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Acumulação de cargos de policial militar e professor sob uma interpretação sistemática da Constituição Federal

25/10/2013 às 07:08
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Aborda-se a cumulatividade de cargos de policial militar e de professor (efetivo ou emergencial) da rede estadual de ensino e a consequente cumulação de vencimentos.

Introdução

Versa o artigo sobre a cumulatividade ou não de cargos de Policial Militar e de Professor (efetivo ou emergencial) da rede estadual de ensino, e a conseqüente cumulação de vencimentos de policial militar e salário de professor.


Do caso concreto

Tomemos como paradigma um Militar Estadual – ME, cuja carga horária é regulada pela Constituição do Estado do Rio Grande do Sul (40 horas semanais) e um contrato emergencial de professor da rede pública estadual, cuja carga horária é de 20 horas semanais, para ministrar aulas da disciplina de história, v.g..

Em relação aos Militares lato sensu, estabelece a Constituição Federal – CF regra geral de impossibilidade de acumulação de cargos ou emprego de natureza civil, in verbis:

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente será transferido para a reserva, nos termos da lei;

Tal regra é aplicável aos Militares dos Estados, ut disposição do art. 42, § 1º da carta magna.

Entretanto, numa interpretação sistemática da Constituição Federal, a disciplina sobre acumulação de cargos públicos está elencada no artigo 37 (norma especifica do Servidor Público – civil) e nos art. 39 a 41, e norma especifica dos Militares dos Estados (art. 42).

Em relação a acumulação de cargos públicos, disciplina o art. 37, XVI, in verbis:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI:

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro, técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

No mesmo art. 37, § 10º, ao tratar da acumulação de proventos e remuneração, explicita que no caso do policial militar (art. 42) é possível a acumulação, nas hipóteses do inciso XVI, in verbis:

§ 10. É vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública,  ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

Vê-se, portanto, que a disciplina de cumulatividade não se esgota na regra geral do art. 142, § 3º, II, mas se estende pelo texto constitucional in totum.

Se o Constituinte regrou a exceção da cumulatividade de proventos e remuneração do ME no § 10 supra, o fez por entender que o fato do agente público ser ME não lhe tolhe a cumulatividade de proventos e remuneração.

Se assim o fizesse, suficiente seria a disciplina geral de proibição do art. 142, § 3º, II.

Mas e o ME ativo, poderia cumular cargos públicos?

Pela regra geral, não.

Mas ao ME deve ser aplicado o disposto no art. 37, XVI, exceção à regra geral, ou seja, é possível acumular o cargo de ME com as exceções do citado artigo, desde que o cargo de ME seja considerado técnico ou científico. Outra interpretação do texto constitucional, s.m.j., levaria a colisão de normas, que podem muito bem ser compatibilizadas.

O cargo técnico ou científico exige formação especifica para seu desempenho, cabendo indagar se o cargo de Policial Militar encontra guarida na exceção constitucional da letra “b” supra.

A formação do policial militar realiza-se no Curso Básico de Formação Policial Militar, cujo requisito de ingresso é o ensino médio completo[1], tendo disciplinas nas mais diversas áreas do conhecimento, como direito penal e processual penal, comum e militar, direito constitucional, administrativo, medicina legal, defesa armada e pessoal, preenchendo, portanto, o requisito constitucional.

Neste sentido, permitindo a cumulação de cargos de policial militar e médico (mesma exceção do de professor), decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

VOTO N° 10798-B

APELAÇÃO COM REVISÃO N° 140.736.5/9-00

COMARCA: SÃO PAULO

APELANTE: MARLY PEREIRA DOS SANTOS

APELADO: COMANDANTE GERAL DA POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DE SÃO PAULO

Mandado de Segurança - Médica que acumula dois cargos privativos de médico no Hospital da Polícia Militar e na Unidade Básica de Saúde - Possibilidade - Acumulação admitida Cargos da área da saúde e compatibilidade de horários - Inteligência do disposto no art 37, XVI, CF/88 - Sentença denegatória reformada - Recurso da impetrante provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 990.10.294334-8, da Comarca de Jaú, em que é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO sendo apelado JOSÉ ALVES SILVEIRA. ACORDAM, em 13a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores BORELLI THOMAZ (Presidente sem voto), FERRAZ DE ARRUDA E IVAN SARTORI.

São Paulo, 22 de setembro de 2010.

LUCIANA BRESCIANI

RELATORA

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Apelação Cível n° 990.10.294334-8

Apelante(s): FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Apelado(s): JOSÉ ALVES SILVEIRA

Comarca/Vara: JAÚ/2a VARA CÍVEL

Juiz prolator: JOSUÉ MODESTO PASSOS

VOTO N° 2.760

Policial militar da reserva - Acumulação de cargos - Pretensão ao acúmulo de proventos com remuneração da função de professor substituto - possibilidade - Vedação do artigo 37, §10 da Constituição Federal - não configurada na espécie - Recurso improvido. Trata-se de ação de rito ordinário ajuizada por militar da reserva e que, no início de 2007, inscreveu-se para o cargo de professor substituto, mas teve o pedido indeferido sob alegação de acúmulo ilegal em razão de funções incompatíveis. Requereu a antecipação da tutela e, ao final, a procedência da ação para condenar a ré a acolher o autor nos quadros de professor substituto e/ou efetivo (após prévia aprovação em concurso público) das unidades escolares do Estado de São Paulo que este escolher, permitindo, assim, o exercício do direito de lecionar por todos os anos que o autor entender viáveis.

A ação foi julgada procedente (fls. 92/93).

Recorreu o Estado de São Paulo (fls. 95/103), pleiteando a reforma da sentença.

O recurso foi regularmente processado e respondido (fls. 121/134).

E o relatório.

Trata-se de ação de rito ordinário ajuizada por integrante dos quadros da Polícia Militar, especificamente do Corpo de Bombeiros, que ingressou na carreira em 02.08.1977 e passou para a reserva em 18.08.2006, no posto de 2o Tenente. No início do ano de 2007 inscreveu-se para o cargo de professor substituto, mas teve o pedido indeferido sob alegação de acúmulo ilegal em razão de funções incompatíveis. Requereu a antecipação da tutela e, ao final, a procedência da ação para condenar a ré a acolher o autor nos quadros de professor substituto e/ou efetivo (após prévia aprovação em concurso público) das unidades escolares do Estado de São Paulo que este escolher, permitindo, assim, o exercício do direito de lecionar por todos os anos que o autor entender viáveis.

A ação foi julgada procedente nos seguintes termos: Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido e declaro a validade da cumulação do cargo de professor, desde que preenchidos os requisitos necessários, com a condição do autor de policial militar reformado. Arcará a ré com honorários advocatícios arbitrados em R$ 1.000,00, nos termos do artigo 20, parágrafo quarto do CPC.

O apelo do Estado de São Paulo merece provimento.

A regra em nosso sistema é a impossibilidade de cumulação de cargos.

A acumulação de cargos, em casos excepcionais, é disciplinada na Constituição Federal, artigo 37, inciso XVI, in verbis:

XVI - é vedada a acumulação remunerada de cargos públicos, exceto, quando houver compatibilidade de horários, observado em qualquer caso o disposto no inciso XI.

a) a de dois cargos de professor;

b) a de um cargo de professor com outro técnico ou científico;

c) a de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas;

Especificamente quanto ao acúmulo de proventos de aposentadoria e a remuneração de cargo, emprego ou função pública, estabeleceu o §10, do artigo 37 da Constituição Federal: § 10. E vedada a percepção simultânea de proventos de aposentadoria decorrentes do art. 40 ou dos arts. 42 e 142 com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma desta Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

O autor sustenta que seu cargo era de natureza técnica e, portanto, possível a acumulação com o cargo de professor.

O Decreto n° 41.915, de 2 de julho de 1997, dispõe sobre acumulações remuneradas de cargos, empregos e funções no âmbito do serviço público estadual e define em seu artigo 4o que: Artigo 4° - Para fins de acumulação remunerada considera-se cargo técnico ou científico aquele que exige, para o seu exercício, conhecimentos específicos de nível superior ou profissionalizante correspondente ao segundo grau de ensino.

Parágrafo único - A simples denominação de "técnico" ou "científico" não caracterizará como tal o cargo que não satisfizer as exigências deste artigo.

Portanto, não basta o nome "função técnica operacional" (fls. 17) ou "seção de serviço técnico" para restar caracterizado o cargo técnico para fins de acúmulo de cargos.

O apelado é policial militar, o que demanda conhecimento específico, tanto que ministrado curso como parte integrante do concurso, e, se tal não fosse, com maior razão, a função de bombeiro, dentre as da corporação, efetivamente exercida pelo autor. A passagem para a inatividade, por sua vez, como bem destacado, afasta a necessidade de verificação da compatibilidade de horário.

Acerca da matéria, julgados deste E. Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA - Anulação de ato administrativo - Policial militar reformado impedido de exercer as funções de professor - Indeferimento pela Administração sob alegação de acúmulo de funções - Inexistência de acumulação em face da aposentadoria - Precedentes desta corte - Sentença concessiva - Recursos oficial e voluntário não providos. (Apelação Com Revisão 4253325200, Relator Desembargador Reinaldo Miluzzi, 10ª Câmara de Direito Público, j . 07.07.2008).

REEXAME NECESSÁRIO – Considerado interposto, nos termos do parágrafo único do artigo 12 da Lei n" 1.533/51. APELAÇÃO CÍVEL - Mandado de Segurança - Recebimento concomitante de vencimentos e proventos - Policial militar reformado impedido de exercer as funções de professor na rede pública estadual - Alegação de acúmulo de funções - Possibilidade - Inteligência do artigo 37, § 10, c.c inciso XVI, alínea "b", da Constituição Federal - Existência de permissivo constitucional a amparar a cumulação - Manutenção do decisum, ainda que sob fundamentos diversos - Reexame necessário e recurso da FESP improvidos. (Apelação Com Revisão 994040573931, Relator Desembargador Osvaldo de Oliveira, 12a Câmara de Direito Público, j . 21.10.2009).

FUNCIONÁRIO PÚBLICO ESTADUAL - Acumulação de cargos - Magistério - Militar da aeronáutica – Segurança concedida - Possibilidade - Exercício de cargo técnico - Artigo 37, XVI, b, da Constituição Federal - Recursos desprovidos. (Apelação Com Revisão 994030253247, Relator Desembargador Samuel Júnior, 2a Câmara de Direito Público, j . 29.05.2007).

O alegado caráter precário da nova contratação, para atender necessidade de reposição de professores temporariamente ausentes, apenas reforça a falta de elementos que justifiquem seja negado provimento ao recurso do autor. interessante notar que estamos diante de duas funções nobres e mal remuneradas pelo Estado, de modo que o acúmulo sequer atingirá o teto. Não se vislumbra prejuízo ao Estado ou ofensa ao espírito da norma invocada. Por estes fundamentos, pelo improvimento ao recurso do Estado de São Paulo.

A jurisprudência no STF é uníssona no sentido de que, em relação a cumulação de cargos e de remuneração e proventos, deve haver simetria com o disposto no art. 37, XVI da CF. Vide o disposto no RE 382.389-2, relatora Ministra Ellen Gracie.


Conclusão

A regra geral de inacumulatividade de cargo e emprego público pelos ME está disposta no art. 142, § 3º, II da CF;

Em relação ao ME inativo, há possibilidade de cumulação de proventos e remuneração percebidas nas exceções do art. 37, XVI da CF;

Em relação ao ME ativo, havendo compatibilidade de horário, é constitucional a cumulatividade de cargo de Policial Militar e de cargo ou emprego público das exceções do art. 37, XVI da CF.


Nota

[1] Lei Complementar Estadual do RS nº 10.992: Art. 11 - Fica instituída a carreira dos Servidores Militares Estaduais de Nível Médio, integrada pelo Quadro de Primeiro-Tenentes de Polícia Militar - QTPM e pelas Qualificações Policiais-Militares - QPM - para Praças, composta, respectivamente, por posto e graduações, com exigência da escolaridade de 2º Grau do ensino médio, a qual possibilitará o acesso ao grau hierárquico de Primeiro-Tenente.

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Sobre o autor
Rafael Monteiro Costa

capitão da Polícia Militar do Estado do Rio Grande do Sul, especialista em Direito Processual Civil, Ambiental, Penal e Processual Penal pela ULBRA de Canoas (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rafael Monteiro. Acumulação de cargos de policial militar e professor sob uma interpretação sistemática da Constituição Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3768, 25 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25568. Acesso em: 19 mar. 2024.

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