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Aplicabilidade da arbitragem em conflitos consumeristas

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28/08/2013 às 08:28
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A consequência da arbitragem de consumo seria o desafogamento do Judiciário, a celeridade na resolução de conflitos de consumo e, finalmente, a satisfação dos consumidores.

Resumo: O presente trabalho se propõe a analisar a possibilidade de utilizar o instituto da arbitragem na solução de conflitos consumeristas, a exemplo do que ocorre na Espanha. Parte da hipótese de que a arbitragem é um meio alternativo para resolução de conflitos entre consumidor e fornecedor e de que a sua utilização através dos órgãos que integram o SNDC seria uma maneira de garantir a aplicação de todos os direitos e princípios do CDC, sem ter a sua vulnerabilidade desrespeitada, e também, uma alternativa mais rápida e acessível de resolução de conflitos. Para tanto, propõe a seguinte pergunta: “De que maneira a arbitragem pode ser utilizada no ramo do Direito do Consumidor?”

Palavras-chave: relações de consumo; conflitos consumeristas, arbitragem, aplicabilidade.

LISTA DE SIGLAS

AAA – American Arbitration Association

ADCON – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, da Vida e dos Direitos Civis

ANACONT – Associação Nacional de Defesa do Consumidor e do Trabalhador

BRASILCON – Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor

CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CF – Constituição Federal

DPDC – Departamento de Proteção de Defesa do Consumidor

IBRAC – Instituto Brasileiro de Estudos sobre Direito do Consumidor e Direitos da Concorrência.

IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor

ONU – Organização das Nações Unidas

PROCON – Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor

PRODECON – Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor

SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor

SDE – Secretaria de Direito Econômico

UBC – União Brasileira dos Consumidores

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR. 3 RELAÇÕES DE CONSUMO. 3.1 Definições. 3.2 Política Nacional de Relações de Consumo. 4 SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR - SNDC. 4.1 Instrumentos de Defesa do Consumidor. 4.1.1 Assistência jurídica gratuita. 4.1.2 Promotoria de justiça de defesa do consumidor. 4.1.3 Delegacias de polícia especializadas. 4.1.4 Juizados especiais de pequenas causas e varas especializadas. 4.1.5 Associações de consumidores. 4.1.6 A defesa através dos PROCONs. 4.1.7 Mecanismos alternativos de solução de conflitos. 5 ARBITRAGEM. 6 A ARBITRAGEM NA RESOLUÇÃO DE CONFLITOS CONSUMERISTAS. 7 ARBITRAGEM X ÓRGÃOS DO SNDC. 8 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem o objetivo de analisar a possibilidade de utilizar o instituto da arbitragem na solução de conflitos consumeristas.

Parte da hipótese de que a arbitragem é um meio alternativo para resolução de conflitos entre consumidor e fornecedor e de que a utilização da arbitragem através dos órgãos que integram o SNDC (Sistema Nacional de Defesa do Consumidor) seria uma maneira de garantir a aplicação de todos os direitos e princípios do Código de Defesa do Consumidor - CDC, sem ter a sua vulnerabilidade desrespeitada.

Para tanto, propõe a seguinte pergunta: “De que maneira a arbitragem pode ser utilizada no ramo do Direito do Consumidor?”

A fim de responder tal questionamento a pesquisa bibliográfica começou analisando alguns pontos da evolução dos direitos do consumidor, das leis esparsas de proteção, até a criação do CDC em 1990. No tópico sobre as relações de consumo foram apresentadas as definições que Código apresenta para as partes que as compõem.

No capítulo seguinte estuda-se sobre a Política Nacional de Relações de Consumo, destacando-se do inciso V do artigo 4º do CDC e sem seguida, o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor - SNDC e os instrumentos de defesa que o consumidor possui para solucionar conflitos consumeristas.

O capitulo 5 trata da arbitragem, abordando aspectos históricos de seu surgimento na legislação estrangeira e sua evolução no Brasil e no Capítulo 6, destaca-se a utilização satisfatória da arbitragem na resolução de conflitos consumeristas em alguns países, dando-se ênfase ao modelo adotado na Espanha e copiado pela Argentina.

No capitulo 7 aborda-se sobre a possibilidade de aplicação da arbitragem de consumo, através dos órgãos do SNDC, em correspondência ao artigo 4º, V, CDC.

Por fim, encerra-se o estudo, apresentando as considerações a que se conclui após analisar a bibliografia estudada.


2 EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

As relações de consumo sempre existiram na sociedade, pois, sempre houve alguém que vendesse algo (ou trocasse uma mercadoria por outra) e alguém que comprasse aquilo que necessitasse. À medida que a sociedade foi evoluindo, surgiu o comércio e, consequentemente, as relações de consumo, que eram timidamente reguladas por leis esparsas e pelo Código Civil.

No âmbito internacional, de acordo com Almeida (1993, p.4), a defesa do consumidor ganhou grande impulso em 1969, quando foi aprovada a Resolução nº: 2.542, que proclamou a Declaração das Nações Unidas sobre o Progresso e Desenvolvimento Social e depois, em 1973, quando a Comissão de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) enunciou e reconheceu os direitos fundamentais e universais do consumidor. Ainda, segundo o autor, o avanço mais importante foi trazido pela Resolução nº: 39/248, de 16 de abril de 1985, quando a ONU baixou normas sobre proteção do consumidor, tomando clara posição e cuidando detalhadamente do tema, trazendo objetivos e princípios gerais para orientar os governos a editarem normas aplicáveis a bens e as serviços, que abrangessem os seguintes itens:

1) segurança física;

2) promoção e proteção dos interesses econômicos do consumidor;

3) padrões para segurança e qualidade dos serviços e bens do consumidor;

4) meios de distribuição de bens e serviços essenciais para o consumidor;

5) medidas que permitam ao consumidor obter ressarcimento;

6) programa de informação e educação;

7) medidas referentes a áreas especificas, como alimentos, água e medicamentos. (ALMEIDA, 1993, p.6)

A Resolução da ONU, ainda, convoca os governos a desenvolver, implementar e orientar a política de proteção ao consumidor, procurando engajar nesse movimento as empresas, as universidades e as entidades de pesquisas públicas e privadas.

Como as normas editadas pela ONU não são imperativas, fica a cada governo, a prerrogativa de implementá-las como achar apropriado, de acordo com suas prioridades e necessidades.

Almeida (1993, p.7) relata que antes mesmo da manifestação da ONU acerca do tema, diversos países já possuíam legislação pertinente à proteção do consumidor. A preocupação com as relações de consumo no Brasil surgiu moderada, através de legislações que indiretamente protegiam o consumidor, embora não o tivessem como objetivo principal.

A primeira manifestação de que se tem notícia, nessa área, é o Decreto nº: 22.626, de 7 de abril de 1933, editado com o intuito de reprimir a usura. De lá para cá, passando pela Constituição de 1934, surgem as primeiras normas constitucionais de proteção à economia popular (CF, art. 115 e art. 117). O Decreto-Lei nº:869, de 18 de novembro de 1938 e, depois, o de nº: 9840, de 11 de setembro de 1946, cuidaram dos crimes contra a economia popular, sobrevindo, em 1951, a chamada Lei de Economia Popular, até hoje vigente. (ALMEIDA, 1993, p.9)

Diversas outras leis esparsas foram editadas, como em 1962, a Lei de Repressão ao Abuso do Poder Econômico, que criou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, na estrutura do Ministério da Justiça, ainda existente e a lei 7.244, de 1984, que autorizou os Estados a instituírem Juizados de Pequenas Causas.

Almeida (1993,p.9) relata que em 1978, em São Paulo, foi criado o primeiro órgão de defesa do consumidor: o PROCON (Procuradoria de Proteção e Defesa do Consumidor) Paulista. Em nível nacional, em 1985, foi criado o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor (Decreto nº: 91.469, de 24 de julho de 1985), que veio a ser extinto no início do Governo Collor e substituído por outro similar, o Departamento Nacional de Proteção e Defesa do Consumidor, vinculado ao Ministério da Justiça.

A Constituição Federal – CF, promulgada em 1988 inseriu em seu texto, pelo menos três dispositivos sobre o tema.  O primeiro deles é o artigo 5º, inciso XXXII; neste artigo, a Constituição não deixa dúvida quanto à importância deste direito, afirmando que caberá ao Estado promover a defesa do consumidor, na forma da lei. Ao tratar da ordem econômica, no artigo 170, afirma que um dos seus princípios básicos é a defesa do consumidor e finalmente, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, no artigo 48, determinou a criação do Código de Defesa do Consumidor, no prazo de 120 dias após a sua própria promulgação, o que acabou ocorrendo aproximadamente, dois anos depois, em 1990.

O presente Código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos do artigo 5º, inciso XXXII, artigo 170, inciso V, da Constituição Federal e artigo 48 de suas Disposições Transitórias. (CDC, Art,1º)

Grinover e Benjamin (2007, p.10) relatam que alguns modelos legislativos estrangeiros, como a Resolução nº39/248, de 9 de abril de 1985, da Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas; leis gerais da Espanha (Ley General para la Defensa de los Consumidores y Usuarios), Lei nº: 26/1984); de Portugal (Lei nº: 29/81, de 22 de agosto), do México (Lei Federal de Protección al Consumidor, de 5 de fevereiro de 1976) e de Quebec (Loir sur la Protection Du Consommateur, promulgada em 1979), influenciaram a edição do CDC (lei nº: 8078/90), que concretizou, no ordenamento jurídico, a orientação constitucional.

Grinover e Benjamin (2007, p.10) comentam que de modo mais específico, algumas matérias do Código, como publicidade e responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, foram inspiradas pelo Direito comunitário europeu; controle das cláusulas gerais de contratação, pelas legislações de Portugal e Alemanha; havendo influência, também, do Direito norte-americano.

Antes da promulgação do CDC, as relações de consumo eram regidas por leis esparsas, sem um tratamento sistêmico e específico, e, portanto, a defesa do consumidor não tinha a abrangência e a consistência com que agora é tratada.

Segundo Grinover e Benjamin (2007, p.6), o mercado não apresentava mecanismos eficientes para superar a vulnerabilidade do consumidor e por isso era imprescindível a intervenção do estado, formulando as normas jurídicas de consumo, implementando-as e dirimindo os conflitos decorrentes dos esforços de formulação e de implementação.

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Dessa forma, o CDC foi a primeira lei brasileira a regular especificamente a proteção e defesa dos interesses do consumidor, marcando o nascimento e desenvolvimento do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma.

Muito mais do que um conjunto de normas e princípios, o CDC rege a tutela dos consumidores de modo geral e direciona a implementação efetiva de instrumentos que os coloquem em prática.

Para Filomeno (2007b, p.10), o CDC é muito mais que um conjunto de normas; é um microssistema jurídico, por conter: (a) princípios que lhe são peculiares; (b) por ser interdisciplinar; (c) por ser também multidisciplinar, contendo em seu bojo normas de caráter variado, de cunho civil, processual civil, processual penal, administrativo, etc. E sua tutela se reveste de caráter especial, por conter tríplice aspecto: administrativo, civil e penal.


3 RELAÇÕES DE CONSUMO

O consumo é parte indissociável do cotidiano do ser humano e se manifesta por motivos de necessidade ou por simples desejo. As relações de consumo relacionam-se às transações de natureza comercial e ao comércio propriamente dito e surgem geralmente através de um negócio jurídico entre duas ou mais pessoas, tendo de um lado o fornecedor e de outro o consumidor e um objeto de interesse: os produtos ou serviços.

É inegável que as relações de consumo evoluíram nos últimos tempos. Das simples operações de troca de mercadoria, chegou-se hoje às modernas transações de compra e venda e de contratação de serviços. Os bens de consumo passaram a ser produzidos em massa e os serviços se ampliaram largamente. O mercado fornecedor passou a preocupar-se não somente em fornecer aos consumidores o necessário à sua subsistência; passou a utilizar estratégias de publicidade, para divulgar novos produtos e criar no consumidor o desejo de adquiri-los.

As relações de consumo deixaram de ser pessoais e diretas, transformando-se, principalmente nos grandes centros urbanos, em operações impessoais e indiretas, em que não se dá importância ao fato de não se ver ou conhecer o fornecedor. Surgiram os imponentes estabelecimentos comerciais e industriais, [...] (ALMEIDA, 1993, p.2)

Essa nova sociedade, de consumo, não teve apenas benefícios, com tantas facilidades e mudanças.

Se antes fornecedor e consumidor encontravam-se em uma situação de relativo equilíbrio de poder de barganha (até porque se conheciam), agora é o fornecedor (fabricante, produtor, construtor, importador ou comerciante) que, inegavelmente, assume a posição de força na relação de consumo e que, por isso, ‘dita as regras’. (GRINOVER; BENJAMIN, 2007, p.6)

A evolução das relações de consumo teve reflexo nas relações sociais, econômicas e jurídicas, e segundo Almeida (1993, p.2), pode-se afirmar que a proteção do consumidor é conseqüência direta das modificações que ocorreram nas relações de consumo. O número crescente de produtos e serviços, o domínio do marketing e do crédito e as dificuldades de acesso à justiça, acrescidos da inegável posição de força do fornecedor na relação de consumo, ditando regras, segundo Grinover e Benjamin (2007, p.6), foram aspectos que marcaram a necessidade da criação de um código para proteger as relações de consumo.

3.1 Definições

O Código de Defesa do Consumidor traz, nas disposições gerais, a conceituação das partes que envolvem a relação de consumo. É importante ressaltar, que o presente trabalho não tem a pretensão de pormenorizar as diversas classificações e discussões teóricas acerca desses conceitos. O legislador consumerista optou por apresentar as principais características dos institutos que tutela, começando por definir consumidor.

Diz o artigo 2º que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, incluindo-se também por equiparação, a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Sendo assim, são três os elementos que compõem o conceito de consumidor segundo a redação supracitada. O primeiro deles é o subjetivo (pessoa física ou jurídica), o segundo é o objetivo (aquisição de produtos ou serviços) e o terceiro e último é o teleológico (a finalidade pretendida com a aquisição de produto ou serviço) caracterizado pela expressão destinatário final. (GARCIA, 2009, p.14)

Como o texto legal não explica o que significa destinatário final, a doutrina traz explicações para tal expressão através de duas correntes: a finalista e a maximalista.

Os finalistas tratam do assunto sob o enfoque da necessidade de se dar uma destinação econômica ao produto ou serviço. Garcia (2009, p.15) diz que para tal doutrina, a interpretação da expressão “destinatário final” é restrita, pois, fundamenta-se no fato de que somente o consumidor que adquire ou utiliza um produto para uso próprio ou de sua família, está amparado pela tutela do Código.

Em outras palavras, o destinatário final é o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo, é aquele que coloca um fim na cadeia de produção, e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir, pois ele não é o consumidor final, já que está transformando e utilizando o bem para oferecê-lo, por sua vez, ao cliente, consumidor do produto. (GARCIA, 2009, p.15)

Para a corrente finalista, a pessoa jurídica torna-se consumidora, quando compra ou contrata produtos ou serviços que não são utilizados na sua cadeia de produção.

Dessa forma, sendo o produto utilizado como matéria prima ou o serviço utilizado como parte do processo produtivo, a pessoa jurídica não seria considerada consumidora. Mas, caso o produto ou o serviço não fossem insumos, ela poderia ser considerada consumidora. (GARCIA, 2009, p.16)

Os maximalistas não se importam com a finalidade da aquisição ou do uso do produto ou serviço. Conforme Garcia (2009, p.16), essa corrente vê o CDC de forma ampla, abrangendo um número maior de relações e tutelando todos os agentes do mercado, que podem assumir os papeis, ora de consumidor, ora de fornecedor. Desta forma, o destinatário final, para os maximalistas, seria aquele que retira o produto do mercado e o utiliza ou consome, não importando se a destinação é para uso pessoal ou profissional.

A definição do art.2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço. Destinatário final, então, seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e o utiliza, o consome [...] Assim, [...] a definição de consumidor é puramente objetiva, não importando a finalidade da aquisição ou do uso do produto ou serviço, podendo até mesmo haver intenção de lucro. (GARCIA, 2009, p.17)

Os consumidores equiparados são tratados pelo código, no parágrafo único do artigo 2º e ainda nos artigos 17 e 29. Desta forma, são consumidores equiparados: a coletividade de pessoas, ainda que indeterminável, que intervenha nas relações de consumo (art.2º, parágrafo único); as vítimas de danos ocasionados pelo fornecimento de produto ou serviço defeituoso (art.17) e todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou contratuais abusivas (art.29).

Outro protagonista das relações de consumo, o fornecedor, para Oliveira (2002, p.14), é todo aquele que propicia a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores. O Código traz em seu artigo 3º, o seguinte conceito:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (CDC, Art.3º)

Os fornecedores podem ser classificados como pessoas físicas, ou jurídicas.

Fornecedor é qualquer pessoa física, ou seja, qualquer um que, a título singular, mediante desempenho de atividade mercantil ou civil e de forma habitual, ofereça no mercado produtos ou serviços, e a jurídica, da mesma forma, mas em associação mercantil ou civil e de forma habitual. (FILOMENO, 2007a, p.47)

Podem ser públicos ou privados, entendendo-se no primeiro caso, o “Poder Público, por si ou por suas empresas públicas que desenvolvam atividades de produção, ou ainda as concessionárias de serviços públicos” (FILOMENO, 2007a, p.47). E ainda, nacionais ou estrangeiros, sendo os últimos, aqueles que exportam produtos ou serviços para o País. (FILOMENO, 2007a, p.47)

Como se pode perceber, o fornecedor é aquele que participa do pólo ativo da relação de consumo, como transferidor ou prestador habitual do bem ou serviço almejado pelo consumidor enquanto destinatário final. A habitualidade da atividade desenvolvida é requisito indispensável para se caracterizar um fornecedor.

De observar-se que o dispositivo em estudo, ao qualificar, como fornecedor o exercente das atividades econômicas que discrimina, está a dizer que se trata de pessoa física ou jurídica que exerce profissionalmente, isto é, com continuidade, essa atividade.

Fica, portanto, excluído do conceito de fornecedor aquele que vendeu um bem móvel ou imóvel, isto é, mas que tem ofício muito diferente do de vender tais bens. (SAAD, 2002, p.69)

Garcia (2009, p.25) escreve que “a chave para se encontrar a figura do fornecedor está na expressão ‘desenvolvem atividade’. Ou seja, somente será fornecedor o agente que pratica determinada atividade com habitualidade”. Para o mesmo autor, o CDC optou por dar máxima amplitude ao conceito, e assim, utiliza o vocábulo ‘fornecedor’, como um gênero, do qual o produtor, o montador, o criador, o construtor, o transformador, o importador, o distribuidor, o comerciante e o prestador de serviços seriam espécies.

O interessante é notar que quando a norma consumerista quer que todos sejam obrigados e/ou responsabilizados, usa o termo ‘fornecedor’ (gênero). Agora, quando quer designar algum ente específico, utiliza-se de termo particular (espécie). (GARCIA, 2009, p. 26)

Com relação à distinção entre os vários tipos de fornecedores, Filomeno (2001, p.47) entende que ela deve ser feita nos casos de responsabilização por danos causados aos consumidores, ou, para que os próprios fornecedores atuem na via regressiva da mesma responsabilização, nos casos de solidariedade.

Denari (2007, p.189) esclarece que o Código contempla três categorias clássicas de fornecedores:

a) o fornecedor real que compreende o fabricante, o produtor e o construtor; engloba aquele que participa do processo de produção de um bem, de maneira autônoma.

b) o fornecedor presumido, que é representado pelo importador de produto industrializado ou in natura, e

c) o fornecedor aparente, que é aquele que apõe seu nome ou marca no produto final, de modo a ocultar a indicação do produtor real do produto, criando a aparência de ter ele mesmo produzido o bem.

O parágrafo primeiro do artigo 3º do código, fala em produto, definindo-o como qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial. Filomeno (2007a, p.52) diz que para fins de efeitos práticos, produto (bens), deve ser entendido como qualquer objeto de interesse em dada relação de consumo e destinado a satisfazer uma necessidade do adquirente, como destinatário final.

O serviço é definindo no código, no parágrafo segundo no mesmo artigo, como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Filomeno (2007b, p.42), diz que este conceito abrange todo e qualquer tipo de serviço, entendido como uma utilidade usufruída pelo consumidor, e prestada por um fornecedor.

As atividades desempenhadas a título gratuito estão excluídas da tutela consumerista, assim como aquelas feitas de favores ou por parentesco. Mas não se pode confundir atividades gratuitas com atividades aparentemente gratuitas, pois estas, são indiretamente remuneradas

A chave para se identificar o que é ‘serviço’ no Código é verificar se ocorre a prestação mediante remuneração, ainda que de forma indireta, como nos serviços aparentemente gratuitos. Do contrário, não é considerado ‘serviço’ para fins de aplicação do CDC. (GARCIA, 2009, p.28)

Quando alguém compra um produto ou contrata um serviço para satisfazer necessidade pessoal ou familiar, fica estabelecida a relação jurídica chamada de relação de consumo. Tem essa relação, como sujeitos, o fornecedor ou prestador de serviços e o consumidor, que fica subordinado às condições e interesses impostos pelo titular dos bens ou serviços, no atendimento de suas necessidades de consumo.

Toda relação de consumo envolve basicamente duas partes bem definidas: de um lado o adquirente de um produto ou serviço (consumidor); de outro o fornecedor ou vendedor de um serviço ou produto (produtor/fornecedor). Destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor. O consumidor, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviço. (FILOMENO, 2007b, p.23)

Diante das definições apresentadas, tem-se que o Código de Defesa do Consumidor tutela as relações de consumo, e sua abrangência está adstrita às relações negociais das quais participam necessariamente, o consumidor e o fornecedor, transacionando produtos ou serviços.

3.2 Política Nacional de Relações de Consumo

A Política Nacional de Relações de Consumo traça um conjunto de objetivos inerentes ao sistema legal em estudo: atendimento das necessidades dos consumidores, saúde e segurança destes, proteção de seus interesses econômicos, melhoria da qualidade de vida, e desenvolvimento harmonioso das relações de consumo, atendido o principio do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.

A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:

V - incentivo à criação pelos fornecedores de meios eficientes de controle de qualidade e segurança de produtos e serviços, assim como de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo. (CDC, Art.4º)

A ação governamental para proteção do consumidor é realizável direta ou indiretamente. No primeiro caso, o poder público organiza-se para atender aos interessados e dar sustentação às atividades fiscalizadoras referentes a sanções administrativas, penais e civis. No segundo, estimula a criação de associações representativas dos consumidores.

O inciso V recomenda a criação, pelos fornecedores, de mecanismos alternativos de solução de conflitos de consumo. Um desses processos alternativos já encontrou abrigo no próprio Código. Trata-se da convenção coletiva de consumo celebrada por entidades civis de consumidores e associações de fornecedores ou sindicatos de categoria econômica para regular relações de consumo envolvendo condições relativas a preço, qualidade, quantidade, garantia e características de produtos e serviços, bem como a reclamação e composição de conflito de consumo. (SAAD, 2002, p.151)

Ao presente trabalho, o inciso V apresenta-se de fundamental importância, porque nele, o legislador incentiva e permite que conflitos nas relações de consumo sejam solucionados por meios alternativos. E um meio alternativo de dirimir litígios, é a Lei nº: 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe sobre a arbitragem, e que será tratada em capítulo a parte. Segundo Saad (2002, p.151), trata-se, sem dúvida alguma, de eficiente instrumento com que contam, agora, os consumidores e fornecedores para, extrajudicialmente, dar rápida solução às suas divergências.

Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, o art.5º apresenta os instrumentos com os quais contará o poder publico, e Filomeno (2007a, p.68) lembra que os instrumentos privados, consistentes na atividade das próprias empresas produtoras de bens e serviços, têm fundamental relevância para a execução de tal política.

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Sobre a autora
Betânia Fernandes Pinto

Bacharel em Administração pela FAC-Faculdade de Administração de Curvelo/MG Pós graduada em Controladoria e Finanças pela UFLA-Universidade Federal de Lavras/MG Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Sete Lagoas/MG Pós graduada em Direito Tributário pela UCAM- Universidade Cândido Mendes/RJ Servidora do TJMG-Tribunal de Justiça de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Betânia Fernandes. Aplicabilidade da arbitragem em conflitos consumeristas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3710, 28 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25153. Acesso em: 26 abr. 2024.

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