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Retenção de pagamento pela Administração Pública.

Legalidade do § 6º do artigo 36 da IN 02/2008 SLTI/MPOG

29/12/2013 às 12:40
Leia nesta página:

É vedada a retenção de pagamento por parte da Administração nos casos em que a contratada executar o objeto, mas estiver com pendências fiscais. Em tais casos, pode a contratante conceder um prazo à contratada para que a mesma regularize sua situação fiscal, sob pena de rescisão contratual.

1. Introdução. Impossibilidade de retenção de pagamento por irregularidade fiscal da contratada.

Muito se discute sobre quais as possibilidades em que a Administração Pública pode efetuar a retenção do pagamento do contratado.

Tema atualmente bastante discutido é aquele referente à retenção de pagamento quando a contratada não estiver em condições fiscais regulares.

O Tribunal de Contas da União, ao se manifestar nos autos da consulta formulada pelo Ministério da Saúde, pacificou o entendimento daquela Corte quanto à impossibilidade de se reter pagamento quando a contratada executar fielmente o objeto pactuado:

Data de publicação: 06/11/2012 “Consulta formulada pelo Ministério da Saúde suscitou possível divergência entre o Parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) 401/2000 e a Decisão nº 705/1994 – Plenário do TCU, relativamente à legalidade de pagamento a fornecedores em débito com o sistema da seguridade social que constem do Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (Sicaf). A consulente registra a expedição, pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão de orientação baseada no Parecer 401/2000 da PGFN, no sentido de que “os bens e serviços efetivamente entregues ou realizados devem ser pagos, ainda que constem irregularidades no Sicaf”. Tal orientação, em seu entendimento, colidiria com a referida decisão, por meio do qual o Tribunal firmou o entendimento de que os órgãos e as entidades da Administração Pública Federal devem exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a da seguridade social. O relator, ao endossar o raciocínio e conclusões do diretor de unidade técnica, ressaltou a necessidade de os órgãos e entidade da Administração Pública Federal incluírem, “nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”, além das sanções resultantes de seu descumprimento. Acrescentou que a falta de comprovação da regularidade fiscal e o descumprimento de cláusulas contratuais “podem motivar a rescisão contratual, a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração e a aplicação das penalidades previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/93, mas não a retenção do pagamento”. Caso contrário estaria a Administração incorrendo em enriquecimento sem causa. Observou, também, que a retenção de pagamento ofende o princípio da legalidade por não constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/93. O Tribunal, então, decidiu responder à consulente que os órgãos e entidades da Administração Pública Federal devem: a) “… exigir, nos contratos de execução continuada ou parcelada, a comprovação, por parte da contratada, da regularidade fiscal, incluindo a seguridade social, sob pena de violação do disposto no § 3º do art. 195 da Constituição Federal”; b) “… incluir, nos editais e contratos de execução continuada ou parcelada, cláusula que estabeleça a obrigação do contratado de manter, durante a integral execução do contrato, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação, prevendo, como sanções para o inadimplemento a essa cláusula, a rescisão do contrato e a execução da garantia para ressarcimento dos valores e indenizações devidos à Administração, além das penalidades já previstas em lei (arts. 55, inciso XIII, 78, inciso I, 80, inciso III, e 87, da Lei nº 8.666/93)”. Acórdão n.º 964/2012-Plenário, TC 017.371/2011-2, rel. Min. Walton Alencar Rodrigues, 25.4.2012.

O Superior Tribunal de Justiça também tem entendimento consolidado quanto à impossibilidade de retenção de pagamento, pela Administração Pública, quando executado o objeto, mas constatada a irregularidade fiscal da contratada:

Ementa: ADMINISTRATIVO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. PAGAMENTO DE FATURAS.ILEGALIDADE DA PORTARIA 227/95, QUE CONDICIONA O PAGAMENTO ÀCOMPROVAÇÃO DA REGULARIDADE FISCAL DA EMPRESA CONTRATADA. MATÉRIAPACIFICADA. 1. Discute-se nos presentes autos a legalidade da Portaria n.227/95, que prevê a retenção de pagamento de valores referentes a parcela executada de contrato administrativo, na hipótese em que nãocomprovada a regularidade fiscal da contratada. 2. A pretensão recursal destoa da jurisprudência dominante nest aCorte no sentido da ilegalidade da retenção ao pagamento devido a fornecedor em situação de irregularidade perante o Fisco, por extrapolar as normas previstas nos arts. 55 e 87 da Lei 8.666 /93.Precedentes: REsp 633432 / MG, rel. Ministro Luiz Fux, DJ 20/6/2005;AgRg no REsp 1048984 / DF, rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma,DJe 10/9/2009; RMS 24953 / CE, rel. Ministro Castro Meira,Segunda Turma, DJe 17/03/2008.3. Agravo Regimental não provido. (STJ, Agravo Regimental no RESP 131359 RR 2012/0049480-3)

No mesmo sentido a IN 02/2008, SLTI/MPOG:

Art. 34-A O descumprimento das obrigações trabalhistas ou a não manutenção das condições de habilitação pelo contratado deverá dar ensejo à rescisão contratual, sem prejuízo das demais sanções, sendo vedada a retenção de pagamento se o contratado não incorrer em qualquer inexecução do serviço ou não o tiver prestado a contento. (Sem destaque no original).

Parágrafo único. A Administração poderá conceder um prazo para que a contratada regularize suas obrigações trabalhistas ou suas condições de habilitação, sob pena de rescisão contratual, quando não identificar má-fé ou a incapacidade da empresa de corrigir a situação.” (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

Também a doutrina nacional manifesta-se nesse sentido, senão veja-se o que entende o  doutrinador Marçal Justen Filho[1]:

Verificando-se, após a contratação, que o contratante não preenchia ou não preenche mais os requisitos para ser habilitado, deverá promover-se a rescisão do contrato […].

Isso se passa, também e especialmente, no tocante à regularidade fiscal. Porém, não significa que a Administração esteja autorizada a reter pagamentos ou opor-se ao cumprimento de seus deveres contratuais sob alegação de que o particular encontra-se em dívida com a Fazenda Nacional ou outras instituições. A administração poderá comunicar ao órgão competente a existência de crédito em favor do particular para serem adotadas as providências adequadas. A retenção de pagamentos, pura e simplesmente, caracterizará ato abusivo, passível de ataque inclusive através de mandado de segurança

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 Resta claro, portanto, que há vedação expressa de retenção de pagamento por parte da Administração nos casos em que a contratada executar o objeto, mas estiver com pendências fiscais. Em tais casos, pode a contratante conceder um prazo à contratada para que a mesma regularize sua situação fiscal, sob pena de rescisão contratual.


2. Retenção de pagamento por inexecução do objeto contratual

Inobstante aos entendimentos acima expostos, a retenção do pagamento afigura-se medida mais prudente, senão obrigatória por parte da Administração, quando houver inexecução do objeto pela contratada, ou execução em desacordo com as especificações contratadas.

Tal possibilidade está prevista no artigo 36 da IN 02/2008, que assim estabelece:

§ 6º A retenção ou glosa no pagamento, sem prejuízo das sanções cabíveis, só deverá ocorrer quando o contratado: (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

I – não produzir os resultados, deixar de executar, ou não executar com a qualidade mínima exigida as atividades contratadas; ou (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

II – deixar de utilizar materiais e recursos humanos exigidos para a execução do serviço, ou utilizá-los com qualidade ou quantidade inferior à demandada. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

A legalidade da norma acima insculpida foi atestada no âmbito da Administração Federal pelo Parecer 111/2012/DECOR/CGU/AGU, que entendeu ser aplicável também aos contratos celebrados pela Administração Pública a exceção ao contrato não cumprido, previsto no artigo 476 do Código Civil, além de encontrar amparo nos artigos 66, 69 e 76.

Além do mais, como bem lembrado no Parecer acima mencionado, o Decreto 4.320/64, em seu s artigos 63 e 64, ampara a licitude da previsão normativa acima transcrita, senão veja-se:

 Art. 62. O pagamento da despesa só será efetuado quando ordenado após sua regular liquidação.

 Art. 63. A liquidação da despesa consiste na verificação do direito adquirido pelo credor tendo por      base os títulos e documentos comprobatórios do respectivo crédito.

 § 1° Essa verificação tem por fim apurar:

 I - a origem e o objeto do que se deve pagar;

 II - a importância exata a pagar;        (Vide Medida Provisória nº 581, de 2012)

 III - a quem se deve pagar a importância, para extinguir a obrigação.

 § 2º A liquidação da despesa por fornecimentos feitos ou serviços prestados terá por base:

 I - o contrato, ajuste ou acôrdo respectivo;

 II - a nota de empenho;

 III - os comprovantes da entrega de material ou da prestação efetiva do serviço

Por outro lado,  o Tribunal de Contas da União, no Acórdão nº 1.450/2011 – Plenário, entendeu ser “dever do gestor público responsável pela condução e fiscalização de contrato administrativo a adoção de providências tempestivas a fim de suspender pagamentos ao primeiro sinal de incompatibilidade entre os produtos e serviços entregues pelo contratado e o objeto do contrato, cabendo-lhe ainda propor a formalização de alterações qualitativas quando de interesse da Administração, ou a rescisão da avença, nos termos estabelecidos na Lei nº 8.666/1993”.

A Corte de Contas, inclusive, entende que  “A falta de qualquer das providências acima configura conduta extremamente reprovável, que enseja a irregularidade das contas, a condenação dos gestores ao ressarcimento do dano ao erário e a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.443/1992”


3. Conclusão

Desta maneira, verifica-se a legalidade no ato da Administração em reter o pagamento da contratada, quando constatada a inexecução ou execução em desacordo do objeto pactuado, nos moldes do  §6º do artigo 36 da IN 02/2008 SLTI/MPOG.


Nota

[1] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012

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Sobre a autora
Juliana Lima Salvador

Servidora Pública Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Juliana Lima. Retenção de pagamento pela Administração Pública.: Legalidade do § 6º do artigo 36 da IN 02/2008 SLTI/MPOG. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3833, 29 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26250. Acesso em: 19 abr. 2024.

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