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Aposentadoria compulsória de pessoal da administração pública direta, autárquica e fundacional submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho

11/01/2014 às 10:51
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A regra constitucional da aposentadoria compulsória aplica-se aos servidores estatutários e celetistas, como restou pacificado, inclusive, quanto aos empregados de empresas estatais.

1. Em primeiro lugar, convém salientar que, como é do conhecimento geral, a interpretação se faz sobre textos e não sobre normas (ver: GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Petrópolis: Vozes, 2.ª edição, 1998; LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 3.ª edição, 1997; MÜLLER, Friedrich. Discours de la méthode juridique. Paris: Presses Universitaires de France, 1.ª edição, 1996).

2. Em segundo lugar, como também em geral se conhece, normas são gênero que envolve duas espécies: regras e princípios (ver: DWORKIN, Ronald. Taking rights seriously. Cambridge, Mass: Harvard Univ. Press, 1978). Princípios são normas que admitem a utilização da técnica da ponderação. Regras não admitem tal técnica (ver: ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993).

3. Em terceiro lugar, ao intérprete não é dado excepcionar onde não excepcionou o legislador (ver: MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. São Paulo: Saraiva, 20.ª edição, 2011).

4. Ademais, ao intérprete da Constituição, mui especialmente, não se permite substituir a ideologia objetivamente consagrada no Texto Maior pela ideologia por si subjetivamente ostentada (ver: CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 3.ª edição, reimpressão, 1999).

5. Por fim, ainda que se admitissem como aceitáveis posturas contrárias ao que se apresenta aqui, tratar-se-ia, a rigor, de exigência inafastável a explicitação de uma vontade DA Constituição com o intérprete imbuído de uma vontade DE Constituição; e, portanto, de exigir que o intérprete esteja predisposto a dotar o Texto Maior de força normativo-jurídica em vez de conferir-lhe qualificação de mera exortação moral (ver: HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editores, 1991).

6. A regra constitucional (ressalte-se: regra!) da aposentadoria compulsória aplica-se aos servidores estatutários e celetistas como restou pacificado, inclusive, quanto aos empregados de empresas estatais, isto é, empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, pessoas juridicas de direito privado constituídas com capital exclusiva ou majoritamente estatal para girar sob forma de sociedade com fins econômicos.

7. Nesse sentido é o escólio do Eminente Ministro Maurício Godinho Delgado que, na condição de relator do agravo de instrumento em recurso de revista n.º AIRR-978-21.2010.5.02.0074, teve a oportunidade de submeter a questão à 3ª Turma do eg. TST, ocasião em que proferiu voto acolhido pela unanimidade de seus pares, do qual se extrai o seguinte excerto:

“O termo servidor público abrange os servidores estatutários e os empregados públicos contratados pela Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional. (...)

A aposentadoria compulsória prevista no art. 40, § 1º, II, da CF, aos 70 anos de idade, constitui causa ensejadora da rescisão do contrato de trabalho do servidor público "lato sensu" da Administração Pública Direta, Fundacional ou Autárquica, independentemente do regime jurídico adotado, se celetista ou estatutário.

Dessa forma, considerando-se incontroverso o fato de que o reclamante já alcançou a idade limite de 70 anos e, ainda, que era empregado de entidade autárquica, a aplicação da disposição contida no art. 40, § 1º, II, da CF é medida que se impõe ao administrador público.”

8. A conclusão é perfilhada por remansosa jurisprudência dos tribunais pátrios, conforme corroboram os seguintes arestos:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EXTINÇÃO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. EFEITOS. DECISÃO DENEGATÓRIA. MANUTENÇÃO. A aposentadoria compulsória do servidor público estatutário ou do servidor regido pela CLT, inclusive os empregados dos demais entes estatais (empresas públicas, sociedades de economia mista, etc.), extingue automaticamente seu vínculo jurídico estatutário ou empregatício com a respectiva entidade estatal, por força de comando constitucional inarredável. Tendo em vista que a aposentadoria compulsória não decorre da vontade das partes, mas de um comando constitucional, não há falar em dispensa arbitrária ou sem justa causa. Sendo assim, indevidas quaisquer verbas rescisórias, tais como aviso prévio indenizado e multa de 40% do FGTS. Diante disso, não há como assegurar o processamento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os fundamentos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.(TST-AIRR-2249-90.2010.5.02.0001, Relator Ministro: Maurício Godinho Delgado, 3ª Turma, DEJT de 27 de setembro de 2013).

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. EFEITOS SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO. Constatada a violação direta e literal do artigo 40, § 1º, II, da Constituição da República, impõe-se o provimento o Agravo de Instrumento para determinar o processamento do Recurso de Revista. Agravo de Instrumento conhecido e provido. II – RECURSO DE REVISTA. PROCESSO ELETRÔNICO – APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO CELETISTA. EFEITOS SOBRE O CONTRATO DE TRABALHO. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a aposentadoria compulsória acarreta a automática extinção do contrato de trabalho do servidor público celetista, ao qual se aplica a disposição inserta no artigo 40, § 1º, II, da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido. (TST-RR-76200-67.2009.5.15.0009, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaral, 8ª Turma, DEJT de 20 de setembro de 2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ARTIGO 40, § 1º, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. APLICAÇÃO AOS SERVIDORES PÚBLICOS REGIDOS PELA CLT. Recurso de revista que não merece admissibilidade em face da aplicação das Súmulas nos 296, item I, e 333 desta Corte, do que dispõe o artigo 896, § 4º, da CLT, bem como porque não ficou configurada, de forma direta e literal, nos termos em que estabelece a alínea "c" do artigo 896 consolidado, a alegada ofensa ao artigo 40, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, pelo que, não infirmados os fundamentos do despacho denegatório do recurso de revista, mantém-se a decisão agravada por seus próprios fundamentos. Ressalta-se que, conforme entendimento pacificado da Suprema Corte (MS-27.350/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 04/06/2008), não configura negativa de prestação jurisdicional ou inexistência de motivação a decisão do Juízo ad quem pela qual se adotam, como razões de decidir, os próprios fundamentos constantes da decisão da instância recorrida (motivação per relationem), uma vez que atendida a exigência constitucional e legal da motivação das decisões emanadas do Poder Judiciário. Agravo de instrumento desprovido. (TST-AIRR-1835-24.2010.5.15.0133, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, DEJT de 13 de setembro de 2013).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. MULTA DE 40% DO FGTS. EMPREGADO PÚBLICO. Demonstrada aparente violação do art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal é de se determinar o processamento do recurso de revista, para melhor análise. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. MULTA DE 40% DO FGTS. EMPREGADO PÚBLICO. Nos termos do art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal, tanto o servidor público estatutário quanto o empregado público devem se aposentar ao completarem 70 anos de idade. Importante ressaltar que não se há falar em incompatibilidade entre o dispositivo constitucional e o fato de o servidor ser celetista, tendo em vista que as regras do Capítulo VII do Título III da Constituição Federal aplicam-se aos servidores públicos, ainda que celetistas. In casu, o servidor completou 70 anos de idade em 3/12/2009, tendo sido aposentado na mesma data. Portanto, tendo em vista a normatização constitucional, não se há falar em dispensa arbitrária ou sem justa causa. Ante o exposto, não há de se falar em recebimento da multa de 40% sobre o FGTS. Recurso de revista conhecido e provido (TST, RR- 570-25.2010.5.15.0088, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, DEJT de  31 de agosto de 2012).

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. ARTIGO 40, § 1º, II, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. APLICAÇÃO AOS SERVIDORES PÚBLICOS REGIDOS PELA CLT. A aposentadoria compulsória aos 70 anos de idade, prevista no art. 40, § 1º, II, da Constituição Federal, aplica-se aos servidores públicos, ainda que regidos pela CLT. Por outro lado, evidenciando o Regional que o contrato de trabalho foi extinto em 12.10.2004, quando o Reclamante completou setenta anos de idade e que a reclamação trabalhista foi ajuizada somente em 2.6.2008, resta consumada a prescrição (art. 7º, XXIX, da Constituição Federal). Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST, AIRR-116140-15.2008.5.02.0016, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT de 23 de abril de 2010).

APOSENTADORIA COMPULSÓRIA. EFEITOS NO CONTRATO DE TRABALHO. EXTINÇÃO. O autor, empregado público de autarquia estadual, reveste-se da condição de servidor público lato sensu, aplicando-se a ele as normas e princípios previstos na Carta Magna Brasileira para a Administração Pública Direta, Autárquica e Fundacional, o que inclui os empregados públicos  celetistas,  inclusive   as regras de aposentadoria previstas no art. 40, §1º, II. Da leitura da referida norma verifica-se, cristalinamente, ser imperativa a extinção do contrato de trabalho aos servidores públicos aos 70 anos de idade, não sendo possível aplicar na casuística o entendimento inerente aos casos de aposentadoria voluntária, esta que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento das ADI's 1.770-4/DF e 1.721-3/DF, não extingue o contrato de trabalho. (TRT da 2ª Região, Processo n.º 0133100-24.2009.5.02.0012, Relator Juíza Maria Isabel Cueva de Moraes, 4ª Turma, DEJT de 19 de fevereiro de 2013).

EMPREGADO PÚBLICO. APOSENTADORIA COMPULSÓRIA (SEPTUAGENÁRIA). MANTENÇA NO SERVIÇO PÚBLICO. IMPOSSIBILIDADE. NULIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 40, §1º, II, DA CF/88.  A aposentadoria compulsória do empregado público extingue automaticamente o vínculo jurídico com a respectiva entidade, por força do art. 40, §1º, II, da CF/88. A continuidade da prestação de serviços pelo servidor, após o jubilamento, deve ser declarada nula, porquanto viola o citado comando constitucional, fazendo o trabalhador jus à contraprestação mínima pelo tempo de labor, consistente no salário/saldo salarial, sem quaisquer outros consectários acessórios previstos na legislação trabalhista. (TRT da 15ª Região, Processo n.º 0118300-52.2008.5.15.0080, Relator Luiz Carlos Cândido Martins Sotero da Silva, 8ª Turma, DEJT de 30 de junho de 2011).

9. O entendimento acima cristalizado aplica-se aos empregados públicos de empresas estatais e, com maior razão ainda, aos que se encontrem na Administração Direta, Autárquica e Fundacional ocupando cargos ou empregos públicos.

10. O preceito, ressalta-se novamente, que determina a extinção da relação do empregado público com a Administração Pública não é da espécie normativa denominada “principio” e, portanto, não admite a aplicação da técnica da ponderação.

11. Além disso, regra que é, não está dentre aquelas que admitem exceção ao seu campo de aplicação; exceção que somente poderia ser colhida de texto expresso da Constituição.

12. Relembre-se que, na Administração Pública, não há uma vontade do administrador senão aquela coincidente com a contida na Lei. O administrador, assim, tem poderes apenas e tão somente para atender aos comandos constitucionais e legais e, em tal sentido, dar o cumprimento fiel e exato aos seus deveres.

13. De outra parte, bom que se diga, é certo que a Constituição preconiza a proteção do idoso, mas jamais às custas da força normativa e da máxima efetividade da Constituição, da eficiência administrativa e do amplo acesso aos cargos, empregos e funções públicos. Ora, é precisamente à situação jurídica do idoso que seja servidor ou empregado público que se dirige o comando constitucional em questão.

14. Não há razão pública que justifique tratar de maneira excepcional tais pessoas no que pertine à compulsória sob pena de perpetuação da relação de uma casta com o Estado, algo completamente contrário à noção de República e de Democracia.

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Sobre o autor
Marco Antônio Ribeiro Tura

Pesquisador do Programa de Pós-Doutorado em Direito Político e Econômico da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo e Orientador do Grupo de Regulação de Mercados e Políticas Setoriais do Programa de Pesquisas em Finanças Públicas da Escola de Administração Fazendária. Doutor em Direito Internacional e Integração Econômica pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Instituições Jurídico-Políticas pela Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Ministério Público da União. Procurador do Trabalho no Estado de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TURA, Marco Antônio Ribeiro. Aposentadoria compulsória de pessoal da administração pública direta, autárquica e fundacional submetido ao regime da Consolidação das Leis do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3846, 11 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26374. Acesso em: 23 abr. 2024.

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