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EUA: Estado fora-da-lei?

14/12/2013 às 09:11
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A imprensa distorce os fatos até transformar notícia em omissão e propaganda em fato relevante.

Há bem pouco tempo vimos como a imprensa legitimou a mentira oficialmente divulgada pelas autoridades dos EUA para invadir o Iraque. As perigosíssimas armas de destruição em massa de Saddan Hussein que forneceram legitimação para a agressão militar norte-americana nunca foram encontradas. Centenas de milhares de iraquianos morreram em decorrência da guerra. Mas nenhuma das pessoas que repetiu ou ecoou a acusação "Saddan tem armas de destruição em massa" foi responsabilizado pelos crimes de guerra cometidos ou por causa da mentira que se transformou em verdade em virtude de ter sido insistentemente repetida.

A propaganda oficial da era George W. Bush Jr. dividiu o mundo em nós eles, entre Estados dentro da Lei  e Estados fora da Lei. Já naquela época eu havia notado uma discrepância entre o discurso oficial/jornalístico e os fatos. Afinal, de todos os membros da ONU apenas um país havia sido condenado por terrorismo e não havia cumprido a sentença. E este país era os EUA, que em 1986 foi condenado pela Corte Internacional de Justiça em razão de patrocinar o terrorismo na Nicarágua http://en.wikipedia.org/wiki/Nicaragua_v._United_States. Até onde sei esta condenação não foi cumprida, portanto, tecnicamente os EUA seguem sendo um Estado fora da Lei.

Há algumas semanas Brasil e Alemanha apresentaram  na ONU um projeto de Resolução para resguardar a privacidade de seus cidadãos, empresas e governos na internet http://www.auswaertiges-amt.de/EN/Aussenpolitik/Friedenspolitik/VereinteNationen/Aktuelles/131101_UN_Initiative_Schutz_Privatsphaere.html . Esta proposta é uma justa reação à abusiva espionagem praticada massivamente pelos norte-americanos através da internet usando facilidades concedidas pelo Facebook, Google e Microsoft. Edwar Snowden, ex- analista da NSA refugiado na Rússia, foi a principal fonte das denuncias que resultaram nesta ação diplomática. 

Hoje foi divulgado que a proposta de Resolução conjunta foi aprovada por uma Comissão da ONU e será levada a plenário em breve http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A%2FC.3%2F68%2FL.45%2FRev.1 . O governo norte-americano tem dado sinais de que pretende se adequar à legislação internacional, de que deseja respeitar a privacidade na internet. Mas a indecisão dos norte-americanos é evidente. A Casa Branca enfrenta e enfrentará resistência parlamentar e jornalística dos grupos que dão apoio ao pesadelo orwelliano iniciado durante o governo Bush Jr. A população dos EUA está dividida em relação a esta questão e a resistência política à espionagem indiscriminada tem crescido entre os norte-americanos (que, a bem da verdade, também são vítimas da intromissão abusiva e inconstitucional de seu próprio governo).

A pretensão do governo dos EUA neste momento parece colidir com o desejo que motivou a criação da super-estrutura de espionagem planetária. Quando deram os primeiros passos em direção ao controle total através da internet, os norte-americanos sabiam muito bem que estavam infringindo as leis internacionais e nacionais que garantem a privacidade nas comunicações dos cidadãos estrangeiros. O imperialismo jurídico dos EUA não é novo. Na verdade já na década de 1980 as autoridades daquele país davam mostras de que acreditavam que a "legislação americana tinha irradiações extraterritoriais que permite alcançar o seu eventual infrator fora da jurisdição estritamente territorial dos EUA". (A Guerra das Patentes, Maria Helena Tachinardi, Paz e Terra, p. 229). 

A agressão cometida pelos EUA contra a legislação internacional e soberania dos países espionados é evidente. Tanto que a aprovação do projeto de Resolução brasileiro/germânico foi unânime. O discurso oficial norte-americano de que os EUA precisam vigiar os terroristas e combater o terrorismo é ridícula e risível. Não há terrorismo anti-americano no Brasil e na Alemanha e mesmo assim estes dois países foram vítimas de espionagem massiva e até governamental injustificada. 

O projeto de Resolução Brasil/Alemanha em defesa da privacidade na internet ainda não foi aprovado pela Assembléia Geral da ONU. Quando isto ocorrer (e é bem provável que isto ocorra), aparentemente os EUA ficarão entre: se ajustar à legislação internacional, desmantelando o pesadelo orwelliano que construiu ou; se tornar um  Estado fora da Lei. Disse aparentemente, porque ser um Estado fora da Lei não tem sido um problema para os EUA. Tanto que o país até hoje não cumprir a decisão da Corte Internacional de Justiça que o condenou por terrorismo na Nicarágua, atacou o Iraque com base em mentiras, não puniu os mentirosos do governo Bush Jr. e pratica o imperialismo jurídico há pelo menos três décadas.  A propaganda, entretanto...

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

advogado em Osasco (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Fábio Oliveira. EUA: Estado fora-da-lei?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3818, 14 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25997. Acesso em: 24 abr. 2024.

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