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A impropriedade da aplicação da Súmula nº 418 do STJ ao rito sumaríssimo dos juizados especiais cíveis

28/11/2013 às 14:22
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Se os prazos forem abertos em momentos distintos, e a parte cuja intimação se deu em data posterior à da outra apresentar Embargos de Declaração, o prazo da parte intimada por primeiro para apresentação de Recurso Inominado pode já ter expirado por completo, com ou sem apresentação do recurso.

Os tribunais e turmas de recursos cada vez mais estão aplicando o enunciado da súmula nº 418 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a toda sorte de recursos, dentre os quais o recurso inominado previsto na Lei 9.099/95, que possui incompatibilidade procedimental com o entendimento.

O presente texto tem por finalidade a apresentação de motivo limitador à aplicação do conteúdo da referida súmula aos recursos inominados, sem a pretensão de aprofundamento acadêmico.

Os recursos excepcionais, por sua natureza, e mesmo pela complexidade de requisitos, por vezes não são conhecidos em razão de filigranas processuais que prescindem de sentido. Muitos desses entendimentos e sua rigorosidade são criados e reproduzidos com a finalidade de dificultar recursos. Pode haver algum exagero, em determinados casos, mas estas exigências são inerentes aos recursos exepcionais, quiçá como forma de viabilizar o funcionamento dos tribunais superiores.

Dentre as exigências, em determinado momento, passou-se a entender que se houver apresentação de Embargos de Declaração em face do acórdão proferido pelo tribunal a quo por uma das partes, e contemporaneamente a outra interpuser Recurso Especial ou Extraordinário, este recurso deve ser ratificado pelo recorrente, no prazo devolvido pela interrupção, contado a partir da intimação da decisão dos Embargos de Declaração, sob pena de ser considerado extemporâneo.

A súmula nº 418 do STJ, aprovada em 03/03/2010 possui o seguinte enunciado:

Admissibilidade - Recurso Especial - Antes da Publicação do Acórdão dos Embargos de Declaração. É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.

A sua pertinência subsiste no fato de que, apesar de muitos julgados negarem, os embargos de declaração podem possuir efeitos infringentes em casos específicos, mais precisamente quando estiverem presentes vícios sanáveis por esta via e a sua complementação altere o julgado de alguma forma, ainda que apenas no fundamento.

Se houver mudança na decisão, a sua nova forma pode não estar adequada ao recurso anteriormente interposto, ou ainda, a alteração pode vir a ser parte importante do argumento do recurso endereçados aos tribunais superiores.

De outro lado, considerando que a grande maioria dos Embargos de Declaração culminam em não conhecimento ou não provimento, o que em ambos os casos mantém intacta a decisão anterior, a decisão recorrida permanece aquela atacada pelo recurso anteriormente apresentado, não havendo modificação capaz de alterar a irresignação e sua fundamentação. Esta conclusão é insofismável. Não existe, pelo menos em uma visão objetiva, justificativa para a exigência de ratificação. Mormente porque não havendo modificação da decisão, em tese, não seria possível a modificação de argumentos pela preclusão consumativa.

Também o argumento da intempestividade do recurso prematuro não subsiste, na medida em que se o prazo foi aberto para interposição do recurso, seu estrito cumprimento não pode ser considerado extemporâneo.

Atualmente, a evolução jurisprudencial culminou com a necessidade de observância da regra estatuída pela citada súmula, sendo estanque a necessidade de ratificação do recurso caso o recurso excepcional seja interposto antes do julgamento dos embargos de declaração, tanto no âmbito do STJ quanto no Supremo Tribunal Federal (STF).

Curiosamente, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) se inclina em posição contrária, entendendo pela tempestividade do recurso não ratificado depois do julgamento dos Embargos de Declaração opostos pela parte contrária (TST - RR: 955005520095060012 95500-55.2009.5.06.0012, Relator: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 02/05/2012, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/05/2012; TST - RR: 434003620095210003 43400-36.2009.5.21.0003, Relator: Maurício Godinho Delgado, Data de Julgamento: 15/02/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/02/2012).

Com a sedimentação do entendimento no STJ e STF, a regra antes voltada apenas aos recursos excepcionais, passou a ser aplicada, por analogia, em muitos julgados nas instâncias ordinárias. A orientação jurisprudencial se apresenta com bastante força nesse sentido (Assim: TJSC, AC 2013.049926-9, 3ª CDP, rel. Des. Luiz Cézar Medeiros, j. 22/10/2013; TJPR, AC 1046983-1, 16ª CC, rel. Des. Francisco Eduardo Gonzaga de Oliveira, j. 06/11/2013; TJSP, AC 0004019-20.2012.8.26.0587, 13ª CDP, rel. Des. Francisco Giaquinto, j. 18/11/2013), embora haja respeitáveis entendimentos contrários (TJPR AI 1144042-9, 9ª CC, rel. Des D´artagnan Serpa Sá, j. 31/10/2013; TJPR, AC 638966-6, 6ª CC, rel. Des. Roberto Portugal Bacellar, j. 08/10/2013; TJPR, AC 1009460-3, 14ª CC, rel. Des. Gil Francisco de Paula Xavier F. Guerra, j. 18/09/2013).

Enfim, nessa circunstância não há outra alternativa às partes senão atentar para a exigência.

No que tange ao regramento processual da Lei 9.099/95, outra deve ser a solução encontrada, pois as características do rito não são adequadas à utilização de regra dos recursos excepcionais.

Ao contrário do procedimento comum, onde os Embargos de Declaração interrompem o prazo recursal devolvendo-os na sua totalidade às partes; nos Juizados Especiais Cíveis isto não ocorre, pois o legislador, no afã de simplificar e conferir agilidade ao processo, optou por atribuir apenas efeito suspensivo ao recurso, conforme disposto na Lei 9.099/95:

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Art. 50. Quando interpostos contra sentença, os embargos de declaração suspenderão o prazo para recursos.

Isto faz com que nos Juizados Especiais, apresentados Embargos de Declaração, o prazo para interposição de outros recursos fique suspenso, em especial o recurso inominado. Com a mera suspensão o prazo, publicada a decisão dos Embargos de Declaração o prazo volta a fluir apenas pelo restante.

Em geral, a intimação das partes se faz no mesmo momento, o da publicação da decisão no órgão oficial. Nesse caso, prejuízo algum haveria na aplicação da súmula. Se uma das partes apresentasse Embargos de Declaração dentro do prazo de cinco dias, no momento da intimação das partes acerca do julgado, restará, para ambas, o tempo restante do prazo para apresentação do Recurso Inominado (ou ratificação). Em hipótese, se os Embargos de Declaração forem opostos no tercerio dia do prazo, após a publicação da decisão deste recurso restarão mais sete dias para apresentar recurso inominado ou efetuar sua ratificação. Caso sejam opostos no quinto dia, quando encerrar a suspensão haverá, ainda, prazo residual de cinco dias para as partes.

O problema reside justamente nos casos em que a intimação é feita em momentos distintos para as partes. Especialmente nos Juizados Especiais onde é comum intimação em cartório, por vezes com a mera certificação de carga dos autos para cópia da decisão. E, ainda, nos sistemas eletrônicos, nos quais cada parte tem a faculdade de abrir o seu prazo dentro das regras próprias de cada sistema.

Pode ocorrer amiúde que se os prazos forem abertos em momentos distintos, e a parte cuja intimação se deu em data posterior à da outra apresentar Embargos de Declaração, o prazo da parte intimada por primeiro para apresentação de Recurso Inominado já tenha expirado por completo, com ou sem apresentação do recurso.

Dito isto, no universo de intimações em datas diversas, na hipotese de ser apresentado recurso inomidado no último dia do prazo e a parte contrária apresentar Embargos de Declaração, ter-se-á uma situação que impossibilitará o recorrente de apresentar ratificação tempestivamente, posto que não sobrará prazo prazo residual para tanto.

A simples possibilidade de ocorrência dessa situação, a impossibilitar a ratificação tempestiva do recurso inominado, constitui fato que inviabiliza a aplicação da regra estatuída na súmula nº 418 do STJ aos recursos dos Juizados Especiais. Sua aplicação poderá ocasionar violação ao princípio da ampla defesa mitigando o devido processo legal, o que viola preceito constitucional.

O entendimento contido no enunciado da súmula nº 418 do STJ foi construído a partir do efeito interruptivo dos Embargos de Declaração no processo comum. Considerando que nos Juizados Especiais Cíveis o efeito dos embargos é diverso, ou seja, suspensivo, a regra se torna inaplicável sob pena de ofender o duo process.

Apesar da incongruência apresentada, as turmas recursais vêm aplicando constantemente a regra da súmula nº 418 do STJ aos recursos inominados, sem, entretanto, conceder novo prazo para sua ratificação (1ª Turma de Recursos/PR, RI 20120000557-0, j. 19/04/2012; 1ª Turma de recuros/PR, RI 20110006503-8, j. 06/10/2011; 3ª Turma Recursla de Chapecó/SC, 11300291-5, j. 23/11/2012).

Data venia os entendimentos citados alhures, se o Juizado Especial possui regramento processual diferenciado, qualquer aplicação analógica ou mesmo subsidiária deve ser precedida de uma análise sobre sua adequação ao microssistema. Mormente no caso em apreço cuja aplicação da regra poderá acarretar a inviabilidade do direito a recurso e o consequente cerceamento de defesa. Ademais, o formalismo estrito dos recusos excepcionais se contrapõe princípio da informalidade que deveria vigir no procedimento da Lei 9.099/95.

Inaplicável, portanto, o raciocínio que norteia o verbete 481/STJ aos Juizados Especiais Cíveis. Contudo, conforme já dito, é comum se encontrar julgados de turmas recursos aplicando a súmula nº 418 do STJ.

Trata-se de um equívoco porque, como demonstrado, utilizar tal raciocínio próprio dos ritos comuns ao procedimento sumaríssimo, ofende o devido processo legal, maculando o contraditório e a ampla defesa.


Bibliografia

Marinoni, Luiz Guilherme; Arenhart, Sérgio Cruz, Processo de Conhecimento V.2, 7ª ed., São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2008.

Theodoro Junior, Humberto; Curso de Direito Processual Civil, V. I, 48º ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008.  

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Sobre o autor
Marcelo Marquardt

Advogado, Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UFSC, Bacharel em Ciências Contábeis pela UFPR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARQUARDT, Marcelo. A impropriedade da aplicação da Súmula nº 418 do STJ ao rito sumaríssimo dos juizados especiais cíveis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3802, 28 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25989. Acesso em: 29 mar. 2024.

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