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Consórcio de empregadores domésticos

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Dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, constantes do art. 1º da denominada "Constituição Cidadã", vemos presente no inciso IV do aludido artigo "os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa". Seguindo esta linha, o art. 170, inciso III da Carta Magna, coloca entre os princípios da ordem econômica "a busca do pleno emprego".

Os dispositivos acima citados demonstram a sensibilidade do legislador constituinte a um aspecto que já era presente à época da elaboração da Constituição e hoje é evidente: o grande número de trabalhadores no mercado informal de trabalho.

Em qualquer esquina das grandes metrópoles encontramos pessoas exercendo atividades laborativas por conta própria, face a escassez de oportunidades de emprego. Da mesma forma, verificamos uma legião de trabalhadores que deveriam estar protegidos sob o manto do vínculo empregatício e que acabam se travestindo de trabalhadores autônomos, já que o empregador não consegue suportar os ônus que recaem sobre si em função da relação de emprego.

Como exemplo podemos citar alguém que pode, no momento em que você lê este artigo, estar fazendo serviços de asseio ou faxina em sua casa: as diaristas.

Hodiernamente, na maior parte das residências, tanto o homem quanto a mulher passam a maior parte do dia fora de casa, cada um exercendo sua atividade laboral. As tarefas domésticas que no passado cabiam à mulher hoje já não podem ser realizadas por esta, que assim como o "homem da casa" também realiza trabalhos externos no afã de compor o orçamento familiar.

Porém, não podemos prescindir das tarefas domésticas e nem todas as famílias dispõem de renda suficiente para manter uma relação de emprego desta natureza. Deve-se ressaltar que é quase certo que não é imprescindível uma empregada doméstica em cada lar todos os dias da semana, razão pela qual normalmente a diarista presta seus serviços duas vezes por semana em grande parte dos lares.

Esta realidade dá origem a uma série de problemas, tais como: grande quantidade de empregadas(os) domésticas(os) laborando sem vínculo empregatício; enorme quantidade de Reclamatórias Trabalhistas onde o aludido vínculo é pleiteado; prestação de serviços e circulação de dinheiro sem a devida tributação etc.

A primeira vista parece um tanto difícil alcançarmos a reversão deste quadro, contudo, vislumbra-se uma luz no fim do túnel, baseada em uma experiência advinda das relações de trabalho no setor rurícola.

A Portaria nº 1.964/1999 do Ministério do Trabalho e Emprego baixou normas a serem observadas pelas diversas Delegacias Regionais do Trabalho no sentido de dar ampla divulgação à modalidade de contratação denominada "Consórcio de Empregadores Rurais", posteriormente regulada pela Lei 10.255/2001. Esta forma de contratação veio ao encontro dos anseios de empregadores e sindicatos de trabalhadores rurais no sentido de resolver a questão do subemprego no campo, sobretudo em função da sazonalidade de algumas culturas.

Com o consórcio de empregadores rurais, os mesmos empregados podem ser aproveitados no decorrer de cada ano em diferentes lugares, conforme as necessidades de cada cultura. Assim, evita-se os contratos de safra; as diversas rescisões de contrato de trabalho; a incerteza sobre a manutenção do trabalhador rural em seu emprego e tantos outros infortúnios que assolavam o trabalho no campo.

Pela sistemática que esta modalidade de contratação adota, em resumo, temos, de um lado uma reunião de empregadores, e do outro o empregado rural, que farão entre si um contrato de trabalho estando estabelecida a responsabilidade solidária dos consorciados pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias decorrentes da contratação.

Reputo que esta sistemática pode ser adaptada às relações de trabalho doméstico, propondo desde já o estabelecimento de fóruns de discussão para o desenvolvimento desta idéia que ainda está em estado embrionário.

Duas ou três famílias poderiam formar o consórcio e contratar o empregado doméstico para realizar as tarefas de responsabilidade deste último na residência de cada um dos consorciados, na periodicidade por estes estipulada, v.g., durante seis dias da semana(observando assim o repouso semanal remunerado) o empregado realizaria serviços por dois dias em cada lar. Os consorciados acertariam entre si a parcela do salário que caberia a cada um; elegeriam uma espécie de preposto responsável pelas assinaturas na CTPS; acertariam também entre si a data do gozo de férias do empregado e demais peculiaridades da relação de emprego. O contrato necessariamente deverá ser escrito, podendo as DRT´s auxiliarem os empregadores quando da elaboração da minuta.

O consórcio não precisaria ter personalidade jurídica, contudo, a lei que viesse regulamentar este tipo de contratação poderia conferir personalidade judiciária ao mesmo, tal qual à da sociedade sem personalidade jurídica e a do espólio, previstas no art. 12, incisos V e VII do CPC, por exemplo.

Tal qual no consórcio de empregadores rurais, a responsabilidade pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias seria solidária entre os consorciados, ressalvada a cada prejudicado a ação regressiva. Poderia até ser previsto expressamente o cabimento de denunciação à lide a esta hipótese em especial, apesar de muitos entenderem ser incabível esta espécie de intervenção de terceiros no processo trabalhista.

Acredito que esta modalidade de contratação poderia se tornar menos dispendiosa para os empregadores e mais lucrativa tanto para os empregados, que teriam a segurança de um emprego; bem como para os cofres públicos, já que estaria assegurada a contribuição previdenciária que certamente as diaristas não recolhem.

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Esta é apenas uma sugestão preliminar, diria que uma pedra em estado bruto, que, devidamente lapidada por mãos mais hábeis que a deste humilde colaborador, poder-se-ia tornar uma verdadeira jóia no que se refere à busca do pleno emprego.

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Sobre o autor
Fábio Luís de Araújo Rodrigues

advogado da Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária (INFRAERO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RODRIGUES, Fábio Luís Araújo. Consórcio de empregadores domésticos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2631. Acesso em: 18 abr. 2024.

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