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Hipoteca reversa. Por que não?

11/01/2014 às 13:18
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A hipoteca reversa pode ser um meio de proteger os profissionais à margem do mercado de trabalho, com expectativa de vida cada vez maior e com um sistema previdenciário cada vez mais caótico.

A hipoteca reversa não está prevista em nosso ordenamento jurídico. Certamente após uma breve análise da garantia real clássica (hipoteca) e desta, a reversa, o leitor estará apto a responder à pergunta.  

A hipoteca é direito real de garantia sobre a coisa alheia, via de regra, imobiliário[1] conservando o devedor a posse do bem, tendo o credor o direito de, após o vencimento da dívida, penhorar o bem hipotecado e promover a sua venda judicial, preferindo a outros credores, observada a ordem de registro no Cartório de Registro de Imóveis. É direito acessório porque garante uma dívida (o principal) e dependendo da causa de onde deriva, pode-se classificar a hipoteca em convencional quando se origina do contrato; legal quando emana da lei; e, judicial, quando decorre da sentença[2]. Já no que se refere ao seu objeto, a hipoteca pode ser comum ou ordinária, que recai sobre imóveis; ou especial, reservando-se esse nome para a hipoteca naval, a aeronáutica e a de vias férreas.

André Cordelli Alves define hipoteca reversa em uma modalidade de empréstimo, destinado à população idosa, no qual o mutuário fornece como garantia imóvel do qual seja proprietário[3].

É indispensável registrar a crescente expectativa de vida do brasileiro, a repulsa dos profissionais experientes pelo mercado, que para ele são “velhos” ao se atingir os quarenta anos de idade e a precariedade do sistema previdenciário, cabendo ao legislador definir a expressão “população idosa”, valendo-se o direito alienígena de diferentes idades para tal fim.

Marcelo Abi-Ramia Caetano e Daniel da Mata defendem que tal instituto permite a pessoas em idade avançada converter seu ativo imobiliário em um fluxo mensal de renda, sem a necessidade de vender o imóvel, realizar desembolsos financeiros ou de perder a titularidade do ativo[4].

Nota-se que o seu objetivo é gerar renda à população idosa sem a necessidade do desfazimento do bem. Marcelo e Daniel pontuam que o garantidor pode receber os recursos de tal empréstimo de quatro maneiras: montante único, pagamentos mensais regulares, linha de crédito para o proprietário do imóvel ou uma combinação das modalidades anteriores[5].

O diferencial mais importante entre a hipoteca clássica e a reversa está no fato de que o devedor não realizará pagamentos regulares ao credor, uma vez que a quitação se dará com o seu falecimento, com a venda do imóvel gravado ou com a mudança de domicílio do tomador do empréstimo. Como não há amortização da dívida, ela cresce e o imóvel, em regra, se desvaloriza. A iniciativa privada apenas terá incentivo, se o próprio credor ou outro segmento do mercado se responsabilizar pela diferença.

Ainda se utilizando dos ensinamentos de Marcelo e Daniel, cumpre observar que:

No momento da efetivação do contrato na hipoteca convencional, o devedor detém pouco ou nenhum ativo em relação ao seu imóvel. Com o passar do tempo, os pagamentos se efetuam, a dívida diminui e o ativo imobiliário líquido aumenta. Ao final da hipoteca, a dívida termina e passa a deter um ativo imobiliário substancial. Em suma, trata-se de um programa de empréstimo em que a dívida cai e o patrimônio líquido aumenta ao longo do tempo. Por sua vez, a hipoteca reversa apresenta características opostas. O objetivo do empréstimo é dar liquidez aos ativos imobilizados de pessoas idosas de modo que possam complementar sua renda mediante o uso da hipoteca reversa. No momento de efetivação do contrato, o devedor tem riqueza acumulada na forma de imóvel, o qual é dado como garantia do empréstimo. Com o passar do tempo, o devedor passa a receber pagamentos do credor; portanto, sua dívida aumenta, e o valor do ativo líquido acumulado em imóvel se reduz, dado que do valor bruto do imóvel se deve deduzir o total acumulado em juros, principal e despesas administrativas. Nesse sentido, ao final da hipoteca reversa, o valor líquido acumulado em imóvel tende a ficar substancialmente reduzido ou até mesmo a se anular.

Naturalmente que as consequências do instituto em comento ultrapassam o interesse privado, como tributos, moradia, consumo e previdência. Portanto, a inserção do instituto em tela em nosso ordenamento exige elevado grau de seriedade do poder legislativo e do mercado financeiro, sob pena de enfraquecer ainda mais a parte já hipossuficiente e causar insegurança jurídica aos credores hipotecários. Sem tal pressuposto (a seriedade), em minha opinião, fica inviável a inclusão da hipoteca reversa.


Notas

[1] Pode recair sobre aviões e navios

[2] Praticamente desconsiderada pela doutrina e pelo Poder Judiciário em virtude da penhora no processo de execução e da fraude de execução

[3] André Cordelli Alves. Hipoteca reversa. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI168193,71043-Hipoteca+reversa. Acesso em: 28 nov. 2012.

[4] Marcelo Abi-Ramia Caetano e Daniel da Mata. Hipoteca reversa. Disponível em: http://ideas.repec.org/p/ipe/ipetds/1380.html. Acesso em: 29 nov. 2012.   

[5] Ibidem

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Sobre a autora
Sandra Regina Pires

Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), com diploma em fase de reconhecimento. Especialista em Direito Processual Civil com Formação para o Magistério Superior. Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Professora no curso de Graduação em Direito da Universidade Metodista de Piracicaba - UNIMEP, ministrando as disciplinas Direitos Reais, Direito Processual Civil (Recursos) e Introdução ao Estudo do Direito. Membro da Comissão de Arbitragem da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Jabaquara/Saúde. Mediadora e Conciliadora capacitada pelo Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP) para atuar nas iniciativas pública e privada, habilitada junto ao Núcleo de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e inscrita no Cadastro Nacional de Mediadores e Conciliadores do Conselho Nacional de Justiça. Integrante do painel de árbitros e mediadores da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES/SP). Integrante do painel de conciliadores da Câmara de Mediação e Arbitragem de Joinville (CEMAJ). Advogada militante nas áreas cível e família há 26 anos. Atuação no Magistério Superior por 10 anos, ministrando as disciplinas: Prática Jurídica Civil I e II, Direitos Reais, Responsabilidade Civil e Direito Civil (Parte Geral). Integrante do Núcleo de Prática Jurídica. Atuação como Coordenadora de Monitoria e Estágios. Professora do Curso Preparatório para Magistrados na ESMA/PB (Escola Superior da Magistratura Estadual) nas disciplinas Ação Popular/Ação Civil Pública, Atualidades em Processo Civil, Direitos Reais e Direito Civil (Parte Geral). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9557919549020744.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PIRES, Sandra Regina. Hipoteca reversa. Por que não?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3846, 11 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26120. Acesso em: 19 mar. 2024.

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