiscito seria uma consulta “de caráter geral”, ou pronunciamento popular sobre fatos ou eventos (não normativos) excepcionais e que, justamente por serem excepcionais- e não “regulares”, como para o referendo -, fogem à disciplina constitucional.

Outros preferiam fazer a diferenciação entre plebiscito e referendo no fato deste se referir a uma consulta legítima ao povo, enquanto aquele seria deixado para o julgamento de um homem, em consulta abusiva, conforme se analisará com mais vagar infra, ao se tratar do conceito de referendo (item “4”).

3.2. Plebiscito: conceito

A disposição do art. 14, incisos I e II da Carta Constitucional brasileira de 1998, em sua inalterada redação original, preceitua:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

I- plebiscito;

II- referendo;

III- iniciativa popular.[15]

Ora, o texto constitucional é formado por um conjunto de proposições lógicas, cabendo à doutrina explicitar seu conteúdo, interpretá-lo sistematicamente, precisar o sentido das palavras dele constantes, mas sem poder desconsiderar a letra da lei, sob o argumento de que isto seria cientificamente mais correto ou terminologicamente mais usual.

No tocante aos termos plebiscito e referendo, argumentar que ambos teriam o mesmo significado, ou que um estaria contido no outro, ou que se poderia chamar o primeiro de referendo consultivo (como se faz em outros países), significa desconsiderar a letra da lei, pois se o texto constitucional os coloca em dois incisos diferentes é porque cada um tem um significado próprio, não se podendo de maneira alguma preencher esses significados diferentes com o mesmo conteúdo, de modo a não parecer ser correta a argumentação em sentido contrário, quando contraposta à Constituição Federal de 1988.

Quanto àqueles que defendem a diferenciação entre os dois institutos por se referirem a diferentes objetos (ato do Executivo ou do Legislativo; questão normal ou excepcional; etc.), também não têm melhor sorte, uma vez que a orientação do direito pátrio é no sentido de não diferenciar entre os assuntos que podem ser submetidos à consulta popular, seja via plebiscito, seja via referendo, refletindo as opiniões de doutrinadores como José Afonso da Silva, Almino Affonso e José Cretella Júnior, defensores da tese de que a diferenciação entre estes institutos existe, mas está justamente no momento de se fazer a consulta popular, se antes ou depois da produção do ato administrativo ou lei, consoante se pode observar dos textos infra transcritos.

José Afonso da Silva[16], in verbis:

plebiscito é também uma consulta popular, semelhante ao referendo; difere deste no fato de que visa a decidir previamente uma questão política ou institucional, antes de sua formulação legislativa, ao passo que o referendo versa sobre aprovação de textos de projeto de lei ou de emenda constitucional, já aprovados; o referendo ratifica(confirma) ou rejeita o projeto aprovado; o plebiscito autoriza a formulação da medida requerida; alguma vez fala-se em referendo consultivo no sentido de plebiscito, o que não é correto.

Almino Affonso[17], in verbis:

plebiscito e referendo são consultas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa, cabendo diferenciá-los, tão-somente, quanto à ordem da convocação: o plebiscito há de sê-lo com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido; e o referendo, ao revés, com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, requerendo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.

No mesmo sentido, José Cretella Júnior[18].

E se essa linha de pensamento contava com fortes argumentos, tal fato se refletiu no Congresso Nacional, que ao regulamentar o art. 14 da Constituição Federal escolheu, durante a fase de debates legislativos, essa orientação, que desta forma se viu cristalizada em base legal, qual seja os parágrafos do art. 2º da Lei nº 9.709/98, in litteris:

Art. 2º. Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa.

§ 1º. O plebiscito é convocado coma anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido.

§ 2º. O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição.[19]

Dessa forma, percebe-se que o legislador pátrio, após a discussão legislativa, pôs em bases claras os institutos acolhidos no texto constitucional, dando a eles os seus precisos contornos, elegendo como elementos do suporte fáctico[20] a consulta popular, acerca de objeto de acentuada relevância, e a necessidade de convocação da consulta; estabelecendo como diferença básica entre os dois institutos o fato do plebiscito ser convocado com anterioridade a lei ou ato, enquanto o referendo é convocado com posterioridade em relação a estes.

Feitas essas considerações (e diferenciações), faz-se necessário indagar se o art. 18, §§ 3º e 4º da CF, não estaria a contrariar o que foi até agora exposto, criando uma nova espécie de instrumento da democracia participativa, diferente dos demais, ou se consistiria numa imprecisão terminológica do texto constitucional, ao denominar de plebiscito coisas diferentes.

Na verdade não, o texto constitucional nem cria uma nova espécie, nem dá o mesmo apelido a conteúdos diferentes. Para se chegar a tal conclusão basta se observar os elementos do suporte fáctico abstrato (previsão normativa, antes de se materializar) do plebiscito, conforme antes defendido por abalizada doutrina e regulamentado a partir da edição da Lei Federal nº 9.709/98.

Se contrapusermos tais elementos ao texto do art. 18, §§ 3º e 4º, da CF, vemos que todos esses elementos se encontram presentes em ambas as normas, quais sejam: consulta popular, anterior à lei, necessidade de sua convocação, e ter por objeto questão relevante, a única diferença é que no art. 18, §§ 3º e 4º o legislador constituinte especificou o objeto, no caso, incorporação, subdivisão, desmembramento e anexação de Estados; criação, incorporação, desmembramento e fusão de Municípios.

Ou seja, se o plebiscito pode abranger um leque enorme de assuntos, desde que satisfeitos os requisitos legais, subtraiu-se desse leque alguns temas específicos (e certamente de alta relevância), e se colocou em dispositivo à parte, o que não é o suficiente para desnaturar o instituto em questão. Aliás, os §§ 3º e 4º do art. 18 da CF, pressupõem o plebiscito como elemento do suporte fáctico de tais normas, nos termos já expostos, como requisito para que haja a respectiva juridicização, apenas fazendo a especificação sobre o objeto desta consulta, a ser feita às populações diretamente interessadas.

Por fim, acrescente-se que o fato da Lei nº 9.709/98 resguardar dispositivos específicos para a matéria abordada no parágrafo anterior, apenas confirma o que foi dito, através dos mesmos argumentos.

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Sobre o autor
Angelo Braga Netto Rodrigues de Melo

Especialista e Mestre em Direito pela UFAL. Professor de Direito Civil, Administrativo e Tributário dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação de diversas instituições de Ensino Superior. Autor do livro "Substituição Tributária Progessiva no ICMS - Teoria e Prática". Procurador de Estado. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues. Plebiscito, referendo e iniciativa popular: conceituação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3699, 17 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25140. Acesso em: 19 abr. 2024.

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