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A determinação da competência nas ações de divórcio

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22/02/2014 às 13:32
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Analisa-se a determinação da competência nas ações de divórcio, em face da aparente contradição entre o art. 100 do CPC, que determina o foro privilegiado da mulher nas ações de divórcio e o princípio da igualdade consagrado no artigo 5º da CR/88

1 INTRODUÇÃO

O artigo tem por escopo analisar como se determina a competência nas ações de divórcio, em face da aparente contradição entre o artigo 100 do Código de Processo Civil, que determina o foro privilegiado da residência da mulher, e o princípio da igualdade consagrado na Constituição da República Federativa do Brasil.

Para tanto, adentrou-se na evolução histórica do divórcio no Brasil e sua atual previsão, em razão da Emenda Constitucional 66, de 2010, que retirou do ordenamento jurídico pátrio a exigência de prazo e de prévia separação judicial para a realização do divórcio.

No entanto, necessário se fez demonstrar que a determinação da competência para realização do divórcio, que tem previsão no Código de Processo Civil, Código este de 1973 e, portanto, anterior à Constituição da República Federativa do Brasil, traz uma importante discussão sobre a constitucionalidade de tal dispositivo, uma vez que parece afrontar o principio da igualdade trazido pela primeira vez em 1988, com a atual Constituição.

Analisa-se ainda o posicionamento jurisprudencial e doutrinário a respeito do tema, verificando a viabilidade de se questionar ou não tal inconstitucionalidade ou se a interpretação conforme a constituição solucionaria a aparente contradição.

 Assim, foi possível estabelecer as premissas necessárias à análise do tema proposto, de forma a facilitar a aplicação do instituto, minimizando as dúvidas no momento da propositura das ações de divórcio e estabelecendo os requisitos necessários à compreensão e discussão da presente pesquisa.


2 O DIVÓRCIO NO BRASIL

2.1 A Família Matrimonializada

O casamento é um ato solene que constitui um vínculo familiar entre os cônjuges, podendo ser conceituado como uma entidade familiar matrimonializada.[1]

Desse modo, o conceito de família que sempre existiu na história da humanidade evoluiu ao longo dos anos e hoje tem como um de seus pressupostos o afeto, conforme se observa:

A alteração mais profunda, portanto, no conceito de família decorre do reconhecimento de um direito à felicidade individual diverso, mas não independente do bem-estar da própria instituição familiar. A felicidade da família passa a ser o somatório do bem-estar de cada um dos seus integrantes, da felicidade que o agregado familiar pode proporcionar a cada um de seus membros. A família despe-se da sua condição de unidade econômica e passa a ser uma unidade afetiva, uma unidade de afetos, relações e aspirações solidárias. [2]

Verifica-se de outro modo, que  o conceito de família não é exclusivamente ligado ao casamento, aliás, o casamento representa uma espécie do gênero entidade familiar, do qual decorrem uma série de entidades familiares.

O objeto da norma não é família, como valor autônomo, em detrimento das pessoas humanas que a integram. Antes foi assim, pois a finalidade era reprimir ou inibir as famílias “ilícitas”, desse modo consideradas todas aquelas que não estivessem compreendidas no modelo único (casamento), em torno do qual o Direito de Família se organizou. [...] o caput do art. 226 é, consequentemente, cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entidade que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensibilidade.[3]

Por esta razão é possível afirmar que a constituição do matrimônio e da união estável não visam à dissolução. Sabe-se, porém, que tanto o casamento, quanto a união estável, podem ser dissolvidos.

Dessa forma, não se pode exigir a manutenção de um vínculo conjugal ou de união estável em detrimento da felicidade dos cônjuges/companheiros e de seus filhos, pois dessa forma haveria violação da dignidade, da liberdade e das garantias individuais das pessoas envolvidas.

Exatamente por isso, surge o divórcio no ordenamento pátrio, como medida jurídica capaz de garantir os direitos estabelecidos na Constituição para proteção da dignidade do indivíduo e de sua autonomia, decorrente da própria liberdade humana de autodeterminar-se.

Cada consorte, portanto, passa a ser detentor do direito potestativo[4] de dissolver a união matrimonial que se almejava que fosse eterna.

Assim, o divórcio nada mais é que

Medida jurídica, obtida pela iniciativa das partes, em conjunto ou isoladamente, que dissolve integralmente o casamento, atacando, a um só tempo a sociedade conjugal (isto é, os deveres recíprocos e o regime de bens) e o vínculo nupcial formado (ou seja, extinguindo a relação jurídica estabelecida).[5]

Atualmente, não há requisitos temporais ou necessidade de prévia separação judicial para realização do divórcio, em razão da mudança promovida pela Emenda Constitucional 66/2010, mas nem sempre foi assim, como apresentado no tópico a seguir.

2.2 A História do Divórcio no Brasil

Com o avanço dos ideais da Igreja Católica, houve uma proibição da extinção do casamento, que somente ocorreria com a morte de um dos cônjuges, valendo a máxima de que “o que Deus uniu o homem não separa”. Até os dias atuais essa máxima é válida para o casamento na Igreja Católica Apostólica Romana, sendo apenas possível a celebração de novas núpcias com a morte de um dos cônjuges ou com a anulação do casamento religioso.[6]

Mesmo após a proclamação da independência no Brasil a Igreja permaneceu como relevante influência no que concerne ao casamento e sua dissolução sendo que, apenas no Império, no ano de 1861, houve uma flexibilização por parte da Igreja, através do decreto 1.144, que legitimou o casamento entre pessoas de seitas dissidentes “e inovou ao passar para a autoridade civil a faculdade de dispensar os impedimentos e a julgar a nulidade do casamento. No entanto, admitia-se apenas a separação pessoal.”[7]

No Código Civil de 1916, o término do casamento apenas era previsto na forma de desquite, seja amigável ou judicial, sendo aquele o resultante de um acordo entre os cônjuges, ou seja, uma manifestação mútua perante o juiz e devidamente homologado no sentido do fim do vínculo conjugal e este, o desquite judicial, caracterizado por uma decisão judicial em processo contencioso. Dessa forma, haveria a manutenção do vínculo matrimonial, por vez que legitimava apenas a simples separação de corpos.[8]

No decorrer dos anos não se observou avanços jurídicos quanto à dissolução do casamento, tal qual evidenciou a Constituição de 1937, que reiterou a ideia de indissolubilidades dos laços matrimoniais mantida nas constituições de 1946 e 1947, apesar de constantes tentativas de introdução do divórcio no Direito brasileiro.[9]

Uma das mais importantes inovações jurídicas no que se refere à ruptura do vínculo conjugal ocorreu em 1977, com a Lei nº 6.515, que instituiu oficialmente o divórcio no ordenamento jurídico brasileiro ao incluí-lo como nova possível forma de dissolução da sociedade conjugal, conforme evidenciado em seu art. 2°:

Art. 2º. A sociedade conjugal termina:

I - pela morte de um dos cônjuges;

II - pela nulidade ou anulação do casamento;

III - pela separação judicial;

IV - pelo divórcio;

Parágrafo único. O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.

Apesar de inserido no ordenamento jurídico brasileiro, permaneceu a exigência de um lapso temporal anterior para que houvesse a concretização do divórcio, acreditando-se na possibilidade de reconciliação dos cônjuges antes de efetivada a ruptura da sociedade conjugal.

Embora, por vezes, tal objetivo fosse alcançado de fato, possibilitando que casais em vias do divórcio reatassem, a morosidade passou a ser um adjetivo quase intrínseco desse rompimento legal e definitivo do casamento.

O novo Código Civil de 2002, por sua vez, abandonou a concepção patriarcal que embasava o Código anterior, segundo o qual era o casamento a única forma de constituição da família – baseada na figura do marido/pai. No Código atual, foram ampliadas as previsões de formas de constituição familiar, como a família monoparental e a decorrente da união estável, bem como houve a consagração da igualdade de direitos entre homem e mulher. O embasamento para tais modificações encontra-se na Constituição Federal de 1988, que introduziu relevantes modificações nos conceitos de família e no seu tratamento.[10]

Dessa forma, houve na Constituição da República de 1988 uma ampliação no rol de entidades familiares, fazendo-se necessária a redação de um novo Código Civil, atualizado, para regulamentar o Direito de Família, dotado de acepções atuais, abandonando, principalmente, os preceitos de indissolubilidade do casamento presentes no Código de 1916. [11]

O Novo Código Civil incorporou em seu texto um capítulo dedicado à dissolução da sociedade conjugal, conforme já previa a Lei do Divórcio n° 6.515, de 1977. Apesar de inovador quando comparado ao Código anterior, permanece a divisão entre separação consensual e litigiosa. Na separação consensual, percebe-se que há uma diminuição no chamado “prazo de experiência”, que passa de dois anos para um ano, o que evidencia uma tentativa de redução na morosidade do processo. Na separação litigiosa por culpa, por sua vez, percebe-se – conforme legado do antigo Código Civil de 1916 – a presença da enumeração de motivos que a ensejam, quais sejam: adultério, tentativa de morte, sevícia ou injúria grave, abandono voluntário do lar por um ano contínuo, condenação por crime infamante e conduta desonrosa.[12]

Quanto à separação judicial sem culpa, observa-se que houve a manutenção das causas objetivas, conforme prevê o art. 1.572, §§1° e 2°:

§1° - A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjuges provar ruptura da vida em comum há mais de um ano e a impossibilidade de sua constituição.

§2° -  O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossível a continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de dois anos, a enfermidade tenha sido reconhecida de cura improvável.

Importante frisar que, no caso previsto no referido §2°, conforme evidenciado, houve uma redução do prazo para a separação judicial, que deixou de ser de cinco anos (Art. 5°, §2°, da Lei nº 6.515) passando a ser de apenas dois anos.

Continuaram a existir as mesmas formas de divórcio previstas na Lei n°6.515, conforme disposto no artigo 1.580, §§ 1° e 2°, do novo Código Civil, sendo elas: o divórcio indireto, através da conversão da separação judicial em divórcio civil – após decorrido o prazo de um ano -; e o divórcio direto, mediante a comprovação da separação de fato pelo prazo mínimo de dois anos.

Ao contrário do disposto na Lei n°6.515, deixou de ser necessária a prévia partilha dos bens, entendimento pacificado pela súmula 197 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens”, o que impulsionou a celeridade processual.

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Insta salientar a inovação que trouxe o novo Código Civil no que se refere à Proteção da Pessoa dos Filhos (Capítulo XI), por vez que houve um abandono à previsão de que os “filhos menores ficarão com o cônjuge que a ela não houver dado causa” (Art. 10 da Lei n°6.515) passando a ser considerada, por seu turno, a capacidade dos genitores de oferecer melhores condições para exercê-la, favorecendo, portanto, o bem estar dos filhos.[13]

Isto posto, percebe-se que o Código Civil apresentou, ainda que embasado e norteado pelas inovações trazidas pela Lei n°6.515/1977, importantes modificações, principalmente no que concerne à tentativa de dotar de mais celeridade o processo de dissolução do vínculo conjugal.

Mesmo antes da Emenda Constitucional nº66/2010, surgiu uma maior facilidade da dissolução do casamento através da dissolução extrajudicial por via administrativa, feita em cartório pelo tabelião, como descrito na Lei nº 11.441/07, hipótese em que o divórcio poderá ser feito se for consensual e não houver filhos menores ou incapazes.

É o que diz o artigo 1.124-A, do CPC, que foi incluído pela norma supracitada, segundo o qual:

A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto a retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento.

Parágrafo 1º- A escritura não depende de homologação judicial e constitui titulo hábil para o registro civil e o registro de imóveis.

Parágrafo 2º- O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

Parágrafo 3º- A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei.

No entanto, a maior inovação no que concerne à celeridade no processo de ruptura do vínculo conjugal refere-se à Emenda Constitucional n° 66/2010. Conforme disposto na referida Emenda, o casamento civil poderá ser dissolvido através do divórcio, fato que trouxe grande facilidade e celeridade ao processo de ruptura da sociedade conjugal, como se analisa a seguir.[14]

2.3 A Emenda Constitucional n°66/2010

Se antes, conforme o exposto, era exigido certo lapso temporal para que se concretizasse a dissolução do casamento, com a Emenda Constitucional  66/10, tornou-se dispensável o requisito temporal, não se podendo, inclusive, questionar acerca da culpa na decretação do divórcio que passou a independer de condições ou de fatos pretéritos independendo, inclusive, da vontade do outro cônjuge.

Como já mencionado, a Emenda Constitucional n°66/2010 possibilitou a instauração do divórcio direto no Brasil, sem a necessidade de preenchimento de lapso temporal ou prévia separação judicial.

Com isso, o procedimento de divórcio ganhou  agilidade, facilitando, dessa forma, a extinção de casamentos em que um ou ambos os cônjuges não tem interesse em continuar casado.

Por outro lado, houve uma considerável economia processual, uma vez que não há mais necessidade de perquirição de culpa, como havia antes da referida emenda. Além disso, não há também a necessidade de propositura de separação judicial, o que diminui a quantidade de processos.

Observa-se que a  Emenda Constitucional trouxe novas implicações ao mundo jurídico, como a retirada do instituto da separação judicial prévio ao divórcio, em razão da alteração promovida no artigo 226 da Constituição.

EMENTA: FAMÍLIA - SEPARAÇÃO JUDICIAL - RESTABELECIMENTO DA SOCIEDADE CONJUGAL - SUPERVENIÊNCIA DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 66/2010 - POSSIBILIDADE - EFEITOS JURÍDICOS ADSTRITOS SOMENTE ÀS SEPARAÇÕES JUDICIAIS REQUERIDAS POSTERIORMENTE À SUA ENTRADA EM VIGOR - APLICAÇÃO, AO CASO CONCRETO, DO DISPOSTO NO ART.46 DA LEI 6.515/77 - PROVIMENTO DO RECURSO. - A despeito da Emenda Constitucional nº 66/2010 ter efetivamente retirado o instituto da separação judicial do mundo jurídico, os efeitos jurídicos daquelas separações ocorridas anteriormente à entrada em vigor da referida Emenda subsistem. - Os efeitos jurídicos, de fato e de direito, da separação judicial, devidamente homologados e concretizados de acordo com a legislação vigente à sua época continuarão regidos pela decisão judicial anterior, baseada, repita-se, na Lei então em vigor. (TJ/MG – Processo n°. 1.0313.06.205550-1/001. Des. Geraldo Augusto. Data da Publicação: 18/02/2011).

Assim, cumpre esclarecer que os casais que encontram-se separados judicialmente não estão automaticamente divorciados, devendo passar pelo procedimento de divórcio.

2.4 Do Procedimento de Divórcio

A legitimação nos processos de divórcio compete tão somente aos cônjuges, que deverão promover o procedimento de divórcio perante o juízo de família ou, se for consensual, sem filhos menores ou incapazes, perante o oficial do Cartório de Notas.[15]

Seja no procedimento judicial, seja no procedimento administrativo de divórcio, a presença do advogado é obrigatória. Já a presença do Ministério Público só é devida nas hipóteses em que há incapazes envolvidos, se houver filhos menores, por exemplo. Até por isso que não é possível realizar o divórcio extrajudicial nestes casos.

O efeito mais importante do decreto de divórcio é pôr termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso. Dissolvida a sociedade conjugal pelo divórcio, os cônjuges podem contrair novas núpcias, desaparecendo o impedimento legal.[16]

Como não há mais a necessidade de realizar a separação judicial antes do divórcio ou comprovar separação de fato, o procedimento de divórcio ficou muito mais célere, dispensando, inclusive, testemunhas e perquirição de culpa.

No entanto, a polêmica constitucionalidade sobre a determinação da competência nas ações de divórcio, prevista no artigo 100, I, do Código de Processo Civil será analisada detidamente no próximo capítulo por ser o objeto central desta pesquisa.


3 A DETERMINAÇÃO DA COMPETÊNCIA NAS AÇÕES DE DIVÓRCIO

3.1 O Artigo 100, I, do Código de Processo Civil

O artigo 100, I, do Código de Processo Civil estabelece que:

Art. 100. É competente o foro:

I - da residência da mulher, para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento;

Tal dispositivo se refere a determinação da competência em razão da residência  da mulher nas ações de divórcio e anulação de casamento.

Pela competência, atribui-se a função jurisdicional a um ou mais órgão do Poder Judiciário, o que possibilita àquele ou àqueles órgãos, com exclusividade, o exercício desse poder, a partir do momento que nesse se fixe a competência.[17]

Observa-se que o legislador optou pela terminologia residência e não domicílio. Isso porque, em regra, o domicílio da mulher é o do marido (do casal). No entanto, a mulher pode sim utilizar seu domicílio, local de trabalho, por exemplo, para estabelecer a competência e não tão somente sua residência, como parece indicar o dispositivo.[18]           

3.2 Natureza da Competência

A competência estabelecida no artigo 100, I, do Código de Processo Civil, é de natureza especial e relativa.

Dessa forma,

A regra de competência prevista pelo artigo 100, I, CPC, apesar de ser de foro especial, continua a ser regra de competência relativa, o que significa dizer que a mulher tanto poderá abrir mão do foro de seu domicílio, propondo o processo no foro de domicílio do marido, como também poderá permitir a prorrogação de  competência ao não ingressar com a exceção de incompetência caso o marido tenha proposto o processo no foro de seu próprio domicílio, ou ainda em qualquer outro que não seja o foro do domicílio da mulher.[19]

Infere-se, portanto, dessa natureza relativa que as partes podem livremente estabelecer a competência, principalmente nas hipóteses em que a mulher é autora e o divórcio é consensual, pois o privilégio estabelecido no artigo 100, I, do Código de Processo Civil, foi criado para proteger e atender aos interesses da mulher.

Assim, a mulher pode renunciar a este privilégio, criado exclusivamente para ela, pois não tem caráter absoluto, motivo pelo qual cabe tão somente à mulher o poder de renunciar à esta comodidade trazida pela lei.

ARGÜIÇÃO DE EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. REQUISITOS DA PETIÇÃO. AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL EM DIVÓRCIO. FORO DO DOMICÍLIO DA MULHER. ARTIGO 100 DO CPC. A petição de exceção de incompetência satisfaz os requisitos legais, se deixa claro a sua pretensão e o motivo porque o faz. A lei institui em favor da mulher o foro de sua residência para a ação de separação dos cônjuges e a conversão desta em divórcio, e para a anulação de casamento (art. 100, I, do CPC). Somente por renúncia dessa prerrogativa pelo cônjuge virago, por acordo das partes, pode ser derrogado esse critério de fixação de competência.   (Agravo de Instrumento  1.0567.05.089151-2/001, Rel. Des.(a) Fernando Bráulio, 8ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14/12/2006, publicação da súmula em 14/02/2007)

Tanto é assim, que a jurisprudência já pacificou entendimento de que “a incompetência relativa não pode ser declarada de ofício”, súmula 33 do Superior Tribunal de Justiça.

O próprio Tribunal de Justiça de Minas Gerais consubstancia o entendimento ora defendido, como pode ser observado:

AÇÃO DE CONVERSÃO DE SEPARAÇÃO EM DIVÓRCIO - PRERROGATIVA DE FORO -INCOMPETÊNCIA RELATIVA - DECLARAÇÃO DE OFÍCIO - IMPOSSIBILIDADE"A competência para a ação de separação judicial deve, de regra, ser fixada no foro de residência da mulher, conforme determina o inciso I do art. 100 do Código de Processo Civil, havendo possibilidade da derrogação dessa competência por convenção das partes. A incompetência relativa só pode ser arguida via de exceção. Qualquer inovação a essa regra processual é temerária, hostiliza a ordem legal, afrontando os art. 111, 112 e 114 do C.P.C., e até mesmo ignora o interesse da parte demandada" (TJMG - Ap. nº 1.0518.04.063904-0/001 - RELATOR: DES. GOUVÊA RIOS).   (Apelação Cível  1.0433.04.134051-7/001, Rel. Des.(a) Alvim Soares, 7ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/08/2005, publicação da súmula em 13/09/2005).

Ora, se a natureza da competência é relativa, não é permitido ao juiz e ao Ministério Público declarar incompetência relativa de forma oficiosa, até porque só caberia à mulher tal prerrogativa, nas hipóteses em que o marido é o autor da ação.

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Sobre a autora
Luciana Fernandes Berlini

Coordenadora dos Cursos de Pós Graduação da Faculdade Estácio de Sá. Professora de Direito de Cursos de Graduação e Pós-Graduação. Mestre e Doutora em Direito Privado pela PUC/Minas. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BERLINI, Luciana Fernandes. A determinação da competência nas ações de divórcio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3888, 22 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26761. Acesso em: 19 mar. 2024.

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