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Plena liberdade sindical da Convenção nº 87 da OIT contra o princípio da unicidade sindical do art. 8º, II, da CF/88

03/01/2014 às 09:16

Resumo:


  • A unicidade sindical no Brasil, princípio que impede a existência de mais de uma organização sindical representativa na mesma base territorial, é considerada uma norma retrógrada e contrária à Convenção nº 87 da OIT sobre liberdade sindical.

  • A Convenção nº 87 da OIT promove a liberdade sindical, permitindo a livre escolha pela unidade ou pluralidade sindical, sem intervenções estatais que limitem esse direito.

  • A ratificação da Convenção nº 87 pela legislação brasileira é impedida pela regra constitucional da unicidade sindical, o que gera debates sobre a necessidade de reforma sindical e alterações constitucionais para a efetiva garantia da liberdade sindical no país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O princípio da unicidade sindical é uma regra derivada de um regime corporativista e fascista da década de 1930, e impede a plena liberdade de associação sindical.

Resumo: Este artigo tem como objetivo refletir sobre a limitação que existe no nosso ordenamento jurídico de criar mais de uma organização sindical representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, isto é, o princípio da unicidade sindical, princípio este que conflita com as disposições da Convenção nº 87 da OIT, que trata da liberdade sindical, sendo esse um assunto polêmico na doutrina trabalhista. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica considerando as contribuições de autores como Nascimento (2011), Delgado (2010), Martinez (2012) e Garcia (2011), entre outros, procurando-se demonstrar que o princípio da unicidade é uma norma retrógada, de viés corporativista, que remonta à época em que o Estado intervinha nas relações sindicais. Concluiu-se que é importante que seja promovida uma modificação no texto constitucional e na legislação infraconstitucional no sentido de extirpar essa vedação, que limita sobremaneira a criação de novas organizações sindicais, afrontando diretamente a liberdade sindical, bem como a necessidade de que o Brasil ratifique a Convenção nº 87 da OIT.

Palavras-chave: Convenção nº 87/OIT. Princípio da unicidade. Liberdade sindical.


Introdução

O presente trabalho tem como tema a questão da liberdade sindical promovida pela Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o seu conflito com o princípio da unicidade sindical que ainda impera no nosso ordenamento jurídico com fundamento no artigo 8º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

A liberdade sindical é de suma importância, pois somente com uma entidade sindical livre, sem subordinação aos empregadores ou às limitações e intervenções estatais, é que os trabalhadores poderão lutar pelos seus direitos.

No Brasil, as entidades sindicais (sindicatos, federações e confederações) foram regulamentadas na década de 1930, mas com um viés corporativista e fascista. Eram instituições totalmente controladas pelo Estado, ineficazes para a garantia dos direitos dos trabalhadores. A questão mudou com o advento da Constituição Federal de 1988, que garantiu a vedação ao Poder Público à interferência e à intervenção na organização sindical.

Todavia, o inciso II, do art. 8º da CF/88 trouxe uma norma que impede a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município.

Nesta perspectiva, construíram-se questões que nortearam este trabalho. O que é o princípio da unicidade sindical? O que se entende por liberdade sindical promovida pela Convenção nº 87 da OIT? De que forma o princípio da unicidade limita a liberdade sindical? O que é mais benéfico? A unicidade ou a pluralidade sindical?

Vários autores discutem a necessidade de que essa Convenção seja ratificada pelo Brasil em prol da liberdade sindical. Consoante Amauri Mascaro Nascimento, “a intervenção e a interferência do Estado no movimento sindical, invalida, também, a sua naturalidade, na medida em que o submete aos modelos estabelecidos pelo Estado em detrimento da sua livre organização e ação” (NASCIMENTO, 2011, p. 1232).

Neste contexto, o objetivo deste estudo é analisar esse assunto polêmico na doutrina trabalhista, demonstrando as posições dos autores que são a favor da unicidade sindical e, de outro lado, dos que são contra essa regra, os quais pugnam por uma modificação no texto constitucional e na legislação infraconstitucional no sentido de extirpar essa vedação, bem como pela necessidade de que o Brasil ratifique a Convenção nº 87 da OIT.

Para alcançar os objetivos propostos, utilizou-se como recurso metodológico a pesquisa bibliográfica, realizada a partir da análise pormenorizada de materiais já publicados em livros de Direito do Trabalho, jurisprudência dos tribunais superiores, e artigos científicos divulgados no meio eletrônico. O texto final foi fundamentado nas ideias e concepções de autores como Nascimento (2011), Delgado (2010), Martinez (2012) e Garcia (2011), entre outros.


Desenvolvimento

A liberdade de associação sindical é um direito fundamental assegurado por nossa Constituição Federal de 1988, que decorre da liberdade de associação (art. 5º, incisos XVII a XXI). Está assegurada no art. 8º, caput, e inciso V, da Carta Magna.

Sindicato, conforme define Nascimento (2011, p. 1284), é o órgão de representação de um grupo social constituído de trabalhadores. As entidades sindicais patronais representam um grupo econômico. As funções dos sindicatos são de representação, de substituição processual, de negociação coletiva e assistencial. Suas prerrogativas e deveres estão descritos nos artigos 513 e 514 da CLT, respectivamente.

Convém esclarecer que o sindicalismo encontra suas origens nas corporações de ofício de artesãos e construtores que surgiram durante a Idade Média, a partir do século XII, principalmente na França e na Grã-Bretanha, e tomou força na época da Revolução Industrial, no século XVIII, até ser proibido pelos Estados em função do idealismo liberalista advindo da Revolução Francesa de 1789 (Lei Le Chapellier de 1791). O fato de associar-se para formar um sindicato chegou a ser considerado como crime, como definia o Código Penal de Napoleão (1810), pois se entendia que se tratava de uma forma de conspiração por parte dos trabalhadores. Durante a Segunda Guerra Mundial (1939/1945), os ideais comunistas e socialistas afloraram, e com isso a revitalização do sindicalismo.

Segundo Avilés (1980), a organização sindical passou pelas seguintes fases: fase da proibição, fase da tolerância e fase do reconhecimento do direito sindical, esta última subdividindo-se em reconhecimento sob o controle do Estado, como no corporativismo e no sistema soviético, e em reconhecimento com liberdade caracterizada pela desvinculação entre a organização sindical e o Estado, em maior ou menor grau.

No Brasil, o direito de associação, do qual deriva o direito de associação sindical, foi garantido desde a Constituição Federal de 1891 (art. 72, § 9º). Posteriormente, a pluralidade sindical chegou a ser garantida pela Constituição Federal de 1934, consagrada no seu art. 120, parágrafo único: “A lei assegurará a pluralidade sindical e a completa autonomia dos sindicatos”[1]. A Constituição de 1937, por sua vez, sob a inspiração do Estado Novo e do seu regime político, estabeleceu diretrizes diametralmente opostas, restringido sobremaneira a liberdade sindical.

Durante a década de 1930, com Getúlio Vargas, fortemente inspirado na Carta del Lavoro da Itália (1927), o sindicalismo foi considerado como um processo de produção, uma função de interesse nacional que vincularia o capital e trabalho, competindo ao Estado a organização das categorias dos trabalhadores, tudo conforme definia a Lei dos Sindicatos (Decreto nº 19.770, de 1931), posteriormente incorporada pela Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943). Dessa forma, os sindicatos passaram a serem meras organizações organizadas de trabalhadores e hierarquicamente submetidas às regulamentações do Estado.

Somente com advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é que as organizações sindicais deixaram de se submeter a esse total intervencionismo estatal e ter viés corporativista. Conforme refere Nascimento (2011, p. 1243), os princípios da Constituição de 1988 relativos às organizações sindicais são os seguintes:

a) o direito de organização sindical e a liberdade sindical; b) a manutenção do sistema confederativo com os sindicatos, federações e confederações, sem menção às centrais sindicais; c) a unicidade sindical com a autodeterminação das bases territoriais, não sendo, todavia, admitida a criação de um sindicato se já existente outro na mesma base e categoria; a base territorial fixada pelos trabalhadores não poderá ser inferior à área de um Município; d) a livre criação de sindicatos sem autorização prévia do Estado; e) a livre administração dos sindicatos, vedada interferência ou intervenção do Estado; f) a livre estipulação, pelas assembleias sindicais, da contribuição devida pela categoria, a ser descontada em folha de pagamento e recolhida pela empresa aos sindicatos, mantida, no entanto, sem prejuízo da contribuição fixada em lei; g) a liberdade individual de filiação e desfiliação; h) a unificação do modelo urbano, rural e de colônias de pescadores; i) o direito dos aposentados, filiados ao sindicato, de votar nas eleições e de serem votados; j) a adoção de garantias aos dirigentes sindicais, vedada a dispensa imotivada desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato; l) o direito de negociação coletiva; m) o direito de greve, com maior flexibilidade; n) o direito de representação dos trabalhadores nas empresas a partir de certo número de empregados [grifei].

A Constituição Federal de 1988 acolheu, em parte, a Convenção nº 87, de 1948, da OIT[2], relativa à liberdade sindical e à proteção do direito de sindicalização, ou seja, não garantiu a plena liberdade sindical. Essa Convenção é considerada o primeiro tratado internacional que consagra, com o princípio da liberdade sindical, uma das liberdades fundamentais do homem.

Conforme a Convenção nº 87 da OIT, quatro garantias básicas caracterizam a liberdade sindical: o direito de fundar sindicatos, o direito de administrar sindicatos (elaborar seus próprios estatutos e regulamentos administrativos, a eleição livre dos seus representantes e a auto-organização da gestão), o direito de atuação dos sindicatos e o direito de filiação ou desfiliação de um sindicato[3]. Em resumo, proclama a autonomia sindical, dispondo que:

Artigo 2

Os trabalhadores e os empregadores, sem nenhuma distinção e sem autorização prévia, têm o direito de constituir as organizações que estimem convenientes, assim como o de filiar-se a estas organizações, com a única condição de observar os estatutos das mesmas.

Artigo 3

1. As organizações de trabalhadores e de empregadores têm o direito de redigir seus estatutos e regulamentos administrativos, o de eleger livremente seus representante, o de organizar sua administração e suas atividades e o de formular seu programa de ação.

2. As autoridades públicas deverão abster-se de toda intervenção que tenha por objetivo limitar este direito ou entorpecer seu exercício legal. [grifei].

Artigo 8

1. Ao exercer os direitos que lhes são reconhecidos na presente Convenção, os trabalhadores, os empregadores e suas organizações respectivas estão obrigados, assim como as demais pessoas ou coletividades organizadas, a respeitar a legalidade.

2. A legislação nacional não menoscabará nem será aplicada de forma que menoscabe as garantias previstas nesta Convenção. [grifei].

Conforme refere Nascimento (2011, p. 1272), a liberdade sindical significa ainda a posição do Estado perante o sindicalismo, respeitando-o como manifestação dos grupos sociais, sem interferências maiores na sua atividade enquanto em conformidade com o interesse comum. Nesse caso, liberdade sindical é o livre exercício dos direitos sindicais.

O princípio da liberdade sindical, como bem ressalta Delgado (2011), encontra-se na estrutura do Direito Coletivo do Trabalho da atualidade, pautado pela democracia e pluralismo nas relações sindicais. “Não mais se sustenta o modelo sindical controlado pelo Estado, impondo regras que acabam sufocando a atuação dos autores sociais nas relações coletivas de trabalho” (DELGADO, 2010, p. 1220).

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A Convenção nº 87 da OIT, todavia, ainda não foi ratificada e promulgada pelo Brasil. E os principais entraves para a sua ratificação são: a) a manutenção do sistema confederativo com os sindicatos, federações e confederações e sua organização por categorias; b) a contribuição sindical obrigatória; c) e a unicidade sindical com a autodeterminação das bases territoriais, e vedação da criação de mais de uma associação sindical, em qualquer nível, representativa de certa categoria em uma mesma base territorial.

Justamente sobre esse último empecilho é que o este trabalho passa a abordar. Esse modelo organizacional que autoriza a existência de apenas uma entidade representativa de categoria profissional ou econômica dentro de determinada base territorial trata-se do princípio da unicidade sindical. Consoante os artigos 8º, inciso V, da CF/88 e 516 da CLT, respectivamente:

Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte:

[...] II - é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município;

Art. 516 - Não será reconhecido mais de um sindicato representativo da mesma categoria econômica ou profissional, ou profissão liberal, em uma dada base territorial.

Delgado (2010, p. 1238) explica que unicidade sindical ocorre quando a norma exige a existência de um único sindicato representativo dos correspondentes obreiros, seja por empresa, seja por profissão, seja por categoria profissional, vendando-se a existência de entidades sindicais concorrentes ou de outros tipos sindicais.

Como salienta Martinez (2012), o modelo de unicidade sindical atinge, indistintamente, qualquer organização sindical, em qualquer grau – sindicatos, federações ou confederações –, implicando absoluto monopólio de representatividade em determinada base, que jamais poderá ser inferior a um Município nem superior ao espaço territorial da nação.

Hinz (2005, p. 17) leciona que a categoria, ao pretender fixar a base territorial de sua representação, deverá, obrigatoriamente, observar o princípio da unicidade sindical (CF/88, art. 8º, II). Eventual pretensão de estender a base territorial anteriormente existente dependerá de não haver, na nova base, sindicato que represente a categoria, sob pena de caracterizar conflito de representação. “Ocorrendo esse conflito, deverá prevalecer a representação da entidade que há mais tempo a exerce naquela base territorial” (STF, RR 199, 142, 2ª T., rel. Min. Nelson Jobim), considerando a data de sua fundação ou de início de representação da categoria no Ministério do Trabalho e Emprego[4], e não de obtenção de sua personalidade jurídica junto ao cartório de registro de títulos e documentos ou pessoas jurídicas. A competência para dirimir eventual conflito de representação, por força do art. 114, III, da CF, será da Justiça do Trabalho.

Conforme ressalta Nascimento (2011), a Convenção nº 87, ratificada por mais de cem países, por meio da qual permite a livre escolha, pelos próprios interessados, do sistema que julgarem melhor para a realização dos seus interesses, enseja a pluralidade sindical, permitida na França, na Itália, na Espanha entre outros países. Para o referido autor, o princípio da unicidade é contraditório à liberdade sindical, e se caracteriza como uma afronta à democracia. A Constituição Federal de 1988, ao conservar a unicidade ou monismo sindical, não teria acompanhado a evolução do sindicalismo dos países democráticos. Seria contraditória ao manter o princípio da unicidade sindical ou da proibição de mais de um sindicato de igual categoria na mesma base territorial, “herdado da Consolidação das Leis do Trabalho, esta, por sua vez, fundada nos princípios do corporativismo” (NASCIMENTO, 2011, p. 1273).

Nesse ponto, vale destacar que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, embora considere constitucional o princípio da unicidade sindical, considera-o retrógado, pois conserva, “até os dias atuais, o espírito corporativista inspirado na Carta del Lavoro”. (TST, AIRR-252800-54.2008.5.02.0068. 8ª T., Ministra Relatora Dora Maria da Costa, 25/09/2013).

Segundo o Procurador do Trabalho Cristiano Otávio Paixão Araújo Pinto (2012), o Brasil já possui uma história institucional de defesa de direitos fundamentais do trabalho. Isso permite a análise mais apurada de um quadro de contradição entre a unicidade sindical e todos os dispositivos constitucionais que se contrapõem a ela, como a liberdade sindical prevista no artigo 8º da Constituição. Para o autor, a unicidade “ainda produz efeitos, mas está caindo em certa obscuridade”.

De qualquer forma, sabe-se que esse dispositivo, na prática, não é observado com rigor extremado. Como ressalta Nascimento (2011), em desacordo com a lei, surgiu, empiricamente, uma estrutura sindical pluralista, tanto na cúpula, onde há cinco centrais sindicais, como na base da pirâmide, em que há cerca de dezesseis mil sindicatos, muitos, disfarçadamente, concorrendo com outros que representam o mesmo ramo ou indústria, em bases territoriais municipais, intermunicipais, estaduais e, por exceção, nacional. Ademais, esse princípio tem sido contornado com o desmembramento de sindicatos. O Supremo Tribunal Federal entendeu que o desmembramento de uma das categorias representadas por confederação, criando uma nova, não fere o princípio da unicidade sindical.

É pacífica a jurisprudência deste nosso Tribunal no sentido de que não implica ofensa ao princípio da unidade sindical a criação de novo sindicato, por desdobramento de sindicato preexistente, para representação de categoria profissional específica, desde que respeitados os requisitos impostos pela legislação trabalhista e atendida a abrangência territorial mínima estabelecida pela CF.” (AI 609.989-AgR, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 30-8-2011, Segunda Turma, DJE de 17-10-2011). [grifei].

Grande parte da doutrina entende que o princípio da unicidade sindical restringe a livre constituição de sindicatos pelos interessados, de modo que aqueles que pertencem ao grupo não têm outras opções, ainda que em desacordo com as diretrizes sindicais, tendo, assim, a sua liberdade tolhida. A representação dos interesses fica canalizada para um único sindicato, não havendo alternativas para os sindicalizados em desacordo com as diretrizes da diretoria do sindicato, a não ser influir nas eleições para a sua renovação.

Para Merísio (2011), a unicidade sindical não é reconhecida no Direito Internacional do Trabalho, e afronta a Convenção nº 87 da OIT, já que não permite a expressão de diferentes correntes filosóficas e políticas, sujeitando grupos minoritários à vontade do grupo predominante. Refere que “a OIT verificou que, em diversos países, a instalação de um governo pluralista e democrático significou a abolição da unicidade sindical e a substituição de um regime que permite o pluralismo sindical” (MERÍSIO, 2011, p. 50). E segue:

A unicidade se identifica à segmentação e redução da sociedade a padrões classistas, corporativistas e tribalistas [...] só podendo ser defendida por arquétipos antiliberais, presentes no corporativismo, fascismo ou comunismo soviético. É a negação da democracia, da liberdade e do próprio direito de associação, que é a base da liberdade sindical. (MERÍSIO, 2011, p. 50-51). [grifei].

Na mesma corrente segue Saraiva (2011, p. 372): “em verdade, a unicidade sindical imposta pela CF/1988 limita e restringe a plena liberdade sindical, pois impossibilita a livre criação de vários sindicatos representativos da mesma categoria em idêntica base territorial”.

Para reforçar esse entendimento, refere Martins (2011) que essa exigência legal de que só pode haver um único sindicato em dada base territorial, que não pode ser inferior à área de um município, é herdade do regime corporativista de Mussolini. “Um único sindicato era mais fácil de ser controlado, tomando-se obediente. Nasce o sindicato por imposição do Estado, de cima para baixo. Não foi criado espontaneamente. Os líderes sindicais não surgiram, mas eram nomeados”. (MARTINS, 2011, p. 743).

Já a argumentação daqueles autores que defendem o princípio da unicidade sindical (MORAES, 1978; VIANA, 1943), é que ele promove melhor a unidade do grupo, solidifica-o e faz a união indispensável para que as suas reivindicações, maciçamente manifestadas, tenham condições de influir. Para eles, o princípio da pluralidade sindical divide o interesse coletivo e diminui o poder de reivindicação. Surgiria, além disso, uma dificuldade técnica por ocasião das reivindicações gerais do grupo, e que exigiriam atuação comum: a determinação do sindicato mais representativo e que procederá à negociação em nome de todo o grupo.

A solução apontada por Chiarelli (1980), que garante a liberdade sindical, é a que a unidade surja da pluralidade sindical. Para o autor, a unicidade gera uma exclusividade de representação classista que assegura certa acomodação das lideranças antigas, que, muitas vezes, na pluralidade, correm o perigo da concorrência renovadora. Já a pluralidade fraciona em vários segmentos representativos, sendo que será mais fácil ao poder econômico enfrentá-los. Conforme ressalta o autor, os países em que há maior vigor reivindicatório e maior capacidade de mobilização sindical são aqueles que ostentam a pluralidade entre as prerrogativas constitutivas da liberdade sindical em si; não existe a proposição da obrigatoriedade da pluralidade, pois esta vale como prerrogativa, como direito. Se os trabalhadores, apesar de terem a faculdade, preferirem agrupar-se em representações unitárias, estar-se-ia diante do ideal: a unidade na pluralidade.

Russomano (1984) também segue a mesma corrente de pensamento: “O sindicato único deve nascer da pluralidade sindical, ou seja, deve perdurar a unidade da categoria profissional ou econômica à margem da possibilidade, espontaneamente abandonada, de formação dos sindicatos dissidentes” (RUSSOMANO, 1975, p. 34).

O que estes últimos autores referem, trata-se da unidade prática, que, conforme Delgado (2010, p. 1239) “resulta da experiência histórica de sindicalismo, e não de determinação legal”. Esse sistema de liberdade sindical plena é o que defende a Convenção nº 87 da OIT, de 1948, ainda não subscrita pelo Brasil. Para o referido autor, o sistema de liberdade sindical plena não sustenta que a lei deva impor a pluralidade sindical. De modo algum: sustenta, apenas, que não cabe à lei regular a estruturação e organização internas aos sindicatos, cabendo a eles eleger, sozinhos, a melhor forma de se instituírem.

Embora a Convenção nº 87 da OIT tenha sido encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente da República em 1949, e no Congresso, objeto de um projeto de Decreto Legislativo, em trâmite desde 1984, como se pode verificar, a sua ratificação e promulgação esbarra em questões que somente serão resolvidas com a efetiva implantação de uma reforma sindical, o que encontra resistência por parte do Governo e dos sindicatos[5].


Conclusão

Diante do exposto, concluiu-se que o Brasil, desafortunadamente, em que pese tenha evoluído muito na garantia dos direitos sindicais com a Constituição Federal de 1988, esbarrou no momento em que ainda impede a plena liberdade de associação sindical por meio da unicidade sindical, regra derivada de um regime corporativista e fascista da década de 1930. A Carta Magna restringiu a liberdade sindical, no inciso II do seu art. 8º, em desconformidade com o que reza o seu artigo inaugural, ou seja, o próprio princípio democrático.

Observando a Convenção n.º 87 da OIT, verifica-se que esse diploma não impõe a pluralidade de sindicatos, mas garante a livre escolha para a sua adoção ou pela unidade sindical, que é diferente de unicidade sindical, já que dispõe que não cabe à lei regular a estruturação e organização internas aos sindicatos, mas cabe a eles, os sindicalizados, eleger sozinhos, a melhor forma de se instituírem.

Dessa forma, constatou-se que o princípio da unicidade limita de forma considerável a liberdade sindical, em confronto com a Convenção nº 87 da OIT, que, infelizmente, ainda não foi ratificada pelo Brasil por impeditivo constitucional.


REFERÊNCIAS

AVILÉS, Antonio Ojeda. Derecho Sindical. Madrid: Technos, 1980.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Especialistas afirmam que Brasil deve ratificar convenção da OIT sobre liberdade sindical. Disponível em: http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/id/1582577. Acesso em: 6 out. 2013.

CHIARELLI, Carlos Alberto. Sindicato e contrato coletivo de trabalho. Pelotas, 1965 (Tese)

MERÍSIO, Patrick Maia. Direito Coletivo do Trabalho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2010.

HINZ, Henrique Macedo. Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: Saraiva, 2005.

MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 28. ed. - São Paulo: Atlas, 2012.

MORAES, Eduardo Ribeiro. Regime sindical brasileiro não é compatível com modelo da OIT. Ultima Instância, 03 jul. 2008. Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/9101/regime+sindical+brasileiro+nao+e+compativel+com+modelo+da+oit.shtml. Acesso em: 7 out. 2013.

MORAES FILHO, Evaristo de. O problema do sindicato único no Brasil. São Paulo, Alfa--Ômega, 1978.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho, relações individuais e coletivas do trabalho. 26. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011.

OLIVEIRA, André Abreu de. Sistema da unicidade sindical no Brasil: herança deixada pelo autoritarismo?. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 67, ago 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6569>. Acesso em out 2013.

OLIVEIRA VIANA. Problemas de Direito Sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, 1943.

RUSSOMANO, Mozart Victor. Direito Sindical: princípios gerais, Rio de Janeiro, Konfino, 1975.

SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho para Concursos Públicos. 10. ed. São Paulo: Método, 2011.


Notas

[1] A norma que regulamentava o tema era o Decreto n. 24.694, de 12 de julho de 1934.

[2] A OIT foi instituída pelo Tratado de Versalhes, de 1919. Posteriormente, a Declaração da Filadélfia, de 1944, complementou aquelas disposições. Os países que integram a Organização das Nações Unidas são automaticamente membros da OIT. As convenções da OIT possuem natureza de tratados internacionais multilaterais, estabelecendo normas obrigatórias àqueles Estados que as ratificarem.

[3] A Convenção nº 98 da OIT, completa esse quadro, ao declarar que os trabalhadores deverão gozar de adequada proteção contra todo ato de discriminação tendente a diminuir a liberdade sindical em seu emprego.

[4] Até que lei venha a dispor a respeito, cabe ao Ministério do Trabalho proceder ao registro das entidades sindicais e zelar pela observância do princípio da unicidade (Súmula 677, STF).

[5] Tramitam no Congresso Nacional duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) de nº 29/2003 e 369/2005, que nas suas ementas propõem extirpar do ordenamento jurídico a unicidade sindical. 

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Sobre o autor
José Pedro Oliveira Rosses

Advogado. Bacharel em Direito da Universidade da Região da Campanha (URCAMP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSSES, José Pedro Oliveira. Plena liberdade sindical da Convenção nº 87 da OIT contra o princípio da unicidade sindical do art. 8º, II, da CF/88. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3838, 3 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26319. Acesso em: 22 dez. 2024.

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