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Imunidade recíproca por ricochete:

breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas”

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26/12/2013 às 12:15
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O STF estendeu a aplicação da cláusula imunizante às empresas públicas e sociedades de economia mistas prestadoras de serviços públicos, desde que sejam instrumentalidades estatais para a consecução de seus misteres e preencham a alguns requisitos aqui estudados.

Resumo: A imunidade tributária recíproca existente no Brasil é fruto, de certa forma, do federalismo adotado por nosso país. Atualmente, a Constituição Federal de 1988 imunizou expressa e taxativamente alguns entes estatais da cobrança de impostos. Dentre eles, podemos citar a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, e, também, as Autarquias e Fundações Públicas. Diante desse panorama político-fiscal, nada mais propício do que uma análise de sua extensão a algumas das pessoas jurídicas que, não obstante detenham capital público, são também integradas por particulares. Fala-se, pois, da sociedade de economia mista, cuja composição acionária é majoritária (50% mais 1) do ente público, sendo o restante de propriedade de particulares. Nessa esteira, em uma breve análise do dispositivo que imuniza as pessoas estatais acima, é possível observar que as sociedades de economia mistas não figuram entre elas. Contudo, diante de uma interpretação sistemática, o Supremo Tribunal Federal entendeu por bem estender o benefício a essas pessoas jurídicas, mesmo sabendo que essa imunização respingaria por ricochete em particulares, desde que estas preencham aos requisitos que se seguem, quais sejam, que o referido benefício se restrinja à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; não haja benefício de atividades voltadas à exploração econômica; e que inexista efeito colateral relevante à quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita.

Palavras-chave: Constituição Federal. Sistema Tributário Nacional. Limitação ao Poder de Tributar. Imunidade Recíproca. Impostos. Sociedade de Economia Mista.

Sumário: Introdução; I.Sistema Tributário Nacional; 1.1. Noções gerais; 1.2. Definição de tributo; 1.3. Espécies de tributos; 1.3.1. Impostos; 1.3.2. Taxas; 1.3.3. Contribuições de melhoria; 1.3.4.Empréstimos compulsórios; 1.3.5. Contribuições especiais; II. Principais limitações ao poder de tributar; 2.1. Noções gerais; 2.2. Princípios; 2.2.1. Legalidade; 2.2.2. Isonomia; 2.2.3. Não surpresa; 2.2.4. Não confisco; 2.2.5. Liberdade de tráfego; 2.2.6. Não discriminação; 2.3. Espécies de limitação; 2.3.1. Limitações implícitas x explícitas; 2.3.2.Limitações formais x materiais; 2.3.3. Limitações de primeiro grau x de segundo grau; III. Imunidades; 3.1. Noções gerais; 3.2. Fundamentação constitucional; 3.3. Tributos passíveis de aplicação; 3.4. Destinatários expressos; IV. Imunidade recíproca por “ricochete”; 4.1. Noções gerais; 4.2. Conceito; 4.3. “Leading case”; 4.4. Requisitos para reconhecimento e aplicação; 4.4.1. Restrição à propriedade, bens e serviços do ente federado utilizados na prestação de serviços públicos; 4.4.2. Não benefício de atividades voltadas à exploração econômica; 4.4.3. Inexistência de efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita; 4.5. Exemplos recentes; Considerações finais; Referências bibliográficas.

 


INTRODUÇÃO

Inicialmente, no tocante ao tema da presente pesquisa - IMUNIDADE RECÍPROCA POR RICOCHETE: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas” –, destaco que o mesmo surgiu do desejo de analisar a extensão da imunidade de impostos às pessoas jurídicas de direito privado, ainda que constituídas e mantidas em sua maioria pelo poder público, notadamente as sociedades de economia mista. Essa abordagem se mostra importante na medida em que tais benefícios foram estabelecidos com o fito de se preservar a intangibilidade do princípio federativo.

Verifica-se no texto constitucional, precisamente em seu artigo 150 e SS., que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios instituir impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros. Além isso, o parágrafo 3º do artigo 150 estendeu esse benefício às autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.

Assim, verifica-se, a contrario sensu, que as pessoas jurídicas de direito privado instituídas e/ou mantidas pelos entes da federação, tais como empresas públicas e sociedades de economia mista, não foram alvos dessa limitação ao poder de tributar, pelo menos de forma expressa. As primeiras delas, isto é, as empresas públicas, não obstante apresentem natureza privada, já decidiu o Supremo Tribunal Federal que as mesmas quando prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica,[1] integrando o conceito de fazenda pública, fazendo jus, portanto, a essa imunidade. As segundas, que são o principal foco da presente pesquisa, não integram o conceito de fazenda pública no tocante a essa imunidade, tendo em conta que são dotadas de capital privado, e aparentemente, como tal, vai de encontro a outro princípio, qual seja, o da livre concorrência[2], ficando excluídas, portanto.

Nessa banda, o Supremo Tribunal Federal ao julgar caso de uma sociedade de economia mista de São Paulo pugnava pelo reconhecimento do sobredito privilégio[3], deparou-se com uma situação em que sua composição acionária era quase em sua totalidade (99,97%) da União, ao passo que o restante (0,03%) era constituído de capital privado. Concluiu o Pretório Excelso pelo reconhecimento da imunidade quanto ao pagamento do Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana – IPTU – em favor da dita sociedade de economia mista, indo, portanto, de encontro com a jurisprudência até então consolidada na Corte, qual seja, de que não era cabível a extensão da cláusula imunizante às referidas entidades.

Nessa esteira, se o benefício fosse concedido de maneira deliberada, isto é, pelo simples fato de conter capital público, o desequilíbrio concorrencial e a livre concorrência seriam atingidos em cheio. A uma porque as demais concorrentes sofreria desvantagem no tocante aos impostos devidos, como por exemplo IPTU, IPVA, IOF, ICMS etc. A duas porquanto o mercado ficaria afetado quando o estado estivesse presente, o mínimo que fosse. A três pelo fato de que esses custos certamente seriam repassados aos consumidores, alimentando ainda mais a famigerada tributação indireta, ou seja, aquela em que a natureza jurídica e estrutural do tributo permite que o sujeito passivo legal repasse o encargo econômico financeiro a terceira pessoa, geralmente o destinatário final do produto ou serviço.

Como essa espécie de imunidade foi desenvolvida em face do princípio federativo, isto é, para garantia da autonomia dos entes federativos, inviável seria que não se estabelecesse parâmetros palpáveis. Portanto, como o texto constitucional quedou-se silente quanto essas entidades, coube ao STF decidir pela extensão ou não da imunidade recíproca de impostos, sempre garantido a eficácia do princípio federativo.

O resultado prático disso é a estabilização das relações concorrenciais que envolvam dinheiros públicos investidos e sua distinção para com aquelas que buscam a consecução das atividades estatais.

Logo, o efeito “ricochete” causado no leading case citado acima não tem, a princípio, em tese, o condão de prejudicar a livre concorrência e o principio federativo, até porque o Pretório Excelso estabeleceu três critérios objetivos (ou estágios – como preferiu denominar o Ministro relator do leading case) a que a sociedade de economia mista deve atender para que lhe seja reconhecida a extensão da imunidade tributária recíproca.

Esses estágios restaram consignados de forma expressa na Ementa do Acórdão no qual se analisou os meandros do tema posto, bem o que será explorado no decorrer do trabalho.

Por derradeiro, é objetivo do trabalho trazer à tona alguns casos em que se pode identificar o fenômeno da imunidade recíproca, mormente no que tange às sociedade de economia mista “anômalas”[4] à guisa de julgados emanados da Excelsa Corte do país, notadamente nos Acórdãos do AI 558.682 AgR[5] e do AI 551556 AgR[6].


I.          SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

1.1.       Noções Gerais

Ao imaginarmos um sistema, por mais simples ou complexo que seja, nos vem à cabeça algo que envolve a conexão entre determinados elementos, postos em funcionamento para servir a um todo, o sistema.

Com o sistema tributário nacional não é diferente, ou seja, determinados elementos foram dispostos na Constituição Federal, de maneira ordenada e com funções próprias, para regular o mínimo desse fenômeno chamado tributação em nosso país.

Para o mestre Geraldo Ataliba, o sistema tributário nacional pode ser definido como o “conjunto de princípios constitucionais que informa o quadro orgânico de normas fundamentais e gerais de Direito Tributário vigentes em determinado país.”[7]

Nossa atual Constituição Federal (1988) alberga o sistema tributário nacional em seus artigos 145 a 162.

Nos dizeres de Ricardo Lôbo,

o poder tributário – da mesma forma que o poder estatal em geral – se divide verticalmente, segundo os vários níveis de governo no Estado Federal (poder federal, estadual e municipal), e, também, horizontalmente (poder de legislar, administrar e julgar). Não se cuida de duas questões distintas, mas da integração do critério material com o vertical, pois o Judiciário e os outros Poderes da União colocam-se vis-à-vis aos Poderes dos Estados e Municípios.[8]

É sabido e consabido que nossa Carta Magna é classificada pela doutrina constitucionalista como sendo analítica (ou prolixa)[9], de modo que regula com maior minudência possível a grande maioria dos assuntos de que trata.

Nesse passo, Sacha Calmon Navarro Coelho assevera que:

Somos, indubitavelmente, o país cuja Constituição é a mais extensa e minuciosa em tema de tributação. Este cariz, tão nosso, nos conduz a três importantes conclusões:

Primus - os fundamentos do Direito Tributário brasileiro estão enraizados na Constituição, de onde se projetam altaneiros sobre as ordens jurídicas parciais da União, dos estados e municípios;

Secundus – o Direito Tributário posto na Constituição deve, antes de tudo, merecer as primícias dos juristas e dos operadores do Direito, porquanto é o texto fundante da ordem jurídico-tributária;

Tertius – as doutrinas forâneas devem ser recebidas com cautela, tendo em vista as diversidades constitucionais.[10]

Isso de um todo não é ruim, posto que quanto mais matérias a Constituição Federal, menos margem de diferenças haverá no que concerne ao direito de tributar dos entes federativos.

Alexandre de Moraes relembra que a

tendência de constitucionalização do sistema tributário nacional surgiu com a Emenda Constitucional nº 18/65, à Constituição Federal de 1946, e, posteriormente, foi adotada pela Constituição de 1967.[11]

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É bom lembrar também que de acordo com o artigo 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Constituição Federal de 1988, o sistema tributário nacional atual entrou em vigor a partir do primeiro dia do quinto mês seguinte ao da promulgação da Constituição, mantido, até então, o da Constituição de 1967, com a redação dada pela Emenda nº 1, de 1969, e pelas posteriores.

Por fim, Mauro Luis Rocha nos adverte que

O Sistema Tributário Nacional mostra-se rígido, também como decorrência da forma constitucional de que se revestem suas principais normas. Estas, quando não petrificadas pela disposição do art. 60, § 4º, da Constituição de 1988, dependem de processo legislativo árduo para serem alteradas (emenda constitucional – quorum qualificado de 3/5).[12]

Como se observa, o constituinte pátrio optou por bem em blindar, de certa forma, o sistema tributário nacional, com vistas a dificultar a sua alteração de forma oportunista, embora saibamos que isso ainda ocorre com certa frequência, principalmente quando determinadas forças interessadas na referida mudança convergem para esse sentido.

1.2.            Definição de tributo

Não obstante a hodierna Constituição Federal se mostrar amplamente prolixa no tocante ao tema tributação, esta não conceitua o que vem a ser tributo, nem mesmos se lida de uma ponta a outra.

É bem verdade que implicitamente, com base nos seus inúmeros princípios, até disciplina algo que lembre o conceito de tributo, mas nada de forma expressa, razão pela qual não se pode afirmar que dispõe o conceito de tributo.

Entretanto, essa mesma Constituição acolheu o conceito aduzido no artigo 3º do Código Tributário Nacional (Lei Ordinária nº 5.172/66), o qual recepcionou com status de Lei Complementar[13].

Com efeito, prevê o artigo 3º do CTN que:

Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

Lado outro, a doutrina tributarista brasileira nos elenca uma série de conceitos de tributo, geralmente acrescidos de eventual crítica ao conceito legal.

Como exemplo, citamos o conceito elaborado por Luciano Amaro, para o qual “tributo é a prestação pecuniária não sancionatória de ato ilícito, instituída em lei e devida ao Estado ou a entidades não estatais de fins de interesse público.”[14]

Como este trabalho não tem por escopo a profunda análise do conceito de tributo, não há necessidade de se minudenciar todos os elementos constantes do conceito legal de tributo, uma vez que não trará contribuições além daquelas embutidas na simples conceituação de tributo.

1.3.            Espécies de tributos

Na Constituição Federal de 1988, os tributos são subdivididos em cinco espécies distintas, quais sejam, impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais. Essa é a chamada teoria pentapartida (ou quinquipartida).

O Código Tributário Nacional, por sua vez, adotou a chamada teoria tripartida (ou tricotômica), abarcando tão somente impostos, taxas e contribuições de melhoria.

No entanto, após enfrentar o tema, o Supremo Tribunal Federal adotou a primeira teoria citada, qual seja, a pentapartida.[15]

Desse modo, adotaremos e conceituaremos, de forma simplória, os cinco tributos elencados na Carta Magna de 1988 (impostos, taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais).

Por fim, é dom alvitre lembrar que a Constituição Federal não criou nem instituiu qualquer tributo, mas tão somente autorizou os entes federativos que o fizessem, observados, contudo, cada fatia de competência reservada a estes.

1.3.1.    Impostos

Segundo dispõe o artigo 16 do Código Tributário Nacional, “imposto é todo tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.

Ao contrário das taxas, as quais pressupõem uma contrapartida do Estado, isto é, seu atuar dentro de seu poder de polícia, ou prestação de um serviço público específico e divisível, os impostos são cobrados simplesmente em razão do poder e império do ente estatal para cobrir as despesas de toda coletividade.

Para Leandro Paulsen, “é dever fundamental contribuir para as despesas públicas, sendo que o principal critério para a distribuição do ônus tributário, inspirado na ideia de justiça distributiva, é a capacidade contributiva.[16]

E essa capacidade contributiva é aferida, essencialmente pelo pagamento de impostos, os quais incidem sobre a manifestação de riqueza do contribuinte.

Por fim, calha lembrar que os recursos carreados através de impostos não podem ser destinados a fim específico, isto é, não podem ser previamente afetados a determinado fim.

Antes, esses recursos compõem e integram o todo do orçamento estatal, e só então, poderão ser utilizados conforme as políticas publicas orientadas pelos governantes, ressalvadas ainda as parcelas de destinação obrigatória a outros entes federativos.

Entretanto, essa questão relacionada a destinação dos recursos carreados por meio da instituição e cobrança de impostos transcende ao objetivo que aqui se pretende, qual seja, a breve análise da conceituação dos tributos, dentre eles os impostos, de modo que se deve buscar mais esclarecimentos na literatura financeira e orçamentária, caso isso auxilie o leitor no entendimento da matéria aqui tratada.

1.3.2.      Taxas

Ao contrário dos impostos, as taxas foram definidas pela Constituição Federal de 1988. Ademais, tratou de arrolar as possíveis hipóteses para a sua instituição e cobrança.

Conforme se verifica do artigo 145, inciso II, da Carta Magna de 1988, os entes federativos (União, estados, municípios e o Distrito Federal) poderão instituir taxas, “em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”[17].

Observa-se aqui que as taxas devem ser pagas em razão de uma atividade estatal, diferentemente do que ocorre com os impostos, conforme visto anteriormente.

Consoante os ensinamentos de Luis Eduardo Schoueri,

tem-se que a taxa é paga porque alguém causou uma despesa estatal. A ideia é que, se um gasto estatal refere-se a um contribuinte, não há razão para exigir que toda coletividade suporte. Daí a racionalidade da taxa estar na equivalência.[18]

Em suma, são duas as espécies de taxas que os entes estatais poderão instituir e cobrar, caso o fato gerador se complete, quais sejam, a) taxa de polícia – devida em razão do exercício do poder de polícia; e b) taxa de serviço – utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

Por fim, é de se ressaltar que se não houver a atuação do ente estatal, não há que se falar em taxa, pois o tributo decorrente única e simplesmente do poder de império do Estado é o imposto.

1.3.3.      Contribuições de melhoria

Prevista no atual artigo 145 da Carta Magna de 1988, precisamente em seu inciso III, a contribuição de melhoria é uma das cinco espécies tributárias reconhecidas pela doutrina e também pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Baseada em dois pressupostos, um deles expressamente insculpido na Constituição Federal, as contribuições de melhoria são tributos decorrentes da execução de obra pública pelo ente estatal.

Não obstante o texto constitucional atual não faça menção à valorização dos imóveis, tal como o da constituição de 1967 fazia em seu artigo 18, inciso II, esse é o outro dos pressupostos fáticos para a legitimação da cobrança da contribuição de melhoria.

Desse modo, é preciso que o ente empregue determinada verba pública em específica obra pública da qual seu resultado enseje a valorização dos imóveis de determinada comunidade.

E isso tem uma razão de ser. Não seria correto que toda a coletividade (sociedade) arcasse com o custo de determinada obra que beneficie diretamente a apenas algumas pessoas.

Outro ponto que é importante ressaltar é o limite a ser cobrado dos beneficiários das melhorias. Em razão de a Constituição não delimitar o espectro de valorização, e também de cobrança, convencionou-se no Código Tributário Nacional[19] que esta estaria limitada ao valor total empregado na obra, sob pena de estarmos diante de um verdadeiro enriquecimento sem causa por parte do ente estatal.

Nessa linha, são os ensinamentos de Kiyoshi Harada. Vejamo-los, pois:

A maior dificuldade na cobrança dessa espécie tributária está na delimitação da zona de influência benéfica da obra pública. Sabemos que existem obras que acarretam valorização longitudinal, ao longo da obra; outras que ocasionam valorização radial, ao redor da obra; outras, ainda, como o conhecido “minhocão” (Elevado Costa e Silva) motivam valorização nos pontos extremos. Daí a dificuldade na detectação de imóveis passíveis de valorização em decorrência de obra pública. Isso explica a razão pela qual a maioria das municipalidades vêm cobrando de pavimentação de vias e logradouros públicos, hipótese em que é fácil a delimitação da zona de influência benéfica. Alguns Municípios vêm instituindo taxa de asfaltamento com o fito de facilitar sua cobrança. (Nota do autor: O STF vem declarando a inconstitucionalidade desse tipo de taxa por entender exigível, no caso, unicamente a contribuição de melhoria – RTJ 116/1075)[20]

Em suma, a contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Não obstante a isso, o artigo 82 do CTN prevê ainda que devem ser respeitados alguns requisitos para a cobrança das contribuições de melhoria. In verbis:

Art. 82. A lei relativa à contribuição de melhoria observará os seguintes requisitos mínimos:

I - publicação prévia dos seguintes elementos:

a) memorial descritivo do projeto;

b) orçamento do custo da obra;

c) determinação da parcela do custo da obra a ser financiada pela contribuição;

d) delimitação da zona beneficiada;

e) determinação do fator de absorção do benefício da valorização para toda a zona ou para cada uma das áreas diferenciadas, nela contidas;

II - fixação de prazo não inferior a 30 (trinta) dias, para impugnação pelos interessados, de qualquer dos elementos referidos no inciso anterior;

III - regulamentação do processo administrativo de instrução e julgamento da impugnação a que se refere o inciso anterior, sem prejuízo da sua apreciação judicial.

§ 1º A contribuição relativa a cada imóvel será determinada pelo rateio da parcela do custo da obra a que se refere a alínea c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em função dos respectivos fatores individuais de valorização.

§ 2º Por ocasião do respectivo lançamento, cada contribuinte deverá ser notificado do montante da contribuição, da forma e dos prazos de seu pagamento e dos elementos que integram o respectivo cálculo.

Por fim, sobreleva destacar ainda que mesmo que o ente tenha dispendido recursos em determinada obra e o cobre a título de contribuição de melhoria, a cobrança será indevida se não houver comprovação da valorização imobiliária das residências, lojas etc, próximas ao empreendimento público.

1.3.4.      Empréstimos compulsórios

Previstos no artigo 148 da Constituição Federal de 1988, os empréstimos compulsórios também são abarcados pela Teoria Pentapartida dos tributos, sendo considerados como mais uma das espécies de tributos.

Para Ricardo Lobo, o empréstimo compulsório

é o dever fundamental consistente em prestação pecuniária que, vinculada pelas liberdades fundamentais, sob a diretiva do princípio constitucional da capacidade contributiva, com a finalidade de obtenção de receita para as necessidades públicas e sob promessa de restituição, é exigida de quem tenha realizado o fato descrito em lei elaborada de acordo com a competência especificamente outorgada pela Constituição.[21]

Ademais, é preciso destacar que para a criação dessa espécie tributária a Carta Magna exige a elaboração de Lei Complementar, ou seja, diploma normativo que, inobstante seja de mesma hierarquia das Leis Ordinárias, demandam quórum qualificado para a sua aprovação[22].

Lado outro, imperioso destacar ainda que os empréstimos compulsórios são tributos de arrecadação vinculada, isto é, os recursos carreados com sua criação somente podem ser destinados àquela despesa que a fundamentou.

Diferentemente das espécies anteriores, esse tributo é de competência exclusiva da União, não havendo que se falar em empréstimos compulsórios estaduais e/ou municipais.

Por fim, a Constituição elenca de forma expressa em seu artigo 148 as situações em que os empréstimos compulsórios terão vez em nosso sistema tributário, são elas: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".

1.3.5.      Contribuições especiais

Previstas no artigo 149 da Constituição vigente, as contribuições especiais encerram a lista da teoria Pentapartida dos tributos.

Vejamos a redação do referido artigo:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

Para Carrazza, “com a só leitura deste artigo já percebemos que a Constituição Federal prevê três modalidades de ‘contribuições’: as interventivas, as corporativas e as sociais”[23].

Além destas, podemos citar ainda a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE -, as Contribuições Corporativas (OAB, CRM, CREA, CONFEA etc) e a Contribuição para o custeio do Serviço Público de Iluminação Pública – COSIP.

Em geral, essas contribuições somente podem ser instituídas pela União, regra que comporta exceção, a exemplo do que diz o § 1º do artigo 149, cuja redação determina aos demais entes da federação a instituição de contribuição especial para o custeio do regime previdenciário de seus servidores.

Conforme ressaltado alhures, não há necessidade de maior aprofundamento sobre o assunto, já que não se faz necessário para a perfeita compreensão do tema posto como principal.

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Sobre o autor
Joabson Carlos Pereira Silva

Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Distrito Federal - TJDFT. Especialista em Direito Público pelo Instituto Processus de Direito. Pós-graduando (lato sensu) em Direito e Contemporaneidade pela Escola da Magistratura do Distrito Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Joabson Carlos Pereira. Imunidade recíproca por ricochete:: breve análise da pertinência da aplicação da cláusula imunizante às sociedades de economia mista “anômalas”. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3830, 26 dez. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26253. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Trabalho apresentado como requisito parcial para a obtenção do título de Pós-graduação em Direito e Contemporaneidade pela Escola da Magistratura do Distrito Federal (ESMA/DF). Orientador: Dr. Eduardo Henrique Rosas (Juiz de direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios - TJDFT).

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