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Descriminantes putativas

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06/01/2014 às 14:55
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O projeto do novo Código Penal filia-se à teoria extremada da culpabilidade. Inova ao proclamar que o erro do tipo permissivo (que não mais poderá ostentar esse nome), não exclui a punição pelo delito doloso, e submete-se às regras do erro de proibição, excluindo-se, se inevitável, a culpabilidade.

I – COLOCAÇÃO DO PROBLEMA: A QUESTÃO DA LEGITIMA DEFESA PUTATIVA  E DO ESTADO DE NECESSIDADE PUTATIVO

A potencialidade agressiva de certos aparelhos, engenhos, cães ferozes, encontra melhor solução, para muitos como Francisco de Assis Toledo[1], dentro dos limites da legítima defesa. É a legítima defesa preordenada ou predisposta. É o que se chama de ofendículas.

Nelson Hungria[2] considera que as ofendículas devem ser admitidas mesmo com o risco de que, ao invés do ladrão, venha a ser vítima da armadilha uma pessoa inocente, caso em que, a seu ver, configuraria legítima defesa putativa.

A legítima defesa é posta ao lado do estado de necessidade, do estrito cumprimento do dever legal e do exercício regular de direito, como causa de exclusão da ilicitude. Estamos diante de causas de justificação que, quando incidem, o fato embora aparentemente típico, não será um crime, mas sim um lícito penal.

No estado de necessidade (artigos 23,I e 24 do CP) (no qual há a prática de fato para salvar de perigo atual - que o agente ativo não provocou por sua vontade, nem pôde de outro modo evitar - direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, pelas circunstâncias, não era razoável exigir-se) são exigidos para a configuração da excludente:

a) perigo atual, presente a ameaça concreta a bem jurídico;

b) proteção do direito próprio ou alheio;

c) situação de perigo atual não causada de forma voluntária pelo agente;

d) inexistência do dever legal de enfrentar o perigo.

O estado de necessidade defensivo vem a ocorrer quando o ato necessário se dirige contra a coisa de que promana o perigo para o bem jurídico defendido. O estado de necessidade defensivo ocorre quando o ato necessário se dirige contra coisa diversa daquela que promana o perigo para o bem jurídico defendido.

Fala-se com relação ao estado de necessidade na aplicação de duas teorias: a unitária e a diferenciadora. Penso que podemos adotar a segunda teoria.

Heleno Cláudio Fragoso[3],  defendendo a aplicação da teoria diferenciadora[4], por influência da doutrina alemã, disse o que segue:

¨A legislação vigente, adotando fórmula unitária para o estado de necessidade e aludindo apenas ao sacrifício de um bem que, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, compreende impropriamente também o caso de bens de igual valor(é o caso do naufrago que, para ter a única tábua de salvamento, sacrifica o outro). Em tais casos, subsiste a ilicitude e o que realmente ocorre é o estado de necessidade como excludente da culpa(inexigibilidade de outra conduta), que a seu tempo examinaremos.¨

Termina Heleno Cláudio Fragoso por dizer:

¨O estado de necessidade exclui a ilicitude quando, em situação de conflito ou colisão, ocorre o sacrifício do bem de menor valor. A inexigibilidade de outra conduta, no entanto, desculpa a ação quando se trata de sacrifício de bens de igual ou de maior valor, que ocorre em circunstâncias nas quais ao agente não era razoavelmente exigível o comportamento diverso. O estado de necessidade previsto no art. 20 do Código Penal vigente, portanto, pode excluir a antijuridicidade ou a culpabilidade, conforme o caso.¨

Se, pela teoria unitária, o estado de necessidade é sempre causa de exclusão da ilicitude, a teoria diferenciada, com a colisão entre bens jurídicos de igual ou maior valor, exclui a culpabilidade, enquanto que o sacrifício de bem de menor valor exclui a ilicitude.[5]

Para Júlio Fabbrini Mirabete[6], o Código brasileiro adotou a teoria unitária e não a teoria diferenciadora[7]. Assim, há estado de necessidade não só no sacrifício de um bem menor para salvar um de maior valor, mas também no sacrifício de um bem de valor idêntico ao preservado, como no caso do homicídio praticado por um náufrago para se apoderar da tábua de salvação. Não ocorrerá a justificativa se for de maior importância o bem lesado pelo agente. Assim não se poderia matar para garantir um bem patrimonial.

Sendo assim o estado de necessidade pode ser invocado quando da prática de qualquer crime, mesmo os delitos culposos, não se admitindo a sua aplicação nos casos de crimes permanentes ou habituais.

Mas há situação de estado de necessidade putativo, se o agente supõe por erro que está em perigo. É o caso conhecido do agente que, supondo, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, estar no meio de um incêndio, não responde por lesões corporais ou morte que vier a causar para se salvar. Repito que estamos no campo das chamadas descriminantes putativas.

Exige-se para a legítima defesa:

a) repulsa a agressão atual ou iminente e injusta;

b) defesa de direito próprio ou alheio;

c) emprego moderado de meios necessários;

d) orientação de ânimo do agente no sentido de praticar atos defensivos.

São necessários os meios reputados eficazes e suficientes para repelir a agressão. Já decidiu o Supremo Tribunal Federal que o modo de repelir a agressão também pode influir decisivamente na caracterização do elemento em exame(RTJ 85/475-7). Nessa linha de pensar, o emprego de arma de fogo não para matar, mas para ferir ou para amedrontar(tiro fora do alvo) poderia  ser considerado, em certas circunstâncias, o meio disponível, menos lesivo, eficaz e, portanto, necessário. Tal solução merece sérios debates numa sociedade que precisa combater o uso de armas.

Há a análise da questão da proporcionalidade, na legítima defesa

 Nelson Hungria[8] nos dá uma conclusão, a nosso ver radical, data vênia, quando embora entendendo que,  no caso do roubo de frutas, se  bastar a ameaça de arma, estaria excluída a legitimidade de disparas no ladrão. Destaca que, por mínimo que seja o mal ameaçado ou por mais modesto que seja o direito defendido, não há desconhecer a legítima defesa, se a maior gravidade da reação derivou da indisponibilidade de outro meio menos prejudicial, e posto que não tenha havido imoderação no seu emprego. Assim, para ele, à luz da doutrina alemã, abatendo o chamado sentimentalismo latino, qualquer bem jurídico pode ser defendido mesmo com a morte do agressor, se não há outro remédio para salvá-lo. Ora, data vênia, é brutal tal ponto de vista, pois a proporcionalidade da defesa deve ser condicionada não apenas a gravidade da agressão, mas ainda a relevância do bem ou interesse que se defende.

Ora, data venia, não há direitos absolutos, pois não há falar em legítima defesa abusiva.

Pode-se falar em excesso  doloso ou culposo na legítima defesa, assim como também há no estado de necessidade.

Aqui vem  a ideia de excesso culposo,resultante de uma imprudente falta de compreensão, falta de contensão por parte do agente, quando isso era possível nas circunstâncias para evitar um resultado mais grave do que o necessário a defesa do bem agredido, que viria de um estado emotivo causado pela repulsa ao ato agressivo.[9]

Esse estado emotivo pode-nos trazer uma imaginação em nosso subconsciente de situações que não condizem com a realidade fática.

É conhecido o surrado exemplo quando no auge de uma discussão áspera entre duas pessoas, uma delas leve a mão ao bolso, e a outra, supondo que ela ia sacar uma arma, ou coisa que o valha, atira primeiro, mas depois se descobre que a vítima estava desarmada. É a chamada legítima defesa putativa, que está inserida entre as descriminantes putativas, previstas no artigo 20, § 1º, do Código Penal.

Ainda é devido trazer outro exemplo quando certa pessoa, tarde da noite, caminha por uma rua mal iluminada, em situação que já seria bastante a preocupar, diante de assassinatos recentes que ali surgiram, ao desenvolver sua caminhada, encontra uma pessoa que caminhava em sua direção, e que tinha feições de um criminoso que se dava como perigoso assassino. O agente, em estado de tensão,  saca a sua arma e dispara um tiro fatal contra  o suposto agressor. Ao seu aproximar se choca ao verificar que a pessoa atingida, na verdade, era um conhecido, que procurava a sua ajuda.

Na doutrina,  para a chamada teoria limitada da culpabilidade, nota-se que as descriminantes putativas são divididas entre as que ocorrem em relação a pressuposto fático de uma excludente de ilicitude(para uns, erro do tipo permisivo) e quando relacionadas ao limite ou a existência de uma causa de justificação(erro de proibição indireto). Com o devido respeito penso que o erro na descriminante putativa é o erro de proibição.

Para aquela teoria limitada da culpabilidade, no erro sobre os pressupostos fáticos de uma causa de justificação, ocorre um erro do tipo permissivo. No erro sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação, configura-se o erro de proibição, com a exclusão da culpabilidade. 

Entre as descriminantes putativas, além da legitima defesa putativa, existe ainda o estado de necessidade putativo, o exercício regular de direito putativo e o estrito cumprimento do dever legal putativo.

O quadro de legítima defesa putativa assim foi conceituada por Nelson Hungria:

¨Dá-se a legitima defesa putativa quando alguém erroneamente se julga em face de uma agressão actual e injusta, e, portanto, legalmente autorizado à reação que empreende.¨[10]

O agente se imagina na presença de uma causa, que se realmente existisse, justificaria sua conduta, ou seja, uma causa de justificação.

Aquele que reage a uma suposta agressão, que se mostrou real apenas em sua imaginação, e que se existisse tornaria a sua ação legítima, age em legítima defesa putativa.

Repete-se o exemplo  do agente que supõe que se encontra em meio a um incêndio, dada a quantidade de fumaça e os gritos dos circunstantes, ferindo alguém para safar-se do local e se apura que não havia incêndio(estado de necessidade putativo).

De outro modo, é conhecido o exemplo do policial, que munido de um mandado de prisão, recolhe à prisão A, supondo que este é B, irmão gênio daquele e objeto da ordem judicial ( estrito cumprimento do dever legal putativo). 

Certo que há, no direito penal, o  conceito de crime putativo ou crime imaginário, que se distancia da tentativa inidônea (crime impossível).

Adota-se o entendimento de que a lei penal adotou a chamada teoria objetiva na distinção entre inidoneidade absoluta e inidoneidade relativa de meios e de objeto. A tentativa absolutamente inidônea fica impune.

Por sua vez, o crime imaginário é um fato que o agente julga punível, mas que, na realidade, não é definido como crime pela lei. O crime existe apenas em sua imaginação e essa errônea opinião não bastaria para torná-lo punível. Para Aníbal Bruno,[11] haveria atipicidade, ausência de tipicidade.

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Para Aníbal Bruno [12], ainda há erro no crime putativo. O agente erra em supor criminoso o ato que pratica, na realidade não definido na lei como crime. Mas, não seria erro do agente que excluiria o tratamento penal, pois não haveria crime, porque não haveria nenhum tipo legal a que o ato praticado correspondesse. O fato na sua expressão objetiva e na sua elaboração psíquica seria totalmente estranho ao direito punitivo. Isso porque a norma proibitiva só existiria no subjetivo do agente.

 Há, sem dúvida, um enorme abismo entre legítima defesa putativa e legítima defesa real. A primeira existe no conhecimento equivocado do agente em relação aos pressupostos objetivos da legítima defesa enquanto a segunda se configura com a existência concreta desses pressupostos.

A modesta pretensão desse estudo é expor o conflito de ideias envolvendo a natureza jurídica das descriminantes putativas.

Aliás, dispõe o artigo 20,§ 1º, do Código Penal: ¨É isento de pena quem, por erro, plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.¨

O agente supõe que está agindo licitamente ao imaginar que se encontram presentes  os requisitos de uma das causas justificativas presentes na lei.

Estaríamos diante de um erro do tipo permissivo? Será caso de erro de proibição ou ainda um tipo intermediário?

Para isso, penso correto fazer uma divagação com relação a teoria da culpabilidade, desde a teoria normativa até a teoria finalista, para se verificar a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.


II – CULPABILIDADE

Dentro de uma concepção psicológica da culpabilidade, o dolo era representação e vontade, para que os que entendiam a culpabilidade como simples nexo psíquico. Assim a culpabilidade era ligação psicológica entre o agente e o seu fato e estaria no psiquismo do agente.

Posteriormente, com as ideias trazidas por Frank, em 1907, lançaram-se as bases da denominada ¨teoria normativa da culpabilidade¨, introduzindo-se no conceito de culpa a reprovabilidade do ato praticado.

Para ser culpável não bastava que o fato fosse doloso, ou culposo, mas era preciso que, além disso, seja censurável ao autor. Sendo assim o dolo e a culpa deixaram de ser espécies de culpabilidade e passaram a ser elementos dela. A culpabilidade era um juízo de reprovação ao autor do ato composto dos seguintes elementos: imputabilidade, dolo ou culpa stricto sensu(negligência, imprudência, imperícia); exigibilidade, nas circunstâncias de um comportamento conforme ao direito. O dolo era visto como voluntariedade, previsão e consciência atual do ilícito, que presentes possibilitam o juízo de censura de culpabilidade.

No entanto, Hans Welzel, professor da Universidade de Göttingen, e mais tarde da Universidade de Bonn, entendeu que o dolo faz parte da ação humana e não do juízo de culpabilidade. O dolo e a culpa stricto sensu foram extraídos da culpa e inseridos no conceito de ação, incluídos no tipo legal do crime. Há, pois, tipos dolosos e tipos culposos.

Do dolo foi retirada a consciência da ilicitude, fazendo-se alteração no entendimento quanto  a consciência potencial da ilicitude,  ficando o dolo do tipo e a culpabilidade assim reduzidos:

dolo do tipo:

- intencionalidade, que é igual a finalidade da ação(elemento volitivo);

-previsão do resultado(elemento intelectual).

culpabilidade

- imputabilidade;

-consciência potencial da ilicitude;

-possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir de outro modo;

- juízo de censura do autor por não ter exercido, quando podia, esse poder-agir de outro modo.

Assim a culpabilidade é entendida como um juízo valorativo, um juízo de censura que se faz ao autor de um fato criminoso. Esse juízo terá por objetivo o agente do crime e sua ação criminosa enquanto que o dolo está no objeto da valoração, sendo um elemento necessário do tipo doloso.

Em síntese, na matéria, disse Miguel Reale Jr.[13] que a culpabilidade é um juízo de reprovação relativo à formação dessa vontade enquanto que  a antijuridicidade é o caráter de comportamento dotado de sentido axiológico negativo, de forma que este  deflui da vontade axiológicamente negativa.

Ainda é Miguel Reale Jr.[14] quem nos ensina que dentro do quadro da culpabilidade, a não exigibilidade é um juízo de valor sobre a formação do querer do agente e encerra, primeiramente, a valoração da situação na qual é necessária a presença de necessários requisitos objetivos e, posteriormente, a avaliação da opção realizada em função que, naquela situação, assume relevância, perante um juízo de direito como deve ser.


III – O ERRO DO TIPO E O ERRO DE PROIBIÇÃO  

O erro é a falsa percepção da realidade, que pode recair tanto sobre elementos constitutivos do tipo como da ilicitude do comportamento.

Ilicitude de um fato é a correlação de contrariedade que se estabelece entre esse fato e a lei, norma escrita elaborada pelo Parlamento, órgão legislativo no Brasil.

O certo é que, a teor do artigo 21 do Código Penal, é inescusável o desconhecimento do injusto. Assim são erros inescusáveis:

a) Erros de eficácia, que são os que versam sobre a não aceitação da legitimidade de um determinado preceito legal, na suposição de que contraria outro preceito;

b) Erros de vigência: quando o autor ignora a existência de um preceito legal, ou ainda não teve tempo de conhecer uma lei;

c) Erros de subsunção: quando o erro faz com que o agente se equivoque sobre o enquadramento legal da conduta;

d) Erros de punibilidade: quando o agente sabe ou podia saber que faz algo proibido, mas imagina que não há punição para essa conduta.

A falta de consciência de ilicitude não pode ser confundida com ignorância da lei.

A partir disso é mister fazer a dicotomia erro do tipo e erro de proibição.

Abordou-se que o erro pode recair sobre um elemento constitutivo de um fato típico como ainda sobre a ilicitude de um comportamento.

Quando o erro incide sobre um elemento constitutivo do tipo legal ele é um erro do tipo. Se ele incide sobre a ilicitude da ação há o que se chama de erro de proibição.

Afasta-se a dicotomia do erro sobre o fático e o jurídico, mudando-se o foco para a solução do problema.

É mister citar a lição de Francisco de Assis Toledo[15] coloca-se a distinção entre tipo e antijuridicidade(ou ilicitude).  O erro ou recai sobre elementos ou circunstâncias integrantes do tipo legal do crime(fático ou jurídico normativos, ora recai sobre a ilicitude da ação. Assim, no primeiro caso, tem-se erro sobre elementos ou circunstâncias do tipo, o erro do tipo. Na segunda hipótese, tem-se erro sobre a ilicitude do fato real, o erro de proibição.

É correto fazer a distinção entre tipo e ilicitude com a correspondente distinção entre erro do tipo(artigo 20 do CP) e erro de proibição.

São exemplos de erro do tipo:

a) no crime de calúnia, o agente imputa falsamente a alguém a autoria de um fato definido como crime porque acredita, de forma sincera, que tenha sido o mesmo praticado. O agente desconhece a elementar típica falsamente, uma condição do tipo. Assim se o agente não sabia que a imputação era falsa, não agiu com dolo de caluniar, excluindo-se a tipicidade;

b) no delito de corrupção ativa(artigo 333 do CP), ser o agente passivo ¨funcionário público¨ constitui elemento essencial do tipo, constando o conceito de funcionário público da lei(artigo 327). Quem oferece propina, para a prática de ato de ofício, a um empregado de entidade autárquica, ou paraestatal, supondo que essa espécie de empregado não se reveste da qualidade de funcionário público, incorre em erro do tipo;

c) No crime de furto(artigo 155 do CP) dois elementos do tipo são a coisa e a circunstância de ser alheia. Quem se apodera de um cheque ao portador, seja por supor que não se trata de coisa ou ainda por entender que lhe pertence, incorre em erro do tipo;

d) No crime de desacato, se o agente desconhece que a pessoa contra a qual está agindo com desrespeito é funcionária pública, imaginando tratar-se de pessoa comum, não pratica o desacato, por não haver dolo de desacatar, podendo incidir no crime de injúria verbal;

e) Em crime previsto na lei de drogas, se o agente tem cocaína em casa, supondo-se tratar de outra substância inócua, pratica erro do tipo;

f)  Em crime de homicídio, se um caçador dispara uma arma sobre um objeto escuro, imaginando-se tratar-se de um animal, e atinge uma pessoa, incide em erro do tipo;

O dolo, sabe-se, compreende a vontade e a consciência em realizar o tipo penal e se o agente errou sobre algum dos elementos do tipo, desaparece o dolo, há causa de exclusão da tipicidade.

O erro do tipo essencial exclui o dolo, mas permite a punição pelo crime culposo, se previsto em lei, não se falando em culpabilidade.

O erro do tipo essencial é o que recai sobre algum elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Quem se apodera de coisa alheia móvel, pensando ser um objeto que lhe pertence, erra sobre um elemento do tipo, sem o qual o crime deixa de existir. Não comete furto algum. O erro é escusável.

Diferente é aquele que supondo matar A, mata B, por engano. É erro acidental, sendo irrelevante ser a vítima A ou B, bastando matar um ser humano, sendo que o crime não deixa de existir.

Fala-se num erro do tipo permissivo, que ocorre quando o objeto do erro for um pressuposto de uma causa de justificação. Para os adeptos da teoria limitada da culpa essa é a hipótese a tratar no que concerne às descriminantes putativas, do que se lê do artigo 20, parágrafo único, do Código Penal.

Por sua vez, o erro de proibição, na redação que foi dada ao artigo 21, caput, e parágrafo único, do Código Penal, pela Lei 7.209/84, Parte Geral, assim está previsto: ¨O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena: se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência.¨

Correto o entendimento de que no erro de proibição há três elementos fundamentais: a lei, o fato e a ilicitude. A lei como proibição, o ente abstrato; o fato como ação, entidade material; a ilicitude como relação de contrariedade entre o fato e a norma.

O erro de proibição exclui a culpabilidade.

O projeto do Código Penal, voltando-se para um pluralismo que inexistia, por certo, à época do Código Penal de 1940, erigido no Estado Novo, e a reforma de sua Parte Geral, de 1984, ao final da ditadura militar, no caso de crimes de índios, defende que se trata de erro de proibição, quando o índio pratica o fato agindo de acordo com os costumes, crenças e tradições de seu povo(artigo 36). Seria um erro de proibição culturalmente condicionado, que exclui a culpabilidade. Assim disseram Zaffaroni e Pierangeli: [16]

¨Muito embora existe delito que o silvícola pode entender perfeitamente, existem outros cuja ilicitude ele não pode entender, e, em tal caso, não existe outra solução que não a de respeitar a sua cultura no seu meio, e não interferir mediante pretensões de tipo etnocentrista, que escondem, ou exibem, a pretendida superioridade da nossa civilização industrial, para destruir todas aas relações culturais a ela alheias.¨

Correto o entendimento dos que entendem que ou seria reconhecida uma exculpação por fato de consciência ou ainda por reconhecimento da figura do autor por convicção.

É sabido que o autor comum é aquele que está normalmente em contradição consigo mesmo e reconhece, desta forma, a norma que viola. Por sua vez, o autor por convicção e o autor de consciência não estão em contradição consigo próprios, uma vez que agem  segundo as suas convicções, a sua consciência, consoante a sua visão de mundo, e assim rejeitam a ordem jurídica, por entenderem ser contrária aos seus entendimentos, às suas crenças e aos seus princípios éticos e morais. Sendo assim o autor por convicção tem consciência do caráter proibitivo do ato, mas em nome de uma certa  convicção política, religiosa ou social, nega a natureza criminosa do comportamento que leva a cabo, substituindo à sua a valoração legal, como ensina Eduardo Correia.[17]

Seja como for, a mensagem do projeto parece ser de que os índios devem ter a sua forma de organização social, política e jurídica respeitadas, mas coloca a oposição entre o índio e o homem branco, o que se distancia do direito penal liberal, em sua tradição, que se afirma cega a determinadas características contingenciais.

Ademais, fica nítido no Projeto, quando se estuda esses crimes praticados pelos índios, sob o enfoque de um erro de proibição, a questão, para muitos  perigosa, do chamada culpabilidade da personalidade ou de pessoa. Para Figueiredo Dias[18], considerado o pai do código penal português, culpa da pessoa é a violação pelo homem do dever de conformar o seu existir por forma a que, na sua atuação de vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente protegidos.

Assim a falta de consciência da ilicitude do fato irá excluir a culpabilidade. Porém, quem agir sem a consciência da ilicitude, quando podia e devia ter essa consciência, age com culpa.

Há o erro de proibição direto que ocorre quando o agente desconhece a norma proibitiva ou a conhece mal ou ainda por desconhecer a sua verdadeira incidência.

Ainda temos como erro de proibição escusável, o erro de mandamento(erro mandamental), quando o agente se encontra em posição de ¨garantidor¨, diante de situação de perigo de cujas circunstâncias fáticas tem perfeito conhecimento, omite a ação que lhe é determinada pela norma preceptiva, envolvendo um dever jurídico de impedir um resultado, supondo que não tem o dever jurídico de agir para impedir o resultado, por erro inevitável. O tutor, supondo já ser um pesado ônus ter aceitado os encargos da tutela, pensa não estar obrigado a arriscar a sua própria vida para salvar o irrequieto pupilo que está se afogando, num exemplo trazido por Francisco de Assis Toledo.[19]

No erro de proibição indireto o agente erra sobre a existência ou sobre os limites de uma causa de justificação. Ele sabe que pratica um fato em principio proibido, mas supõe, por erro inevitável, que, nas circunstâncias, milita a seu favor uma norma permissiva prevalente.

Veja-se a diferença: no erro de proibição indireto, o engano incide sobre o entendimento da norma excludente da ilicitude, seja quanto à existência dela, seja quanto aos seus limites jurídicos. É o exemplo da chamada legítima defesa da honra, no que concerne ao erro de proibição sobre os limites objetivos e subjetivos de uma causa de justificação. Há caso do exemplo da ultrapassada e censurável ideia da defesa da honra, quando o agente mata o cônjuge ao surpreendê-lo em flagrante adultério

Há ainda exemplo de erro de proibição quanto a existência ou sobre os  limites de causa de justificação quando há a prática de um furto, supondo estar o agente da subtração em estado de necessidade, uma vez que está desempregado e com dificuldades financeiras. Ora, estado de precisão não é estado de necessidade.

São hipóteses de erro sobre a ilicitude do fato.

A eles poderemos somar como casos de erros de proibição:

a)  matar uma pessoa gravemente enferma, a seu pedido, para livrá-la de um mal incurável, supondo o agente que a eutanásia é permitida;[20]

b)  vender o relógio que recebeu para conserto depois de escoar-se o prazo em que o proprietário deveria apanhá-lo,supondo o sujeito que a lei permite a venda para pagamento dos serviços dos reparos;

c)  vender mercadoria do empregador para se pagar de salários atrasados;

d)  a exibição de um filme pornográfico quando o agente supõe lícita sua conduta por ter sido liberado pela censura.

O Projeto do Código Penal manteve o erro do tipo como estava na Lei 7.209/84.

O Projeto, outrossim, extirpa a redação que era dada ao artigo 21 que ainda proclama a vigência do vetusto brocardo error iuris nocet, dificultando o reconhecimento prático da figura do erro de proibição.

Todavia, na redação que é dada ao artigo 35, § 1º, do Projeto, onde se observa que no erro de proibição evitável, o agente responderá pelo crime, sem dúvida, uma expressão coloquial que se distancia da definição científica que se deve dar ao texto da lei penal. Correto afirmar que no erro de proibição evitável, a pena será reduzida de forma obrigatória, diferentemente do que se lê na redação atual do artigo 21, ¨poderá¨.

Aliás, essa evitabilidade do erro de proibição deverá levar em conta de acordo com as qualidades e defeitos do sujeito, sem levar em conta um padrão médio que se dê de comportamento.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Descriminantes putativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3841, 6 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26295. Acesso em: 25 abr. 2024.

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