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Sanando a dúvida: redes de varejo podem limitar a oferta de produtos em promoção?

11/11/2013 às 09:10
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Analisa-se a possibilidade conferida às redes varejistas no tocante à limitação da oferta de produtos em promoção, inexistindo ofensa ao art. 39, I, do Código de Defesa do Consumidor.

Dúvida bastante comum entre consumidores de todo o Brasil diz respeito às limitações na oferta de produtos pelas redes de supermercados. Nesse caso, o fornecedor anuncia determinado produto a um preço bem abaixo do que é normalmente praticado, mas, em contrapartida, limita sua aquisição a determinada quantidade por adquirente.

Ilustrando, determinado supermercadista anuncia o óleo de soja a R$ 2,00, produto que, normalmente, custa em média R$ 3,00 cada unidade. Contudo, limita a aquisição a 10 unidades/cliente.

Essa prática é lícita ou contraria as disposições do Código de Defesa do Consumidor? Note-se o que diz o art. 39, I, do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

Pois bem, é possível perceber que a hipótese cuida do condicionamento da aquisição do produto ao limite imposto pelo fornecedor (parte final do inciso I).

Parcela da doutrina entende que essa proibição é absoluta, não sendo possível, em hipótese alguma, que o fornecedor limite a aquisição.

No entanto, outra corrente entende que tal proibição por parte do CDC não é absoluta, como nos revela o próprio preceito legal, ao fazer a ressalva da “justa causa”. Esse, inclusive, é o entendimento de Antônio Hermann de Vasconcellos e Benjamin, hoje ministro do Egrégio STJ (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8a. ed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004, p. 369).

Mas qual seria essa justa causa?

Um dos princípios que informam o Código de Defesa do Consumidor é o princípio da dimensão coletiva, entendido como sendo aquele que prestigia a proteção da coletividade, ainda que em detrimento de outrem, fazendo com que o interesse coletivo prevaleça sobre o individual. No que interessa ao estudo, recorde-se que a Política Nacional das Relações de Consumo tem como um dos seus fundamentos a harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo, sempre com base na boa-fé (art. 4º, III, do CDC).

Assim sendo, o CDC não deve ser lido apenas como norma destinada a atender os interesses dos consumidores em relação aos fornecedores, mas também nas relações dos consumidores entre si (eficácia horizontal). Todos os consumidores fazem parte de um todo, e nesse ponto destaca-se a boa-fé como via de mão dupla, significando que o consumidor deve ter consciência de que outros consumidores também têm necessidades.

Ora, no exemplo citado, se um único consumidor se dirige até o estabelecimento ofertante, e em razão de sua exclusiva vontade e capacidade econômica adquire todo o estoque de óleo em promoção, estará prejudicando os demais membros de sua comunidade. Por isso, é justo que a oferta seja limitada a certa quantidade por cliente. Essa seria uma “justa causa” como referido no inciso I, do art. 39, do CDC.

Por fim, o STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema, conforme excerto abaixo:

A falta de indicação de restrição quantitativa à oferta de determinado produto, pelo fornecedor, não autoriza o consumidor a exigir quantidade incompatível com o consumo individual ou familiar, nem, tampouco, configura dano ao seu patrimônio extramaterial (REsp. 595.734/RS, Rel. originária Min. Nancy Andrighi, Rel. para o acórdão Min. Castro Filho, DJ 28/11/2005).

Percebe-se que o STJ adota outro fundamento para acrescentar às considerações tecidas até aqui, qual seja, a quantidade a ser adquirida deve ser compatível como consumo individual ou familiar. Em outras palavras, deve-se pautar dentro de critérios de razoabilidade para que a norma em comento seja invocada em favor do consumidor.

Outra justa causa para essa espécie de limitação é suscitada por Rizzato Nunes, citado por Leonardo de Medeiros Garcia, entendendo aquele autor ser justificável a limitação em épocas de crise (justa causa), de modo que a população não deixe de ser devidamente abastecida, evitando-se, assim, o prejuízo da coletividade de consumidores (Direito do Consumidor: código comentado e jurisprudência. 7ª ed. rev. amp. e atual. Niterói: Impetus, 2011, p. 282).

Finalmente, ao estudiosos do Direito do Consumidor, e ao próprio consumidor, ficam estas breves considerações sobre o tema. Não sendo o fornecedor um atacadista, não há razão para que o cliente adquirira produtos promocionais por atacado. O varejo objetiva suprir o máximo de consumidores possível, de modo a atender às necessidades da coletividade.

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Sobre o autor
Vitor Guglinski

Advogado. Professor de Direito do Consumidor do curso de pós-graduação em Direito da Universidade Cândido Mendes (RJ). Professor do curso de pós-graduação em Direito do Consumidor na Era Digital do Meu Curso (SP). Professor do Curso de pós-graduação em Direito do Consumidor da Escola Superior da Advocacia da OAB. Especialista em Direito do Consumidor. Membro do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon). Ex-assessor jurídico do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Autor colaborador da obra Código de Defesa do Consumidor - Doutrina e Jurisprudência para Utilização Profissional (Juspodivn). Coautor da obra Temas Actuales de Derecho del Consumidor (Normas Jurídicas - Peru). Coautor da obra Dano Temporal: O Tempo como Valor Jurídico (Empório do Direito). Coautor da obra Direito do Consumidor Contemporâneo (D'Plácido). Coautor de obras voltadas à preparação para concursos públicos (Juspodivn). Colaborador de diversos periódicos jurídicos. Colunista da Rádio Justiça do Supremo Tribunal Federal. Palestrante. Currículo Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4246450P6

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUGLINSKI, Vitor. Sanando a dúvida: redes de varejo podem limitar a oferta de produtos em promoção?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3785, 11 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25681. Acesso em: 19 abr. 2024.

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