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Da responsabilidade civil por abandono afetivo, à luz do ordenamento jurídico pátrio

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26/12/2013 às 11:10
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É cabível a indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo? A questão traz consigo o choque de dois conflitos: de um lado, a liberdade do pai, que consiste na liberdade afetiva, de outro, a solidariedade familiar e a integridade psíquica do filho, inerentes da dignidade da pessoa humana.

Resumo: A importância do presente trabalho vislumbra-se no número cada vez maior de ações buscando a indenização por danos morais em decorrência do abandono afetivo. E não poderia ser diferente, vez que é o afeto a mola propulsora do direito de família, base do princípio da dignidade da pessoa humana. A questão é polêmica, a doutrina e a jurisprudência não se posicionaram de forma definitiva acerca do tema. Assim é que se faz necessário um estudo mais aprofundado sobre a matéria.

Palavras-chave: Direito de família. Afeto. Dignidade da pessoa humana. Indenização. Abandono afetivo.

Sumário: Introdução. 1. A família e sua evolução. 1.1. Considerações gerais. 1.2. Princípios do Direito de Família. 2. Da responsabilidade civil no Direito de Família. 2.1. Considerações gerais. 2.2. Da responsabilidade civil no ordenamento jurídico pátrio. 2.3. Da responsabilidade civil no Direito de Família. 3. Da responsabilidade civil por abandono afetivo à luz do ordenamento jurídico pátrio. 3.1. Considerações gerais. 3.2. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. Conclusão. Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo discorrer acerca da responsabilidade civil por abandono afetivo à luz do ordenamento jurídico pátrio.

É cabível a indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo?

A polêmica é grande e as correntes de pensamento são conflitantes. Isso porque, a questão traz consigo o choque de dois conflitos: de um lado, a liberdade do pai, que consiste na liberdade afetiva, de outro, a solidariedade familiar e a integridade psíquica do filho, inerentes da dignidade da pessoa humana.

Assim é que se faz necessário um estudo mais aprofundado acerca do tema, o qual tem por objetivo geral estudar a responsabilidade civil por abandono afetivo, à luz do ordenamento jurídico pátrio. Por objetivo específico, responder se é cabível a indenização por danos morais por abandono afetivo.

Quanto aos aspectos metodológicos, as hipóteses do trabalho foram investigadas através de pesquisa do tipo bibliográfica, procurando explicar o problema através da análise da leitura já publicada em forma de livros, revistas e publicações diversas da imprensa escrita pertinente ao tema; e documental, através de leis, normas, pareceres, pesquisas on-line, dentre outros que versam sobre o tema. Quanto à tipologia da pesquisa, esta é, segundo a utilização dos resultados, pura, tendo por objetivo ampliar o conhecimento do pesquisador para uma nova tomada de posição. Quanto aos objetivos, a pesquisa é descritiva, buscando descrever fenômenos, descobrir a frequência que o fato acontece, sua natureza e suas características. Classifica, explica e interpreta os fatos; e exploratória, procurando aprimorar ideias, ajudando na formulação de hipóteses para pesquisas posteriores, além de buscar maiores informações sobre o tema.

A princípio, será analisado o conceito de família, o qual está em constante transformação e evolução, em decorrência das mudanças ocorridas na história da civilização; em seguida, tratou-se da responsabilidade civil no direito de família, questão polêmica e controvertida, vez que não se sabe ao certo até que ponto o Poder Público deve interferir nas relações familiares, nas relações de afeto, na vida íntima das pessoas; considerando as disposições contidas no ordenamento jurídico pátrio e a jurisprudência sobre o tema.

Por fim, considerando as noções de responsabilidade civil, os princípios constitucionais e do direito de família, o trabalho se propõe a verificar se é cabível a indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo.


1. A FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO

1.1. Considerações Gerais

A palavra “família” pode ser empregada em diversas acepções. Nesse sentido, Uadi Lammêgo Bulos (2007, p. 1325) afirma que:

Família, em sentido estrito, designa os laços de paternidade, maternidade e filiação. O ambiente familiar é composto dos pais e filhos, irmãos, do homem e da melhor em união estável, de um dos filhos com ambos os pais ou com apenas um deles.

Em sentido amplo, contudo, família é o conjunto de pessoas ligadas pelos laços de parentesco, com descendência comum, e de afinidade (tios, primos, sobrinhos, cunhados etc.).

No Brasil, a primeira Constituição a tratar sobre o tema foi a Carta de 1934. Os Textos de 1824 e de 1891 a ignoraram.

As Constituições de 1934, 1937, 1946 e 1967 faziam referência apenas à família legal, ou seja, aqueles grupos familiares originários do casamento civil.

Segundo a Carta Constitucional de 1988, família não é somente o grupo oriundo do casamento, englobando, também, as uniões fora do casamento, com traços de permanência e continuidade, as quais merecem proteção jurídica.

A verdade é que, a família está em constante transformação e evolução a partir da relação recíproca de influências, bem como às alterações vividas no contexto político, jurídico, econômico, cultural e social no qual está inserida.

A esse respeito, trazemos à baila a lição de Maria Berenice Dias (2009, p. 34):

A entidade familiar, apesar do que muitos dizem, não se mostra em decadência. Ao contrário, é o resultado das transformações sociais. Houve a repersonalização das relações familiares na busca do atendimento aos interesses mais valiosos das pessoas humanas: afeto, solidariedade, lealdade, confiança, respeito e amor. Ao Estado, inclusive nas funções legislativas e jurisdicionais, foi imposto o dever jurídico constitucional de implementar medidas necessárias e indispensáveis para a constituição e desenvolvimento das famílias.

Assim é que, com as mudanças ocorridas na história da civilização, a família deixou de ser um centro político, econômico, religioso e de procriação, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes.

É o que se depreende da leitura do art. 226. da Constituição Federal de 1988: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Dispõe, ainda, que “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento” e que “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.

Dessa forma, “o ordenamento jurídico nacional passou a consagrar a família com pluralidade de tipos: a nuclear, que abrange o casal e seus filhos, a monoparental, podendo ser incluída aí também a de origem celibatária, e a patriarcal, voltada à sucessão hereditária e a interesses comuns” (CASABONA, on line, 2010).

Ressalte-se, por oportuno, outras formas existentes de família, como as relações monoparentais surgidas da coabitação de madrasta e enteado, das relações familiares entre irmãos, entre primos, entre tio e sobrinhos, e os relacionamentos afetivos (MADALENO, 2009, p. 6).

Em assim sendo, tem-se que a noção constitucional de família é ampla, não se restringindo somente ao grupo oriundo do casamento. Isso porque a realidade social trouxe novas formas de família, fundadas, especialmente, em laços de afetividade, as quais não podem ser ignoradas pelo ordenamento jurídico pátrio, em razão do princípio da dignidade da pessoa humana, conforme será visto adiante.

1.2. Princípios do Direito de Família

Visando preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo à família moderna um tratamento mais consentâneo a realidade social, rege-se o novo direito de família por uma série de princípios, dentre os quais se destaca o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da afetividade e o princípio da solidariedade familiar.

O princípio da dignidade da pessoa humana encontra-se previsto na Constituição Federal de 1988, conforme art. 1º, inciso III. É o princípio maior, o ”princípio dos princípios”, do qual todos os demais decorrem.

Agrega em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, expressos na Constituição de 1988. Por isso, consubstancia o espaço de integridade moral do ser humano, independentemente de credo, raça, cor, origem ou status social.

Sobre o tema, o doutrinador Alexandre de Moraes (2005, p. 128) assim se posiciona:

A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que apenas excepcionalmente possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

De acordo com Nelson Nery Júnior (2006), “é o fundamento axiológico do Direito; é a razão de ser da proteção fundamental do valor da pessoa e, por conseguinte, da humanidade do ser e da responsabilidade que cada homem tem pelo outro”.

Ao tratar do tema, Maria Berenice Dias (2009, p. 60) anota que:

O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.

Vez que o direito de família está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer.

O princípio da afetividade, no âmbito familiar, decorre da liberdade que todo indivíduo deve ter de afeiçoar-se um a outro.

Como vimos, com o passar dos tempos, o conceito de família mudou completamente. Acabou a prevalência do caráter produtivo e reprodutivo da família, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes. Conforme Maria Berenice Dias (2009, p. 54):

A ideia de família normal, cujo comprometimento mútuo decorre do casamento, vem cedendo lugar à certeza de que é o envolvimento afetivo que garante um espaço de individualidade e assegura uma auréola de privacidade indispensável ao pleno desenvolvimento do ser humano. Cada vez mais se reconhece que é no âmbito das relações afetivas que se estrutura a personalidade da pessoa. É a afetividade, e não a vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento. A busca da felicidade, a supremacia do amor, a vitória da solidariedade ensejam o reconhecimento do afeto como único modo eficaz de definição da família e de preservação da vida. Esse, dos novos vértices sociais, é o mais inovador.

Depreende-se, pois, a relevância do afeto nas relações familiares. De acordo com Paulo Lôbo (2011, on line), “as relações de consanguinidade, na prática social, são menos importantes que as oriundas de laços de afetividade e da convivência familiar”.

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Por derradeiro, Rolf Madaleno (2009, p. 65), diz que “o afeto é a mola propulsora dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para o fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência humana”.

Temos, pois, que a doutrina tem se posicionado, de forma torrencial, no sentido de que o afeto é um dos direitos da personalidade do qual todos os seres humanos gozam.

Para Carlos Alberto Bittar, citado por Adriana Caldas do Rego Freitas Dabus Maluf (2011, on line):

Consideram-se como da personalidade os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.

Feitas tais considerações, imperioso se faz reconhecer a importância do afeto para a dignidade humana. E não poderia ser diferente, vez que está umbilicalmente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana, princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito.

O princípio da solidariedade compreende a fraternidade e a reciprocidade entre familiares. É um sentimento recíproco que estabelece um vínculo moral entre as pessoas e à vida, criando laços de fraternidade.

Conforme Rolf Madaleno (2009, p. 63):

A solidariedade é princípio e oxigênio de todas as relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário.

É em decorrência do princípio da solidariedade que se impõe aos pais o dever de assistência aos filhos (CF 229), o dever de amparo às pessoas idosas (CF 230), a obrigação alimentar entre parentes (CC 1.694), entre outros.


2. DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DE FAMÍLIA

2.1. Considerações Gerais

Do latim responsabilitatis, a expressão “responsabilidade” tanto pode ser sinônima de diligência e cuidado, no plano vulgar, como pode revelar a obrigação geral de responder pelas consequências dos próprios atos ou pelos de outros, no plano jurídico.

Não são poucas as dificuldades encontradas pela doutrina para conceituar a responsabilidade civil.

Em sua obra Traité Général de La Responsabilité Civile (1911, t. I, n. 1), M. A. Soudart a define como o dever de reparar dano decorrente de fato direto ou indireto.

Há autores, como Roger Pirson e Albert de Villé, que se baseiam, ao defini-la, na culpa, visando que as pessoas respondam pelas consequências prejudiciais de suas ações ou omissões (1935, t. I, p. 5).

René Savatier a considera como a obrigação de alguém reparar dano causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das coisas ou pessoas que dele dependam (1951, v. 1, p. 1).

Seguindo a linha de entendimento acima esposada, a doutrina pátria tem se posicionado no sentido de que a responsabilidade civil significa o dever de reparar o prejuízo.

Conforme Adauto de Almeida Tomaszewski (2004, p. 245), “imputar a responsabilidade a alguém é considerar-lhe responsável por alguma coisa, fazendo-o responder pelas consequências de uma conduta contrária ao dever”.

De acordo com Sílvio de Salvo Venosa (2010, p.1):

O termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar.

Por derradeiro, Maria Helena Diniz (2003, p. 74) assim define a responsabilidade civil:

A aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato ou coisa ou animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples imposição legal (responsabilidade objetiva).

Assim é que a responsabilidade civil é a obrigação imposta pela lei de reparar o dano causado a outrem, seja pela inexecução de uma obrigação nascida de um contrato (responsabilidade contratual), seja por um ato danoso praticado com ou sem a intenção de prejudicar (dolo ou culpa), ou ainda pelo fato ocasionado por um terceiro ou por um animal.

2.2. Da Responsabilidade Civil no Ordenamento Jurídico Pátrio

A responsabilidade civil encontra-se consagrada no ordenamento pátrio pelo art. 927. do novo Código Civil: “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

O conceito de ato ilícito encontra-se insculpido no art. 186. do Codex Civilis, segundo o qual: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

O artigo em tela vem sofrendo duras críticas por parte da doutrina, pelos motivos adiante delineados.

Rui Stoco (2007, p. 120) afirma que “a só violação do direito já caracteriza o ato ilícito, independentemente de ter ocorrido o dano”.

Diverso não é o entendimento de Ruy Rosado de Aguiar Dias (2005, p. 5-14):

Diferentemente do que constava no Código Civil de 1917, a indenização não integra o conceito de ato ilícito, mas decorre de outra norma que dispõe sobre a obrigação que lhe é consequente. Isto é, a indenização é efeito do ato ilícito.

No mesmo sentido, Flávio César de Toledo Pinheiro (2002):

A leitura do art. 186. do novo CC, que deverá entrar em vigor em janeiro de 2003, sugere uma nova definição de ato ilícito, que se afasta do racional, do natural e conduz ao absurdo de considerar ato ilícito somente a violação de direito que cause dano. Jamais a doutrina brasileira condicionou a violação de direito à existência de dano ou prejuízo.

Em que pesem as críticas ao dispositivo, a jurisprudência é pacífica no sentido de que não basta o ato ilícito. Deve decorrer um dano, seja de ordem material ou moral. Inexistindo o liame de causalidade não há que se falar na obrigação de indenizar.

Como visto, duas são as modalidade de responsabilidade civil adotadas pelo Código Civil de 2002: responsabilidade civil objetiva e responsabilidade civil subjetiva.

Em geral, o Código Civil de 2002 adota a teoria da responsabilidade civil subjetiva, fundada na teoria da culpa. Em assim sendo, a fim de que haja o dever de indenizar, necessária se faz a existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e a culpa lato sensu (culpa ou dolo) do agente.

Ou seja, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, do qual exsurge o dever de indenizar.

Subsidiariamente, há casos em que a responsabilidade civil será objetiva, independentemente de dolo ou culpa. É o que prevê o parágrafo único do art. 927. do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Mais uma vez, os ensinamentos de Maria Helena Diniz (2008, p. 50):

O dever ressarcitório, estabelecido por lei, ocorre sempre que se positivar a autoria de um fato lesivo, sem necessidade de se indagar se contrariou ou não norma predeterminada, ou melhor, se houve ou não um erro de conduta. Com a apuração do dano, o ofensor ou seu proponente deverá indenizá-lo.

Ainda nesse sentido, a Constituição Federal estabelece a responsabilidade civil objetiva do Estado perante terceiros que sofreram danos decorrentes de ação ou omissão estatal. É o que diz o art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Trata-se da teoria do risco administrativo, que estabelece a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado, prestadoras de serviços públicos, por ato de seus agentes.

Assim, provados o fato, o dano e o nexo causal, surge o dever de reparar os danos pelo Estado, em face da responsabilidade objetiva.

Esclareça-se, por oportuno, que se adotou apenas a teoria do risco moderado ou mitigado e não do risco integral, que não admite qualquer causa de exclusão da responsabilidade.

2.3. Da Responsabilidade Civil no Direito de Família

A responsabilidade civil no direito de família é questão polêmica e controvertida. Isso porque, não se sabe ao certo até que ponto o Poder Público deve interferir nas relações familiares, nas relações de afeto, na vida íntima das pessoas.

Como vimos, com o advento do novo modelo de família, novos questionamentos surgiram, dentre os quais a questão da responsabilidade civil no direito de família.

A polêmica é grande e as correntes de pensamento são conflitantes.

A doutrina majoritária é no sentido de que ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar. Descabido impor obrigação de caráter indenizatório pelo fim do afeto.

Conforme Moacir César Pena Júnior (2008, p.27), não deve haver indenização pecuniária pelo fim de uma relação de afeto, vez que o amor não tem preço.

Em sentido contrário, Maria Berenice Dias (2009, p. 115):

Há uma acentuada tendência de ampliar o instituto da responsabilidade civil. O eixo desloca-se do elemento do fato ilícito para, cada vez mais, preocupar-se com a reparação do dano injusto. O desdobramento dos direitos de personalidade faz aumentar as hipóteses de ofensa a tais direitos, ampliando-se as oportunidades para o reconhecimento da existência de danos. A busca de indenização por dano moral transformou-se na panaceia para todos os males. Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor. Claro que essa tendência acabou se alastrando até as relações familiares. A tentativa é migrar a responsabilidade decorrente da manifestação de vontade para o âmbito dos vínculos afetivos, olvidando-se que o direito das famílias é o único campo do direito privado cujo objeto não é a vontade, é o afeto. Como diz João Baptista Villela, o amor está para o direito de família assim como o acordo de vontades está para o direito dos contratos. Sobe esses fundamentos se está querendo transformar a desilusão pelo fim dos vínculos afetivos em obrigação indenizatória.

Vê-se, pois, que não há consenso quanto à questão da responsabilidade civil no direito de família. A questão será tratada com mais vagar adiante, em capítulo à parte.

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Sobre o autor
Thomas de Carvalho Silva

- Advogado, especialista em Dir. e Proc. de Famílias e Sucessões. - Autor de diversos artigos e comentários jurídicos publicados em sites e revistas especializadas, bem como palestras e trabalhos apresentados em congressos e seminários.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Thomas Carvalho. Da responsabilidade civil por abandono afetivo, à luz do ordenamento jurídico pátrio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3830, 26 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26239. Acesso em: 19 abr. 2024.

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