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Tráfico: sursis e regime aberto – possibilidades concretas

09/11/2013 às 13:14

Resumo:


  • A Lei nº 11.343/06 trouxe inovações ao mundo jurídico, como a substituição de penas privativas de liberdade por medidas educativas para usuários de drogas.

  • O artigo 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06 prevê uma causa de diminuição de pena para traficantes primários, de bons antecedentes e não ligados a atividades criminosas.

  • A nova Lei Antidrogas estabeleceu margens mínima e máxima para a redução de pena, sem definir critérios para a escolha do fator redutivo, ficando a cargo do juiz interpretar o artigo 33 da referida lei.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Análise doutrinário-legislativa, aprofundada e revisada, da Lei nº 11.343/2006, conclusiva quanto à possibilidade concreta de se fixar ao réu de tráfico ilícito de entorpecentes o regime aberto e, ainda, de outorgar-lhe a benesse do "sursis".

A Lei nº 11.343, de 24 de agosto de 2006, em vigor desde 08 de outubro do mesmo ano, ingressou no mundo jurídico com inovações, tendo os mais eminentes doutrinadores ressaltado a substituição das penas privativas de liberdade por medidas educativas para os usuários de droga; a exacerbação punitiva para os traficantes e seus investidores; a definição – com tecnicidade mais apurada – do rito processual e a criação de um tipo intermediário, dirigido àquele que, visando o consumo em conjunto, oferece droga, ocasionalmente e sem finalidade de lucro, à pessoa de seu relacionamento.

Todavia, a constatação de agravamento penal para o tráfico, alardeada por muitos, não é absoluta e deve ser analisada com toda acuidade.

O § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06, com ineditismo, passou a prever causa de diminuição de pena para o traficante que seja “...primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa”.

Ao contrário dos dois primeiros requisitos, as condições “não se dedique às atividades criminosas” e “nem integre organização criminosa” não servirão para afastar a aplicação da nova causa de diminuição de pena.

Explica-se:

A primeira porque nitidamente vazia, destituída de qualquer conteúdo útil ou prático, especialmente em função da coexistência da exigência da primariedade e da inexistência de antecedência criminal. A outra condição, relativa a “não integrar organização criminosa”, encontra-se significativamente afetada, por força da atual falta de conceituação legal de crime organizado ou de organização criminosa.

Desse modo, vislumbrada a cumulatividade da primariedade e da antecedência criminal favorável, malgrado o § 4º estabeleça que as penas “poderão” ser reduzidas, emergirá ao agente o direito público subjetivo de agraciar-se com a nova causa de diminuição de pena.

No que toca ao quantum redutivo, circunscrito a 1/6 e 2/3, cumpre adiantar que deverá prevalecer o decréscimo máximo.

A lei, ao estabelecer as margens mínima e máxima, não tratou de informar os critérios para a eleição do fator redutivo e, dessa forma, somente restará ao juiz extraí-los da finalidade do § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06.

Ao que tudo indica e sugere, a norma beneficiadora está destinada àqueles que cometeram o delito como episódio esporádico em suas vidas e não optaram pela profissionalização no submundo das drogas. Logo, está reservada aos principiantes ou, no dizer de Guilherme de Souza Nucci, ao “traficante de primeira viagem”[1].

Mas, como dito alhures, a primariedade e a boa antecedência criminal, como requisitos aliados, não admitem qualquer relativização ensejadora da adoção de menor grau de diminuição, vez que, a rigor técnico, não se reconhece a figura do réu “meio-primário”.

Em outras palavras, ou o agente será beneficiado, porque é primário e (conjunção aditiva) possui bons antecedentes, ou não será favorecido, em razão da ausência de um desses dois requisitos.

Pode se dizer, sem qualquer receio, que a matéria ficará restrita a duas situações diametralmente opostas: ou o traficante receberá a benesse total de 2/3 ou não perceberá redução alguma.

Assim, como não pode a diminuição ficar atrelada apenas à discricionariedade judicial e como qualquer operação aquém do máximo redutivo impõe indispensável motivação – de questionável factualidade na espécie – tem-se que, nas hipóteses cabíveis, o mais alto abatimento será preponderante.

Tal quadro faz saltar aos olhos a primeira contradição à afirmação de que a nova Lei Antitóxicos é bem mais austera no tratamento penal ao tráfico, qual seja, a de que atualmente um traficante pode receber pena menor do que aquele que mercadejava sob a égide da Lei nº 6.368/76.

Malgrado a pena mínima do tráfico tenha sido elevada para 05 (cinco) anos, o certo é que se for primário e possuir bons antecedentes, o agente ficará obrigado ao cumprimento de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão, dada a incidência, obrigatória, do § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06.

Verifica-se, destarte, que o traficante estava anteriormente sujeito ao cumprimento da pena mínima de 03 (três) anos de reclusão e, com o advento da nova Lei Antidrogas, poderá ficar subordinado à expiação de 01 (um) ano e 08 (oito) meses de reclusão.

Ora, inegável o contrassenso na  verificação de que, a partir de 08 de outubro de 2006, os traficantes poderão receber reprimendas menores do que aqueles que perpetraram o delito antes dessa data, quando, na verdade, o Estado passou a endereçar maior reprovabilidade social ao comércio de drogas, ao majorar, v.g., as margens penais do preceito secundário do tráfico.

De outra banda, a alteração da menor pena possível para o crime de tráfico – em determinados casos, de três para um ano e oito meses de reclusão –, tornará imperativa a tomada de outra medida complacente, também em atenção ao disposto no § 4º, do artigo 33, da Lei nº 11.343/06.

Se é certo que o artigo 44, caput, da Lei nº 11.343/06 estabelece que “os crimes previstos nos arts. 33, ‘caput’ e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de ‘sursis’, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”, não menos certo é que o § 4º, do artigo 33, da referida lei, ao cuidar da nova causa de redução de pena para os delitos definidos no caput e no § 1º do mesmo artigo 33, não vedou o sursis, fazendo-o apenas e tão-somente no que diz com a conversão das corporais em restritivas de direitos.

Isso significa que, para os crimes tipificados no artigo 33, caput e § 1º, da Lei nº 11.343/06, nos casos em que a pena tenha sido reduzida (§ 4º, do citado artigo), a outorga do sursis será irrecusável, se preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos, próprios do referido instituto.

Nem se diga, já em rebate, que a disposição contida no artigo 44, caput, da Lei nº 11.343/06 seria suficiente para rechaçar a malsinada proposição de aplicabilidade da suspensão da pena (CP, artigo 77).

Se assim realmente fosse, não haveria a menor necessidade ou o mínimo proveito a repetição da proibição das restritivas de direitos no § 4º, do artigo 33, já que a mesma vedação também é expressamente compreendida no rol do artigo 44, caput, da Lei nº 11.343/06.

Não bastasse isso, corrente diversa fatalmente teria que lançar mão da analogia in malam partem, de pacífica inaplicabilidade em Direito Penal.

Noutra vertente, a Lei nº 11.343/06 acabou abrandando, consideravelmente, o regime de cumprimento de pena dos crimes nela tipificados.

Além de incorporar as vedações contidas na Lei nº 8.072/90 (Crimes Hediondos), a nova lei incluiu as proibições de outorga de sursis e de conversão das penas reclusivas em reprimendas restritivas de direitos, mas (aparentemente) nada ditou a respeito do regime de cumprimento de pena.

Embora possa parecer que a ausência de disposição redunde em mais uma lastimável omissão legislativa, a simples análise da tramitação da lei revela que a matéria foi intencionalmente suprimida.

O Projeto de Lei do Senado nº 115/2002, de autoria da Comissão Mista de Segurança Pública, dispunha originariamente que “os crimes previstos nos arts. 14, ‘caput’ e § 1º. 15, 16, 17, 18 e 19 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de ‘sursis’, graça, indulto, anistia, fiança e liberdade provisória, cumprindo-se suas penas em regime integralmente fechado, vedada sua conversão em penas restritivas de direitos” (artigo 29 - sem destaques no original).

Aprovada a redação final da matéria em 07 de agosto de 2002 e mantido integralmente o artigo 29, o projeto foi remetido à Câmara dos Deputados e, como Projeto de Lei nº 7.134/2002, foi apresentado em Plenário em 21 de agosto de 2002.

Importante anotar, nesse passo, que ao mencionado Projeto de Lei nº 7.134/2002 foi apensado projeto anterior, sob nº 6.108, de 21.02.2002 (do Poder Executivo), o qual igualmente ordenava que “as penas aplicadas aos crimes previstos nos arts. 14-A, 15-A, 16-A, 16-B, 16-C, 17-A e 18-A serão cumpridas integralmente em regime fechado” (§ 2º, do artigo 24-A – grifos adicionados).

Em 05 de fevereiro de 2004, a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania, por intermédio da relatoria do Deputado Paulo Pimenta, encaminhou novo Substitutivo ao Projeto de Lei nº 7.134/2002 e, no artigo 43, manteve intocada a redação do artigo 29, ficando assim contextualizada: “Os crimes previstos nos arts. 32, caput e § 1º, e 33 a 36 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, cumprindo-se suas penas em regime integralmente fechado, vedada sua conversão em penas restritivas de direitos” (sem destaques no original).

Em 11 de fevereiro de 2004, o relator do Projeto ofertou complementação de voto, acolhendo sugestões de alterações ao Substitutivo, destacando-se a proposta dos Deputados Aloysio Nunes Ferreira e Luiz Eduardo Greenhalg, que alvitrava a modificação da redação do citado artigo para “excluir a proibição de progressão de regime”.

A partir daí, o artigo 43, caput, do Projeto de Lei nº 7.134/2002 passou a ter a seguinte redação final: “Os crimes previstos nos arts. 32, ‘caput’ e § 1º, e 32 a 35 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de ‘sursis’, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.

À derradeira, o Projeto de Lei nº 7.134/02 transformou-se na Lei nº 11.343, de 24 de agosto de 2006, e as referidas vedações mantiveram-se tal como dispostas na última redação, concretizadas no artigo 44:

“Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas em direitos.”

Como claramente se vê, a carência de norma estatuindo a forma de cumprimento da pena para os crimes definidos na Lei nº 11.343/06 é, sem dúvida alguma, proveniente de manifesta vontade legislativa de excluir a vedação de progressão de regime, constante, até então, da Lei dos Crimes Hediondos.

Dessa feita, se a nova Lei Antidrogas não disciplinou o regime de cumprimento de pena, com a eliminação propositada da forma de regime até então vigente, a sua fixação só poderá estar doravante vinculada às regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais.

Vejamos o porquê.

O § 1º, do artigo 2º, da Lei de Introdução do Código Civil preceitua que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regular inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior” (grifos adicionados).

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Ora, indubitável que a Lei nº 11.343/06 tratou inteiramente da matéria, concernente ao tráfico, de que cuidava a Lei nº 8.072/90.

Aliás, o artigo 1º, da Lei Antidrogas é incisivo nesse sentido e preceitua que “esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – Sisnad; prescreve medidas de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes” (original sem destaques).

Se não fosse o bastante, tem-se que a Lei dos Crimes Hediondos assentou que o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins é insuscetível de anistia, graça, indulto (inciso I, art. 2º), fiança e liberdade provisória (inciso II, art. 2º - ver Lei nº 11.464/07) e estabeleceu o cumprimento de 2/3 da pena para viabilizar a concessão de livramento condicional a réu não reincidente específico (art. 5º - ver Lei nº 11.464/07).

A nova Lei Antidrogas, por seu turno, também ordenou a inafiançabilidade, a insuscetibilidade de graça, indulto, anistia e liberdade provisória (caput, art. 44) e manteve as regras para a outorga do livramento condicional (parágrafo único, art. 44), tolhendo, ainda, o sursis e a conversão das penas em restritivas de direitos (caput, art. 44).

Nesse contexto, mostra-se evidenciado que a Lei nº 11.343/06 contempla, de maneira globalizada, a Lei dos Crimes Hediondos.

Poder-se-ia argumentar que como a nova Lei nº 11.343/06 foi “omissa” com relação ao regime de cumprimento de pena, e como a Lei nº 8.072/90 estabelecia o desconto da punição em regime integralmente fechado, esta última deveria predominar, à época do advento da Lei Antidrogas.

Sucede que, como acima explicitado, não se trata de mera omissão legal, mas sim de patente interesse legislativo em abandonar a vedação da progressão e adotar as regras gerais para fixação do regime prisional, como já vem sendo reiteradamente feito pelos Tribunais Superiores.

Inarredável, portanto, o remate de que a Lei nº 11.343/06 regulamentou inteiramente a matéria de que tratava a Lei nº 8.072/90 e, conseqüentemente, a primeira revogou a segunda, em relação ao tráfico ilícito de drogas.

Ademais, não é preciso lembrar que o Colendo Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal, em sede do habeas corpus nº 82.959-7/SP, declarou a inconstitucionalidade do § 1º, do artigo 2º, da Lei nº 8.072/90. Embora a declaração tenha se dado incidenter tantum, face à sua incontestável repercussão, todos os órgãos do Poder Judiciário deveriam se ajustar ao entendimento daquela Corte Suprema, máxime porque no julgamento do citado writ a causa foi analisada à luz da interpretação de lei em tese, com referência a reflexos gerais, encampando-se assim a teoria da “abstrativização” da constitucionalidade no controle difuso, circunstância possibilitadora da premissa de que o julgado tem, na verdade, efeito erga omnes, ainda que proferido na via de exceção ou defesa.

Por conseguinte, como a nova lei não instituiu regime de cumprimento de pena e a Lei nº 8.072/90, como aqui se viu, está por ela revogada, a fixação do regime prisional estará indissociavelmente atrelada às regras gerais do Código Penal e da Lei de Execuções Penais.

Urge consignar, a propósito, que a edição da Lei nº 11.464, de 28 de março de 2007 – que extirpou a proibição da progressão e passou a prescrever, para o cumprimento de pena dos crimes alistados no artigo 2º, da Lei nº 8.072/90 – o regime inicialmente fechado, não tem o condão de alterar as conclusões deste trabalho.

É que a Lei nº 11.343/06 tratou integralmente da matéria concernente ao tráfico e, bem por isso, irrefragável a incidência do princípio da especialidade.

Paralelamente, não se pode deixar de considerar que a vontade legislativa de não estabelecer forma especial de cumprimento da pena para os crimes definidos na Lei nº 11.343/06 é indicativa segura de que se optou pela regra geral para o  estabelecimento do regime prisional, pois, do contrário, teria feito, como de fato fez, por ocasião da edição da Lei nº 9.455/97 (§ 7º, artigo 1º).

Aliás, o Colendo Superior Tribunal de Justiça, em recente julgamento, assentou o cabimento do regime aberto para esses casos de tráfico. Nesse sentido: 5ª Turma, HC nº 253.947/PR, Rel. Min. Laurita Vaz, DJ 28.05.2013, DJe 06.06.2013.

Diante disso tudo, forçoso anunciar que, se favoráveis as condições do artigo 42, da Lei nº 11.343/06 e, subsidiariamente, as do artigo 59, do Código Penal, o agente, beneficiado com a causa de diminuição de pena prevista no § 4º, do artigo 33, poderá iniciar o cumprimento de sua reprimenda em regime aberto, a teor do artigo 33, § 2º, alínea “c”, do Código Penal, sem prejuízo, da concessão do sursis. Cabe relembrar que a gravidade abstrata do crime não serve de fundamento adequado para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pela aplicada[2].

Enfim, o que se quer dizer é que a ostentação de severidade da Lei nº 11.343/06 não vigorará reinante, diante das benevolências que aqui foram alistadas, deixando notoriamente marcada a lamentável carência de uma política pública criminal, que causa, diuturnamente e num círculo vicioso, estragos irreparáveis no sistema jurídico nacional, notadamente porque o legislador brasileiro tomou gosto pelas “soluções” de crise e de emergência.

Fica, pois, um simples alerta para reflexão.


Notas

[1] in “Leis Penais e Processuais Penais Comentadas”, Ed. RT, 2006, pág. 782

[2] Súmula nº 718, do Excelso Supremo Tribunal Federal.

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Sobre o autor
Diogo Alexandre Restani

Assistente Jurídico. Especialista em Direito Penal, pós-graduado pela EPM

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RESTANI, Diogo Alexandre. Tráfico: sursis e regime aberto – possibilidades concretas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3783, 9 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25761. Acesso em: 22 dez. 2024.

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