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Regime jurídico do direito de propriedade do estrangeiro

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As restrições ao direito de propriedade impostas aos estrangeiros são uma forma de discriminação baseado na nacionalidade, o que, não obstante, é admitido por nosso ordenamento jurídico.

O direito de propriedade, no Brasil, é uma garantia fundamental, uma cláusula pétrea prevista da Constituição Federal de 1988. Contudo, o regime de propriedade pode variar conforme a nacionalidade do indivíduo. É justamente dessas diferenças que trata o presente artigo.

O direito de propriedade é assegurado pelo art. 5º, XXII, da Constituição[1], que se aplica a brasileiros e estrangeiros residentes. No entanto, o próprio art. 5º da Carta Maior traz ressalvas gerais quanto a esse direito em seus incisos XXIII a XXV[2], além de outras esparsas por seu texto (arts. 20, § 2º, 170, 176, 182, § 3º, 184, 190, 216, § 1º, 222, 243). Além dessas restrições constitucionais, encontramos na legislação modalidades de restrição e intervenção no direito de propriedade, das quais citamos algumas:

·  Propriedade de armas de fogo (Estatuto do Desarmamento).

·  Tombamento (Decreto-lei nº 25/1937).

·  Seqüestro de bens de pessoas indiciadas por crimes contra a Fazenda Pública (Decreto-lei nº 3.240/1941).

·  Restrições relativas à preservação do meio ambiente (Código Florestal e Lei Federal nº 9.985/2000).

· Restrições decorrentes do direito de vizinhança, do abuso do direito de propriedade, das árvores limítrofes, da passagem forçada, da passagem de águas, dos limites entre prédios e dos direitos de tapagem e de construção (Código Civil).

Todavia, há restrições ao direito de propriedade impostas especificamente ao estrangeiro, em razão de sua condição. Essas restrições estão previstas tanto na Constituição Federal quanto nas leis infraconstitucionais. O regime jurídico dos alienígenas está previsto no Estatuto do Estrangeiro, Lei Federal nº 6.815, de 1980, regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 86.715, de 1981. Não obstante, veremos que muitas restrições ao direito de propriedade dos estrangeiros estão previstas em outras leis. Passemos, portanto, a análise dessas restrições.


Imóveis Rurais

A própria Constituição faz uma ressalva expressa em seu art. 190, ao dispor que a lei regulará e limitará a aquisição ou o arrendamento de propriedade rural por pessoa física ou jurídica estrangeira e estabelecerá os casos que dependerão de autorização do Congresso Nacional. A lei que regulamenta esse dispositivo é a Lei Federal nº 5.709/1971, no que é minudenciada pelo Decreto Presidencial nº 74.965/1974. As restrições à aquisição e arrendamento de imóveis rurais por estrangeiros são as seguintes:

·  Limite de 50 Módulos de Exploração Indefinida (MEI), em área con­tínua ou descontínua para aquisição de imóvel rural por pessoa física estrangeira (art. 3º, caput, da Lei nº 5.709), só podendo ser afastado mediante autorização do Congresso Nacional;

· Limite de 100 MEIs, em área contínua ou descontínua para aquisição de imóvel rural por pessoa jurídica estrangeira (art. 23, § 2º, da Lei nº 8.629), só podendo ser afastado mediante autorização do Congresso Nacional;

·  Aquisição e ocupação de, no mínimo, 30% da área total por brasileiros, nos loteamentos rurais efetuados por empresas particulares de colonização;

· Limitação às pessoas jurídicas estrangeiras de aquisição de imóveis rurais unicamente para a implantação de projetos agrícolas, pecuários, indus­triais, ou de colonização, vinculados aos seus objetivos estatutários, com autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;

·  Limite de 1/4 da superfície do município para a soma das áreas rurais pertencentes a pessoas estrangeiras, físicas ou jurídicas, excluídas as pro­priedades de até três MEIs; e

·  Limite de 40% para pessoas de mesma nacionalidade sobre a parcela admitida para a aquisição por estrangeiros em cada município citada no item anterior, ou seja, 1/4, excluídas as propriedades de até três MEIs.

Em 2010, a Presidência da República conferiu caráter vinculante ao Parecer CGU/AGU nº 01/2008, que alterou a interpretação anteriormente conferida ao art. 1º, § 1º da Lei 5.709. Esse dispositivo estatui que se sujeita regime da Lei 5.709 a pessoa jurídica brasileira da qual participem, a qualquer título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu capital social e residam ou tenham sede no Exterior.

Por muito tempo a Advocacia-Geral da União sustentou que o referido dispositivo não havia sido recepcionado pelo art. 171, I, da Constituição de 1988, segundo o qual eram consideradas brasileiras empresas constituídas sob as leis nacionais e com sede no País. Ocorre que esse dispositivo da Constituição foi revogado pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995. Passados 15 anos, com o aval da Presidência da República, consolidou-se entendimento contrário, no sentido de que o art. 1º, § 1º, da Lei 5.709 havia, sim, sido recepcionado e que, tanto mais depois da supressão do art. 171, I, da Constituição, era ele perfeitamente aplicável. Com isso, todas as restrições a estrangeiros acima arroladas passaram a ser aplicadas a empresas “brasileiras” controladas por pessoas físicas ou jurídicas estrangeiras.

Ainda no tocante à propriedade imobiliária rural, há restrições ao estrangeiro previstas na legislação de proteção da faixa de fronteira, que é considerada área de interesse da segurança nacional. O art. 20, § 2º, da Constituição Federal estabelece que a faixa de até 150Km de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada funda­mental para defesa do território nacional, devendo sua ocupação e utilização ser reguladas em lei. O dispositivo é regulamentado pela Lei Federal nº 6.634/1979, que, por sua vez, é detalhada no Decreto Presidencial nº 85.064/1980. Entendemos, contudo, que a faixa de fronteira é apenas uma espécie de área de interesse da segurança nacional, como sugere o art. 91, § 1º, III, do Tex­to Constitucional.[3]

A Lei 6.634 impõe a exigência do assentimento prévio do Conselho de Defesa Nacional para a prática dos seguintes atos:

· Alienação e concessão de terras públicas, abertura de vias de transporte e instalação de meios de comunicação destinados à exploração de serviços de radiodifusão de sons ou radiodifusão de sons e imagens;

· Construção de pontes, estradas internacionais e campos de pouso;

· Estabelecimento ou exploração de indústrias que interessem à Segurança Nacional, assim relacionadas em decreto do Poder Executivo.

·  Instalação de empresas que se dedicarem às atividades de pesquisa, lavra, exploração e aproveitamento de recursos minerais e de colonização e loteamento rurais;

·  Transações com imóvel rural, que impliquem a obtenção, por estrangeiro, do domínio, da posse ou de qualquer direito real sobre o imóvel;

· Participação, a qualquer título, de estrangeiro, pessoa natural ou jurídica, em pessoa jurídica que seja titular de direito real sobre imóvel rural;

Como se pôde constatar, das seis hipóteses de necessidade de assentimento prévio, apenas duas tocam os estrangeiros. Todavia, a mesma Lei nº 6.634 exige que, no caso de instalação de indústrias ou empresas em faixa de fronteira, estas devem preencher os seguintes requisitos:

· Pelo menos 51% do capital pertencer a brasileiros;

·  Pelo menos 2/3 (dois terços) de trabalhadores serem brasileiros; e

·  Caber a administração ou gerência a maioria de brasileiros, assegurados a estes os poderes predominantes.

Tais restrições explicam-se por razões de soberania territorial e segurança nacional.


Imóveis Urbanos

A aquisição de imóveis urbanos por estrangeiros também sofre restrição em casos de terreno de Marinha, só podendo efetivar-se, segundo o art. 205 do Decreto-lei nº 9.760/1946, mediante autorização do presidente da República ou do ministro da Fazenda, por delegação. Entendemos, contudo, que essa ve­tusta provisão deve ser ajustada à ordem jurídica atualmente vigente, que prevê o assentimento do Conselho de Defesa Nacional para esse tipo de situação. A restrição, contudo, não se opera, segundo o próprio Decreto-lei nº 9.760, quan­do se tratar de unidade autônoma de condomínio regulada pela Lei Federal nº 4.591/1964, desde que o imóvel esteja situado em zona urbana, e as frações ideais pretendidas, em seu conjunto, não ultrapassem 1/3 de sua área total.

Empresa de Comunicação Social

Inicialmente, a Constituição Federal de 1988 vedava completamente aos estrangeiros e aos naturalizados brasileiros por até 10 anos a propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens, proibindo igualmente a participação de pessoas jurídicas no capital desse tipo de empresa, com algumas exceções.

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Posteriormente, com a Emenda Constitucional nº 36, de 2002, tais restrições foram flexibilizadas, de modo que se passou a permitir a propriedade de empresas voltadas à comunicação social a pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no País, desde que pelo menos 70% de seu capital votante estejam nas mãos de brasileiros natos ou naturalizados por mais de 10 anos. Regulamentando o art. 222, § 4º, da Constituição – inserido pela Emenda nº 36 –, a Lei Federal nº 10.610/2002 dispôs sobre a participação de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens.

Ademais disso, o Estatuto do Estrangeiro veda aos alienígenas o direito de posse de aparelho de radiodifusão, de radiotelegrafia e similares, ressalvada a reciprocidade de tratamento (art. 106, IX).

Empresa de Segurança Privada

O art. 11 da Lei Federal nº 7.102/1983 veda expressamente aos estrangeiros tanto a propriedade quanto a administração de empresas especializadas em prestação de serviços de segurança privada. Essa lei é regulamentada pelo Decreto Presidencial nº 89.056, de 1983. Trata-se de uma restrição ao direito de propriedade à qual não há menção no Estatuto do Estrangeiro.

Embarcações e Aeronaves

O Estatuto do Estrangeiro proíbe não apenas a propriedade de embarcações e aeronaves, como também a sua exploração (art. 106, I e V). No caso das aeronaves, o referido diploma legal ressalva disposições da legislação específica. Estas podem ser encontradas no Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei Federal nº 7.565/1986), que, por exemplo, permite a exploração de serviços de transporte aéreo público internacional por empresas estrangeiras (art. 203).

Direitos Sucessórios

Intimamente relacionados ao direito de propriedade estão os direitos sucessórios. O direito de herança é cláusula pétrea, garantido pelo inciso XXX do art. 5º do Texto Constitucional. No inciso seguinte, a Constituição faz uma “discriminação” favorável aos herdeiros brasileiros de bens situados no País pertencentes a estrangeiros falecidos.

Dispõe o inciso XXXI do art. 5º que a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus". Com isso, herdeiros brasileiros são beneficiados com a aplicação da legislação que lhes for mais benéfica, em prejuízo dos herdeiros estrangeiros.

Exploração de recursos minerais e hidráulicos

No Brasil, as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais, bem como os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao concessionário apenas a propriedade do produto da lavra (CF, art. 176). No caso dos estrangeiros, não somente a propriedade desses recursos é vedada como também a sua exploração e o seu aproveitamento (Estatuto do Estrangeiro, art. 106, IV).


Conclusão

Deve-se recordar que as restrições ao direito de propriedade impostas aos estrangeiros independem do fato de serem estes residentes ou não, embora a Constituição busque conferir aos estrangeiros residentes as mesmas garantias dos nacionais, como se deduz da dicção do caput do art. 5º. Tais restrições, como se viu, constam das leis e da própria Constituição Federal. Trata-se, portanto, de um tipo de discriminação baseado na nacionalidade, o que, não obstante, é admitido por nosso ordenamento jurídico.


Notas

[1] “XXII - é garantido o direito de propriedade;”

[2] O inciso XXIII trata da função social da propriedade; o inciso XXIV, da desapropriação; e o inciso XXV, da requisição.

[3] “Art. 91. § 1º Compete ao Conselho de Defesa Nacional: I - propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo”

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Sobre o autor
Fabio de Macedo Soares P. Condeixa

Jurista e cientista político. Autor dos livros "Princípio da Simetria na Federação Brasileira" (Lumen Juris, 2011) e "Direito Constitucional Brasileiro" (Lumen Juris, 2014).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CONDEIXA, Fabio Macedo Soares P.. Regime jurídico do direito de propriedade do estrangeiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3866, 31 jan. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26574. Acesso em: 25 abr. 2024.

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