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A plenitude de defesa no tribunal do júri

03/02/2014 às 07:23
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O princípio da plenitude defesa oferta diretrizes próprias ao Tribunal do Júri. Cabe destacá-las e sistematizá-las, para que se cumpram os objetivos constitucionais e a própria igualdade das partes nos processos relativos aos crimes dolosos contra a vida.

O Tribunal do Júri é concebido, em sua feição moderna, com o objetivo de garantir imparcialidade, pela construção do veredicto por juízes de fato não possuidores de qualquer vinculação com as estruturas formais do Estado, o que bem serve a promover a efetiva igualdade entre as partes.

Dessa forma, a atuação do Juiz Presidente é de importância destacada, pois a ele compete velar para que os jurados se mantenham distantes de qualquer influência outra que não a discussão da causa no plenário do júri, bem como deve atuar  para promover a igualdade efetiva das partes.

Atenta a necessidade de atuação com o objetivo de ser promovida a igualdade entre as partes, a Constituição Federal proclama que no Tribunal do Júri, mais além da ampla defesa, vigora a plenitude de defesa.

Não se deve precipitadamente interpretar este princípio constitucional, limitando-a a um conteúdo puramente formal, pois, em verdade, o que ele  faz é estabelecer um comando quanto à  estruturação de todo procedimento do Tribunal do Júri.

Não se trata de mera repetição da garantia de ampla defesa, contemplada no artigo 5º, inciso LV, da carta constitucional, pois seria absolutamente ilógico tivesse a Constituição Federal promovido, quando tratou do Tribunal do Júri, mera e desnecessária repetição da mesma garantia de ampla defesa, prevista para todos os processos judiciais e administrativos.

 Deve ser observado que, tendo em conta a gravidade dos fatos que são submetidos a julgamento pelo Júri e, por via de consequência, a magnitude das penas que podem ser impostas, a Carta Maior estabeleceu o conteúdo de reforço nos predicados defensivos em favor do acusado.

 Há verdadeiro desequilíbrio constitucional quando nos julgamentos pelo Júri, no sentido de que as interpretações devem ser sempre as mais aptas a atender o conteúdo dos interesses defensivos, da mesma forma, não pode haver a utilização de qualquer mecanismo que minore as possibilidades de se defender do indivíduo acusado.

Não há, com isso, que se imaginar ocorrida quebra à isonomia das partes no processo, pois o que a Constituição Federal faz é promover aparente desequilíbrio em favor da defesa para cumprir a exigência de real isonomia ou isonomia material.

É inegável que o poderio estatal na persecução criminal é incomparavelmente superior à capacidade de defesa de qualquer acusado, pois, se de um lado está toda a estrutura policial civil e militar, além de um dos órgãos mais aparelhados e poderosos do Estado brasileiro, o Ministério Público; de outro, atua o acusado apenas com a proteção de seu defensor em clara desigualdade de armas.

Por exemplo, é deferido ao Ministério Público poder investigatório, mas não se cogita em estender a possibilidade investigativa à defesa, na verdade, sequer é referido, que nos demais países do mundo em o Ministério Público tem capacidade de investigar diretamente fatos delitivos os quais servem como argumento retórico para sustentar que ele também deve poder no Brasil, a defesa também dispõe de poderes próprios para tal, por exemplo, pode intimar pessoas, colher provas, ouvir testemunhas, com pleno valor probatório.

Nesse sentido é que a Carta Magna fixa a plenitude de defesa para produzir a hermenêutica no Júri em favor da defesa, com o objetivo de equilibrar as partes que se encontram em manifesto desequilíbrio.

Assim refletiva a matéria, o que a lei maior exige do Juiz Presidente é que promova atuação efetiva de viabilização da mais plena atuação defensiva, bloqueando tentativas de impedi-la ou de minorar as ferramentas de atuação da defesa de quem se encontre acusado.

Bem a propósito, os Tribunais Superiores começam a observar que a presença da plenitude de defesa gera campos próprios no Tribunal do Júri que, se em um primeiro momento parecem desequilibrar a relação entre as partes, em verdade a promovem, de sorte que, a garantia de mera igualdade formal, esta sim, representa desequilíbrio, claramente em favor da acusação.

Quando se trate do Júri, portanto, a garantia de plenitude de defesa estabelece a determinação de que as interpretações sejam em privilégio da preservação da liberdade, o que visa estabelecer equilíbrio entre o acusado e o Estado, pois na relação entre o particular acusado e o poder público, por certo há uma hipossuficiência daquele, tendo em conta o gigantismo do aparelhamento estatal.

Embora seja inviável tentar arrolar todas as inúmeras decorrências da plenitude de defesa, dentro de sua correta compreensão, algumas diretrizes para solucionar assuntos debatidos na atualidade podem ser apresentas:

  1. O protesto por novo júri segue em vigor, pois a reforma legislativa que o suprimiu da legislação retira mecanismo de defesa previsto quando da edição da Constituição Federal, o que produz redução nas ferramentas defensivas, produzindo esvaziamento da garantia de plenitude de defesa;
  2. Ao ser sustentada tese alternativa desclassificatória, a sua quesitação deve ser posterior ao quesito legal obrigatório de absolvição (o réu deve ser absolvido?), na medida em que a absolvição é consequência mais benéfica que a desclassificação, sendo incompatível com a plenitude de defesa bloquear a sustentação de tese alternativa desclassificatória, por vincular esta ocorrência, a não apreciação pelos jurados da possibilidade de absolver o acusado;
  3. Não deve haver interrupção da arguição pela defesa de testemunhas e indeferimento de seus questionamentos, digam respeito às condições pessoais dos envolvidos, testemunhas, até aos mais detalhados aspectos fáticos, salvo se manifestado de forma evidente não guardarem qualquer relação, ainda que remota, com qualquer assunto que possa ser debatido no processo;
  4. O órgão de acusação estatal não deve gozar de posição de destaque, quer sentando-se em local avantajado, quer sendo auxiliado pelos funcionários do Poder Judiciário na colheita de elementos e utilização de recursos para a produção da acusação;
  5. Não é aceitável jurado a compor o Conselho de Sentença, cujo sorteio para a lista de jurados que participarão da sessão periódica, não tenha sido objeto de intimação da defesa para acompanhamento, se o desejar, sejam sorteados a qualquer título, mesmo como suplentes;
  6. É inadmissível que jurado cujo nome e profissão não se deu prévio conhecimento à defesa possa integrar o Conselho de Sentença;
  7. Não é legítima a existência de salas ou gabinetes para o órgão de acusação na sede do Poder Judiciário, em especial onde funciona o Tribunal do Júri.

Conforme já referido, os apontamentos acima representam apenas algumas diretrizes em relação ao princípio da plenitude de defesa, mas, em hipótese alguma nelas há esgotamento.

O essencial é a verificação do efetivo reforço ofertado pela Carta Constituinte ao trabalho defensivo no Tribunal do Júri. Com isso é estabelecido um trabalho hermenêutico particular quando diante dos crimes dolosos contra vida, pois há que se viabilizar de forma total o equilíbrio entre as partes, o que somente se consegue quando se reconhece estar o acusado em condição inferior em face ao poderia estatal, e, então são preservados de forma absoluta os elementos que permitem o efetivo desenvolvimento da defesa em seu favor.

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Sobre o autor
Adel El Tasse

Professor de Direito Penal em cursos de graduação e pós-graduação, professor na Escola da Magistratura do Estado do Paraná e no Curso Cers, mestre e doutor em Direito Penal, coordenador no Paraná da Associação Brasileira dos Professores de Ciências Penais e do Núcleo de Estudos Avançados em Ciências Criminais e membro do Conselho de Direitos Humanos do Município de Curitiba.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

EL TASSE, Adel. A plenitude de defesa no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3869, 3 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26557. Acesso em: 19 abr. 2024.

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