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Natureza jurídica e responsabilidade civil da comissão de formatura

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28/11/2013 às 08:10
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A comissão de formatura é uma sociedade de fato dotada de capacidade processual, que executa um contrato de mandato. Para os que assumem, o perigo é a responsabilização. Para os que nomeiam, ter que buscá-la.

“Desconfiai do mais trivial,

na aparência singelo.

E examinai, sobretudo, o que parece habitual.

Suplicamos expressamente:

não aceiteis o que é de hábito como coisa natural,

pois em tempo de desordem sangrenta,

de confusão organizada, de arbitrariedade consciente,

de humanidade desumanizada,

nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar.

Nada é impossível de mudar”

- Bertold Brecht.


I – NATUREZA JURÍDICA

O presente artigo investiga a possibilidade de responsabilização civil da comissão de formatura no âmbito em que esta representa os interesses de seus pares acadêmicos, isto é, da sua turma ou classe. Para tanto, seremos bastante diretos na afirmação das nossas convicções e respectivas razões jurídicas, a fim de facilitar a leitura e apreensão do conteúdo.

Em primeiro lugar, a comissão de formatura é uma sociedade de fato dotada de capacidade processual (CPC, art. 12, VII), o que permite que seja demandada em ações judiciais, isto é, pode perfeitamente integrar o polo passivo enquanto parte legítima.[1] Mas isto, propriamente, não nos interessa inicialmente, porque é na análise da natureza jurídica do contrato relativo à comissão de formatura que reside toda a problemática.

Logo, surge a pergunta: em qual categoria jurídica é possível encaixar a comissão de formatura? A resposta é, para nós, bastante clara. Trata-se de um mandato.

Ora, dentro do universo onde pessoas irão realizar conjuntamente uma festa de formatura, seja de qual espécie for, o nome a que se dá para aquelas que, candidatando-se em conjunto, em não havendo oposição, e que vencem enquanto representantes legítimos dos interesses de uma dada coletividade, é comissão de formatura.

Cuida de uma comissão especialmente formada para representar os interesses dos formandos no que se refere à contratação de uma empresa que realize eventos, confraternizações, encontros, festas, bailes, etc. Por isso, submete-se ao regime jurídico encartado entre os artigos 653 e 692 do Código Civil.

Deste modo, podemos classificar o mandato aposto à comissão de formatura da seguinte maneira:

  1. quanto à origem: é um mandato convencional, estipulado livremente pelos formandos, enquanto manifestação da autonomia privada;
  2. quanto às relações entre mandantes e mandatários: diferentemente do que se pensa, é, em tese e a princípio, mandato oneroso, haja vista que, enquanto comissão, recebe remuneração consistente: ou (i) em descontos quanto à adesão ao contrato junto à empresa prestadora de serviços; ou (ii) em gratuidade na adesão; ou (iii) benefícios de qualquer ordem que impliquem em diferenciação quanto aos demais contratantes (formandos). Por ser um mandato oneroso, o correto seria que houvesse estipulação em instrumento próprio, a procuração, pois, a lei presume na ausência de indicação que o mandato é gratuito.

Além disso, o fato mesmo da onerosidade realiza um recorte na configuração jurídica dos mandatários, porquanto a partir do instante em que recebem remuneração em troca dos serviços prestados (de representação), submetem-se, com maior vigor, à necessidade de procederem com boa-fé, probidade, lisura e transparência perante aos formandos, pelo motivo de que, dada a hipótese, coatuam na qualidade de devedores de uma relação obrigacional na qual os demais formandos são credores.

Como tal, podem ser demandados num amplo espectro de ações cíveis, a princípio, respectivamente às de dar, fazer e não-fazer. Bem como são legitimados passivos na Ação de Prestação de Contas, consoante ratificação na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:

CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. MANDATO. INTERESSE DE AGIR. CONFIGURAÇÃO. 1. O mandante, ainda que tenha noção do saldo das contas, possui interesse de agir para ajuizar ação de prestação de contas contra o mandatário, em razão de sua gerência e administração de bem. 2. Recurso especial provido. (STJ - REsp: 703390 MS 2004/0158625-2, Relator: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 03/12/2009, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/12/2009).

Entendemos que ainda que a comissão não seja remunerada, simplesmente por representar uma coletividade (sociedade de fato), submete-se ao regime obrigacional, na qualidade de devedora do dever de prestar contas, com todas as suas consequências legais.

  1. quanto à pessoa do mandatário ou procurador: trata-se de um mandato plural (CC, art. 672), por conter vários mandatários, os quis integram a comissão, podendo ser: conjunto ou simultâneo, quando “os poderes são outorgados aos mandatários para que estes atuem de forma conjunta”,[2] ou seja, não poderão agir de forma separada, salvo se houve ratificação dos demais; solidário (CC, art. 672, caput), no caso que “os diversos mandatários nomeados podem agir de forma isolada, independentemente da ordem de nomeação, cada um atuando como se fosse um único mandatário (cláusula in solidum)”, [3] que é inclusive a regra legal presumida quando não houver previsão em contrário;  fracionário, quando a ação de cada mandatário está delimitada na procuração, “devendo cada um agir em seu setor”; [4] e sucessivo ou substitutivo, quando um mandatário somente poderá atuar na falta de outro, designado conforme a ordem prevista no contrato. Notadamente, indicamos a forma do mandato conjunto ou simultâneo, para se evitar qualquer decisão ou atuação indesejada por um membro isolado da comissão. Lembrando que tal forma deverá constar expressamente na procuração, sob pena de restar configurada a modalidade solidária.
  2. quanto ao modo de manifestação da vontade: poderá ser expresso ou tácito. Este último constitui a maioria esmagadora. Ocorre, assim, com o início da execução do ato, outorgado, no geral, verbalmente (pela votação que nomeia a comissão). O mais apropriado – nunca é demais dizer – é que seja formalizado em instrumento particular, constituindo-se um mandato escrito que contenha expressamente os deveres da comissão no trato dos interesses dos representados.

Deste modo, já vale dizer que deverá ser um mandato com poderes especiais, com identificação do objeto (festa ou eventos congêneres de formatura), por força do artigo 661, §1º do Código Civil, confirmado doutrinariamente pelo Enunciado n. 183 do CJF/STJ, da III Jornada de Direito Civil, segundo o qual “Para os casos em que o parágrafo primeiro do art. 661 exige poderes especiais, a procuração deve conter a identificação do objeto”.

Em conclusão ao tópico, recomenda-se que  o mandato esteja configurado da seguinte maneira: plural-conjunto (ou simultâneo), expresso e por escrito.       

I.1 Comentários pontuais às obrigações dos mandatários quanto às vantagens obtidas, por qualquer título, provenientes do mandato – proibição do enriquecimento sem causa – inteligência do artigo 668 do CC

Faremos apenas alguns comentários pontuais no que é mais polêmico. De imediato, é bastante razoável que os mandatários (no caso da comissão) devam prestar contas de sua gerência aos mandantes, transferindo-lhes as vantagens provenientes do mandato, por qualquer título que seja.

Temos aqui um grande problema. Ora, ao afirmarmos que o mandato exercido pela comissão de formatura é em tese oneroso, pela dicção do artigo 668 do Código Civil retromencionado, os mandatários não poderiam receber qualquer vantagem por parte do terceiro contratante (empresa de formaturas). Mas esta seria uma leitura absolutamente literal, não condizente ao contemporâneo direito civil constitucional. Com esta podemos chegar a uma conclusão mais razoável e ponderada, no sentido de impedir que os mandatários efetivamente recebam a gratuidade quanto ao contrato de suas próprias formaturas, porém permitir que recebam descontos ou abatimentos convencionados e aprovados pelos mandantes. Isso porque, caso recebam a gratuidade – como geralmente ocorre – incorreriam em prática abusiva, porquanto, em nome dos mandantes, recebem de terceiro, bonificação não extensível aos demais não pertencentes à comissão de formatura.[5]

A onerosidade do mandato será definida quando os mandatários obtiverem autorização expressa dos mandantes para receberem os descontos ou abatimentos porventura disponibilizados pela empresa de formaturas (terceiro). Quer-se, com isso, impedir o enriquecimento sem causa dos mandatários pela confusão da relação obrigacional aparentemente gerada na triangulação formandos-comissão-empresa. Trata-se de uma medida mais justa e consectária à proporcionalidade com que se deve enxergar os institutos do direito civil.

O artigo aliado à hermenêutica constitucional que se lhe empregamos encontra justa aplicação na prática, posto que a comissão jamais receberia benefícios, se comissão não fosse. Além disso, proíbe-se que haja o sobredito enriquecimento sem causa, à medida que, no geral, os valores de contratos de formatura não perfazem quantias ínfimas, no entanto, valores cujo vulto, dada a realidade social e financeira média do estudante brasileiro, é por demais expressivo.

A comissão deve ser motivada essencialmente por um dever de cooperação, ajuda, entrega, malgrado seja permitido, conforme analisamos, o recebimento de eventuais descontos ou abatimentos quanto à contratação dos mandatários, enquanto formandos que também são, com a empresa de formatura. Todavia, isto deverá ser aprovado pela maioria dos mandantes, a fim de que se preserve a higidez do mandato em comissão de formatura, bem como a segurança jurídica do negócio então celebrado.


II – RESPONSABILIDADE CIVIL DA COMISSÃO DE FORMATURA

II.1 MANDATO TÁCITO DE COMISSÃO DE FORMATURA E A CARACTERIZAÇÃO DA GESTÃO DE NEGÓCIOS

Via de regra, o mandato relativo à comissão é outorgado sem observância de regras específicas, como, por exemplo, a elaboração do instrumento, isto é, a procuração, na qual contenha o universo de poderes necessários e conferidos para as transações oportunas no âmbito da formatura.

Inobstante, este procedimento nunca é feito, porquanto ainda se acredita pela desnecessidade de qualquer formalidade. O que é, com efeito, um absurdo jurídico. Deste modo, o mandato outorgado sem previsão ad nauseam de poderes permite que a comissão de formatura atue fora dos limites, que, a bem da verdade, no mandato tácito não existem de maneira especificada. Há uma aparência de deveres, enquanto há – diríamos – igualmente, uma aparência de outorga.

Esta situação permite que a atuação, em determinados sentidos que porventura desagradem os mandantes, seja caracterizada enquanto mera gestão de negócios.  É o que Flávio Tartuce vai dizer que “na gestão de negócios há uma atuação sem poderes, uma hipótese em que a parte atua sem ter recebido expressamente a incumbência. Na verdade, há no caso em questão um quase contrato.”[6]

Logo, o gestor que age sem mandato fica diretamente responsável perante o dono do negócio e terceiros com quem tenha contratado. À medida que a gestão de negócios não apresenta o vínculo de consenso, por ser juridicamente informal, poderá ser provada de qualquer modo, à luz do artigo 107 do Código Civil. [7]

Daí que, segundo Flávio Tartuce, “a posição do gestor é delicada, pois, além de não ter direito a qualquer remuneração pelo negócio (negócio jurídico benévolo), deve agir conforme a vontade presumível do dono do negócio, sob pena de responsabilização civil (art. 861 do CC).”[8]

Por conseguinte, uma distinção a priori deve ser feita. Ora, se na maioria das vezes o mandato outorgado à comissão de formatura é tácito e verbal (podendo ser provado por testemunhas, os votantes), quer dizer que não haverá propriamente uma gestão de negócios, pois em tese os poderes foram conferidos. No entanto, estará configurada a gestão de negócios, e as consequências dela decorrentes, caso os mandatários exorbitem dos poderes conferidos pelos mandantes. Na prática, isso é absurdamente possível e, em verdade, bastante recorrente. Por não se saber exatamente os poderes outorgados, fica muito fácil caracterizar a gestão de negócios no âmbito da comissão de formatura, ainda que tenha havido votação por parte dos mandantes para configurar, em tese, o mandato tácito-verbal.

Neste sentido, volta-se à indagação de outrora, acerca da remuneração dos mandatários. Isso porque a presunção é de que o mandato seja gratuito, quando não houver estipulação em contrário, o que, todos sabemos, quase nunca ocorre. Como no exemplo da comissão que, por sê-la, não concorre com os demais (alunos, formandos) no pagamento do valor relativo ao contrato de formatura com a empresa de eventos. Tal hipótese (do não pagamento do contrato por integrar a comissão de formatura) deve ser reduzida ao instrumento de mandato, caracterizando espécie de mandato oneroso. Essa é uma regra legal, encartada no parágrafo único do artigo 658 do CC. O normativo faz uma ressalva ao dever de expressar a remuneração em intrumento próprio, ao fazer menção aos usos do lugar.

Ocorre que, apesar disto, já vimos que não se pode argumentar que os usos e costumes atropelem o princípio constitucional de proporcionalidade, isto é, ainda que seja típico que as comissões de formatura não paguem, enquanto formandos (e não mandatários profissionais) a empresa de eventos contratada, é razoável exigir, por parte dos mandantes, o pagamento, malgrado seja lícito arbitrar descontos ou abatimentos, como já comentado.

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Então, numa dada situação, só será existente no mundo jurídico o não pagamento do contrato de formatura pelos membros da comissão, caso isso esteja expressamente previsto ou que, embora estipulado verbalmente, puder ser, de modo tranquilo, provado por testemunhas. Mas aqui, há uma peculiaridade. Somente se poderá provar da validade desse não pagamento, caso o número de testemunhas que aprovaram tal cláusula (verbalmente que seja) representar a maioria absoluta dos mandantes interessados. Caso contrário, não haverá prova apta a consubstanciar, no âmbito do mandato tácito-verbal, a possibilidade da comissão lograr qualquer benefício conquistado às custas do mandato e, por conseguinte, dos mandantes. Haverá, neste caso, pois, fraude ao mandato, sujeitando a comissão ao dever pagar a quantia necessária ao contrato de formatura, pela proibição do enriquecimento sem causa.

Este é apenas um exemplo mais notório. Porque, sempre que a comissão agir fora dos limites presumíveis da gestão de negócios, ou seja, quando, v.g., não ocorrer votação para nomeação da comissão e simplesmente um grupo de formandos assume o encargo, esses, sozinhos, responderão perante terceiros, inclusive nos casos de força maior ou caso fortuito (CC, art. 862).

II.2 PAUSA EXCURSIVA – SOBRE A POSSIBILIDADE DE DANO MORAL COLETIVO CONTRA A COMISSÃO DE FORMATURA

O dano moral coletivo é possível, em tese, no âmbito da comissão de formatura. Porque, em sua caracterização, leva-se em conta, sobretudo, direitos fundamentais dos mandantes surgidos a partir da formação do vínculo de confiança que preenche o cerne mesmo do mandato.

   Assim, caso a comissão (i) haja fora dos limites dos poderes outorgados ou (ii) receba vantagem não extensível aos demais formandos, em razão do mandado (por ser comissão), e não os repasse à totalidade de formandos em forma de benefícios comuns ou sequer os comunique a respeito, para possível ratificação pela maioria absoluta, haverá dever de indenizar em razão da quebra da boa-fé, da solidariedade (direito de 3ª geração), probidade e da proporcionalidade, considerando-se que a essência do mandato conferido à comissão de formatura acha-se vinculada à solidariedade fraternal (ainda que seja lícito convencionar abatimentos e descontos, como já analisado).

   O dano moral coletivo é sofrido por todos os mandantes que, de alguma maneira, se sentirem prejudicados por este tipo de conduta ou situação. Muito mais, afinal, pelo princípio da proporcionalidade, de sorte que vantagens recebidas pela comissão e não outorgadas ou ratificadas posteriormente pela maioria absoluta de mandantes, representam sofrimento desnecessário aos formandos, os quais, muitas das vezes, se veem imersos na obrigação de arcar com os altos valores do contrato de formatura, enquanto outros, simplesmente por integrarem a comissão, não arcam com absolutamente nada, à margem do consenso e da legalidade.

   A possibilidade do dano coletivo fica ainda mais evidente na hipótese em que a comissão de formatura recebe vantagens ilícitas, no sentido de superfaturamento de contratos ou troca de benefícios para forçar a contratação de uma ou outra empresa de eventos. Deve-se atentar para o fato de que as mesmas patologias corruptivas que infectam os procedimentos licitatórios, também são as que podem infectar a comissão de formatura. A atenção é fundamental. Daí a necessidade de formalização em instrumento expresso. Afinal, o que faz com que a comissão de formatura procure contratar com uma ou outra empresa de eventos? É, por acaso, realizado procedimento idôneo no qual sejam avaliadas as diversas propostas e, então, sopesadas para o melhor interesse coletivo? São questão para serem refletidas. Por si só refletem a necessidade de constante proteção jurídica contra desmandos e desvios.

   O interessante aqui é debater sobre a real viabilidade do dano moral coletivo conta a comissão de formatura. Entendemos pela possibilidade, desde que seja razoável provar a existência concreta do sofrimento, da dor, ocasionadas pela má atuação, negligência, imperícia ou imprudência da comissão no trato das coisas relativas à realização de eventos. A configuração do dano, segundo acreditamos, ocorrerá sobretudo após o evento de formatura, hipótese em que se investigará o cumprimento do contrato por parte da empresa de eventos ou, se não havendo festa por fraude neste, numa ou noutra situação, se a comissão agiu prudentemente. É amplo o espectro de possibilidades. Para nós, o simples enriquecimento sem causa já configura dano moral coletivo de per si, estando ínsito, portanto, o flagelo à direitos fundamentais coletivos, no caso, de ver resguardada a proporcionalidade.

   Logo, segundo Dias Júnior: [9]

, que não fica restrito à dor íntima e ao sofrimento, mas que, ao revés, expande-se para abranger "toda modificação desvaliosa do espírito coletivo, ou seja, qualquer ofensa aos valores fundamentais compartilhados pela coletividade, e que refletem o alcance da dignidade dos seus membros" (MEDEIROS NETO, 2004, p. 136), ou, como diz Carlos Alberto Bittar Filho (2005), abrangendo injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade mediante a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos.

“É causador de dano moral coletivo, portanto, todo aquele que pratica, sem qualquer respaldo jurídico, conduta significativamente ofensiva a valores fundamentais compartilhados por uma coletividade” [10] É, assim, o que causa  “o abalo, a repulsa, a indignação ou mesmo a diminuição da estima, infligidos e apreendidos em dimensão coletiva"[11]

Em que pese ser tema polêmico, fica aqui a sugestão para mais este debate, devendo dizer que, segundo a nossa visão, é possível, em tese, a responsabilização da comissão de formatura por dano moral coletivo.

II.3 RESPONSABILIDADE CIVIL EM SI DA COMISSÃO DE FORMATURA – FICÇÃO JURÍDICA, MANDATO CONJUNTO, SOLIDARIEDADE

A responsabilidade civil talvez seja o tópico menos problemático de ser tratado em tese. Isso porque, muito mais difícil, é a configuração da natureza jurídica da relação entre a comissão de formatura e os formandos, como já fizemos. O estudo dessa relação é que irá indicar o caminho, casuisticamente, para a correta avaliação da responsabilidade civil.

De pronto, pode-se dizer que se trata de uma responsabilidade subjetivo, isto é, deve-se demonstrar o elemento culpa. Não nos compete aprofundar este tema. Compete-nos, dizer, inobstante – e talvez seja mais polêmico – acerca da situação em que os membros da comissão de formatura responderão em conjunto (solidariamente) ou em separado, isto é, conforme a conduta abusiva que um ou outro tenha praticado posse dos poderes do mandato.

Já vimos que em não havendo instrumento de mandato expresso que preveja a outorga plural na modalidade conjunta, prevê o Código, que será caso de mandato em formação solidária, pela presunção de existência da cláusula in solidum.

Então, primeiramente  há o mandato conjunto e o solidário (que aqui não guarda relação com a responsabilidade solidária). Essas são classificações adequadas ao mandato típico do Direito Civil. Porque a comissão de formatura gera uma condição jurídica diferenciada.

Ora, seja lá um mandato expresso, seja lá um mandato tácito, haverá sempre a outorga (quando houver votação da maioria, é claro) de poderes a um grupo de pessoas, destacadas dentro do universo de comuns. Esse grupo, doravante chamado, comissão de formatura, representa, enquanto tal, a coletividade. Logo, à medida que o mandato é outorgado para a comissão, que nada mais é do que uma ficção jurídica que converge, em última instância, na ideia processual de sociedade de fato,  não há que se falar, a despeito do normativo civilista, de que, em não havendo cláusula expressa, tratar-se-á de mandato na forma solidária.

O ato da votação indica outorga conjunta de poderes, quer dizer, nenhum membro da comissão poderá atuar sozinho, apenas em conjunto, em comissão. Por outro lado, também na hipótese de não restar expressa esta cláusula, que o artigo 672 coloca enquanto presunção legal, ou seja, quando os membros da comissão poderão atuar de maneira apartada, em nome da representação, o correto é o afastamento desta presunção. Pois se outorgo para o grupo, outorgo para o grupo, não para Mévio ou Tício. A comissão de formatura é uma ficção jurídica que segue a natureza do mandato plural-conjunto de per si e indica, iure et de iure, responsabilidade solidária legal.[12]

O artigo 672 deve ser interpretado em conjunto com o fenômeno da comissão de formatura e não com o fenômeno de um mandato qualquer. Isso porque há aqui o interesse de uma coletividade organizada, delimitada, absolutamente identificada quando da outorga de poderes. Não existe possibilidade de se presumir que os mandatários, neste caso, poderão atuar em separado simplesmente por não ter havido expressa menção. Por isso que a comissão é formada mediante o princípio da confiança, da fraternidade e não da individuação.

Como consequência, os membros da comissão são solidariamente responsáveis pelas obrigações que assumiram enquanto representantes conjuntos de um mandato coletivo. Os atos negociais só serão válidos e eficazes caso sejam praticados pela integralidade dos membros da comissão. O que for perfeito fora deste modelo caracteriza gestão de negócios ou completa usurpação da competência outorgada, conforme o caso.

Então, se se trata necessariamente de mandato conjunto, na hipótese de um membro atuar sozinho, feita a ressalva da possibilidade de ratificação em tempo hábil pelos demais, este responderá também sozinho, se não houver confirmação, e gerar prejuízo de qualquer espécie. A responsabilidade é, portanto, solidária perante os mandantes e perante terceiros com quem hajam contratado em hipótese de exorbitância dos poderes outorgados.

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Sobre o autor
Luiz Felipe Nobre Braga

Mestre em Direito pela Faculdade de Direito do Sul de Minas; Advogado; Consultor e Parecerista; Professor de Direito Constitucional e Lógica Jurídica na Faculdade Santa Lúcia em Mogi Mirim-SP; Professor convidado da pós-graduação em Direito Processual Civil e no MBA em Gestão Pública, da Faculdade Pitágoras em Poços de Caldas/MG. Autor dos livros: "Ser e Princípio - ontologia fundamental e hermenêutica para a reconstrução do pensamento do Direito", Ed. Lumen Júris, 2018; "Direito Existencial das Famílias", Ed. Lumen Juris-RJ, 2014; "Educar, Viver e Sonhar - Dimensões Jurídicas, sociais e psicopedagógicas da educação pós-moderna", Ed. Publit, 2011; e "Metapoesia", Ed. Protexto, 2013.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Luiz Felipe Nobre. Natureza jurídica e responsabilidade civil da comissão de formatura. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3802, 28 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25999. Acesso em: 29 mar. 2024.

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