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Da inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recursos:

uma análise crítica sobre parágrafo primeiro do Art. 518 do Código de Processo Civi

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O contraditório, a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, a isonomia, o pleno acesso à jurisdição e o devido processo legal foram abolidos sob a alegação de que os processos tornar-se-ão mais céleres e efetivos com a aplicação da súmula nos juízos de primeiro grau.

1.      INTRODUÇÃO

A promoção da celeridade e efetividade na prestação jurisdicional tem sido fruto de uma série de estudos realizados pelo Poder Público em conjunto com especialistas do Direito Processual e Constitucional, estudos estes que visam “desafogar” os órgãos jurisdicionais que há muito encontram dificuldades para atender toda a demanda existente, além do grande acúmulo de ações judiciais tramitando em tais repartições.

A Emenda Constitucional nº 45 de 8 de dezembro de 2004 inaugurou uma nova fase no direito brasileiro, trazendo para o ordenamento jurídico algumas normas que visam atingir aos mencionados objetivos, especialmente garantir a todos os cidadãos razoável duração do processo e os meios que lhes garantam a celeridade de sua tramitação no âmbito judicial e administrativo.

Tais alterações na Constituição da República de 1988 motivaram ao legislador infraconstitucional proceder com profundas modificações no Código de Processo Civil, dentre as quais a criação da Lei 11.276 de 7 de fevereiro de 2006, que, através do parágrafo primeiro do artigo 518 do Código de Processo Civil, instituiu a chamada súmula impeditiva de recurso.

Em síntese, uma vez firmada jurisprudência dominante no Supremo Tribunal Federal ou no Superior Tribunal de Justiça, não caberá recurso contra a sentença prolatada pelo juiz de primeira instância que estiver em consonância com a matéria de determinada súmula, sendo esta a finalidade essencial da súmula impeditiva de recurso.

É neste ponto que alcança relevo a presente pesquisa, onde é proposto um estudo crítico desta novidade legal com o fito de analisar a sua constitucionalidade, visto que, a priori, o não recebimento da Apelação pelo juiz de primeiro grau retira a própria razão de ser deste recurso, que é o reexame da sentença, além da possibilidade de violar ou suprimir direitos e garantias do jurisdicionado perante o Poder Judiciário, como o direito ao duplo grau de jurisdição, ora garantido no seio da Constituição da República de 1988 e corolário do princípio do devido processo legal.

Deste modo, a presente pesquisa visa oferecer subsídios para o debate acadêmico-jurídico acerca do direito de recorrer do jurisdicionado, especificamente quanto ao recurso de Apelação, face ao ato decisório do magistrado de primeiro grau que porventura possa estar em consonância com súmula do STF ou STJ, de sorte que em tal debate poderão ser extraídas conclusões no sentido que a supressão de instância não garantirá uma efetiva e célere prestação jurisdicional. Nesse sentido, o jurisdicionado poderá ser prejudicado, pois, além de ter decotado seus direitos, acabará suportando as obrigações que são do Estado, quais sejam àquelas presentes na Constituição da República de 1988, dentre as quais a responsabilidade pela efetiva prestação jurisdicional.

Para tanto, este trabalho buscará analisar a constitucionalidade da súmula impeditiva de recurso, através do estudo do direito de recorrer no processo civil à luz dos princípios constitucionais com ele ligados, em especial o duplo grau de jurisdição, a ampla defesa, o contraditório, a fundamentação dos provimentos e o devido processo constitucional (aqui considerado sob o prisma legislativo e legal), de sorte que as conclusões obtidas poderão contribuir para novos debates científicos perante a comunidade acadêmico-jurídica, eis que a visão constitucionalizada do processo representa a busca pela adequação do processo civil ao Estado Democrático de Direito, concebido e estruturado pela Constituição da República de 1988.


2.      AS TEORIAS DO PROCESSO

Inicialmente, faz-se necessária uma breve explanação acerca das Teorias do Processo que, por certo, contribuíram em muito para sua evolução e independência, sendo hoje um dos ramos mais importantes do direito contemporâneo.

Ademais, é imperioso pontuar as principais características e diferenças destas teorias, haja vista que o presente trabalho terá como norte a doutrina de Elio Fazzalari, criador e idealizador da Teoria do Processo como Procedimento em Contraditório, como também a de José Alfredo de Oliveira Baracho, com sua doutrina acerca do Direito Processual Constitucional e, por sua vez, a contemporânea Teoria Neo-Institucionalista do Processo proposta por Rosemiro Pereira Leal.

2.1. PROCESSO COMO CONTRATO

Esta teoria foi idealizada por Pothier, estando em evidência principalmente na França entre os séculos XVIII e XIX, época em que os teóricos se pautavam nas lições iluministas de Rosseau que, citado por Grinover, Cintra e Dinamarco, observou: “enquanto os cidadãos se sujeitam às condições que eles mesmos pactuaram, ou que eles poderiam ter aceito por decisão livre e racional, não obedecem a ninguém mais que à sua própria vontade.” (ROSSEAU apud GRINOVER; CINTRA; DINAMARCO, 2004, p. 279).

Deste modo, o processo era fruto de um pacto ou convenção entre as partes firmado perante o juiz – litiscontestatio – em virtude da qual a vontade de cada um se sobrepunha ao poder estatal que, a propósito, nada podia fazer senão atender os pactos realizados entre particulares.

A teoria do processo como contrato guarda certa semelhança com a política do contrato social. A vinculação contratual existente entre as partes no processo somente teria obrigatoriedade caso as mesmas se comprometessem perante o juiz (que tinha o papel de árbitro), por força da litiscontestatio, cabendo ressaltar que este comparecimento era meramente facultativo e de caráter pouco coercitivo, eis que os interessados promoviam a marcha daquilo que entendiam ser o “processo”.

Esta concepção se tornou inadequada para a época, haja vista que a jurisdictio era manifestação do poder do Estado que não mais admitia uma visão privatística do processo, ou seja, a solução dos conflitos deveria ocorrer de forma coativa por agente público julgador, independentemente de prévio consenso entre as partes do conflito.

2.2. PROCESSO COMO QUASE-CONTRATO

A visão do processo como “quase-contrato” era defendida por Savigny e Guényvau em meados do século XIX, objetivando manter o processo na esfera do direito privado. Leal ensina que, naquele contexto,

[...] em não sendo o Processo tipicamente um contrato, deveria ser um quase-contrato, porque a parte que ingressava em juízo já consentia que a decisão lhe fosse favorável ou desfavorável, ocorrendo um nexo entre o autor e o juiz, ainda que o réu não aderisse espontâneamente ao debate da lide. (LEAL, 2005a, p.91/92).

Pelos mesmos motivos que invalidaram a teoria do processo como contrato, a teoria do processo como quase-contrato não também prosperou, justamente por nela subsistir a essência privatística, característica esta incompatível com a jurisdição estatal.

2.3. PROCESSO COMO RELAÇÃO JURÍDICA

Esta teoria foi elaborada por Bülow em 1968, sendo considerada como marco para o Direito Processual por torná-lo autônomo do direito material e apto a ser sistematizado pela doutrina, o que ocorreu através dos trabalhos elaborados por Chiovenda, Windscheid, Carnelutti, Liebman, Cappelletti, Dinamarco, dentre muitos outros.

Consoante este entendimento acerca da natureza do processo, ainda hoje majoritário na doutrina, a relação jurídica processual difere da relação jurídica de direito material, por possuir distintos pressupostos – objeto e sujeitos – cuja essência desdobra-se em um vínculo de exigibilidade e um liame entre os sujeitos ativo e passivo, por meio do qual o primeiro se vale de um poder de exigir do segundo uma determinada prestação, exigência esta de caráter impositivo e consoante sua vontade. Tais características reportam à visão tradicional do direito subjetivo que, segundo esta teoria, deu origem à concepção do processo como relação jurídica.

Não obstante a grande aceitação desta doutrina, a lógica natural do desenvolvimento do direito passou a não mais admitir a sua visão ultrapassada e arbitrária, conforme assevera Gonçalves:

Direito de exigir a conduta alheia, jus in rem, que é também um jus in personam, direito de obrigar alguém à prática de um ato, direito de exigir de outrem uma prestação, exigibilidade sobre a conduta de outrem... (sic) Não é de causar admiração que a doutrina jurídica reagisse, como podia, e nos limites em que podia. (GONÇALVES, 1992, p.92)

Deste modo, considerou-se inadmissível a ação arbitrária de um particular sobre o outro para exigir o cumprimento de uma prestação. É para isso que o Estado passou a realizar atividade de modo a substituir ao dito pólo ativo para que, em sua função jurisdicional, exigisse o adimplemento da parte requerida por meio de um provimento, que é um ato imperativo emanado pelo juiz, na condição de representante do império estatal.

Não obstante, a teoria do processo como relação jurídica foi sendo desenvolvida e atualmente é interpretada pela maioria dos doutrinadores de forma triangular, por meio da qual se encontra o juiz, no centro e acima das partes, ora posicionadas em pólos opostos e abaixo deste, onde existem “[...] posições jurídicas ativas e passivas de cada um dos seus sujeitos: poderes, faculdades, deveres, sujeição, ônus [...].” (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2004, p.282/283)

Essa corrente doutrinária, conhecida como a escola instrumentalista, defende a tese de que o processo é um instrumento pelo qual a jurisdição se opera, sendo sua finalidade precípua a realização do exercício do poder jurisdicional do Estado através de uma perspectiva que visa dar utilidade ao processo e que seja dele obtido um resultado que atenda aos seus escopos, quais sejam: social, político e jurídico.

Nesse sentido, Dinamarco, em obra inteiramente dedicada à Teoria da Instrumentalidade do Processo, defende que:

Todo instrumento, como tal, é meio; e todo meio só é tal e se legitima, em função dos fins a que se destina. O raciocínio teleológico há de incluir então, necessariamente, a fixação dos escopos do processo, ou seja, dos propósitos norteadores da sua instituição e das condutas dos agentes estatais que o utilizam.

[...]

Em outras palavras: a perspectiva instrumentalista do processo é teleológica por definição e o método teleológico conduz invariavelmente à visão do processo como instrumento predisposto à realização dos objetivos eleitos. (DINAMARCO, 1996, p.149/150)

Aqui o procedimento seria um mero elemento extrínseco e formal em razão da sucessão de atos realizados no bojo do processo, donde, segundo o mesmo autor:

O procedimento é o amálgama que funciona como fator de coesão do sistema, cooperando na condução do processo sobre os trilhos dessa conveniente participação do juiz e das partes (aqui, incluído o Ministério Público). Compreende-se que seja relativo o valor do procedimento em face desses objetivos, sendo vital a interpretação inteligente dos princípios e a sua observância racional de cada caso; é a instrumentalidade do próprio procedimento ao contraditório e demais valores processuais a serem preservados em prol da efetividade do processo.  (DINAMARCO, 1996, p.290)

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Entretanto, mesmo considerando o juiz como sujeito processual na condição de representante do Estado na função jurisdicional, cumpre ressaltar que inexiste relação jurídica entre este e as partes, eis que somente estas últimas têm interesse nas conseqüências advindas do provimento final. Os poderes e deveres do juiz não se assemelham aos das partes, mas decorrem unicamente da lei e dos poderes por ela atribuídos ao Estado.

Ademais, a jurisdição é “[...] instrumento do Processo e não vice e versa [...]” conforme ensina Leal (2005a, p.93), uma vez que somente o processo poderá lhe conferir validade, legitimidade e legalidade, sendo certo que todo e qualquer procedimento utilizado em razão de um processo legislativo, judicial ou administrativo deverá ser revestido de tais atributos, sob pena de abuso de poder por parte de quem o coordena.

Desta forma, torna-se enfraquecida a teoria em comento, visto que não tratou de forma acurada a natureza jurídica do processo, que, conforme será apresentado a seguir, significa uma espécie do gênero procedimento, devendo ser realizado pelos interessados na solução da lide em simétrica paridade e em razão do contraditório. Tal fato garante que o ato jurisdicional imperativo – provimento – seja emanado pela autoridade julgadora somente após o esgotamento das atividades preparatórias que dele antecedem, sendo garantida a ampla discussão entre as partes, o que não ocorre de forma plena em uma teoria de relação jurídica processual.

2.4. PROCESSO COMO SITUAÇÃO JURÍDICA

Goldschimidt foi o fundador desta teoria no início do século passado, segundo o qual afirmava que o processo estruturava-se em situações jurídicas decorrentes de fatos ou atos jurídicos produzidos segundo normas pré-estabelecidas em lei.

Entendia-se que o processo seria desenvolvido nos moldes de um “duelo”, onde os adversários deveriam travar uma batalha em busca da vitória. Os atos processuais somente ocorreriam se houvesse uma possibilidade, probabilidade ou até mesmo esperança de êxito da parte.

Esta linha de pensamento caracterizou-se pela idéia de que a sentença não deveria guardar necessariamente relação com as situações ocorridas no processo eis que, para o próprio Goldschimidt, citado por Leal, a sentença “é uma conseqüência não-jurídica, mas judicial [...].” (GOLDSCHIMIDT apud LEAL, 2005a, p.94)

Por outro lado, caso houvesse uma falha do julgador, não haveria violação à lei processual, visto que o processo era de livre comando deste. Contudo, uma possível sanção se daria segundo as normas de direito material.

Segundo Leal, o jurista francês Roubier polemizou a teoria de Goldschimidt ao afirmar que,

[...] as situações jurídicas, para sua legitimidade, validade e eficácia, devem obviamente surgir de atos jurídicos antes definidos em lei e aptos a provocar direitos e não de atos estratégicos das partes para supostamente gerarem a seu favor esperanças e possibilidades de serem acolhidos, a final (sic), pela sentença. (LEAL, 2005a, p.94)

Tal afirmação representou uma revolução para esta teoria. Contudo, embora tenha se mostrado diametralmente oposta à escola instrumentalista, ao demonstrar a impossibilidade de existência de vínculos subordinativos entre sujeitos do processo, não conseguiu se firmar por relegar a estrutura normativa que embasa o exercício da jurisdição e, consequentemente, o procedimento, meio pelo qual o atos preparatórios serão realizados em razão do contraditório e em busca de um justo provimento jurisdicional.

2.5. PROCESSO COMO PROCEDIMENTO EM CONTRADITÓRIO

A presente teoria foi elaborada por Elio Fazzalari e, hodiernamente, tem sido aceita por inúmeros processualistas, dada profundidade e consistência em suas bases doutrinárias.

Diferentemente da teoria de Bülow, uma nova reflexão acerca do que vem a ser processo e procedimento veio à tona com os estudos do jurista italiano, que, sem dúvida, obteve importante contribuição de Aroldo Plínio Gonçalves, jurista brasileiro que pioneiramente trouxe para o direito processual pátrio a revolucionária teoria.

Em estudo sobre processo e procedimento, Fazzalari apresenta sutil crítica à teoria da relação processual, onde observa:

Os processualistas têm sempre dificuldade, por causa da imponência do fenômeno (a trave no próprio olho...), de definir o “processo” (esquema da disciplina de sua competência) e permaneceram ligados, ainda durante alguns decênios do século passado, do século passado, ao velho e inadequado clichê pandetístico da “relação jurídica processual”. E quando, finalmente, mudaram o conceito de “procedimento”, oferecido pelos juspublicistas, não colheram nem aprofundaram, no seu âmbito, um conceito completo de “processo”. (FAZZALARI, 2006, p.111)

Segundo o mesmo autor, o procedimento embasa-se sob três angulações: norma, ato e posição. A primeira corresponde à sua estrutura legal que regula toda a atividade do procedimento. A segunda se refere à uma seqüência de atos que são previstos e valorados pelas normas. A terceira supõe a existência de faculdades, poderes, deveres e demais posições subjetivas passíveis de serem colhidas das normas em discurso.

Nas palavras de Gonçalves, o procedimento

[...] é uma atividade preparatória de um determinado ato estatal, atividade regulada por uma estrutura normativa, composta por uma seqüência de normas, de atos e de posições subjetivas, que se desenvolvem em uma dinâmica bastante específica, na preparação de um provimento. (GONÇALVES, 1992, p.102)

Deste modo, para que o ato imperativo do Estado – provimento – tenha validade e eficácia perante seus administrados, segundo esta teoria, torna-se necessária a estrita observância da atividade preparatória, ora regulada por uma estrutura normativa, e, sobretudo, que as partes tenham desenvolvido uma dinâmica específica e concorrido para sua formação e posterior conclusão.

No que tange à questão da posição do sujeito em relação à norma, ou seja, do direito subjetivo, Gonçalves apresenta a visão do idealizador da presente teoria, manifestamente oposta ao posicionamento instrumentalista do processo, para quem,

[...] FAZZALARI extrai o conceito de direito subjetivo, não como um poder sobre a conduta alheia, ou de direito à prestação decorrente de relação jurídica, mas como uma posição de vantagem do sujeito assegurada pela norma, posição que se apreende pelo “objeto do comportamento” descrito na norma relacionado com o sujeito. Se da norma decorre uma faculdade ou um poder, para o sujeito, sua posição de vantagem incide sobre o objeto daquela faculdade ou daquele poder que a norma lhe conferiu. (GONÇALVES, 1992, p.106)

Esta posição subjetiva nada mais é senão a posição dos sujeitos processuais perante a lei que compõe a estrutura normativa, de modo a qualificar suas condutas em poderes ou faculdades, como também valorá-las entre lícitas ou devidas. Juntamente com esta posição subjetiva, os atos também devem ser realizados em razão da normatização que os definem segundo uma seqüência, ou seja, a ocorrência de um ato pressupõe a realização válida e exaurida do anterior, o que se permite concluir que um ato realizado em dissonância com a norma será revestido de invalidade.

Neste particular, um novo elemento aparece para compor o procedimento: o contraditório ou, como afirma Fazzalari, “estrutura dialética do procedimento”, segundo o qual “[...] consiste na participação dos destinatários dos efeitos do ato final em sua fase preparatória; na simétrica paridade de suas posições; na mútua implicação das suas atividades [...].” (FAZZALARI, 2006, p.119)

Desta forma, conclui-se que não basta a garantia do contraditório, ou seja, dizer e contradizer no bojo do procedimento, mas também a necessária e simétrica paridade de armas entre as partes litigantes, como medida democrática e igualitária que deve ser resguardada em quaisquer espécie de processos (administrativo, legislativo, judicial, etc...). Ressalta-se que apenas os contraditores são os sujeitos interessados no provimento, isto é, não há participação do juiz nesta dinâmica, por este ser apenas um mero sujeito do processo.

Uma vez conceituado o procedimento a partir de suas essenciais características, cumpre definir o processo, que se apresenta como espécie daquele, segundo defende a presente teoria.

O processo é o procedimento realizado em contraditório, onde as partes atuarão de modo equânime a fim de construírem, sob uma dinâmica específica e normatizada, o comando final imperativo – o provimento jurisdicional.

Na mesma linha, o entendimento extraído do trabalho acadêmico de Neves:

Pode-se afirmar, desde logo, que há processo sempre que o procedimento realizar-se em contraditório entre os interessados, e a essência deste está na simétrica paridade da participação, nos atos que preparam o provimento, daqueles que nele são interessados porque, como seus destinatários, sofrerão os efeitos em suas universalidades de direitos. (NEVES et al, 2007, p.243)

Para distinguir ambos institutos, Fazzalari esclarece:

Não basta, para distinguir o processo do procedimento, o relevo que no processo tem a participação de mais sujeitos, cujos atos que o constituem são movidos não somente pelo autor do ato final, mas também por outros sujeitos. Como ressaltado, quando se fala em procedimento “plurissubjetivo”, refere-se ao esquema de atividade em seqüência, movida por mais sujeitos, que se distingue do esquema do verdadeiro e próprio processo. De resto, ninguém considera que a participação do privado consiste no pedido de licença de caça, e a participação do órgão consultivo que fornece ao autor do provimento o próprio parecer transforme o procedimento em processo. É necessária alguma coisa a mais e diversa; uma coisa os arquétipos do processo nos permitem observar: a estrutura dialética do procedimento, isto é, justamente o contraditório. (FAZZALARI, 2006, p.119)

Nesta ordem, entende-se que todo processo deve ser realizado sob um procedimento em contraditório, mas nem todo procedimento terá em si um processo e, quanto menos, o contraditório, dada a sua maior abrangência e variedade de classes, onde se encontra inserida e classe dos processos.

 Esta teoria trouxe, portanto, importantes inovações para o estudo, reflexão e desenvolvimento da Ciência do Processo, o que por certo fará parte da essência do presente trabalho.

2.6. TEORIA CONSTITUCIONALISTA DO PROCESSO

Esta teoria foi desenvolvida por Couture, Fix-Zamudio, Canotilho, Baracho e Andolina, em virtude do qual defendem que o processo apresenta-se necessariamente como uma instituição constitucionalizada em um Estado Democrático de Direito, instituição esta estruturada na principiologia do devido processo legal e seus corolários, quais sejam: reserva legal, ampla defesa, isonomia e contraditório.

Nestes termos, torna-se inegável a concepção de que o Direito Processual, como ramo do direito público, possui ampla guarida no texto constitucional, que institui os princípios, determina a estrutura dos órgãos jurisdicionais e garante a presença de uma prestação jurisdicional equânime e justa para os cidadãos que dela necessitam.

Consoante a doutrina de Baracho:

A relação existente entre a Constituição e Processo é apontada por vários publicistas, desde que o texto fundamental traça as linhas essenciais do sistema processual consagrado pelo Estado. [...] A jurisprudência e a doutrina preocupam-se, cada dia mais, com os direitos fundamentais, daí a necessidade de medidas processuais que tenham como finalidade tutelar a liberdade, a igualdade e a dignidade, inspirando-se em princípios de justiça individual e social. (BARACHO, 1984, p.122)

O direito processual constitucional abrange, segundo Cintra, Grinover e Dinamarco, “[...] de um lado, (a) a tutela constitucional dos princípios fundamentais da organização judiciária e do processo; (b) de outro, a jurisdição constitucional.” (2004, p.79) A primeira refere-se às normas constitucionais que dispõem acerca dos órgãos da jurisdição, bem como os direitos de ação, defesa e os demais direitos ligados ao processo previstos na Carta Magna. Já segunda, segundo os mesmos autores, tratam do “[...] controle judiciário da constitucionalidade das leis – e dos atos da Administração, bem como a denominada jurisdição constitucional das liberdades, com o uso dos remédios constitucionais-processuais – ‘habeas corpus’, mandado de segurança, mandado de injunção, ‘habeas data’ e a ação popular”. (2004, p.79/80)

Nesse sentido, a teoria constitucionalista do processo defende que as normas constitucionais somente terão obrigatoriedade e eficácia em sua exequibilidade, quando por ela forem criados meios capazes para tanto. É para isso que o Direito Processual Constitucional tem por escopo o estudo das garantias previstas na Constituição.

Para Andolina, a busca pelas garantias constitucionais é de grande valia para o estudo e aprimoramento do processo, eis que “de um lado, de fato, a estrutura processual-constitucional enriqueceu-se de garantias mais plenas, no momento em que foi se adequando ao modelo de ‘processo justo’ postulado pelas Cartas internacionais e transnacionais.” (ANDOLINA, 1997, p.66)

Já Fix-Zamudio, citado por Baracho, entende que existem duas categorias de garantias constitucionais processuais, a saber:

a) as que têm por finalidade a tutela dos direitos da pessoa humana em sua dimensão individual e social, consagradas sob a denominação de jurisdição constitucional da liberdade, tendo em vista a forma de sua efetivação, e

b) a parte composta pelo conjunto de instrumentos processuais dirigidos para lograr o cumprimento efetivo das disposições constitucionais, que estabelecem os limites de atribuição dos órgãos do poder, o que tem sido designada como parte orgânica das Constituições, denominada Jurisdição Constitucional Orgânica. (FIX-ZAMUDIO apud BARACHO, 1984, p.129)

Desta forma, pode-se concluir que o processo é tão importante para o direito que até mesmo para a constituição de sua Lei Maior, torna-se imperiosa a observância de sua elaboração sob um regime democrático, onde sejam assegurados o debate, a isonomia entre as classes, a igualdade entre os destinatários da norma, a ampla defesa e contraditório daqueles que desejam insurgir na presença de uma ilegalidade, ou seja, o devido processo legislativo precede a construção da Constituição de uma República Democrática ou, nas palavras de Leal, de um “provimento final denominado lei” (2005a, p.99), sendo esta fruto do império da soberania popular.

Na mesma linha de raciocínio, Couture, citado por Baracho, leciona que o processo

[...] é por si mesmo instrumento de tutela do direito, que se realiza através das previsões constitucionais. A Constituição pressupõe a existência do processo, como garantia da pessoa humana. Ao ver o processo como garantia constitucional, fundamenta que as Constituições do século XX, com poucas ressalvas, reconhecem a proclamação pragmática do princípio do direito processual como necessário, no conjunto dos direito da pessoa humana e as garantias respectivas. (COUTURE apud BARACHO, 1984, p.125)

Esta teoria é de grande valia para o estudo e reflexão do processo contemporâneo, mormente o brasileiro, que, infelizmente, tem caminhado na contramão do sistema normativo e das garantias constitucionais, o que será aprofundado oportunamente quanto ao objeto do presente trabalho.

2.7.  TEORIA NEO-INSTITUCIONALISTA DO PROCESSO

A presente teoria é uma proposição elaborada por Leal, para quem a denominação jurídica processo se torna uma instituição constitucionalizada formada pela conjugação de princípios e institutos jurídicos presentes ou próximos à Constituição. Para o teórico,

[...] uma teoria neo-institucionalista do processo só é compreensível por uma teoria constitucional de direito democrático de bases legitimantes na cidadania (soberania popular) [...]. É claro que uma teoria com todas essas características passaria pelo exercício de uma completa cidadania como conquista teórica constitucionalizada de produzir direitos fundamentais em enunciados jurídicos processualmente decididos.” (LEAL, 2005a, p.100)

Nesse sentido, a garantia dos direitos ínsitos ao instituto processo constitucional decorreria apenas de uma conquista histórico-jurídica impassível de retroceder em seus fundamentos pela autoridade dos três Poderes, sob qualquer motivação. Isto quer dizer que a atividade jurídico-procedimental somente admitiria avanços em sua estrutura pela única fonte legítima de poder: a soberania popular.

Pela teoria, o fato de grande parte do povo não ter acesso ao conhecimento dos direitos processuais por motivos de exclusão social ou cognitiva, não obsta a sua participação nas instituições democráticas, sendo imperioso torná-lo apto, segundo os direitos fundamentais previstos na Constituição, “[...] a conjecturar, concretizar ou recriar o discurso da Lei Constitucional Democrática” (LEAL, 2005a, p.101), conforme observa o seu idealizador.

Segundo o mesmo autor, os direitos criados e expressos no Texto Constitucional, como o contraditório, a ampla defesa, a isonomia, o direito ao advogado e o livre acesso à juridicionalidade devem compor o processo, enquanto instituição constitucionalizada e estruturada sob o pleno exercício da cidadania e da democracia, o que faz o mesmo a concluir que são impraticáveis os conceitos dos velhos regimes do Estado de Direito ou Estado Social, visto que:

A Teoria Neo-Institucionalista preconiza fiscalidade (controle de constitucionalidade aberto a qualquer do povo) do processo legiferante nas bases instituintes e constituintes da legalidade, bem como na atuação, modificação, aplicação ou extinção do direito constituído e trabalha a socialização do conhecimento crítico-democrático em pressupostos (direito fundamental) de auto-ilustração (dignidade) pelo exercício da cidadania como legitimação ao direito-de-ação coextenso ao procedimento processualizado. (LEAL, 2005a, p.105)

Ademais, a presente teoria suscita o enfraquecimento do “poder” das elites dirigentes e até mesmo judicantes, com a aplicação efetiva do princípio constitucional da reserva legal do processo, para qual o autor entende ser “o eixo fundamental da previsibilidade das decisões”, pois,

[...] a institucionalização constitucional do Processo acarreta a impessoalização das decisões, porque estas, assim obtidas, se esvaziam de opressividade potestativa (coatividade, coercibilidade) pela deslocação de seu imperium (impositividade) do poder cogente da atividade estatal para a conexão jurídico-política da vontade popular constitucionalizada. (LEAL, 2005a, p.102)

Nestes termos, a presente teoria se mostra completamente diversa das outras, como afirma o seu próprio idealizador, uma vez que aquelas se propuseram unicamente a instrumentalizar soluções dos conflitos da sociedade sem, contudo, buscar a inclusão do processo em todos os direitos fundamentais dos cidadãos, representando entre os seus destinatários “[...] a tirania da ocultação dos problemas jurídicos e não sua resolução compartilhada.” (LEAL, 2005a, p.102)

Portanto, as linhas defendidas por Leal, apesar de complexas, se mostram como uma possível solução para os problemas pelos quais padece o sistema do direito processual pátrio, sendo de grande valia para a defesa da soberania popular – enquanto força legitimada ao poder – em um Estado Democrático de Direito.

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Sobre o autor
Francisco Rabelo Dourado de Andrade

Advogado. Pós-Graduado em Direito Público pela PUC/Minas. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho/RJ. Mestrando em Direito Processual pela PUC/Minas. Sócio do escritório Dourado, Oliveira e Neder Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Francisco Rabelo Dourado. Da inconstitucionalidade da súmula impeditiva de recursos:: uma análise crítica sobre parágrafo primeiro do Art. 518 do Código de Processo Civi. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3752, 9 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25480. Acesso em: 19 abr. 2024.

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